domingo, 21 de junho de 2015

Empresa envolvida em conflito por terras em Honduras foi apoiada por braço do Banco Mundial



Corporação Financeira Internacional (IFC) concedeu empréstimos à Dinant, empresa que disputa terras com organizações de agricultores no país em conflito que já deixou mais de 100 mortos; golpe de Estado em 2009 agravou violência
ICIJ / Agência Pública

O camponês Francisco Ramirez mostra a rota de fuga para onde seguiu depois de levar um tiro no rosto, durante uma tentativa de ocupar a fazenda El Tumbador, da Dinant
Glenda Chávez caminha entre as laranjeiras do pomar de sua família, aproximando-se de uma cerca baixa de arame que separa a sua propriedade da fazenda da Corporación Dinant, em Paso Aguán. Do outro lado da cerca, fileiras de espinhosos dendezeiros se espalham pela paisagem verde do norte de Honduras. “Aqui”, diz ela com voz suave, determinada, apontando para um lugar em seu lado da cerca, onde uma equipe de busca encontrou os últimos traços de vida de seu pai.
Gregorio Chávez, pastor e fazendeiro, desapareceu em julho de 2012. Horas depois, homens de sua comunidade camponesa encontraram o machado que ele havia levado para cuidar de suas verduras. Também encontraram na terra marcas de arrastamento que levavam em direção à propriedade da Dinant, diz Glenda.
Quatro dias após o desaparecimento de Gregorio Chávez, a equipe de busca encontrou o corpo do pastor na fazenda de Paso Aguán, enterrado embaixo de uma pilha de folhas de palmeira. Ele foi morto com golpes na cabeça e seu corpo apresentava sinais de que poderia ter sido torturado, de acordo com um promotor especial do governo responsável por investigar o caso. Glenda e os outros moradores do local imediatamente suspeitaram que ele tinha sido morto por falar em suas pregações contra a Dinant, adversária da comunidade em uma batalha sobre a posse de uma terra que a empresa havia incorporado, há muito tempo, em sua vasta operação de azeite de dendê. “Essas fazendas estão banhadas em sangue”, diz Glenda Chávez. “Não foi só meu pai. Mais de 100 agricultores morreram em defesa da terra.”
Segundo o procurador especial Javier Guzmán, seguranças contratados pela Dinant são “os principais suspeitos” do assassinato de Gregorio Chávez, mas ninguém foi acusado no caso. A companhia nega ter envolvimento com a morte.
De acordo com Guzmán, que foi destacado pelo governo para investigar a onda de violência que tem afetado o vale do Baixo Aguán em Honduras nos últimos anos, o assassinato do pastor é um dos 133 que estão ligados aos conflitos de terras na região. As circunstâncias dessas mortes permanecem em disputa em uma luta que tem colocado a Dinant e outras grandes corporações proprietárias de terras contra camponeses, com ambos os lados envolvidos em episódios de violência com consequências horríveis.
O conflito tem chamado atenção internacional. Um dos motivos é a Dinant, um dos protagonistas centrais da história, ter sido financiada pelo Grupo Banco Mundial. A Dinant foi apoiada pela Corporação Financeira Internacional (IFC), um braço do Banco Mundial que faz empréstimos para empresas privadas. A IFC financiou a Dinant, um dos principais produtores de azeite de dendê e alimentos da América Central, ao longo dos recentes conflitos de terra. A Dinant recebeu 15 milhões de dólares em 2009 e, em 2011, US$ 70 milhões foram enviados a um banco hondurenho que é um dos maiores financiadores da empresa.
Ao fazer isso, a IFC se alinhou a um dos atores principais de um conflito civil mortal, apostando seu dinheiro e reputação em uma corporação poderosa com uma história questionável. A IFC ignorou provas que poderiam ser facilmente obtidas e que a deveriam ter prevenido de fazer negócios com a Dinant, conforme a ouvidoria interna descobriu mais tarde.
