quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Estado e agronegócio desrespeitam direitos constitucionais de comunidades quilombolas no Maranhão

O deputado baiano Tom é um sujeito ganancioso. Ele não se contenta com pouca terra. Comprou 500 hectares de um grileiro dentro do território quilombola Melquides no município de Matões. Esse território se associa ao território quilombola Tanque da Rodagem numa grande extensão de terras que empresas de eucalipto como a Suzano papel e celulose e plantadores de soja cobiçam se apossar para desenvolver seus projetos com apoio da classe politica municipal e estadual. O governador Flavio Dino, em reunião com os representantes do Tanque da Rodagem, declarou que não poderia titular o território porque havia dois documentos nessa área: um da associação do Tanque e outro da Suzano Papel e Celulose. Mesmo que esse documento da Suzano seja verdadeiro e a empresa nunca apresentou qualquer documento para a comunidade, o governador Flavio Dino deve saber que há toda uma legislação que protege os direitos dos remanescentes de comunidades quilombolas. Ao afirmar que não poderia titular o território quilombola de Tanque da Rodagem, ele não quis se indispor com a empresa e com políticos da região que são da sua base de sustentação. A Suzano papel e Celulose impetrou uma ação de reintegração de posse contra os quilombolas do Tanque da Rodagem em 2010 no começo do seu projeto de plantar 600 mil hectares de eucalipto no Maranhão e Piaui e essa ação vira e mexe perturba a constrange a comunidade. Outras comunidades quilombolas na região sofrem assedio moral politico econômico e ambiental para abrirem mão de seus territórios para favorecerem projetos do agronegócio. Na comunidade de melquides, citada acima, o deputado Tom não tem a menor ideia de onde sejam os quinhentos hectares mas como já pagou ele vai com a fina força dos tratores desmatar o Cerrado e as áreas de roça dos trabalhadores sem hesitar. Mais recente, a comunidade de Paiol do Centro, território do Jabuti, município de Parnarama, foi impedida pela policia militar do Maranhão de roçarem suas áreas de trabalho. Os policiais alegavam uma reintegração de posse. Adivinhem quem impetrou a ação? O deputado Tom da Bahia que quer dois mil hectares, onde roçam 80 familias que nunca foram notificados de que essa ação corria na justiça.

domingo, 27 de dezembro de 2020

Meninos eu vi

“O que aconteceria se pudéssemos lembrar de tudo que vivemos?” ”Não é possível, porque se fosse possível passaríamos a vida toda lembrando, não faríamos mais nada e enlouqueceríamos a nós e aos outros.” Essa conversa serve para entrar no assunto deste texto que é um pouco o ato de lembrar e é muito um bando de outras coisas que não se lembra de imediato ou é melhor fazer de conta que não se lembra. Em 1989, a rede globo transmitiu a novela “Salvador da pátria” cujo elenco era Otávio Augusto, Lima Duarte, Maitê Proença e Lucinha Lins. O enredo contava a trajetória de Sassa Mutema, personagem de Lima Duarte, um boia fria que se elege prefeito de uma cidade do interior do Brasil. Um dos personagens mais interessantes da novela era Juca Pirama, um radialista de direita desejo de chegar ao poder, interpretado por Otavio Augusto, que iniciava seu programa com a seguinte frase: “Meninos, eu vi.” O autor Lauro Cesar Muniz construiu uma historia que antecipou a disputa eleitoral para presidente da republica naquele ano em que a direita e a esquerda disputaram o segundo turno e Fernando Collor de mello, representante da oligarquia alagoana e dos interesses empresarias, elegeu-se com uma margem apertada de votos a frente de Luis Inacio Lula da Silva. Para construir e desenvolver o enredo da novela, Lauro Cesar Muniz se utilizou de vários artifícios do oficio de escritor e um deles foi a citação. Juca Pirama é o personagem principal do poema escrito em 1851 por Gonçalves Dias, poeta maranhense romântico, I Juca Pirama e “Meninos eu vi” é um dos versos desse poema. Poucos devem ter se dado conta dessas citações visto que o propósito da novela é divertir o espectador e não dar aula de literatura. Porém, um determinado espectador pode prestar atenção aos nomes, meses depois ler um trecho do poema no livro da escola, juntar as peças do quebra cabeça e concluir que o autor da novela homenageou um autor romântico da sua terra, o Maranhão.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Infra estrutura e igreja Catolica em São Luis

