“O Passado é sempre conflituoso. A ele se referem,
em concorrência, a memória e a historia, porque nem sempre a história consegue
acreditar na memória, e a memória desconfia de uma reconstituição que não
coloque em seu centro os direitos da lembrança...”. Esse trecho faz parte do
livro “Tempo Passado: Cultura da memória e Guinada subjetiva” da critica cultural
Beatriz Sarlo. Se o Passado só existe na memória e na História como ele pode
ser conflituoso? O individuo ou a coletividade encontra o passado e não se
satisfaz com o que encontra. O conflito nasce dessa insatisfação.
Por mais que alguém pense ou postule o contrário ou
se queira acreditar no contrário, o discurso sempre se refere a algo que já
passou ou que quase passou. Não há um ato ou uma fala que se destine ao futuro
a não ser que queira parecer pretensioso. Philip K. Dick escreveu “O Homem do
Castelo alto”, no qual a sociedade humana viveria sob os ditames do nazismo
depois que os aliados perderam a segunda guerra mundial. Perante a História,
essa possibilidade é inconcebível, afinal os aliados ganharam a guerra na
segunda guerra mundial. Contudo, o capitalismo ao acelerar a apropriação dos
recursos naturais nas mais diversas formas e nos mais diversos espaços faz com
que o passado seja uma mera especulação.
Em “O Homem do Castelo Alto”, Philip K Dick parece
dizer ao publico e a critica que não é tão simples considerar que sua obra
seja, simplesmente, uma obra de ficção e que isso não afeta ou não afetaria o
senso de realidade do leitor ou dos leitores. Sim, é uma obra de ficção, mas
isso não permite a ninguém desconsiderar que houve uma possibilidade real de
que outro mundo surgisse a partir da segunda guerra mundial com a vitória das
forças do eixo.
Pelo menos para Philip K Dick, o passado não é tão
apresentável ou reconhecível como se gostaria ou como o capitalismo gostaria. O
capitalismo precisa criar pontes para que se aposse dos recursos naturais,
humanos, econômicos e culturais. O tempo também é um recurso. É um recurso
simbólico. A expressão “O futuro chegou” vem carregada de ansiedade. Como assim
“o futuro chegou”? Quem o trouxe? Ele veio de que lugar? A primeira coisa a fazer, para se chegar ao
futuro, é esquecer seu passado. Quanto mais a pessoa ou a sociedade se esquece
das historias que compõe sua vida e compõe a vida ao seu redor, fica difícil o
processo de rememorar e fica fácil o processo de acumular. Esse preâmbulo
possibilita que se comente a tese de doutorado de Luciana Queiroz " Industrial shrimp aquaculture and mangrove ecosystems: A multidimensional analysis of a socio‐environmental conflict in Brazil."
Segundo Luciana, a indústria de camarão em
cativeiro “em Brasil funciona como um processo de “”acumulação por espoliação””, similar ao processo identificado em outros países de América
Latina, Ásia e África (Veuthey y Gerber 2012, Latorre 2014) que como uma
políitica de consenso.” Observe que Luciana escreve em espanhol, o seu doutorado
é em Barcelona, e em outros trechos escreve em inglês, sobre um conflito que
ocorreu e ainda ocorre no interior do Ceará. Em uma língua estrangeira e em um
pais estrangeiro, Luciana investiga e reconstrói o seu lugar no mundo e o lugar
das comunidades que são objeto de sua análise: “Conocer el lugar de donde vengo para
construir esta tesis, es decir, ...mi rincón del mundo (Bachelard 2003), es
importante para que el lector entienda mis motivaciones y mi encuentro con el
objeto de investigación.” O seu lugar e o lugar das comunidades é o da
intuição. Teoria e prática se encontram na intuição. Walter Benjamin escreveu “Citar é marcar um encontro”. Por
várias vezes, Luciana Queiroz, ao longo da sua tese, marca um e comparece ao
encontro com as comunidades de Cumbe e Curral Velho em suas lutas pela justiça
ambiental e contra a indústria da carcinicultura.
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