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on 16/11/2016
O empreendimento
faz parte de um projeto do governo federal que visa ligar os estados do Rio
Grande do Sul e do Pará
Lilian Campelo
Brasil de Fato | Belém (PA), 13 de
Novembro de 2016 às 22:30
Um pé de piquiá define os limites entre as comunidades quilombolas
África e Laranjituba, localizadas no município de Abaetetuba (PA). Lá, os
caminhos são pavimentados pelo cacau caído no chão direto do pé, as crianças
correm livremente, os pássaros que se abrigam na floresta também circulam
pelas comunidades e as águas geladas e transparentes dos igarapés são
apreciadas pelos moradores da região. Esse cenário, entretanto, está situado no
trecho da Ferrovia Norte-Sul (FNS) que liga Açailândia (MA) a Barcarena (PA), e
corre o risco de desaparecer.
O empreendimento, que teve início na década de 1980 e tem a
ambição de ligar o Pará ao Rio Grande do Sul, é gerenciado pela Valec Engenharia,
Construções e Ferrovias S.A., empresa pública é vinculada ao Ministério
dos Transportes, que também gerencia a exploração da infraestrutura
ferroviária.
Ela publicou, em 2012, um Estudo de Viabilidade Técnica,
Econômica e Ambiental (EVTEA) em que consta sugestões de alternativas de
traçados que ligará o Maranhão ao Pará. Nele, há um diagnóstico ambiental e os
possíveis impactos na região pela implantação do empreendimento. Segundo o
documento, a malha ferroviária será de 477 quilômetros, a ser usada para o
escoamento da soja e do minério produzido na região até o porto da Vila do
Conde, em Barcarena (PA), passando sobre terras de comunidades quilombolas,
indígenas e agricultores rurais.
Até agora, a única fonte de informações que a comunidade têm sobre
a ferrovia é o site da empresa. Magno Nascimento, que é morador de Laranjituba
desde criança e conhece bem o território, comparou os mapas que constam no
EVTEA com o mapa dos limites das comunidades e constatou que elas estão bem no
centro de onde passará a ferrovia.
Os moradores das comunidades estão apreensivos com as consequências da
obra. “Se alguém fala: ‘olha já liberaram o recurso pra construção’, ou alguém
do Moju [município próximo] liga: ‘olha tão contratando gente pra abrir a
ferrovia’, a gente nem consegue dormir”, afirma Luís Augusto, presidente
da Associação Quilombola África e Laranjituba.
Ele visitou o território quilombola Santa Rosa dos Pretos,
localizado em Itapecuru Mirim (MA), e conheceu de perto os impactos causados
por uma ferrovia da Vale S.A, que corta o território. Ele relata que ouviu
depoimentos que o deixaram impressionado.
“Eles viviam como a gente, mas, depois que chegou a ferrovia, isso
mudou. Acabaram os igarapés, os peixes, a mata, o sossego. E a gente tem
uma preocupação grande com um castanhal que preservamos há muito tempo, do qual
muitas famílias sobrevivem”, afirma Augusto.
Nas duas comunidades quilombolas, a principal atividade econômica é o
agroextrativismo, aliança entre agricultura familiar, cultivo de árvores frutíferas,
pesca, coleta de sementes e frutos (como a castanha do Pará e o açaí). Alguns
moradores produzem farinha de mandioca e panelas de barro, e, nos
quintais, a criação de pequenos animais soltos também incrementa a renda.
Nascido na comunidade, Augusto morou em Belém por três anos para
estudar, mas não se adaptou ao ritmo urbano e logo voltou para a comunidade.
Atualmente, ele produz farinha para o próprio consumo e vende açaí por rasa, um
cesto de palha confeccionado pelos próprios moradores que serve como medida e
equivale a duas latas de 14 quilos. Ele afirma que, em época de boa
colheita, consegue tirar R$ 2 mil por dia.