As igrejas fizeram parte de sua vida mais do que gostaria de admitir. Na igreja de Santo Antonio, centro de São Luis, recebera a primeira comunhão em 1983. Crismara em 1988 na igreja Nossa Senhora da Conceição, igreja do Monte Castelo (seu bairro); o ultimo grande evento de sua vida católica. Assistir missa era um dever a ser cumprido e caso faltasse acarretaria recriminações pela semana, algo que você não desejaria nem para seu pior inimigo. A igreja que mais assistira missa fora a Nossa Senhora da Conceição; todo domingo angariava paciência para ouvir o padre e sua pregação por cerca de uma hora. A igreja do Monte Castelo substituira a versão antiga da Nossa Senhora da Conceição, localizada a rua Grande, que a prefeitura de São Luis ordenara a derrubada para dar vez a um prédio moderno nos anos 50, o edifício Caiçara . No eixo da avenida Getulio Vargas, além da igreja Nossa Senhora da Conceição, outra igreja recebe os fieis católicos dia após dia nas suas missas: a igreja São Vicente de Paula. Nesse eixo, o bairro Monte Castelo domina os dois lados da avenida por alguns quilômetros. Ele é um bairro central pelo qual trafegam várias linhas de ônibus. No ponto em que a avenida Getulio Vargas vira a esquerda e recebe o nome de Avenida dos Franceses, o Monte Castelo passa o seu domínio para o Apeadouro, que é um dos bairros mais antigos de São Luis. A igreja São Vicente de Paula se firmou nos anos 40 exatamente no Apeadouro do lado direito com o intuito de acolher os católicos deste bairro como também acolher católicos desgarrados da vizinhança. Monte Castelo, João Paulo, Bairro de Fátima e Bom Milagre não se configuravam como bairros e as pessoas para assistirem missas rumavam em direção as igrejas do centro. Caso pudessem, é claro, pois o transporte coletivo em São Luis se resumia a bonde elétrico. A construção, portanto, da São Vicente de Paula disseminaria ainda mais o domínio da igreja Catolica por partes da cidade pouco tocadas pelo seu discurso. E por partes da cidade com pouca oferta de infraestrutura. As pessoas do bairro Bom Milagre viviam em extremas dificuldades com relação a transporte, saúde, saneamento básico, educação e moradia. Tendo em vista que a cidade de São Luis crescia em termos populacionais para essas bandas o que chegaria a esses lugares antes da infraestrutura seria a igreja Catolica.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O Show de uma vida

“O que você sabe a respeito de Raimundo Soldado?” A pergunta disparou um alarme no fundo do seu cérebro. O que responderia ao seu amigo que se sentara em uma mesa ao lado da sua? Poderia mentir e responder que esse nome não dizia nada a sua pessoa ou poderia responder uma verdade pobre que Raimundo Soldado cantava brega e nascera em Santa Inês. Para ele, responder a pergunta com a verdade pobre demonstrava uma falta de respeito com o cantor e com a musica brega que não era o seu forte, mas para muitos maranhenses cantar musica brega significava retornar a uma adolescência com pouco dinheiro e muitos sonhos. Enfim, respondeu com pouca ênfase: “Raimundo Soldado, cantor de musica brega, sei sim.” O amigo relatou o dia em que por um acaso assistira um show de Raimundo Soldado na cidade de São Mateus. Anunciava-se um show que promoveria musica de qualidade. Ele chegara a cidade no dia anterior pela estrada e ao ouvir o anuncio resolveu fincar os pés por mais tempo do que pretendia. Pela sua expectativa, o cantor viria num carro de luxo e sua banda viria atrás em outro carro. Não foi bem o que viu. Um caminhão chegou e dentro dele e na carroceria se via um grupo de homens. O Raimundo Soldado vinha na boleia ao lado do motorista que ficou se sabendo tocava bateria. O amigo desacreditou no que vira. O motorista era o baterista, o carona era o cantor/produtor e o restante da banda viajava na carroceria tomando de conta dos instrumentos. Se os cálculos de tempo e espaço estiverem corretos, esse show deve ter ocorrido nos anos 80. A chance de chegar um show de qualidade nos interiores do Maranhão era mínima, então o espetáculo improvisado que Raimundo Soldado praticava supria essa carência. O cantor saia de sua terra natal Santa Inês para cantar a noite toda nas cidades de beira de estrada do Maranhao. Nesse dia, em São Mateus, Raimundo Soldado começou a cantar as dez horas da noite e parou as cinco da manhã do dia seguinte. “Foi o show da minha vida”, confidenciou o amigo.

