Certo
dia bateu uma velha saudade de visitar a comunidade tradicional de Santa Maria,
terra de histórias e lendas que atravessam gerações. Então fui até a casa do
Sr. Nonato Crispim velho corajoso que ainda prefere se vestir e calçar a moda
antiga. Perguntei ao Crispim como estava a área onde era localizada a antiga
fazenda de cana de açúcar do fazendeiro João Paulo de Miranda, Crispim não
escutou direito, fui obrigado então a repetir novamente, ele me respondeu
dizendo que a área do engenho está sendo ameaçada, pois agora pertence a um
gaúcho que não entende nada de Reforma Agrária e muito menos do valor de
nossa identidade cultural. Fazia uma boa
temporada que não visitava aquela área, atravessamos o Rio Boa Hora por cima de
um buritizeiro e chegamos do outro lado com muita dificuldade, Crispim que
quase não se cala contou a famosa história de quando o antigo fazendeiro se
apropriou da área, isso ainda no século XIX, pois agora ela está sob processo
tramitando no INCRA para desapropriação fundiária em beneficio da comunidade.
Trilhamos as veredas fechadas repletas de espinho de tucum e coroatás, fomos
primeiramente até um famoso pé de pequi que tem mais ou menos 150 anos de
existência... é um pequi-açú, árvore frondosa e admirável. O velho Crispim que
já se encontra na casa dos 90 anos de idade disse que quando era criança o
pequizeiro já era daquele jeito, refletindo que a existência da fazenda tem um
tempinho. Segundo informações dos antigos moradores, a história de Santa Maria
remonta o período oitocentista e o inicio dos ciclos das fazendas no baixo
paraíba maranhense, Antonio Paulo de Miranda veio do Piauí para montar seu
engenho de açúcar e criar gado nas proximidades do rio Boa Hora, para que ele
desenvolvesse os trabalhos de produção de açúcar teve portanto que modificar a
geografia do rio. Foi construído uma parede de pedra para mudar o nível e assim
facilitar a moenda da roda no córrego. Até hoje existe os vestígios das
muralhas e pedras polidas que cercavam a área dos fornos e um calabouço que
acredita-se ter sido construído para castigar negros fujões. Visitamos um por
um de cada resto que sobrou das paredes da antiga casa grande do fazendeiro e
as casas de fornos. Tudo dentro do matagal, aquela área deveria ser preservada
e protegida por algum órgão do patrimônio histórico, já que está em processo. Muitos
alunos com o auxilio de professores já visitaram aquele lugar, além de outros
pesquisadores profissionais de universidades. Cansativos, concluímos a visita e
as fotos e por volta de meio dia retornamos para as moradias. Crispim já
bastante cansado pela idade descansou um pouco debaixo das mangueiras para
acrescentar suas histórias. Disse que seu avô lhe contava sobre as brincadeiras
dos escravos de João Paulo de Miranda, que após os trabalhos iam tocar tambor e
berimbau para o lado da “chapada do meio”, um lugar bem distante das casas,
hoje coberta de eucalipto e pertencente à Suzano. Ainda relembrou sobre as
passagens das negras que pegavam água em cabaças e as rezas de dor de dente que
as benzedeiras praticavam no povoado. O tempo foi passando e as histórias quase
não tinham fim, foi daí então que o ancião Crispim começou a destrinchar as passagens
macabras da comunidade desde os tempos dos escravos e as atrocidades praticadas
pelos feitores de João Paulo de Miranda. Disse que o fazendeiro quando foi
embora, pegou toda sua riqueza e depositou dentro de um forno de cobre e
colocou outro por cima e atirou tudo junto a um poço no rio, conhecido como
“poço da obra” -, acredita-se de uma grande riqueza em ouro e prata que até
hoje está lá no fundo d`água, o poço é vigiado por um peixe surubim pintado que
assusta os moradores quando aparecem no lugar. Em fim... teve muitas outras versões dos contos orais do Sr. Crispim, onde
imagina-se a potencia de informações de uma memória rica daquele senhor de
idade. Foi um grande aprendizado, além do medo nas veredas fechadas e a coragem
de voltar pra casa.
José Antonio Basto
Urbano
Santos-MA, 30/07/2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário