sábado, 23 de abril de 2011

Professor Horácio Antunes prefacia "AS CHAPADAS E OS BACURIS", Livro de Mayron Régis

    
Gabriel Garcia Marques escreveu um belíssimo livro chamado “Crônica de uma morte anunciada” no qual, em uma pequena cidade do interior da Colômbia, todos sabem que um determinado personagem está caminhando para a morte, mas ninguém consegue evitar que a fatalidade aconteça. José Saramago, por sua vez, escreve “Levantados do chão”, um romance que narra a vida de uma família de trabalhadores rurais que, diante da exploração, desemprego e miséria, toma consciência de sua situação e passa a lutar por seus direitos.
            Busco aqui, na obra de dois dos maiores escritores da literatura mundial, o apoio para pensar a forte descrição que Mayron Régis faz do conflito em curso que envolve buritis, soja, eucalipto; camponeses maranhenses e o agronegócio, num contexto que ameaça os ecossistemas existentes nas chapadas do Baixo Parnaíba maranhense e o modo de vida secular que ali se estabeleceu.

            A expansão do agronegócio no Brasil, desde a década de 1960, vem se apresentado como um destino inexorável para os terrenos planos, que permitem a utilização de maquinário pesado. Desde o Rio Grande do Sul e demais estados do Sul, o agronegócio se expande pelo Sudeste e pelos cerrados do Centro-Oeste brasileiro, passa pelo Nordeste do país e vem, gradativamente, ocupando os cerrados maranhenses, como quem se acerca da região amazônica pelo ocidente, já que, através de Mato Grosso e Rondônia o cerco se fecha pelo oeste e, de Roraima, pelo norte.

            Apresentado como fonte de desenvolvimento e modernidade, incensado pelos poderes públicos (de olho na produção de commodities) e promovido pelos meios de comunicação, o agronegócio espalha o monocultivo mecanizado pelo país, concentra terras e riquezas, consolida desigualdades sociais seculares e gera novas formas de apropriação e exclusão. Aos ecossistemas que encontra pela frente, normalmente vistos como improdutivos e objeto de domínio, restaria a inevitabilidade de uma “morte anunciada” e às populações tradicionais, cujo modo de vida está diretamente relacionado a esses ecossistemas e normalmente são vistas como arcaicas, atrasadas e empecilhos ao desenvolvimento, restaria a conformidade e adaptação às novas condições. Nas chapadas do Baixo Parnaíba maranhense não é diferente.

            Os relatos de Mayron Régis, no entanto, demonstram que, diante da aparente inevitabilidade, aqueles destinados a desaparecer reagem e lutam. Levantam de seu chão e buscam tornar pública a sua existência, os seus direitos, a sua vontade de continuar a ser o que são e, principalmente, incomodam. Buscam mudar o curso do inevitável. Arraigados às suas raízes, tal como os velhos buritis, erguem-se para o céu, desafiam os domínios do mundo, enfrentam a lógica aparentemente inquestionável do desenvolvimento e da modernidade e dizem: “aqui estamos, aqui queremos ficar, não somos o atraso, mas podemos ser o futuro, pois não destruímos a natureza, respeitamos os seus ciclos, conhecemos as suas dinâmicas e podemos ajudar a construir novas formas de relacionamento com ela. Temos uma ‘ciência’, um conhecimento, que não destrói, que não privatiza as riquezas e que nos ensina a cuidar e conservar”.

            O livro que aqui se apresenta é um contundente registro de uma luta em curso, cujo desfecho está em aberto e depende, em grande medida, do apoio daqueles que desejam que um novo mundo seja possível. É, também, um eco do grito de socorro que Mayron Régis soube captar com a maestria de quem tem os ouvidos atentos àqueles cujas vozes são permanentemente sufocadas.

            Aplica-se plenamente ao livro aqui apresentado, o que José Saramago afirma sobre a obra de sua autoria acima citada: “Do chão sabemos que se levantam as searas e as árvores, levantam-se os animais que correm os campos ou voam por cima deles, levantam-se os homens e suas esperanças. Também do chão pode levantar-se um livro, como uma espiga de trigo ou uma flor brava. Ou uma ave. Ou uma bandeira. Enfim, cá estou outra vez a sonhar. Como os homens a quem me dirijo”.

Por: Horácio Antunes, professor do departamento de sociologia da UFMA.
http://territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot.com/

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