domingo, 20 de dezembro de 2020

A São Luis displicente e rustica

Por vários meses, a praça da Misericordia seguiu fechada para a população de trabalhadores, comerciantes e moradores que a cruzavam ou circulavam por ela todos os dias de suas vidas. Os únicos que adentravam em seu recinto cumpriam deliberações de entreterem-se com seus objetos de trabalho e com as formas obtidas em horas ininterruptas de esforço físico indispensável. A reforma obedecia um cronograma de obras desencadeado pela prefeitura que se estendia por toda a cidade ou parte dela. Com o fechamento da praça, os usuários costumeiros sumiram da praça a não ser claro os moradores das casas ao redor que não podiam sumir nem se quisessem. Sem as casas ao redor, o numero de pessoas que frequentam a praça seria bem menor e com outro perfil um pouco semelhante ao publico que frequenta a praça da Alegria. E se não houvesse o hospital à sua frente, a praça teria um outro nome porque o nome do hospital é da Misericordia e não receberia pessoas que se sentam em seus bancos por alguns minutos solenes como forma de descanso solitário para retornarem aos seus postos ao lado de seus parentes. A praça da Misericordia é um cruzamento mais de pessoas do que de carros e essa percepção/conclusão faz você pensar num bairro de zona rural a quilômetros de distancia do centro de São Luis no qual as famílias passeavam no fim de tarde com os filhos e com os amigos. A zona rural de São Luis a cada dia que passa perde esse charme interiorano para ganhar em troca os benefícios da modernidade. Portanto, essa percepção/conclusão da praça da Misericordia se refere não a atualidade e sim a uma época em que perto do que se convencionou chamar centro as pessoas se comportavam e viviam sob formas mais displicentes e mais rusticas de existencia. Ficar sentado à calçada e beber uma cerveja por um bom tempo como se não tivesse de importante para fazer é uma forma das mais displicentes e das mais rusticas de existencia. A praça da Misericordia, pelo tempo que durou a reforma, ficou sem expor essa e outras formas: o rapaz que vende a laranja cortada de um jeito impraticável para o cidadão comum, o idoso que disputa com o bar a audição dos bebedores de cerveja ao colocar seu som em cima da mesa e o senhor que responde a uma questão mesmo sem fazer parte da conversa.

