terça-feira, 20 de dezembro de 2016

STJ nega suspensão de liminar que determina a Suzano Papel e Celulose que não amplie seus plantios de eucalipto no Baixo Parnaiba maranhense

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 2.212 - MA (2016/0314231-0)
REQUERENTE : ESTADO DO MARANHÃO
PROCURADOR : RICARDO DE LIMA SÉLLOS E OUTRO (S) - MA008386
REQUERIDO : DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR DO AGRAVO DE INSTRUMENTO NR00546073620164010000 DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1A REGIÃO
DECISÃO
Vistos, etc.
Trata-se de pedido formulado pelo ESTADO DO MARANHÃOvisando ao sobrestamento dos efeitos da tutela recursal deferida nos autos do agravo de instrumento n.º 0054607-36.2016.4.01.0000/MA, Relator o Desembargador do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região Souza Prudente, que determinou à Interessada, Suzano Papel e Celulose S.A., que se abstenha de expandir os plantios de eucalipto, com a interrupção do processo de desmatamento do cerrado maranhense e de implantação de florestas, ressalvada a manutenção dos plantios já existentes.
Na origem, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra o ESTADO DO MARANHÃO e outros, pretendendo a proteção ambiental "das áreas ocupadas por comunidades tradicionais do Baixo Parnaíba maranhense, região impactada pela atuação da empresa Suzano Papel e Celulose S.A." (fl. 43).
Extrai-se da petição inicial da ação civil pública o seguinte trecho:
"[...] os impactos ambientais em questão somente foram propiciados em virtude da atuação da empresa ora requerida, com a conivência do Estado do Maranhão, que absteve-se de fiscalizar concretamente o empreendimento, mesmo em face da extensão dos prejuízos averiguados, através da SEMA, órgão licenciador. Mas, além da conivência dos órgãos estaduais, verifica-se a falta de exercício da competência comum do IBAMA, embora tenha sido ele cientificado das circunstâncias da degradação." (fl. 54)
Indeferido o pedido de antecipação da tutela pelo Juízo da 8.ª Vara Federal da Seção Judiciária do Maranhão (fls. 98-105), foi interposto agravo de instrumento perante o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região. O Relator antecipou a tutela recursal – decisão ora atacada.
Daí o presente pedido de suspensão. O ESTADO DO MARANHÃO sustenta que o decisum tem o potencial lesivo à ordem pública, porque foi desconsiderado o procedimento administrativo prévio, dotado de presunção de legitimidade e de legalidade, próprios dos atos administrativos.
Aduz que há o manifesto interesse do Requerente em preservar as suas finanças, tendo em conta que a execução imediata da decisão sub judice inibirá a arrecadação de tributos recolhidos pelo empreendimento, "além da perda de empregos diretos e indiretos ali gerados" (fl. 29).
Prossegue na defesa da legalidade do processo de licenciamento ambiental e na alegação de que há perigo de irreversibilidade da tutela deferida.
É o relatório. Decido.
De saída, anoto que, nos termos do art. 25 da Lei n.º8.038/90, a competência do Superior Tribunal de Justiça para examinar o pedido de suspensão de liminar está vinculada à fundamentação infraconstitucional da causa de pedir da ação principal:
"Art. 25 - Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional , compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal." (grifei)
O Supremo Tribunal Federal, no exame da SS n.º 2.918/SP, adotou o seguinte entendimento:
"Vale ressaltar, ainda, ser irrelevante, para fixação da competência desta Suprema Corte, o fato de, no pedido de suspensão, ter sido suscitada ofensa a normas constitucionais. É que, 'para a determinação da competência do Tribunal, o que se tem de levar em conta, até segunda ordem, é - segundo se extrai, mutatis mutandis, do art. 25 da Lei 8.038/90 - ofundamento da impetração : se este é de hierarquia infraconstitucional, presume-se que, da procedência do pedido, não surgirá questão constitucional de modo a propiciar recurso extraordinário' (Rcl 543, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 29.09.1995)." – (Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ de 25/5/2006 – grifei.)
Além disso, sobre a competência para o exame do pedido suspensivo, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça assim decidiu:
"PEDIDO DE SUSPENSÃO DE MEDIDA LIMINAR. CAUSA COM FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Se a causa petendi é de natureza constitucional, nada importa a dimensão infraconstitucional que lhe tenha dado o juiz ou o tribunal local, nem o fundamento do pedido de suspensão; a vocação dela é a de ter acesso ao Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental não provido." (AgRg na SLS n.º 1.372/RJ, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJe 23/9/2011.)
Na espécie, o tema controvertido (degradação ambiental provocada por atividade
consistente no plantio de eucalipto) tem natureza constitucional (arts. 23, incisos VI e VII, e 225§ 1.º, incisos IV, da Constituição da República). Reproduzem-se os seguintes trechos da petição inicial da ação civil pública:
"[...] Com efeito, os problemas experimentados no ecossistema do Baixo Parnaíba são decorrentes do empreendimento implantado, em razão dos impactos gerados da sua implantação e funcionamento, em detrimento ao meio ambiente sadio. O direito ao ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, reconhecido pelaConstituição Federal, é considerado um direito fundamental, dito de terceira geração .
Esses direitos ditos de terceira geração destinam-se à proteção do homem em coletividade e, assim, são de titularidade coletiva ou difusa e também recebem o título de direitos de solidariedade em razão do interesse comum que liga as pessoas, da sua implicação coletiva e por exigirem esforços e responsabilidades em escala e em conjunto para sua efetivação.
