Ivonete
Gonçalves de Souza (CEPEDES)
Winfridus
Overbeek (WRM)
Os
conflitos entre as comunidades e a Suzano pela terra e pelo Cerrado
“Estamos brigando por aquilo que é nosso...”
(morador
de São Raimundo, município de Urbano Santos, Baixo Parnaiba, Maranhão)
O processo de desapropriação de
terras ocupadas por comunidades tradicionais na região do Baixo Parnaíba caracteriza-se
pela ilegalidade, a exploração das comunidades praticada pelos supostos donos
da área e, sobretudo, as violações dos direitos legítimos das comunidades a
posse, uso e acesso aos territórios que tradicionalmente ocupam.
A ilegalidade do processo de desapropriação
territorial das comunidades, que também envolve a Suzano, fica evidente nos
métodos que costumam ser aplicados. Conforme o Fórum Carajás, é comum a prática
ilegal de compradores de terras na região. Muitas vezes, famílias que fazem
parte da elite local aumentam o tamanho das áreas compradas na hora de fazer o
registro no cartório do município. Um exemplo é dado por Antenor Ferreira em um
artigo sobre o processo de apropriação de terras pela Suzano na região do Baixo
Parnaíba[1], mostrando
um documento de propriedade de 3.741,3294 hectares em nome da Comercial
Agrícola Paineiras, pertencente à Suzano, no município de Anapurus. Esse
documento foi reconhecido como legal no cartório local sob a matrícula no. 869,
mas, pesquisando a origem da área, o autor do artigo demonstra com documentação
que ela, na realidade, é constituída de 1.877,730 hectares de área particular,
sendo que os restantes 1.863,6264 hectares são terras devolutas. Segundo
Ferreira, “estima-se que cerca de 70% das terras adquiridas pela Paineiras no
Maranhão tenham origem irregular”. Ele mostra, ainda, exemplos de outra
ilegalidade: a prática de usar nomes de pessoas que nunca possuíram ou
habitaram as áreas que estão sendo vendidas. É o caso de Leudson da Costa Viana, lavrador
que mora em Santa Quitéria e que, apesar do seu nome constar no registro de um
documento de venda de terra, declarou nunca ter tido a posse da propriedade que
ele, como consta no registro, teria vendido à Paineiras em 2010 pelo valor de
R$ 2.005,44, o que indica a falsificação de documentação.
Se não for o caso de usar as
terras ou expulsar as famílias imediatamente, o registro e a apropriação também
representam a oportunidade para que os latifundiários, inclusive plantadores de
soja e empresas, explorem os posseiros. Antigos moradores de comunidades contam
que os supostos proprietários de terras na região, inclusive a Paineiras (da
Suzano), antes mesmo de começar o plantio de eucalipto, costumavam requerer uma
parte da colheita das roças dos moradores locais como se fosse um “pagamento”
pelo uso da terra do “proprietário”. Era como se os moradores fossem “arrendatários”.
Uma moradora do pólo de Coceira conta que a Paineiras era até bastante rígida
nessa prática, com representantes da empresa indo às roças medir e, em seguida,
cobrar com precisão aquelas “linhas” de roça que lhe “pertenciam”.
No município de Santa Quitéria, a
resistência contra o avanço do eucalipto da Suzano começou a crescer a partir
do chamado Pólo de Coceira, uma
microrregião que inclui sete comunidades e cerca de 7 mil hectares de áreas
mais baixas e chapada. Foram quatro comunidades, incluindo as de Coceira e Baixão da Coceira – ao todo, mais de 300 famílias – que iniciaram a
resistência e a luta contra o avanço do eucalipto pela Suzano[2]. Nesse polo, são poucas as famílias que têm um título
de propriedade das suas terras, ou seja, a grande maioria é de posseiros. A
resistência das comunidades cresceu depois que a empresa já tinha plantado
cerca de 1.400 hectares de eucalipto na microrregião e destruído muitos pés de
bacuri e pequi. Com os eucaliptos crescendo, apareceram impactos negativos, como
a redução da quantidade de água nos córregos e riachos. A empresa também pegou água
diretamente dos rios, com uma licença – outorga – concedida pela Secretaria do
Meio Ambiente de Maranhão para captar água das
bacias do rio Preguiça, do rio Munim e do rio Buriti, reduzindo ainda mais o
volume de água nesses rios. A licença é ilegal, já que a SEMA não é o órgão
competente para conceder este tipo de autorização[3].
