Publicidade
ELISA UTINO
PEDRO HENRIQUE VITORIANO
PEDRO HENRIQUE VITORIANO
Pergunte a qualquer empresário se é simples administrar uma empresa. É provável que ele diga que não, que se trata de um desafio. Imagine, então, uma empresa que busca, ao mesmo tempo, proteger os direitos indígenas e preservar o meio ambiente. Em Carolina, uma pequena cidade do sul do Maranhão, a Fruta busca isso de uma forma saborosa: produzindo polpa de fruta.
Criada em 1994, a Fruta Sã, Indústria, Comércio e Exportação S.A. compra frutas nativas do cerrado e as transforma em polpas congeladas, que são vendidas em supermercados, lanchonetes e restaurantes da região. O grande diferencial de seu portifólio de 12 frutas -que inclui espécies exclusivas do cerrado, como cajá, bacuri, araçá, cagaita e murici- é a não adição de conservantes ou corantes, o que conserva suas polpas totalmente naturais.
Renan Dequech/Brasil 27 | ||
Índios de Carolina, no Maranhão, trabalham em fábrica de polpa de fruta congelada |
Mas a Fruta Sã é mais que uma fábrica de polpa de fruta, é a expressão de uma causa social, a causa indígena. De fato, a própria concepção da empresa é única, sendo resultado da união de duas organizações, uma indígena e outra indigenista. Juntos, a Associação Wyty Catë dos Povos Timbira do Maranhão e Tocantins e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) perceberam que a manutenção das culturas e do bem-estar dos indígenas da região passava necessariamente pela conservação do meio em que eles vivem (o cerrado, o segundo maior bioma do Brasil, que abrange 22% do território nacional) e pela geração de renda para essas comunidades.
Decorrência quase que natural de sua causa, a Fruta Sã é um negócio inclusivo por natureza. Hoje a empresa conta com mais de 250 fornecedores de frutas, em sua grande maioria pessoas físicas. São pequenos agricultores, pessoas que coletam frutas do quintal da própria casa, e indígenas que encontraram na Fruta Sã uma oportunidade de complementação de renda, pois a empresa trabalha na cadeia de composição de preço para pagar mais a seus fornecedores.
"Pagamos o preço justo pelas frutas. Enquanto outros pagam R$ 7 por um saco de tamarindo, nós pagamos R$ 30. Não fazemos isso por bondade, mas porque é viável para a Fruta Sã", afirma Mayk Arruda, 32, coordenador de projetos do CTI, em Carolina, responsável por promover a integração da Fruta Sã com indígenas e pequenos agricultores.
Em 2010, a renda média anual auferida pelas pessoas físicas no fornecimento de frutas para a Fruta Sã era de R$ 233,11. Em 2012 esse valor subiu para R$ 1.014,46, um aumento de 435%. Segundo Mayk, a expectativa é que em 2013 esse valor chegue a R$ 1.400.
PERCALÇOS
Mas a história da Fruta Sã não é apenas de crescimento e sucesso. A empresa quase quebrou em 2006, quando, devido a um problema técnico, perdeu todo seu estoque de polpas congeladas. Do incidente até 2010, a Fruta Sã ficou praticamente sem operar. "Tem pessoas aqui hoje que chegaram a ficar 12 meses sem receber, mas não desistiram, porque acreditam na causa da empresa. É um comprometimento único", conta Mayk. As atividades apenas voltaram ao normal com a chegada de novos sócios, ambos holandeses: a ICCO, um órgão holandês de cooperação, e Delidor Delicatessen B.V..
Além de parte dos recursos para a recuperação financeira da empresa, os novos sócios trouxeram também capital humano para profissionalizar a administração da empresa. "A Fruta Sã é a concretização de uma nova forma de cooperação da ICCO, na qual ela toma parte do negócio para ajudá-lo a se estruturar", explica Geert Haveman, 55, gerente geral da Fruta Sã.
Geert, que residiu no Brasil por muito tempo (era agricultor em Minas Gerais) antes de voltar à Holanda, resume a filosofia da parceria: "Voltei ao Brasil porque acredito no modelo de desenvolvimento de esforço conjunto. Sempre temos que partir das necessidades e aptidões locais e não simplesmente inserir uma fábrica pronta que não corresponde à realidade do lugar. Por isso, aqui na Fruta Sã, o produtor também deve estar inserido no processo de forma que cada um tenha clareza de suas responsabilidades".
Não é de se estranhar que uma sociedade tão mista (com uma associação indigenista, outra indígena, uma agência de cooperação e uma empresa holandesa) tenha conflitos ideológicos e de definição de linhas estratégicas. Porém Geert e Mayk concordam que tais conflitos geraram aprendizados e mudanças de mentalidade importantes para ambos os lados. "Para a Fruta Sã, ficou claro que ela não é não é um projeto social, mas uma empresa e, por isso, precisa se preocupar com sua organização e com resultados", diz Geert. Mayk completa: "Antes não havia uma separação clara da atuação do CTI, da Associação Wyty Catë e da Fruta Sã. Isso inclusive nos trazia dificuldades gerenciais. Agora está mais claro para todos que a Fruta Sã é uma empresa e, como tal, tem que gerar resultados".
Com muitos desafios de curto prazo pela frente -reconquistar os clientes que deixou de atender no período em que ficou inativo é um deles- a Fruta Sã já projeta passos maiores. Por acreditar que o modelo da Fruta Sã é replicável, Mayk vislumbra construir uma tecnologia social para o fim de 2014. "O que estamos construindo é um dispositivo para transformação social, geração de renda, valorização do trabalho. Seria muito mais fácil para a Fruta Sã plantar as espécies de que necessita e ser autossustentável. Mas esse não é o objetivo da fábrica. A Fruta Sã busca a inclusão social e econômica dos índios".
BRASIL 27
Iniciativa conjunta dos jovens Fabio Serconek e Pedro Henrique G. Vitoriano e contando com apoio do Centro de Empreendedorismo e Administração em Terceiro Setor (Ceats) da Universidade de São Paulo (USP), o Projeto Brasil 27 está visitando todos os Estados brasileiros para estudar, em cada um deles, um exemplo de negócio social. Conta com o apoio do ICE (Instituto de Cidadania Empresarial), das fundações Avina e Rockefeller, e da Rede Omidyar.
Os registros da jornada ficarão disponíveis no blog do projeto e serão publicados aqui, semanalmente, no Empreendedor Social.
Nenhum comentário:
Postar um comentário