A
discussão em torno do licenciamento ambiental nunca esteve tão acirrada
como no atual governo. Isso se deve em parte à maior exigência da
sociedade pelo respeito ao meio ambiente e pela obediência à legislação
ambiental, exigência que motiva a eterna vigilância de alguns órgãos
como é o caso do Ministério Público. De outra parte, sabe-se que o
governo busca a retomada do crescimento econômico do país em parceria
com grandes grupos econômicos, num curto espaço de tempo, através da
construção de obras de infra-estrutura que podem ajudar nessa retomada.
A
polêmica sobre o assunto intensificou com as declarações das empresas
empreiteiras e eletro-intensivas, e pelos discursos da Ministra de Minas
e Energia. Paulo Godoy, Presidente da Associação Brasileira da
Infra-estrutura e Industrias de Base (ABDIB) reclamou publicamente sobre
“a letargia e a indecisão” no processo de licenciamento, e Ministra
Dilma Roussef afirmou que 45 hidrelétricas já licitadas não conseguiram a
liberação por parte do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis) o que pode acarretar um novo apagão
até 2007, pois são 13 mil MW que não foram despejados no sistema
elétrico (FSP, 5 de agosto de 2004). Além dessas declarações, outras
vieram à tona, em jornais e revistas, apontando o Ministério do Meio
Ambiente e o Ibama como inimigos do progresso e responsáveis por parte
do atraso em que o Brasil se encontra na área de infra-estrutura e
logística.
Preocupados
com o grau de desinformação que se apresentava com relação a Estreito e
outros processos, o Grupo de Trabalho de Energia do Fórum Brasileiro de
Organizações Não-Governamentais e Movimentos Sociais para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento se reuniram em março deste ano com a
secretaria-executiva do Ministério do Meio Ambiente e o setor de
licenciamento do Ibama com a intenção de obter informações e colocar
considerações técnicas sobre as várias hidrelétricas que estavam em
análise. Ficou acertado que o Ibama disponibilizaria documentos sobre os
processos, desde que se fizesse um pedido oficial. O Fórum aguardou
cinco meses até que os documentos fossem enviados, devido às
dificuldades estruturais e materiais por que passa o órgão.
O
processo mais emblemático da discussão sobre licenciamento tem sido a
da hidrelétrica de Estreito, projeto de interesse do Consórcio Estreito
de Energia (CESTE) que prevê uma capacidade instalada de geração de
1.087 MW. Conta-se dois anos desde as cinco audiências públicas sobre a
hidrelétrica nos municípios de Carolina, Babaçulândia, Filadélfia,
Estreito e Aguiarnópolis, sem que ainda se tenha nenhuma previsão sobre a
viabilidade ambiental ou não do projeto.
O
Fórum conseguiu 8 volumes que constituem o processo de licenciamento da
hidrelétrica Estreito. Nos documentos ficamos a par de todo o processo
que se inicia no ano de 2000 antes da entrega do EIA-Rima e a licitação
da hidrelétrica pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).. As
principais informações contidas no EIA-Rima caracterizavam os impactos
de Estreito em uma inundação de 710 km2, no deslocamento de
13,939 pessoas, e na perda de 15.880 ha de lagoas e 45.780 ha de mata de
galeria ao longo dos quase 300 km do reservatório que seria formado
pela barragem. E que também haveria interferência na produção de
agricultores da região, tanto com os coletores de babaçu, muito comum na
região. Após as audiências públicas de julho de 2002, praticamente
estava certo para os empreendedores que o Ibama daria a licença prévia,
mas em 2003 a nova administração do Ibama reverte essa expectativa ao
enviar equipes ao ambiente do projeto para fazerem novos levantamentos
in situ cujos resultados foram os pedidos de readequações dos estudos do
projeto.
As
readequações estão relacionadas à fauna, afetada pela obra, melhor
caracterização dos ecossistemas e das sub-bacias afetadas, a necessidade
(recomendação da FUNAI) de analisar os impactos no povo indígena
Apinajé (a reserva fica a 40 km da barragem), estudos adicionais sobre
impactos na qualidade de água, e projeções sobre a subida do espelho de
água, entre outros. O consórcio CESTE (Tractebel, Companhia Vale do Rio
Doce, Alcoa, BhpBilliton, e Camargo Corrêa) chegou a negar de fazer as
novas coletas de fauna em 3 épocas do ano, afirmando ao Ibama que os
resultados das primeiras amostras foram semelhantes aos daquelas do
EIA-Rima, um fato com que Ibama não concordou. Novas dúvidas sobre a
qualidade técnica dos estudos surgiram quando CESTE informou ao Ibama
que novos levantamentos aéreos confirmaram que a área da inundação
provocada pela barragem seria 30% menor que previsto no EIA-Rima.
CESTE
vem pressionando o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama para liberarem
a licença prévia, sem a realização de novas audiências publicas, uma
das razões que embasam as ações civis públicas dos Ministérios Públicos
do Maranhão e do Tocantins contra a hidrelétrica de Estreito. Se os
novos estudos não apresentaram alterações significantes quanto ao estudo
original, os impactos ambientais são contornáveis e os impactos sociais
são positivos, como afirma CESTE, por quê, então, CESTE teme novas
audiências públicas?
A
nossa conclusão é que, sim, existem atrasos excessivos nas deliberações
do Ibama, principalmente por falta de quadros para analisar os estudos.
Faltam também técnicos para averiguar as dimensões dos impactos sobre a
população a ser atingida pela obra. Mas também, há um clima de
enfrentamento construído por interesses econômicos querendo fazer um
curto-circuito dos legítimos processos em prol a proteção do meio
ambiente e dos direitos das populações locais Há a necessidade de
estabelecer um padrão mais claro para licenciamento ambiental, que
contempla os usos múltiplos de água, os impactos cumulativos de várias
obras num rio como o Tocantins, previsto de ser transformado numa escada
de grandes lagos, e para melhor analisar as alternativas para fornecer
energia necessária para o desenvolvimento do país.
*
Mayron Régis Brito Borges, jornalista, assessor de comunicação do Fórum
Carajás, rede de ONG`s, sindicatos e Movimentos sociais dos estados do
Pará, Tocantins e Maranhão. Glenn Switkes, jornalista, Diretor do
Programa na América Latina da International Rivers Network. As
organizações fazem parte do GT Energia do Fórum Brasileira de ONGs e
Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento.
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