Mark Constantine, oficial da IFC responsável por gerenciar riscos sociais e ambientais, diz que o órgão aprovou o empréstimo à Dinant antes de os episódios de violência em Bajo Aguán saírem de controle. Segundo ele, a IFC está mudando suas políticas para fazer uma previsão melhor dos riscos para as comunidades locais. “Nós pegamos uma fotografia na época e agimos com base nisso”, explica Constantine. “Deveríamos ter reconhecido algumas dessas questões históricas antes? Sem argumentos.”
Com o crescente impulso para investimentos privados em países em desenvolvimento, a IFC tem se expandido rápido. Os empréstimos anuais chegaram a US$ 17,3 bilhões em 2014, um aumento de 36% em relação a 2010. Apesar do crescimento – e reclamações em Honduras e em outros lugares por ter destinado dinheiro a companhias envolvidas em grilagem de terras e abusos de direitos humanos –, a IFC permanece menos conhecida que o Banco Mundial, sua instituição-irmã que faz empréstimos a governos.
Grupos defensores dos direitos humanos e ex-funcionários do banco dizem que a IFC assume riscos maiores e é menos responsável que o Banco Mundial. Paul Cadario, ex-gerente sênior que trabalhou por 37 anos no Banco Mundial, diz que o banco tem “um exército de cientistas sociais” que são sensíveis às regras do banco para proteger comunidades locais e o meio ambiente. Por outro lado, ele diz que a IFC tende a confiar em garantias “de que nada vai errado”, dadas por seus clientes do setor privado.
Reclamações sobre os clientes da IFC frequentemente envolvem populações vulneráveis que afirmam estar sendo deixadas de lado para abrir espaço para grandes projetos. Desde 2004, a IFC aprovou mais de 180 projetos que podem envolver deslocamentos físicos ou econômicos, de acordo com uma análise de documentos da própria instituição feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês). Nesses casos, as famílias deslocadas podem perder suas casas ou outros bens ou sofrer danos aos seus meios de subsistência.
No caso da Dinant, a ouvidoria interna da IFC concluiu que a falta de atenção da instituição aos perigos de fazer negócios com a empresa gerou sérios problemas no gerenciamento de projetos arriscados. A cultura da IFC é tão focada nos resultados finais que é possível encontrar o seguinte texto em um relatório de dezembro de 2013: “é permitido incentivar a equipe a ignorar, deixar de articular ou mesmo encobrir potenciais riscos ambientais, sociais e relacionados a conflitos”.
Muitos investimentos controversos da IFC envolvem empréstimos a intermediários, como bancos, fundos de cobertura e empresas de capital privado. Roteando o financiamento por meio desses intermediários – em vez de emprestar diretamente aos clientes do setor privado –, a IFC facilita para que suas normas sejam ignoradas pelos beneficiários finais.
Desde 2014, 42% dos investimentos da IFC passaram a ser feitos em intermediários financeiros, de acordo com a ouvidoria da instituição. Em uma auditoria de investimento da IFC no Banco Ficohsa, o banco hondurenho que foi um dos principais financiadores da Dinant, a ouvidoria descreve os investimentos em intermediários como uma “exposição não analisada e não quantificada a projetos com significativos impactos ambientais”.
Segundo a ouvidoria, essas exposições são “realmente secretas”, deixando-os “privados de sistemas feitos para assegurar que a IFC e seus clientes sejam responsabilizados”. Segundo análise do grupo antipobreza Oxfam, desde 2012 somente 6% dos destinatários finais do dinheiro dos empréstimos a intermediários financeiros que foram classificados como de alto risco pela IFC foram revelados.
Desde 2011, seis comunidades na Ásia, África e América Latina têm denunciado à ouvidoria projetos apoiados por instituições financeiras bancadas pela IFC. Entre os afetados por esses projetos estão moradores de Uganda que afirmam que suas casas foram incendiadas para dar lugar a fazendas de pinheiros e eucaliptos, além de fazendeiros no Camboja que tiveram seus campos de arroz transformados em seringal.
O caso Dinant se destaca porque envolve uma batalha de décadas sobre uma terra que tem passado de mão em mão entre fazendeiros e agricultores – e também por conta da contagem de corpos associada ao conflito.
