Não é recomendável chegar em
determinada cidade depois de um determinado horário por talvez não
encontrar quem o receba assim como não é recomendável deixar essa mesma cidade
em determinado horário por não haver quem o leve. O povoado Vila Criolis
se distancia treze quilômetros da cidade de Brejo, Baixo Parnaiba maranhense. Qualquer
dificuldade, ele ligaria para dona Milagres que o aguardava em sua casa. Assim
que chegaram, perguntou-se ao frentista qual era a distancia entre Brejo e a
Vila Criolis. O frentista calculou uns 30 quilômetros. Um rapaz guiou o carro pela
estrada de piçarra em plena noite. Uma senhora o aconselhara a continuar o
percurso a Vila Criolis pela manhã cedo. Ele gostaria de dormir na comunidade e
por isso fazia questão de continuar. Além do motorista, seguia um outro rapaz no carro; eles perguntaram se o moço era professor. Ele respondeu que era jornalista. O conselho da
senhora o inquietara. Ela o fez se sentir ameaçado. Os rapazes discorreram
sobre roubos de celulares e de motos nos interiores da cidade de Brejo. Bem
ali, mora não sei quem que rouba motos. No ano passado, quando viera, a
prefeitura anunciava a reforma da estrada que liga Brejo aos assentamentos do
Incra. A reforma ficou só no anuncio. Sorte que não chovera tudo que tinha que chover,
senão passariam por maus bocados. Simplesmente, a prefeitura “esquecera” de
reformar a estrada que passa pela Vila Criolis. Ocorreu, apenas, a instalação
dos tubos por onde a água corre. A prefeitura, simplesmente, aboliu a Vila
Criolis do seu planejamento. As razões para não cumprir com as obrigações
constitucionais não ficaram claras. A Vila Criolis se caracteriza por ser uma
região de Baixo. Os babaçuais predominam em vários trechos. Desde sempre,
ouvia-se das bocas de várias pessoas, que provieram da Vila Criolis e de áreas
próximas, o quanto suas vidas dependeram do extrativismo do babaçu. O deputado
Domingos Dutra e o professor Luis Alves expõem suas dividas e raízes históricas
com a cultura do babaçu sempre que possível. A sua ida a Vila Criolis se
configurava como uma excelente oportunidade não só para apresentar o PAIS, ou Produção Agroecologica Integrada e
Sustentável, uma tecnologia social que congrega no mesmo espaço
diferentes atividades produtivas como a criação de galinha caipira e o plantio
de verduras, para
a comunidade como também uma excelente oportunidade para rememorar as histórias
pelas quais essa gente toda passou e ainda passa. A casa de dona Milagres era
uma casa de agricultores. Eles plantavam um pouco de mandioca, arroz, feijão e abobora.
O filho dela disse desse jeito: “ aqui vivemos da roça”. Em sua fala, havia
muita sinceridade e muita tristeza. A irmã veio em seguida para desembestar outros
dizeres e afazeres. Ela compunha um dos grupos que cultivavam uma área com verduras.
Apanhava-se cheiro verde e cebolinha. A Girlene também quebrava coco e vendia o
azeite. Depois de escutar a Girlene, ele inquiriu a família
de dona Milagres dos porquês das pessoas deixarem que as coisas boas se percam.
A dona Milagres respondeu que por medo.
A Capacitação em meio ambiente,
organizada pelo Aconeruq, iniciou-se as oito horas da manhã. A dona Maria do Rosário se deslocou de mansinho na manhã para avisar que
não ficaria por muito tempo na oficina e que enviaria o marido para ficar em
seu lugar. Ficou por muito mais tempo do que previra. A primeira conversa da
capacitação girou em torno do que representava para eles viver na Vila Criolis,
data Saco das Almas. A dona Maria do Rosário recordou a sua infância e as
ameaças de despejo desferidas pelo proprietário de terras à sua família e aos
outros agregados. O agregado pagava uma renda ao proprietário como forma de
obediência e também como forma de garantir a sua permanência na propriedade.
Caso não pagasse a renda, o proprietário enviava a policia militar para retirar
a família e os seus pertences. A obrigação de pagar renda ofendia a família de
duas formas: pela humilhação com os tratamentos dispendidos e pelo
empobrecimento já que os agregados destinavam seu tempo e sua produção para o
proprietário. O
senhor José de Fátima, como dona Rosário, viveu boa parte de sua vida agregado
em propriedades dos outros. No caso dele, foram três as propriedades: a dona
Vitória, o senhor Wilson e o doutor Carlos. Quanto tempo existe a Vila Criolis?
Ninguém soube responder ao certo. As respostas raspavam os trinta anos. A Ana Lina discordou de imediato porque ela
nasceu na Vila Criolis e já tinha 37 anos. Para tirar a dúvida, chegou a dona
Ana Lurdes, mãe de Ana Lina. A dona Ana Lurdes também não soube precisar a
idade da Vila Criolis, mas soube cravar que se orgulha de ser quebradora de
coco babaçu. Depois que ela declarou
esse orgulho, as demais mulheres responderam no mesmo tom que se orgulhavam de
serem quebradoras. O Antonio, delegado sindical, relatou que as áreas de
babaçuais na data Saco das Almas alcançam mais de quinze mil hectares e que o
Vicente um dos proprietários da área
quis implantar um projeto industrial de extração do palmito do babaçu na cidade
de Brejo. O projeto só não foi em frente porque os quilombolas fizeram
denuncias ao Ibama.
De acordo com o Antonio, o babaçu
é a vida dos quilombolas porque dele se tira o azeite, o palmito, o mesocarpo e
se queima a casca. Essa declaração do Antonio e as declarações das mulheres se
chocam um pouco com a percepção que o babaçu, de tanto fazer parte da vida dos
quilombolas da Vila Criolis, perdeu um
pouco a sua importância econômica e social nesses tempos modernos. As mulheres
quebram o coco e vendem o azeite, só que o babaçu não aparece em primeiro lugar
na lista de espécies florestais importantes para a comunidade.
Os participantes da capacitação
em meio ambiente se depararam durante a caminhada pelo leito do riacho da
Ponte, na Vila Criolis, município de Brejo, com a dona Maria Inês em seu
momento de banho. Eles caminhavam por dentro da propriedade do senhor Candin. A dona Maria Inês chegou aos seus setenta anos. O senhor Candin
prometeu doar um hectare para ela se manter. Uma cerca torna difícil a
caminhada até o riacho na propriedade do senhor Candin. Verificam-se cercas por
toda a extensão do riacho. Apenas dois trechos se livraram das cercas e nestes
a comunidade se banha e lava as roupas. Nesses dois trechos as criações de
animais também se molham e bebem. Tem
dois anos que o riacho da Ponte seca depois que as chuvas acabam. Isso se deve,
segundo os moradores, ao desmatamento que o senhor Candin realizou para o
plantio de capim. Além do desmatamento, o plantio de capim traz consigo o
despejo de agrotóxicos. O senhor Francisco, marido de uma das participantes,
despejou agrotóxico quinze anos da sua vida. Apresentaram-se dores da cintura
para baixo o que pode ser resultado da aspersão de agrotóxico. Na casa do
senhor Francisco, depois da caminhada, as pessoas conversaram sobre mudanças
climáticas e o comportamento dos agricultores referente ao meio ambiente e a urgência
em mudar esse comportamento. Os agricultores esperam que a floresta se regenere
depois que utilizaram aquele solo para os seus plantios. É bem provável que ela
não regenere a contento porque o agricultor voltará a essa área mais cedo ou
mais tarde. A hora do almoço se
aproximava. As mulheres saíram cedo de suas casas sem aprontarem nada. De uma próxima
vez, o almoço se dará no mesmo lugar da oficina. Por conta disso, a esposa do
senhor Francisco ofereceu goiabas. Alguns comeram mais e outros menos. As pessoas
paparam as goiabas e por fim escolheram três deles (Girlene, Valdemar e Zé de
Fátima) para formarem um grupo que encetará uma discussão com os proprietários,
que impedem os moradores de carregarem água de seus terrenos e que despejam agrotóxicos
para plantar capim, para que mudem suas atitudes que causam danos ambientais na
vida de todos os moradores da Vila Criolis.
Mayron régis
Parabéns Mayron por escrever a realidade de um povo e suas verdades e necessidades...
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