Recentemente, em junho de 2013, a secretaria revogou a licença da Suzano,
suspendendo a autorização[4].
Além disso, os moradores perceberam também que a
empresa estava aterrando nascentes e riachos porque
precisava de estrada para passar com suas máquinas pesadas, afetando ainda mais
os recursos hídricos. E o gado (foto),
que os moradores costumam soltar na chapada, voltava doente, com coceira na
pele, resultado do agrotóxico aplicado nas plantações e que também contaminava
as fontes de água.
A situação dramática que o monocultivo
do eucalipto promoveu foi logo observada na comunidade de Mundé (foto), no polo Coceira. A Suzano
plantou eucalipto ao lado da comunidade, impedindo que a mesma pudesse soltar o
gado como antes. Para piorar, o que sobrou de Cerrado se tornou Reserva Legal
da empresa, inviabilizando qualquer possibilidade da comunidade continuar a ter
áreas para fazer suas roças. Sobre a Reserva Legal da Suzano no Polo Coceira,
Mayron Régis, estudioso da região e membro do Fórum Carajás, escreve:
“Entre
um e outro plantio [de eucalipto], lê-se reserva legal. Estas áreas, em boa
parte, correspondem a uma vegetação rala do Cerrado. As partes mais
significativas do Cerrado dessas duas fazendas foram postas abaixo pelos
tratores da empresa e pelo uso de correntões. Provavelmente, o desmatamento de
vegetação nativa possibilitou a existência de mais de cinco mil hectares de
eucalipto”.[5]
A comunidade de Tabocas, próxima
a Mundé, também no Polo Coceira, encontra-se igualmente cercada de eucalipto . A
empresa deixou apenas 12 hectares para a comunidade fazer roça, e esta perdeu
mais da metade das árvores de bacuri, pequi e outras espécies importantes para si.
O morador entrevistado lamenta não ter conseguido o apoio da comunidade “para
evitar o desmatamento”.
Em maio de 2009, pela primeira
vez, a Suzano tentou entrar numa chapada próxima às comunidades de Coceira e
Baixão da Coceira, onde se concentra a resistência contra o eucalipto. Eram nove da noite quando um morador local
percebeu a movimentação de tratores na chapada. Aos poucos, as comunidades
próximas foram avisadas e, ao amanhecer, moradores foram ao local e se
colocaram na frente dos tratores, impedindo o avanço da derrubada da floresta
do Cerrado, e os operadores de máquinas foram embora. Depois de algum tempo, o Sr.
Demerval, da Suzano, tentou se reunir com uma liderança fora da comunidade, mas
esta exigiu que a reunião fosse realizada dentro das comunidades. Quando o Sr.
Demerval chegou, também as famílias chegaram, pois a liderança chamou a todas para
que participassem. Na reunião, o Sr. Demerval disse que a Suzano queria fazer
um acordo, dando 500 hectares para cada comunidade e mais projetos como o “campo
agrícola” (veja no Box 2), mas as comunidades não aceitaram. Depois, a empresa
apareceu pela segunda vez na chapada com tratores, pronta para derrubar o Cerrado.
Quando as comunidades chegaram, a empresa tentou resistir, dizendo que, desta
vez, só retiraria os tratores com uma ordem judicial. Mas, com sua rápida
mobilização, as comunidades conseguiram mais uma vez parar os tratores. Posteriormente,
a empresa decidiu recorrer à Justiça e conseguiu uma reintegração de posse que
foi entregue na comunidade do Baixão da Coceira, por um oficial de justiça acompanhado
de carros da empresa e da polícia, juntos. O juiz concedeu a posse da chapada à
Suzano, mas isso não impediu que as comunidades do pólo Coceira se mobilizassem
pela terceira vez para tentar impedir o desmatamento, que já estava em
andamento na chapada, bem próxima à comunidade. Um morador disse na ocasião: “Eles
não vão desmatar, só se passar por cima da gente!” Os moradores buscaram
reforço na comunidade e, quando o grupo maior chegou à chapada, a Suzano já havia
desmatado 100 hectares. Havia 15 policiais presentes, apoiando a ação da
empresa, mas a comunidade tinha conseguido mobilizar cerca de 300 pessoas rapidamente.