A IFC afirma ter tomado medidas para neutralizar a violência em Bajo Aguán: a contratação de um mediador para cuidar das negociações entre a Dinant, os agricultores da região e as autoridades hondurenhas e convencer a Dinant a renovar seus protocolos de segurança e desarmar os guardas encarregados das fazendas. A segunda parcela do empréstimo da IFC à Dinant – de US$ 15 milhões – foi retida por conta dos problemas com a empresa.
A IFC reconhece que os empréstimos em regiões conflituosas apresentam riscos, mas diz que seu trabalho nessas áreas é essencial para sua missão. Segundo oficiais da IFC, esses investimentos geram empregos e prosperidade, o que pode ajudar a quebrar o ciclo de violência.
Em 2014, a IFC investiu US$ 640 milhões em “situações frágeis e afetadas por conflitos”. A instituição se comprometeu em aumentar em 50% os investimentos nessas regiões entre 2012 e 2016. “Isso não é para os fracos de coração”, diz Constantine, gerente de riscos da IFC. “Se não formos nós, quem será?”
Sinais de problema
A disputa de terras em Bajo Aguán começou na década de 70, quando a lei nacional da reforma agrária distribuiu a maior parte do rico terreno do vale para organizações lideradas por camponeses. Foi uma vitória para os agricultores mais pobres e atraiu ondas de migrantes para a fértil região do Aguán. A sorte dos camponeses virou na década de 90, quando o governo de Honduras, aconselhado pelo Banco Mundial, mudou radicalmente as regras de propriedade de terras.
Em março de 1992, Honduras aprovou uma lei que, pela primeira vez, permitiu que as terras pertencentes aos agricultores fossem apropriadas e vendidas. O Banco Mundial apoiou a mudança, que fez parte de uma série de reformas promovidas como parte dos esforços para direcionar Honduras a uma economia de mercado.
Depois que a nova lei entrou em vigor, áreas de propriedade coletiva rapidamente foram passadas para a Dinant e outras grandes corporações. Grande parte da terra foi convertida em fazendas de dendezeiros para a produção industrial de azeite de dendê, usado para a fabricação de shampoos, sorvete, margarina e muitos outros cosméticos e alimentos. Ambientalistas afirmam que o rápido crescimento da produção de azeite de dendê levou ao desmatamento e expulsou populações vulneráveis de suas terras nativas.
Entre 1990 e 1994, uma área de cerca de 21 mil hectares – 74% da terra dos camponeses de Bajo Aguán – foi vendida, de acordo com um relatório feito em 2010 por uma coalizão de organizações de agricultores.
Constantine, da IFC, afirma que as vendas revelaram o fracasso do modelo coletivo criado com a reforma agrária. “Aquele experimento social não foi muito bem-sucedido”, diz. “Os grandes proprietários de terras infringiram as leis e compraram as terras de vendedores dispostos a negociar.”
Os agricultores e seus advogados contam uma história diferente. Uma vez que as terras coletivas poderiam ser vendidas, os camponeses passaram a ser pressionados pelos fazendeiros para que deixassem de lado seus direitos. Esses agricultores afirmam que alguns de seus líderes, após terem se recusado a vender as terras, foram ameaçados por capangas e tiveram suas casas atingidas por tiros. Fraudes também eram uma prática frequente. Segundo os agricultores, facções dentro dos próprios coletivos assinavam vendas de terra em troca de pagamentos individuais.
Em resposta, os agricultores formaram organizações populares para contestar as vendas de terra nos tribunais e com o governo. Eles exigiram que o governo devolvesse as terras que antes pertenciam aos coletivos.
Em agosto de 2008, 12 pessoas morreram em um confronto entre proprietários e agricultores que disputavam uma terra usada anteriormente como um centro de treinamento militar. No mesmo mês, uma equipe da IFC visitou a Dinant para avaliar um possível empréstimo.
Logo depois, em dezembro de 2008, a diretoria da IFC aprovou um empréstimo de US$ 30 milhões para a Dinant. O crédito foi classificado como “Categoria B”, indicando que era baixo o risco de o investimento gerar graves problemas sociais e ambientais.