Esse direito é desrespeitado em relação à parcela maranhense do cerrado impactada pelo empreendimento, a qual é progressivamente devastada para dar lugar às plantações de eucalipto da empresa requerida, bem como para satisfazer as necessidades essenciais desse tipo de empreendimento. Essa situação vem se agravando em virtude da concessão indevida de licenças ambientais e da falta de fiscalização do órgão estadual competente (SEMA), bem como da ausência de monitoramento ambiental da área pelo IBAMA.
Ressalta-se, ademais, a importância do cerrado como um dos principais e mais extensos biomas nacionais, bem como a presente situação de vulnerabilidade em que ele se encontra, face aos crescentes empreendimentos poluidores e devastadores que se estabeleceram em diversas áreas do país, situação que exige uma atuação enérgica do Poder Público." (fls. 54-55 – grifei)
"[...] A Carta Magna determina que a competência para a proteção do meio ambiente, o combate à poluição e a preservação das florestas, fauna e flora é comum a todos os entes federativos:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas tomas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; (...)
No entanto, em que pese o aludido mandamento constitucional, aduz o IBAMA que a autarquia federal não seria responsável por estipular medidas de prevenção, mitigação e minimização dos impactos ambientais, vez que o empreendimento agrícola da requerida SUZANO PAPEL E CELULOSE foi licenciado pelo órgão estadual de meio ambiente (SEMA), sendo deste último a competência para a fiscalização das áreas licenciadas.
Ocorre que, conforme entendimento do e. TRF da 1.ª Região já exposto
anteriormente, a alegação da autarquia não merece prosperar, pois mesmo não sendo a entidade responsável pela emissão das licenças ambientais, o IBAMA possui o dever institucional de coibir abusos e danos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, vez que trata-se de órgão executor da Política Nacional do Meio Ambiente."(fl. 57)
A evidenciar a natureza constitucional da causa, a decisão sub judice foi assim fundamentada:
"[...] Não obstante os fundamentos deduzidos em que se amparou a decisão agravada, vejo presentes, na espécie, os pressupostos do art. 1019, I, do CPC, a autorizar a concessão da almejada antecipação da tutela recursal.
Com efeito, a tutela jurisdicional postulada nos autos de origem independe da identificação prévia de quem deu causa aos danos ambientais ali descritos, na medida em que tal pleito limita-se à imposição de obrigação de não fazer à promovida Suzano Papel e Celulose S.A, consistente na vedação da expansão das atividades desenvolvidas na área em referência e de novos desmatamentos, com a consequente atuação das pessoas jurídicas de direito público, também promovidas, no sentido de que procedam à devida fiscalização visando a efetiva implementação das medidas restritivas postuladas.
No mais, a pretensão em referência encontra-se em perfeita sintonia com a tutela cautelar constitucionalmente prevista no art. 225§ 1.ºV e respectivo § 3.º, da Constituição Federal , na linha auto-aplicável de imposição ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, para as presentes e gerações futuras (CF, art. 225, caput), tudo em harmonia com o princípio da precaução.
Há de ver-se, porém, que, em homenagem à tutela ambiental acima referida, ações agressoras do meio ambiente, como a noticiada nos autos de origem, devem ser rechaçadas e inibidas, com vistas na preservação ambiental, em referência. Na espécie dos autos, contudo, o desmatamento noticiado, que já se operou, e o conseqüente dano ambiental, que já se materializou, não afastam as medidas de cautela necessárias, a fim de evitar-se o agravamento desse dano ambiental, sem descurar-se das medidas de total remoção do ilícito ambiental, na espécie, bem assim, da tutela de precaução, para inibir outras práticas agressoras do meio ambiente, naquela área afetada .
Não cabe invocar-se, aqui, categorias jurídicas de direito privado, para impor a tutela egoística da propriedade privada, a descurar-se de sua determinante função social e da supremacia do interesse público, na espécie, em total agressão ao meio ambiente, que há de ser preservado, a qualquer custo, de forma ecologicamente equilibrada, para as presentes e futuras gerações, em dimensão difusa, na força determinante dos princípios da prevenção e da participação democrática (CF, art. 225, caput).
Na ótica vigilante da Suprema Corte,"a incolumidade do meio ambiente não
pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laborai (...) O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente , que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações."(ADI-MC nº 3540/DF — Rel. Min. Celso de Mello — DJU de 03/02/2006)
Com estas considerações, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal, formulado na inicial, para determinar à promovida Suzano Papel e Celulose S/A que se abstenha de expandir os plantios de eucalipto, com interrupção do processo de desmatamento do cerrado maranhense e de implantação de florestas de eucalipto, ressalvada a manutenção dos plantios já existentes, na área descrita nos autos , devendo oEstado do Maranhão, através de seu órgão ambiental competente, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA acompanhar e fiscalizar a execução da medida restritiva aqui imposta." (fls. 139-141 – grifei)
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do presente pedido de suspensão.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 28 de novembro de 2016.
MINISTRA LAURITA VAZ
Presidente

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