quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O baixo parnaíba e a crise hídrica

Tornamo-nos um pouco aquilo que ouvimos ou que lemos. O assunto da conversa não poderia ficar para depois e nem para o outro dia: um iria embora à mesma noite e o outro no dia seguinte. Havia falta de luz, coisa normal à noite. Restava acender uma vela que espantasse um pouco a escuridão. Dessa precária iluminação surgiriam sombras e, estas, sombras de tantas iras e de tantas façanhas, se decomporiam em palavras quase mortas, deixadas pelo mato.
Luís Alves Ferreira, médico patologista, professor de patologia da UFMA e do mestrado de Saúde e Meio Ambiente, socorre as palavras e as ajunta a reviver durante uma breve conversa sobre o Baixo Parnaíba e suas populações. O Cerrado é a coluna cervical de todos os outros biomas do Brasil, nas palavras de Luís Alves. Em vários trechos do Baixo Parnaíba maranhense, Cerrado e Semi-Árido e Mata dos Cocais lavam as mãos e os pés juntos nos rios que formam as bacias do rio Parnaíba e do rio Preguiça e que, com suas águas, abastecem as cidades do Baixo Parnaíba. Chegando a qualquer uma destas cidades, quase que, de imediato, presume-se que a água é abundante.  Entre Brejo e São Bernardo se formam muitas lagoas. Tem a lagoa do Escalvado, onde se concretizou um projeto de assentamento; tem a lagoa Pouca Vergonha; e tem a lagoa Bom Princípio. O rio Buriti, que percorre boa parte do Baixo Parnaíba, desemboca na lagoa do Bacuri e esta se emborca na lagoa de Santo Agostinho, município de Magalhães de Almeida. Sim, a água vinda da chapada empapa todo o Baixo Parnaíba, sendo este um imenso vale cheio de altos e baixos que regula o amarrar e desamarrar das águas para os rios secundários e para os principais rios da região. Nesse amarrar e desamarrar das águas, as lagoas, então, se formam como um ambiente prenhe de e que carreia a vida, da mesma forma que um brejo, daí que a principal cidade do Baixo Parnaíba seja designada Brejo.
 Em todo caso, mesmo com a “abundância” de água entusiasmando, logo vem à mente que o Baixo Parnaíba, por apresentar faixas de semi-árido, é uma das regiões do Brasil favorecidas pelo “Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semi-Árido : Um Milhão de Cisternas Rurais”, que é uma parceria da Articulação Semi-Árido (ASA) com o governo federal, empresas e bancos, e pelo Fome Zero. Verifica-se para a população do Baixo Parnaíba uma situação de “stress hídrico”, na qual várias comunidades sofrem pela escassez e pela qualidade da água e pelo excesso de calor,  e uma piora absoluta no que tange os aspectos sociais. Portanto, fez-se e ainda se faz urgente, como no caso do programa das cisternas, a criação de novas formas de convivência das populações com a natureza que suavizem a situação de stress hídrico e de absoluto fracasso das políticas públicas por que passam e que não desgastem os recursos naturais ainda mais. 
Parecia simples viver. O Baixo Parnaíba entre duas grandes bacias (a do rio Preguiça e a do rio Parnaíba) e cortado por rios, riachos e lagoas.  Contudo, as populações estão à mercê de uma grave crise hídrica e Luís Alves discorre sobre isso como poucos fariam. “As políticas públicas para a região são péssimas”. Que políticas públicas são essas e como elas atuam na vida econômica, social e ambiental? Em geral, as políticas públicas referidas pelo Luís são pensadas não pela ótica dos prejudicados pela ordem social, mas sim na forma de incentivos fiscais que atraiam projetos agro-exportadores. 
Praticamente, por todas as décadas de 80 e 90 se viu empresas ganhando áreas do Baixo Parnaíba para o plantio de eucalipto, este monocultivo em polvorosa por conta do negócio da celulose, bambu e cana-de-açúcar e para a queima de madeira em carvoarias, que atendiam as empresas de ferro-gusa, obtendo apoio da extinta Sudene e do BNDES: Itapagé Celulose, Comercial e Agrícola Paineiras e a Marflora.
Exatamente, em 1980, o então governador do Maranhão João Castelo assina o decreto 4.154 que se arrogava proteção dos babaçuais “excetuando os casos de implantação de projetos de desenvolvimento agrícola.” Essa decisão teve efeito imediato sobre a mata dos cocais que é uma zona de transição entre a floresta amazônica e o Cerrado e a floresta amazônica e a Caatinga. O decreto 4.154 , assim como os decretos 5.549 e 5.550 de março de 1975, estes facilitando o desmatamento de 65.000 hectares de babaçuais na região de Caxias, em vez de defender os babaçuais fez preponderar os interesses da indústria de celulose e da cana-de-açúcar sobre o Baixo Parnaíba e adjacências. Questionável, então, a expressão “políticas públicas”, pois as agências de desenvolvimento como a SUDENE e bancos de financiamento como BNDES financiavam projetos ou indicavam projetos para receberem financiamentos que desciam de pára-quedas sem nenhuma discussão prévia envolvendo sociedade, estado e empresa.  Pelo contrário; havia uma cumplicidade em que estrutura de Estado limpava o caminho e fazia de conta que estava tudo certo e os grupos empresariais se alojavam como lhes aprouvesse. Nenhuma indagação partiu do governo e do judiciário do Maranhão, na década de 90, para a Marflora/Margusa a respeito das terras que esta empresa lavrou em seu nome.
Aproveitaram, e muito, de que o Baixo Parnaíba sempre seguiu invisível, sem que o restante do estado do Maranhão desse a mínima para o que lá desenrolava. Constata-se uma redução de 3,7% anual nas áreas que produziam arroz, milho, feijão e mandioca e de 2,8% na produção em todo o estado do Maranhão, atingindo, em cheio, a segurança alimentar das populações. No caso do Baixo Parnaíba, essa redução deve ser maior por se tratar de uma área recente de expansão de soja. Esta expansão resulta de políticas públicas pouco propensas à discussão entre os vários segmentos da sociedade. A Embrapa festejou e espalhou em seminário que o Baixo Parnaíba se firmaria como a melhor área para o plantio de soja. Luís Alves bate em cima desse argumento: “A região do ponto de vista técnico-científico não é propícia para o plantio de soja. Deve-se esperar pelo pior com a diminuição na quantidade da água e a região virando um deserto”.
Mayron Régis 2005

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