Posteriormente, a ouvidoria da IFC descobriu que eram falhas as pesquisas feitas pela equipe de avaliação sobre a Dinant – a maior proprietária de terras em Bajo Aguán – e seu proprietário, Miguel Facussé, considerado pela revista Forbes um dos milionários mais poderosos da América Central.
Segundo relatos da ouvidoria, se a equipe tivesse feito uma simples busca na internet, teria encontrado notícias mostrando que Facussé foi acusado de envolvimento no assassinato de um ativista ambiental, recebeu um mandado de prisão por supostos crimes ambientais e estava envolvido em uma série de disputas de terra.
O mandado de prisão de Facussé, que o acusava de permitir que uma de suas unidades industriais despejasse toxinas em água potável por duas décadas, foi revogado depois que a juíza responsável pela emissão do mandato deixou o cargo. Em 2003, um tribunal rejeitou as acusações de que Facussé teria colaborado no assassinato do ambientalista Carlos Escaleras. Facussé e a Dinant negaram quaisquer irregularidades nesses processos judiciais.
A IFC e a Dinant assinaram o acordo de empréstimo em abril de 2009, quando os agricultores ainda esperavam que as disputas de terra na região pudessem ser resolvidas pacificamente. Manuel Zelaya, presidente de Honduras na época, se ofereceu para negociar com os movimentos de agricultores e fazendeiros em Bajo Aguán um acordo político para devolver aos camponeses parte da terra disputada. Em seguida, uma reviravolta política no país acabou resultando em violência.
 

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Um aviso do púlpito
No verão de 2009, Glenda Chávez tinha uma filha de 7 anos e estava grávida de seu segundo filho. Ela passava a maior parte do tempo em sua máquina de costura para ganhar dinheiro. No fim de junho, soldados invadiram a residência presidencial, tiraram Zelaya do poder e o colocaram em um avião para a Costa Rica. Glenda se lembra que seu pai descreveu o golpe como “bárbaro”. Mas ela não se envolveu na crescente luta que dividia o país. “Eu não ligava muito para política”, lembra. O governo apoiado por militares que tomou o poder deixou claro que não continuaria com a reforma agrária prometida por Zelaya.
Indignado com o golpe e sem opções políticas, o movimento dos agricultores adotou uma nova tática – ocupar em massa as terras disputadas. Os agricultores chamam essas ações de “recuperações”. A Dinant as descreve como “invasões”. Muitas das mortes em Bajo Aguán ocorreram durante essas ocupações.
A Dinant sempre contou com o exército hondurenho para expulsar os agricultores das áreas disputadas. A empresa e o exército alegam que os ocupantes estão armados e são violentos. “Os agricultores não entraram de forma pacífica”, argumenta o coronel René Jovel, comandante da Operação Xatruch, uma operação militar com ordens de pacificar a região de Bajo Aguán. “Eles entram com machados, espingardas, pistolas, AK-47.”
Guzmán, o promotor especial, diz que em alguns casos os agricultores mataram uns aos outros, contratando pistoleiros para resolver lutas dentro do movimento sobre o controle das lucrativas fazendas que produzem azeite de dendê.
Os grupos camponeses argumentam que as alegações são forjadas pela empresa e pelo governo para justificar os abusos cometidos por soldados e seguranças da Dinant. Um relatório feito em 2013 pelo Permanent Human Rights Observer for Aguán, grupo de direitos humanos afiliado aos movimentos agricultores, revela que das mais de 100 mortes violentas associadas à disputa de terras, 89 eram camponeses e 19 eram seguranças, policiais, militares ou proprietários de terras. Vitalino Alvares, porta-voz do movimento dos agricultores, diz que as ocupações não são violentas. “Por que os feridos são sempre agricultores?”, pergunta.
Em novembro de 2010, cinco agricultores morreram durante uma tentativa de ocupar a fazenda El Tumbador, da Dinant. Embora haja poucas dúvidas de que os seguranças da empresa tenham disparado os tiros fatais, a Dinant argumenta que eles atuaram em legítima defesa durante um ataque armado de mais de 160 agricultores.
