Por José Alberto Gonçalves
As diferentes paisagens, ecossistemas, climas e proximidade de biomas tão distintos quanto os da Mata Atlântica, da Caatinga, do Pantanal e da Amazônia favoreceram o desenvolvimento de fauna e flora marcadas pela grande variedade de animais e plantas (gramíneas, arbustos e árvores) no Cerrado.
O cerrado típico possui árvores baixas de troncos tortuosos e galhos retorcidos, de até 20 metros, folhas espessas e casco grosso, e se encontram esparsas em meio a arbustos e um tapete de gramíneas. Profundas, as raízes das árvores atingem de 15 a 20 metros, condição que lhes permite absorver água do lençol freático e sobreviver na estação quente e seca, quando o capim nativo parece palha, favorecendo incêndios.
Mas nem toda a vegetação do bioma é representada pelo cerrado típico. Há, ainda, as formações do cerradão e dos campos cerrados, sujo e limpo, compostos, sobretudo, por gramíneas. O cerradão lembra o cerrado típico, mas já é considerado uma formação florestal. Difere do segundo pelas árvores mais altas e copa mais fechada. Exemplos de árvores do cerradão são o pequi, a copaíba e a pindaíba.
De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a flora do Cerrado conta com mais de 10 mil espécies de plantas, com 4.400 endêmicas (exclusivas dessa área). Muitas delas são empregadas na produção de alimentos, artesanato, cortiça, fibras, óleos e remédios.
Também há elevado grau de endemismo na fauna, que compreende 837 espécies de aves, 161 espécies de mamíferos (19 endêmicas), 150 de anfíbios (45 exclusivas do bioma), 120 espécies de répteis (45 endêmicas). A fauna invertebrada é bastante diversificada. Habitam o cerrado do Distrito Federal, por exemplo, 90 espécies de cupins, mil de borboletas e 500 de abelhas e vespas. Cupins e saúvas, tão temidos nas cidades, desempenham papel fundamental ao decompor matéria orgânica, fertilizando o solo.
A degradação das regiões de cabeceiras desses rios, que também são poluídos pelo esgoto das cidades e agrotóxicos e fertilizantes da agricultura, já afeta negativamente outros biomas, como o Pantanal, onde se tornou comum trombar com bancos de areia em uma viagem de barco.
Com a construção de Brasília no fim da década de 1950, teve início a ocupação do Cerrado. Aliás, o principal objetivo da transferência da capital federal do Rio de Janeiro para o planalto central foi interiorizar o povoamento e o desenvolvimento econômico no Brasil.
A partir da década de 1960, produtores rurais de diferentes partes do Brasil, especialmente da região Sul, foram estimulados pelo governo a migrar para o Cerrado. Ampla infra-estrutura rodoviária e energética foi instalada para apoiar a produção agropecuária.
A Embrapa, fundada em 1973, foi outra peça estratégica para o sucesso da agricultura em terras ácidas e de baixa fertilidade. Desenvolveu tecnologias para diminuir a acidez do solo e torná-lo mais fértil e sementes adaptadas às condições climáticas do bioma. O antes infértil Cerrado transformou-se na maior fronteira agrícola do mundo, respondendo por mais da metade da safra nacional de grãos e algodão. Abriga, ainda, quase 50% do rebanho bovino do país, fornecendo grande parcela da carne exportada.
Contudo, a expansão da fronteira agrícola entre as décadas de 1960 e 1990 priorizou mais as tecnologias para domar um solo hostil à agricultura do que um tratamento equilibrado entre o lado econômico e a necessidade de proteger os ecossistemas.
Segundo o Ibama, o avanço da fronteira agrícola deu-se com base em desmatamentos, queimadas, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Pelo menos metade da área do bioma foi desfigurada, com o surgimento de voçorocas, assoreamento de rios e contaminação dos ecossistemas por produtos agroquímicos.
A mais nova ameaça ao Cerrado é o aquecimento global. De acordo com Ricardo Machado, professor do departamento de zoologia da Universidade de Brasília (UnB), os modelos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) revelam alto grau de probabilidade para o deslocamento das condições climáticas da área central para o sul do bioma, sobretudo o Estado de São Paulo. Em linhas gerais, o clima deve ficar mais quente no centro do Cerrado, levando os animais a procurar áreas mais amenas no sul do bioma.