Com a presença dos policiais, o clima ficou ainda mais tenso e a empresa estava
determinada a concluir o desmatamento. Mas, quando um membro da comunidade, revoltado
com tanto desrespeito, ameaçou botar fogo nos tratores, o chefe dos policiais
resolveu parar mais uma vez a operação e retirar as máquinas.
Desde então, a Suzano não fez
novas tentativas de desmatar a área, enquanto as comunidades que resistem iniciaram
outra luta pela desapropriação das terras de uso da comunidade para a criação
de assentamentos, através de processos no Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA).
Por exemplo, no caso de Baixão da Coceira, a proposta é criar um assentamento
de 1.500 hectares, o que vai garantir à comunidade o usufruto da chapada, não
só para as famílias de hoje, mas também para futuras gerações.
Uma história parecida é contada
pelos moradores da comunidade de Bracinho, polo
de São Raimundo, município de Urbano Santos, onde dezenas de famílias de moradores
posseiros se juntaram para defender seu direito ao território. Uma moradora
conta: “A Suzano quer tentar tirar a gente daqui, deixar a gente com menos
coisas”. Era 17 de maio de 2011 quando a empresa chegou para desmatar o Cerrado
da chapada próximo à comunidade, em uma região que inclusive faz parte de uma
Área de Proteção Ambiental (APA), Upaon Açu[6]. A
comunidade disse aos operadores dos tratores que era melhor que parassem: “Ficamos
na frente dos tratores, era duas e meia da tarde e foi até seis e meia da noite”.
Segundo o que contam os moradores, um dos quatro seguranças presentes atirou,
mas os moradores não ficaram com medo e empurraram o carro dos seguranças para
trás. O gerente da Suzano, o Sr. Demerval, disse que a comunidade estaria
trabalhando contra o que ele chamou de ”direito”, mas os moradores se
mantiveram firmes e disseram que ele deveria afastar as máquinas e ir embora. Essa
já foi a terceira tentativa e, depois, a Suzano tentou mais uma vez fazer o
desmatamento, mas não conseguiu derrubar o Cerrado, muito menos plantar
eucaliptos nas terras.
Em dezembro de 2011, a comunidade
conseguiu uma liminar na justiça, determinando que a Suzano “se abstenha de
praticar atos de ameaça aos possuidores da Comunidade Tradicional de Bracinho,
localizada no município de Santa Quitéria/MA, ou de invasão desta propriedade
rural, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 2.000 (dois mil reais) por
dia, (..)”[7]. Um
elemento importante na decisão da juíza foi o fato de já haver um processo de
regularização do território da comunidade em andamento quando a Suzano tentou
invadi-lo. Há seis anos, a comunidade de Bracinho formou uma associação e deu
entrada em um processo de regularização fundiária no ITERMA, com o objetivo de
criar um assentamento com 3.400 hectares, correspondente à área de moradia e de
uso da comunidade, inclusive a chapada. Os moradores sabem que as terras são
devolutas e que por isso lhes pertencem, que eles são os legítimos donos, até
porque já vivem no lugar há muitas gerações. Mesmo assim, pediram à Suzano que mostrasse
o documento da terra que a empresa dizia ter, mas, segundo contam, seus
representantes nunca trouxeram esse documento. Em compensação, a empresa chegou
a propor dar uma área de 400 hectares para toda a comunidade, se esta aceitasse
um acordo.
A comunidade de Bracinho explica
que é contrária ao plantio de eucalipto porque tem recebido notícias de outros
lugares na região onde comunidades não reagiram à chegada da empresa e hoje
estão vivendo com dificuldades, isoladas, no meio do eucaliptal. Os moradores contam
que essas comunidades se deixaram seduzir pelas muitas promessas da Suzano de
construir escola, posto de saúde, fazer estrada, receber um “campo agrícola”, as
quais, segundo eles, não são cumpridas. Um morador de Bracinho afirma, que as
pessoas foram “adubadas” de várias formas para aceitar o projeto.
Hoje, a Suzano está proibida de
entrar na comunidade de Bracinho. Mesmo assim, a empresa tenta, mas não com
tratores. Recentemente, mandou uma assistente social chamada Fernanda, com a
desculpa de fazer um trabalho com as crianças, mas a comunidade se manteve
firme, dizendo que a Suzano não pode entrar, “nem por mal, nem por bem”.