Francisco Ramirez, que sobreviveu à ocupação de El Tumbador, tem uma grande cicatriz atravessando seu rosto, onde uma bala entrou por uma bochecha e saiu pela outra. Ele afirma que estava desarmado e andando em direção ao portão da frente da fazenda com outro agricultor quando seguranças da Dinant, que estavam escondidos atrás de uma colina, os surpreenderam com uma saraivada de tiros. “Aqui era onde ocorreu a emboscada”, diz Ramirez, apontando para uma pequena colina coberta de árvores e vegetação densa, ao lado da estrada em El Tumbador. “Aqui foi onde eu senti o impacto da bala no meu rosto.”
Roger Pineda, diretor de relações corporativas da Dinant, diz que não houve emboscada. Perturbado pelas mortes em El Tumbador, o presidente da IFC pediu para a Dinant se conter e solicitou que o governo de Honduras encontrasse uma solução pacífica para o conflito de terras. Mas a violência continuou, chegando cada vez mais perto de Paso Aguán e da família Chávez.
Em maio de 2011, um agricultor ativista chamado Francisco Pascual Lopes desapareceu perto da fazenda de Paso Aguán. Membros da comunidade encontraram rastros de sangue que levavam à fazenda, de acordo com a Human Rights Watch.
Naquele mesmo mês, o conselho da IFC aprovou um empréstimo de US$ 70 milhões ao Banco Ficohsa – uma das maiores instituições financeiras de Honduras, destinada a “apoiar empréstimos às pequenas e médias empresas do país”. O conglomerado Dinant está entre os maiores clientes do Ficohsa, tendo garantido aproximadamente US$ 17 milhões em empréstimos do banco em 2008.
Mesmo que a segunda metade do empréstimo direto para a Dinant tenha sido retida pela IFC, a instituição não se mostrou muito preocupada em financiar a empresa por meio de um intermediário. Como os empréstimos do Ficohsa para a Dinant cresceram até 2010, a equipe da IFC dispensou os limites da instituição sobre quanto o banco poderia emprestar para um só cliente, atestando que a Dinant era uma “líder regional” e seu dono, Miguel Facussé, “um empresário respeitável”.
Três meses após o empréstimo ao Ficohsa ter sido aprovado, a Dinant informou ter sofrido um ataque mortal de camponeses durante uma tentativa de reaver a fazenda de Paso Aguán. Segundo Pineda, quatro guardas e um funcionário da Dinant foram mortos e pelo menos um dos guardas parecia ter sido executado. O funcionário da Dinant foi torturado e suas orelhas foram cortadas, diz Pineda.
Glenda Chávez lembra que, com a propagação dos conflitos, seu pai começou a falar contra a Dinant em suas pregações. Gregorio Chávez nunca foi afiliado aos movimentos camponeses, mas ficou frustrado com a companhia à medida que seus guardas se tornavam presenças intimidadoras, impondo um toque de recolher às 18 horas. Ele plantou dendezeiros na propriedade da família, mas, quando foi vender suas frutas, explica a filha, foi ameaçado por guardas da Dinant e por policiais que assumiram que seus produtos eram roubados. “Ele era um homem que jamais ficava em silêncio”, diz Glenda. “Ele nunca gostou de injustiça e não gostava que Miguel Facussé viesse em nossa comunidade.”
A violência que atingiu outras partes do norte de Honduras ainda não havia atingido a pequena comunidade de cerca de 450 famílias chamada Panamá. Glenda lembra que, nos últimos meses de vida, de cima do púlpito, seu pai deu avisos que prenunciaram sua morte violenta. “Ele pregou: ‘Quando eles derramarem o sangue de um de nós, a comunidade vai se levantar”, diz Glenda.