Principal corredor de exportação
Com a expansão do agronegócio na Amazônia, o chamado Arco Norte (que abrange Rondônia, Amazonas, Amapá, Pará e o Maranhão) se tornará a principal via de escoamento para a exportação de grãos e minérios.
Com a expansão do agronegócio na Amazônia, o chamado Arco Norte (que abrange Rondônia, Amazonas, Amapá, Pará e o Maranhão) se tornará a principal via de escoamento para a exportação de grãos e minérios.
De acordo com o relatório de mercado da empresa, o principal corredor de
exportação brasileiro será o centro da região Norte-Nordeste, “mas a capacidade
de embarque de grãos em São Luís está estagnada em 2 milhões de toneladas por
ano há 18 anos, e a de Belém é zero”. Por isso, a expectativa é que haja
investimentos na região para superar essas limitações.
Guilherme Carvalho, coordenador da Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educacional (Fase) Programa Amazônia, explica que os portos de Santos,
em São Paulo, e o de Paranaguá, no Paraná, encontram-se congestionados e longe
dos principais estados de produção de grãos, tornando o preço do produto nada
atraente para o mercado externo. Neste cenário, a alternativa encontrada foi a
Amazônia.
“Transportar pela nossa região é muito mais barato porque ela está mais
perto da Europa, dos Estados Unidos e do canal do Panamá, que dá acesso à China
e Japão. É mais rápido e mais barato”.
O relatório da Valec produzido em 2012 aponta que, atualmente, o Brasil
é o segundo país que mais consegue suprir os mercados internacionais de
exportações do agronegócio, e estima que entre cinco e dez anos consiga
ultrapassar os EUA, pois já esgotaram “fronteira de produção”. A Amazônia
atualmente é considerada a última fronteira agrícola do Brasil.
Para atender ao mercado, um plano de transporte multimodal que interliga
diferentes meios como hidrovias, rodovias, ferrovias e portos vêm ganhado
força. O Plano Nacional de Logística e Transporte (PNLT), de 2009, recomendou
investimentos até 2023. A rede logística tem o objetivo de conectar toda a
Amazônia com os principais mercados consumidores, e a ferrovia Norte- Sul faz
parte do plano.
Em um tom alarmante, Carvalho informa que a região está vivendo um
processo de saque em grande escala dos recursos naturais, e que a tendência é
que aumentem os conflitos no baixo Tocantins no Pará, região considerada
estratégica por ser próximo ao Porto de Vila do Conde, em Barcarena (PA).
Outro lado
Em nota, a Valec afirma que o EVTEA é tem caráter preliminar e apenas elabora uma diretriz de traçado para a ferrovia. O traçado propriamente dito será determinado por estudos posteriores, como o Projeto Básico de Engenharia e o Projeto Executivo.
Em nota, a Valec afirma que o EVTEA é tem caráter preliminar e apenas elabora uma diretriz de traçado para a ferrovia. O traçado propriamente dito será determinado por estudos posteriores, como o Projeto Básico de Engenharia e o Projeto Executivo.
O Estudo de Impactos Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA) ainda não foram realizados para este trecho específico, mas, segundo a
empresa, um futuro EIA/RIMA contemplará em detalhes cada uma das
comunidades quilombolas.
A empresa é responsável pela construção e exploração de infraestrutura
ferroviária e realizou os estudos do trecho, mas, segundo a assessoria, a Valec
não está mais responsável pela ferrovia Açailândia-Barcarena – a
responsabilidade, agora, é da Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT). A ANTT não respondeu aos questionamentos sobre o caso até a publicação
desta reportagem.
Ilustração: Mulher da comunidade quilombola de Laranjituba colhendo
fruto em um açaízeiro / Rosilene Miliotti
Edição: Camila Rodrigues da Silva
Atualizada em 14/11/2016, às 11h04.
https://www.brasildefato.com.br/2016/11/14/comunidades-quilombolas-do-para-temem-impactos-da-ferrovia-norte-sul/
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