sábado, 19 de dezembro de 2020

Urbanismo e discurso politico

O discurso politico é um discurso genérico e repetitivo. Não dá para pensar outra coisa ao escutar o prefeito Edivaldo Holanda em sua tarefa de inaugurar obras publicas recém concluídas. “O centro de São luis está ficando cada vez mais bonito...”, essa frase é o preambulo para que o prefeito discorra sobre a construção do largo em frente a igreja de São João. Nada a colocar empecilhos com relação a obra cuja área se destinava a estacionamento de carros e como declarou uma pesquisadora “os flanelinhas faltavam estacionar os carros dentro da igreja”. Afirmar que a cidade ficou mais bonita pelo simples ato de encher de cimento esse ou aquele outro trecho é uma outra historia. A obra devolveu um espaço que pertencia a igreja e que fora tomado pelo asfaltamento dessa intersecção da rua São João com a rua da Paz. Nada mais do que isso, pois quem em sã consciência vai defender que uma obra é bonita por se constituir só de cimento? Na historia de São Luis, houve inúmeros outros casos mais escabrosos de derrubada de construções historicas que deram lugar a construções modernas. E dessas construções/destruições pouco há registros. A igreja de Santaninha, construída a rua Santaninha, foi demolida nos anos 40 e em seu lugar surgiram casas, comércios e o prédio da Caixa Econômica Federal. Para o major Taborda, personagem principal do livro “Largo do Desterro” de Josue Montello, parecia inacreditável não encontrar a igreja de Santaninha onde ela deveria estar. Ele que morara tanto tempo fora de São Luis, ao retornar de Itapecuru na década de 40, espera rever a mesma cidade que deixara. Não a encontrou, pois as transformações urbanas e econômicas experimentadas no âmbito da modernidade capitalista aniquilaram as referências histórico-estéticas de toda uma geração. Infelizmente, a “grande” obra do largo da igreja de São João no governo Edivaldo Holanda não repõe a História em seu devido lugar.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

O centro de cada um

Caso alguém quisesse pegar informações a respeito do centro de São Luis aquele era o cara. Assim disseram num celebre bate papo. Ele não se fazia presente no instante. Chegaria alguns minutos após a assertiva. O seu dia se iniciava no bairro São Francisco, onde estabelecera morada. Batizava a manhã com um café reforçado no mercado central. O narrador desta historia se pergunta porque mercado central já que o mercado fora construído numa baixa propicia a alagamentos e distante dos casarões aristocráticos típicos do tão falado centro histórico da capital maranhense. O que interessa, por enquanto, não é saber os porquês de construir um mercado nesse ponto geográfico, mas sim saber o porque de alguém subir num ônibus tão cedo e tomar um café num mercado a quilômetros de sua moradia. Se bem que, os mercados de São Luis escondem maravilhosos (será?) pratos que se revelam tão somente aqueles insatisfeitos com a modorra dos self services. Um café com leite e cuscuz com ovo frito de manhã cedinho se pode comer em qualquer padaria minimamente qualificada. Um mocotó requentado do dia anterior só dá para comer com segurança no café da manhã de determinados estabelecimentos e o mercado central é um desses lugares. Não se sabe ao certo o que lhe atrai no café do mercado; o cuscuz de milho, o café com leite, os ovos fritos na manteiga ou o mocotó (seria um atrevimento perguntar na bucha). Quem sabe seja só fato de retornar as suas origens de um centro particular (de suas memorias), afinal nascera e criara-se na rua Godofredo Viana também conhecida como beco do Teatro. Para os ludovicenses natos, é tão típico dar mais de um nome a um logradouro, não é mesmo?

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Pensar

O dia nublara no meio da tarde. A tarde consistia numa praça, num bar, num hospital e uma lanchonete. O filosofo fotografo apelidara o jornalista de escritor de what zapp. Quanta maledicência!!! A praça jorrava água de suas profundezas. Se pudesse beijava a água em preto e branco. Gosto e desgosto. Duvide para crer. As crianças brincavam com seus imaginários brinquedos. O tempo corria desenvolto. Por nada desse mundo, esperava aquilo. O filosofo fotografo escolhia a melhor cena para fotografar. Nada seguia adiante. Pensar equivale a uma pequena adivinhação

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O casarão

A chuva destacava a praça. Uma chuva que beliscava as pessoas desavisadas que conversavam sozinhas desgovernadas e desalentadas. Queria que nada odetivesse em seu percurso pela praça esqualida de tantas reformas imperfeitas. O casarão azulado o assombrava pelos livros lidos e csrcomidos. A beleza aprisionava quem a via só pelo lado de fora. O declínio escorria pelos casarões escarnecedores.