Revoltas em Panamá
Glenda lembra que, na noite de 2 de julho de 2012, sua mãe veio lhe contar que seu pai não havia voltado para casa. “Foi quando senti em meu coração que algo havia acontecido”, diz. A família Chávez e seus vizinhos deram início a uma busca desesperada. Glenda chamou parentes e membros da igreja alertaram a polícia e os bombeiros. Depois que a polícia encontrou o machado de Gregorio, a comunidade exigiu acesso à fazenda de Paso Aguán.
Dias se passaram antes que a equipe de busca conseguisse entrar na propriedade. Grupos de policiais e camponeses começaram a vasculhar os 1.200 hectares em busca de sinais do pastor desaparecido. De início, voltaram de mãos vazias. Depois, lembra Glenda, os agricultores exigiram acesso a uma seção inexplorada da propriedade, conhecida como Lote 8.
Os guardas da Dinant disseram que a área era restrita e tentaram negar a entrada, conta Glenda. Depois de negociações com a polícia, os guardas concordaram em abrir o Lote 8 e agricultores e policiais começaram as buscas. No dia 6 de julho, o corpo de Gregorio foi encontrado.
Pineda, porta-voz da Dinant, diz que a companhia já não era a responsável pelo Lote 8 quando o corpo do pastor foi encontrado. Nos dias seguintes ao desaparecimento de Gregorio, diz Pineda, os agricultores que procuravam o corpo assumiram o Lote 8 e outras partes da propriedade, roubando tratores, frutos de dendezeiro e queimando um armazém. Pineda diz que esses guerrilheiros violentos poderiam ter trazido o corpo de qualquer lugar.
Pineda afirma que a Dinant e seus guardas não tinham motivos para matar Gregorio Chávez. “Nós nunca tivemos nenhum problema com Gregorio Chávez, sempre fomos vizinhos”, diz. “O que poderíamos ganhar com isso?”
Guzmán, o promotor especial, diz que as suspeitas dos agricultores de que os guardas da Dinant mataram Gregorio Chávez representam a explicação “mais confiável” para sua morte. Mas ele afirma não haver testemunhas ou provas científicas ligando os guardas ao assassinato. “Eles são os suspeitos, mas não há evidências concretas”, diz Guzmán.
Depois que o corpo do pastor foi descoberto, a indignação tomou conta da comunidade Panamá. Os moradores criaram uma nova organização para lutar por sua causa: o Movimento para Refundação Gregorio Chávez. Glenda foi chamada muitas vezes para falar para a comunidade. Ainda é doloroso para ela discutir a morte do pai, mas ela narra com muita calma os acontecimentos em torno do assassinato.
Junto com a denúncia de violência contra os camponeses, o Movimento Gregorio Chávez exige que a Dinant transforme a fazenda Paso Aguán em propriedade camponesa. A Dinant se recusa a vender as terras em disputa, deixando os dois lados em um impasse. “A propriedade de Paso Aguán será recuperada”, disse Santos Torres, um dos líderes do movimento camponês da comunidade Panamá, durante uma entrevista de rádio que a Dinant compartilhou com os repórteres do ICIJ. “Vamos recuperá-la, mesmo que tenhamos que encher as ruas de sangue.”
Mais tarde, Torres explicou ao ICIJ que se referia ao sangue derramado por agricultores dispostos a sacrificar suas vidas para recuperar a terra. “Se tivermos que morrer aqui, é aqui que morreremos”, diz.
“Liberando o dinheiro”
À medida que a violência aumentava em Bajo Aguán, a Dinant continuava a se beneficiar dos investimentos da IFC. Em fevereiro de 2013, mais de um ano depois do investimento da IFC no Ficohsa, o banco deu à Dinant um empréstimo de US$ 5 milhões. O dinheiro era uma parte do empréstimo de mais de US$ 39 milhões que o Ficohsa concederia à Dinant durante os investimentos da IFC no banco.
Enquanto isso, o método de controle de danos sociais e ambientais do Ficohsa foi disparando alarmes dentro da IFC. No mesmo mês em que o banco concedeu um novo empréstimo à Dinant, a IFC descobriu que o Ficohsa não seguiu as políticas de salvaguarda ambientais e sociais da instituição, que servem para proteger a população que vive no entorno dos projetos financiados.