“O problema é que São Paulo foi uma das primeiras regiões a perder sua vegetação com sua ocupação pela agricultura e pela pecuária”, lembra Machado. Sem mata, o animal não tem como se alimentar nem como se reproduzir.
O Cerrado é o segundo bioma do país com maior número de espécies da fauna ameaçadas de extinção – 111, ou 17,7% do total de 627 espécies ameaçadas, de acordo com o “Livro Vermelho da Fauna Brasileira ameaçada de extinção”, publicado em 2008 conjuntamente pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Fundação Biodiversitas, em parceria com a Conservação Internacional e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Também há pesquisas em curso para desenvolver técnicas de aproveitamento econômico de frutos, óleos e resinas do Cerrado, sem que seja necessário remover a vegetação. O ecoturismo é outra opção interessante para o bioma, que é repleto de esplendorosas cachoeiras e praias de rios, chapadas e mata com muitas espécies distintas e exclusivas do Cerrado. Para coroar esses esforços, é possível que em breve o Cerrado seja incluído na Constituição como patrimônio nacional, a exemplo da Floresta Amazônica, da Mata Atlântica, do Pantanal, da Serra do Mar e da Zona Costeira.
No segundo semestre de 2009, o Cerrado ganhou maior atenção da opinião pública, em decorrência de sua inclusão nas metas do Brasil para diminuir o ritmo de crescimento de suas emissões de gases de efeito estufa até 2020. Entre 2002 e 2008, o desmatamento no Cerrado foi responsável por emissões de 350 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) ao ano em média, praticamente a mesma quantidade liberada na atmosfera pelas queimadas e remoção de florestas na Amazônia no período.
O dado foi divulgado em setembro último pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), que calculou as emissões com base em números preocupantes sobre o desmatamento do bioma. No mesmo período de 2002 a 2008, a taxa média de desmatamento no Cerrado alcançou 21 mil quilômetros quadrados a cada ano, mais que o dobro da vegetação que foi derrubada na floresta amazônica em 2009.
O levantamento também revelou que 48% da vegetação original do bioma foi eliminada, restando pouco mais da metade da mata. A fim de frear a remoção da vegetação e diminuir as emissões de gases-estufa do bioma, o governo federal comprometeu-se a investir recursos e promover incentivos econômicos com vistas a reduzir em 40% a taxa de desmatamento do Cerrado até 2020.
Para cumprir a meta, o governo conta com o sucesso do plano de controle do desmatamento no Cerrado, lançado em setembro passado. Conforme o plano, a meta será alcançada com a recuperação de terras degradadas, fiscalização mais rigorosa para coibir o descumprimento da legislação ambiental e atividades sustentáveis, tais como o aproveitamento de frutos, sementes e óleos de plantas nativas para a produção de alimentos, cosméticos, fármacos e biocombustíveis.
“Estamos destruindo o que não se conhece”, lamenta Ricardo Machado, da UnB e um dos principais especialistas brasileiros em cerrado. Para ele, a riqueza biológica dos cerrados é um ativo valioso para uma economia sustentável no bioma. Dois exemplos ajudam a entender a proposta do pesquisador da UnB.
“O Brasil é conhecido na língua tupi como Pindorama, a terra das palmeiras. Temos no país mais de 300 espécies de palmeiras, muitas delas existentes no Cerrado. A pesquisa poderia estudar o uso pela indústria do óleo extraído dos frutos dessas plantas”. Outro potencial de manejo sustentável pouco explorado no bioma é o das gramíneas, abundantes nos campos. “O cerrado é rico em espécies de gramíneas, que poderiam alimentar o gado em vez de buscarmos espécies exóticas de capim como vem ocorrendo tradicionalmente”.
www.naturaekos.com.br/biodiversidade/cerrado/
O Bioma
Caixa d’água da América do Sul, savana mais rica do planeta em diversidade de espécies animais e vegetais e um dos maiores celeiros de grãos do mundo. Os três aspectos não deixam dúvidas sobre a importância do Cerrado para a economia e o meio ambiente do Brasil. Sua imensidão também impressiona. Ocupa 2 milhões de quilômetros quadrados, ou um quarto do território brasileiro, o que faz dele o segundo maior bioma do país, depois da Amazônia, com presença em 11 Estados e no Distrito Federal.As diferentes paisagens, ecossistemas, climas e proximidade de biomas tão distintos quanto os da Mata Atlântica, da Caatinga, do Pantanal e da Amazônia favoreceram o desenvolvimento de fauna e flora marcadas pela grande variedade de animais e plantas (gramíneas, arbustos e árvores) no Cerrado.
