As comunidades quilombolas de São
Miguel, Rosário, Cariondo, Itapecuru, e Bom Jesus, Matinha, situam-se em
regiões geográficas distintas do estado do Maranhão, mas apresentam
dificuldades semelhantes, principalmente, com relação a regularização fundiária
e acesso aos recursos da biodiversidade. A biodiversidade passou a ser aclamada,
reivindicada e declamada como se fosse uma deusa da providência. As pessoas
desconhecem que em muitos casos a biodiversidade se encontra debaixo de fogo
cerrado da especulação imobiliária, do agronegócio e de grandes obras de infraestrutura.
Nesse fogo cerrado, a biodiversidade se afasta das vistas das pessoas que a
usam, que a promovem e que dela tiram seu sustento. A biodiversidade, então, ou
vira uma relíquia, para ser apreciada, ou vira um objeto, para ser estudado, ou
vira uma lembrança, para ser esquecida. Com relação a comunidade de São Miguel,
a biodiversidade se tornou uma lembrança não de bons tempos do passado e sim a
lembrança que um dia ela esteve ao alcance das mãos e que pela própria mãos das
pessoas da comunidade, perde-se vários aspectos da biodiversidade no seu
território. Alguns moradores de São Miguel derrubam o bacuri verde. Outros
moradores cortam o bacurizeiro para vendê-lo as serrarias. Roçar e queimar os
brejos em São Miguel ainda é uma prática comum o que afeta a preservação dos
recursos hídricos e a produção de juçara e de buriti. Antes de culpar os
agricultores familiares em São Miguel, deve-se entender como a falta de assistência
técnica e de capacitação em temáticas socioambientais interage com a urgência desses
agricultores em obter rendimentos para sua sobrevivência. O seu Manoel comenta
o dia em que pediu a visita de técnicos do município de Rosário para que eles
opinassem a respeito de uma praga que atacava o seu plantio de melancia. Os
técnicos não se deslocaram e ele se virou com a borrifação de agrotóxico que
resultou em perda e prejuízo para ele e para a comunidade.
Quanto mais a comunidade se
afasta da biodiversidade, mais ela se afasta do interior do seu território e do
seu histórico. As mulheres de Cariondo cultivam, em seus quintais, ervas
medicinais e verduras. Quando se pergunta sobre o babaçu, elas respondem que
não quebram mais porque cansa muito e que o babaçual próximo a comunidade não
se torna adulto em razão da retirada de palha para que algumas pessoas a vendam.
Ao ouvir as mulheres de Cariondo sobre o babaçual, a pessoa fica com aquela impressão
que não existe mais biodiversidade na comunidade. Se a biodiversidade abandonou
Cariondo como as mulheres expuseram qual é o diferencial da comunidade? As
pessoas se conformaram com os condicionamentos impostos pelas fazendas ao redor,
que tomaram seu território, e conformaram-se com a modernidade que oferece
vários produtos para o consumo. O óleo de soja pode ser ruim, mas vem embalado,
pronto para ser despejado na frigideira. Para obter o azeite de babaçu tem que
quebrar o coco. Na cabeça das mulheres reside a lembrança que o coco não tinha
valor monetário. E pelo visto ainda não tem. E qual é a importância de quebrar
coco? As experiências do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco babaçu
por todo o Maranhão quebraram muitos preconceitos ao desenvolverem projetos que
utilizam o babaçu para fins de indústria de cosméticos e para fins de segurança
alimentar. Quanto a existência ou não de biodiversidade em Cariondo, as
mulheres se recordaram de babaçuais que estão dentro do território e que por
não terem uso acabaram sendo esquecidas.
O acesso aos recursos da biodiversidade em
Matinha sofreu um revés com o veto do prefeito Beto Pixuta ao projeto Babaçu Livre apresentado
pelas comunidades quilombolas e aprovado pela câmara de vereadores. Dona
Rosário, dirigente do MIQCB e liderança da comunidade Bom Jesus, cobrou
explicações ao prefeito que justificou o seu veto dizendo que não queria criar
inimizade nem com os fazendeiros e nem com as quebradeiras. A alegação oficial
do prefeito foi que não houve audiência publica. A resposta de Dona Rosário foi
“então marque Beto a audiência se for o caso”. A área de Bom Jesus, comunidade
de Dona Rosário, estende-se por mais de quinze mil hectares, contudo as famílias
são impedidas por cercas de catar o coco babaçu, o buriti e o bacuri na floresta
e de pescar nos campos. O mais recente conflito se verificou com um
proprietário que cercou uma área de babaçual em frente a comunidade, queimou
dentro e botou gado. Só não cercou a igreja porque a comunidade impediu. mayron régis
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