Isso não impediu a IFC de continuar a trabalhar com o banco hondurenho. Em novembro de 2013, o Programa de Financiamento ao Comércio Global da IFC garantiu ao Ficohsa dois acordos comerciais com a Dinant.
No mês seguinte, a ouvidoria da IFC divulgou o relatório sobre o investimento na Dinant. O observatório interno descobriu que a IFC falhou em cada passo para investigar adequadamente ou supervisionar a Dinant. De acordo com um funcionário do banco que conversou com a ouvidoria, o departamento de investimento queria “liberar o dinheiro”, com pouca atenção aos riscos sociais e muitas vezes passando por cima das preocupações da equipe de salvaguarda.
O relatório indica que, no caso Dinant, o gerente de portfólio da IFC rejeitou os apelos do especialista em meio ambiente para que seguisse uma linha mais dura com a empresa. O especialista foi substituído. Em junho de 2014, a IFC adquiriu uma participação acionária de US$ 5,5 milhões no Ficohsa.
A IFC prometeu reformular seu método de avaliação de riscos sociais dos projetos e o modo de supervisionar os investimentos em intermediários. Foi criada uma nova vice-presidência para lidar com a gerência de risco e um plano de ação para melhorar a supervisão de intermediários financeiros e começar triagem dos destinatários finais dos empréstimos. “Estamos tentando resolver isso estruturalmente e também culturalmente’, disse Morgan Landy, diretor do departamento ambiental, social e de governança da IFC em um fórum com grupos comunitários em outubro de 2014.
“Humilhados em nossas casas”
Em 3 de julho de 2014, os agricultores do Movimento Gregorio Chávez tentaram mais uma vez ocupar a propriedade de Paso Aguán. Eles ocuparam a fazenda por aproximadamente um dia antes que os soldados do coronel Jovel entrassem e os expulsassem. Membros da comunidade Panamá dizem que os soldados abriram fogo contra eles durante as expulsões. David Ponce, um jovem agricultor, mostra as cicatrizes de uma bala que rasgou seu ombro. Outros dizem ter sido espancados e torturados pelos soldados.
Glenda Chávez conta que estava presente durante as expulsões como defensora dos direitos humanos, usando uma câmera para gravar os soldados disparando contra os agricultores. Ela diz ter sido detida pelos soldados e só foi liberada depois de entregar a câmera. “Deixei a câmera cair. Tirei o colete onde a guardava a câmera, meu telefone e dinheiro e deixei no chão”, explica. “Eles pegaram [o colete] e eu fugi.”
Em novembro, durante a visita do ICIJ a Paso Aguán, o coronel Jovel alertou os repórteres de que os agricultores da comunidade Panamá tentariam chamar atenção internacional provocando violência durante a visita. Jovel contou à reportagem que havia mandado soldados a Paso Aguán para evitar uma tentativa de ocupação e que não poderia garantir a segurança dos repórteres se eles visitassem a comunidade Panamá. Mais tarde naquele dia, a reportagem visitou a comunidade, evitando as terras disputadas em Paso Aguán.
Santos Torres, líder dos agricultores que falou em encher as ruas de sangue, sentou-se com uma dúzia de pessoas no gramado em frente à casa de Glenda. Ele mostrou suas cicatrizes e fotografias que documentam os despejos ocorridos em julho. Torres zombou da ideia de que ele e seus companheiros estariam planejando um confronto. A realidade, disse, é que “nós somos humilhados dentro de nossas próprias casas, sem poder sair”.
O bosque onde Gregorio Chávez desapareceu fica a uma curta caminhada ao longo de uma estrada empoeirada perto de onde os agricultores estavam reunidos. Glenda já começou a plantar laranjeiras entre os dendezeiros plantados por seu pai. Acredita que os dendezeiros só trouxeram sofrimento para a comunidade. “Quando um dendezeiro morre, nós plantamos outra coisa”, diz Glenda. “Algo que beneficie a nós, os agricultores.”

Reportagem original publicada no site da Agência Pública. Colaboraram na reportagem Cécile Schilis-Gallego e Shane Shifflett

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