O cerrado típico possui árvores baixas de troncos tortuosos e galhos retorcidos, de até 20 metros, folhas espessas e casco grosso, e se encontram esparsas em meio a arbustos e um tapete de gramíneas. Profundas, as raízes das árvores atingem de 15 a 20 metros, condição que lhes permite absorver água do lençol freático e sobreviver na estação quente e seca, quando o capim nativo parece palha, favorecendo incêndios.
Mas nem toda a vegetação do bioma é representada pelo cerrado típico. Há, ainda, as formações do cerradão e dos campos cerrados, sujo e limpo, compostos, sobretudo, por gramíneas. O cerradão lembra o cerrado típico, mas já é considerado uma formação florestal. Difere do segundo pelas árvores mais altas e copa mais fechada. Exemplos de árvores do cerradão são o pequi, a copaíba e a pindaíba.
De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a flora do Cerrado conta com mais de 10 mil espécies de plantas, com 4.400 endêmicas (exclusivas dessa área). Muitas delas são empregadas na produção de alimentos, artesanato, cortiça, fibras, óleos e remédios.
Também há elevado grau de endemismo na fauna, que compreende 837 espécies de aves, 161 espécies de mamíferos (19 endêmicas), 150 de anfíbios (45 exclusivas do bioma), 120 espécies de répteis (45 endêmicas). A fauna invertebrada é bastante diversificada. Habitam o cerrado do Distrito Federal, por exemplo, 90 espécies de cupins, mil de borboletas e 500 de abelhas e vespas. Cupins e saúvas, tão temidos nas cidades, desempenham papel fundamental ao decompor matéria orgânica, fertilizando o solo.
Ocupação não valorizou ecologia do bioma
Conservar o Cerrado é uma necessidade premente por vários motivos. Um deles é preservar as nascentes dos principais rios das bacias do São Francisco, do Prata e do Amazonas. Sem mata para reter no subsolo a água da chuva, as nascentes secam e a enxurrada leva terra para o rio, o que o assoreia e prejudica a agricultura.A degradação das regiões de cabeceiras desses rios, que também são poluídos pelo esgoto das cidades e agrotóxicos e fertilizantes da agricultura, já afeta negativamente outros biomas, como o Pantanal, onde se tornou comum trombar com bancos de areia em uma viagem de barco.
Com a construção de Brasília no fim da década de 1950, teve início a ocupação do Cerrado. Aliás, o principal objetivo da transferência da capital federal do Rio de Janeiro para o planalto central foi interiorizar o povoamento e o desenvolvimento econômico no Brasil.
A partir da década de 1960, produtores rurais de diferentes partes do Brasil, especialmente da região Sul, foram estimulados pelo governo a migrar para o Cerrado. Ampla infra-estrutura rodoviária e energética foi instalada para apoiar a produção agropecuária.
A Embrapa, fundada em 1973, foi outra peça estratégica para o sucesso da agricultura em terras ácidas e de baixa fertilidade. Desenvolveu tecnologias para diminuir a acidez do solo e torná-lo mais fértil e sementes adaptadas às condições climáticas do bioma. O antes infértil Cerrado transformou-se na maior fronteira agrícola do mundo, respondendo por mais da metade da safra nacional de grãos e algodão. Abriga, ainda, quase 50% do rebanho bovino do país, fornecendo grande parcela da carne exportada.
Contudo, a expansão da fronteira agrícola entre as décadas de 1960 e 1990 priorizou mais as tecnologias para domar um solo hostil à agricultura do que um tratamento equilibrado entre o lado econômico e a necessidade de proteger os ecossistemas.
Segundo o Ibama, o avanço da fronteira agrícola deu-se com base em desmatamentos, queimadas, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Pelo menos metade da área do bioma foi desfigurada, com o surgimento de voçorocas, assoreamento de rios e contaminação dos ecossistemas por produtos agroquímicos.
A mais nova ameaça ao Cerrado é o aquecimento global. De acordo com Ricardo Machado, professor do departamento de zoologia da Universidade de Brasília (UnB), os modelos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) revelam alto grau de probabilidade para o deslocamento das condições climáticas da área central para o sul do bioma, sobretudo o Estado de São Paulo. Em linhas gerais, o clima deve ficar mais quente no centro do Cerrado, levando os animais a procurar áreas mais amenas no sul do bioma.