Outra comunidade que enfrenta o problema da
expansão do eucalipto da Suzano é Santa
Rosa , também no município de
Urbano Santos, onde formou sua associação e entrou com um processo no órgão
federal de promoção da reforma agrária, o INCRA, para criar um assentamento. Em
um primeiro momento, o “suposto” proprietário da área estava disposto a vender
a área ao INCRA, para que a comunidade pudesse desfrutar da terra onde vive há
várias gerações. O proprietário foi ao INCRA, junto com uma delegação da
comunidade, para consumar a venda, mas depois, parece ter repensado a proposta
a partir do interesse da Suzano de se apropriar da área. Hoje, a comunidade
está aflita e, ao mesmo tempo, revoltada porque o suposto proprietário colocou
uma pessoa dentro dela com o objetivo de expulsá-la. Para cumprir esse objetivo,
está ameaçando, intimidando e amedrontando os moradores. Assustados, alguns já pensam em abandonar o
lugar onde sempre viveram, mas a maioria afirma que não quer sair, porque sempre
morou nesse lugar. O exemplo da Santa Rosa mostra que, enquanto as comunidades tentam se
unir na defesa e no reconhecimento do seu território, a pressão da Suzano,
junto com o interesse e a atitude do suposto proprietário no sentido de vender
a área para a empresa, acabam dividindo e fragilizando os moradores.
A comunidade de São Raimundo, vizinha de Bracinho no município
de Urbano Santos, ainda não é diretamente afetada pela Suzano, mas não permite
que a empresa ostente suas placas em seu território, muito menos nas chapadas próximas.
Um morador comenta que já foram retiradas placas da Suzano, explicando que, se as
deixam, parece que os moradores estão considerando que a terra já é da empresa,
o que não admitem.
Os moradores de São Raimundo
contam que, no caso deles, a principal ameaça vem de um gaúcho chamado Evandro
Loeff, que quer se apropriar de cerca de 3.000 hectares de terras de chapada[8]. Quando
os tratores chegaram para derrubar áreas de cerrado na chapada, a comunidade se
mobilizou e não deixou o desmatamento ocorrer, mandando os operadores dos
tratores para casa com o recado de que não voltassem mais. Em seguida, o
suposto dono da terra queria entrar em “acordo”, oferecendo oito hectares a
cada uma das 55 famílias, mas a comunidade não aceitou. Em vez disso, através
da sua associação, entrou com um processo de desapropriação de 1.600 hectares
de terras no INCRA. A associação foi criada no ano 2000 para defender os
interesses da comunidade.
Sobre
a Suzano, um morador afirma que não tem muita coisa boa para dizer, enfatizando
que nunca vão aceitar a presença da Suzano no território da comunidade porque
“nunca vamos dizer que fazer devastação é bom”. Outro morador, de 71 anos,
acrescenta que “essa Suzano já desabrigou muita gente. Eles foram chegando com
bonitas promessas, iludindo as pessoas desavisadas, e algumas delas venderam
suas áreas por qualquer coisa”. O primeiro morador continua: “Mas nós, da comunidade
de São Raimundo, estamos unidos, somos uma comunidade que luta pela terra, para
conseguir encontrar aquilo que é necessário para sobreviver”. E disso não abrem
mão.
[1] http://urbanosantosonline.blogspot.com.br/2011/02/comprovado-suzano-e-paineiras-grilam.html
[2] Régis, Mayron, “As chapadas e os bacuris”, 2011. Fórum
Carajás, página 97.
[3] http://territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot.fi/2012/07/o-lugar-da-sustentabilidade-nos.html
[4] http://territorioslivresdobaixoparnaiba.blogspot.com.br/2013/06/secretaria-de-meio-ambiente-suspende.html
[5] Régis, Mayron, “As chapadas e os bacuris”, 2011. Fórum
Carajás, página 97.
[6] Régis, Mayron, “As chapadas e os
bacuris”, 2011. Fórum Carajás, página 84.
[7]
Decisão da Justiça Estadual de Maranhão, processo 363-88.2011.8.10.0117,
interdito proibitório, publicada em 21/12/2011, assinada por Elaile Silva
Carvalho, juíza de direito.
[8] Régis, Mayron, “As chapadas e os bacuris”, 2011. Fórum
Carajás.
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