“O problema é que São Paulo foi uma das primeiras regiões a perder sua vegetação com sua ocupação pela agricultura e pela pecuária”, lembra Machado. Sem mata, o animal não tem como se alimentar nem como se reproduzir.
O Cerrado é o segundo bioma do país com maior número de espécies da fauna ameaçadas de extinção – 111, ou 17,7% do total de 627 espécies ameaçadas, de acordo com o “Livro Vermelho da Fauna Brasileira ameaçada de extinção”, publicado em 2008 conjuntamente pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Fundação Biodiversitas, em parceria com a Conservação Internacional e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Maior atenção pública
Nos últimos anos, pesquisadores, governos, grupos organizados da sociedade civil e entidades empresariais têm procurado encontrar maneiras de conservar o que restou do Cerrado. O grande desafio é tornar a produção agropecuária mais sustentável social e ambientalmente, utilizando técnicas para proteger o solo da erosão, recuperando áreas de preservação permanente (matas ciliares nas margens dos rios, por exemplo) e as reservas legais (parte da propriedade que deve ser mantida com vegetação nativa).Também há pesquisas em curso para desenvolver técnicas de aproveitamento econômico de frutos, óleos e resinas do Cerrado, sem que seja necessário remover a vegetação. O ecoturismo é outra opção interessante para o bioma, que é repleto de esplendorosas cachoeiras e praias de rios, chapadas e mata com muitas espécies distintas e exclusivas do Cerrado. Para coroar esses esforços, é possível que em breve o Cerrado seja incluído na Constituição como patrimônio nacional, a exemplo da Floresta Amazônica, da Mata Atlântica, do Pantanal, da Serra do Mar e da Zona Costeira.
No segundo semestre de 2009, o Cerrado ganhou maior atenção da opinião pública, em decorrência de sua inclusão nas metas do Brasil para diminuir o ritmo de crescimento de suas emissões de gases de efeito estufa até 2020. Entre 2002 e 2008, o desmatamento no Cerrado foi responsável por emissões de 350 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) ao ano em média, praticamente a mesma quantidade liberada na atmosfera pelas queimadas e remoção de florestas na Amazônia no período.
O dado foi divulgado em setembro último pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), que calculou as emissões com base em números preocupantes sobre o desmatamento do bioma. No mesmo período de 2002 a 2008, a taxa média de desmatamento no Cerrado alcançou 21 mil quilômetros quadrados a cada ano, mais que o dobro da vegetação que foi derrubada na floresta amazônica em 2009.
O levantamento também revelou que 48% da vegetação original do bioma foi eliminada, restando pouco mais da metade da mata. A fim de frear a remoção da vegetação e diminuir as emissões de gases-estufa do bioma, o governo federal comprometeu-se a investir recursos e promover incentivos econômicos com vistas a reduzir em 40% a taxa de desmatamento do Cerrado até 2020.
Para cumprir a meta, o governo conta com o sucesso do plano de controle do desmatamento no Cerrado, lançado em setembro passado. Conforme o plano, a meta será alcançada com a recuperação de terras degradadas, fiscalização mais rigorosa para coibir o descumprimento da legislação ambiental e atividades sustentáveis, tais como o aproveitamento de frutos, sementes e óleos de plantas nativas para a produção de alimentos, cosméticos, fármacos e biocombustíveis.
“Estamos destruindo o que não se conhece”, lamenta Ricardo Machado, da UnB e um dos principais especialistas brasileiros em cerrado. Para ele, a riqueza biológica dos cerrados é um ativo valioso para uma economia sustentável no bioma. Dois exemplos ajudam a entender a proposta do pesquisador da UnB.
“O Brasil é conhecido na língua tupi como Pindorama, a terra das palmeiras. Temos no país mais de 300 espécies de palmeiras, muitas delas existentes no Cerrado. A pesquisa poderia estudar o uso pela indústria do óleo extraído dos frutos dessas plantas”. Outro potencial de manejo sustentável pouco explorado no bioma é o das gramíneas, abundantes nos campos. “O cerrado é rico em espécies de gramíneas, que poderiam alimentar o gado em vez de buscarmos espécies exóticas de capim como vem ocorrendo tradicionalmente”.
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