domingo, 6 de dezembro de 2020

As praias

Quem vai pela primeira vez a cidade de Alcantara, acredita que se deslocou no tempo e não no espaço. As pessoas se locomovem internamente mais com os pés e menos em automóveis e motos que são mais utilizados para os que saem fora dos limites da cidade. Eles, após a reunião no STTR de Alcantara, almoçariam galinha caipira no restaurante da Têca; para acharem o restaurante foram perguntando para um e outro. O um não sabia e o outro respondeu pelo um e no final ficou tudo bem. A sensação de um deslocamento temporal não se desfez e intensificou-se nos minutos que se dedicaram as praias de Alcântara. Demora uma hora para chegar a praia de Mamuna de carro. O tempo que se leva para chegar se diferencia do tempo que se leva para permanecer. No carro, conversou-se sobre politica e economia brasileiras. Na praia, conversou-se sobre as praias da região e sobre pesca. A população de Alcãntara se alimenta basicamente de pescado e a região de Mamuna, que o Centro de lançamento Aeroespacial quer ocupar, é a que rende mais peixe no município. A instalação do Centro de Lançamento Aeroespacial nos anos 80 impactou a segurança alimentar de comunidades quilombolas que foram remanejadas de seus territórios a beira da praia. Sem praia, sem peixe e sem historias para contar. Inesperado (?), portanto, que essas historias apagadas pelo progresso tecnologico ressurjam parcialmente em outras historias. Como num passe de mágica, o artista Tom Bezerra, originário do litoral maranhense, reviu pela lente de sua memoria os barcos de pescadores atravessando o mar por fora da costa em direção a São Luis. Uma viagem que levava dias e que por vezes parava nas praias de Mamuna, São João de Corte, Aruoca, Outeiro, pericaua, Porto Rico, Guajerutiua, Mungunça, Caçacueira, Valha-me Deus, Prainha, estandarte, Turiaçu, Cunhã cuema, Ponta grossa, Bate-Vento. Quase tudo nome indígena. O tempo leva e o tempo traz. Assim é a historia.

O pirão de parida da Têca em Alcântara

Sabem aquela galinha caipira que, de tão boa, no final da comedoria, a pessoa joga um pouco de arroz e farinha na panela onde sobrou um pouco de caldo e faz uma gororoba daquelas? Ou, então, lambuza o pão com o caldo, pois para alguns o caldo da galinha caipira é tão importante quanto qualquer pedaço? A galinha preparada pela Têca em seu restaurante no centro de Alcantara possibilitava essas manifestações efusivas de gulodice para aquele cara de pau que não se envergonha à frente de ninguém. Galinha caipira que se preze é magra porque come de vez em quando e cisca muito o dia todo para comer o suficiente a ponto de encher o papo. O caldo da galinha caipira é encorpado. Diferente da galinha de granja que come muito, engorda rápido e seu caldo é ralo. A Têca prepara bem uma galinha capira, mas não come a galinha que prepara (tem cozinheira desse jeito). Como assim, não come? Por certo que ela aprendeu a cozinhar com a mãe, senhora de mais de 80 anos que mora na zona rural de Alcantara. Ela desaprendeu com a mãe foi comer o prato e os seus assessórios como o pirão de parida, o qual a Têca garante ser afrodisíaco devido a experiência de sua mãe, genitora de doze filhos. Uma coisa que se aprende no restaurante em relação a galinha caipira: para apreciar é preciso encomendar com algumas horas de antecedência se não fica chupando dedo. A própria Têca encomenda no começo da semana uma quantidade X de caipira aos seus contatos, na zona rural; o suficiente para servir a sua clientela que dependendo da época varia. Umas épocas aparecem mais turistas e em outras aparecem menos. Então, a primeira coisa a fazer, para quem chega numa cidade de interior e não quer passar fome, é localizar os restaurantes disponíveis e encomendar uma galinha caipira ao molho pardo naquele que houver uma cozinheira que faça lembrar a Têca e suas historias de pirão de parida em Alcantara.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Misterio do Samba

Homenageia-se o samba no dia dois de dezembro. Ele escutara um articulista da Globo News tecer loas a Cartola, Noel Rosa e a Paulinho da Viola, do qual era devoto. Por que o samba precisa de um dia de homenagem? O samba, enquanto gênero musical e literário, forma-se a partir da mistura de gêneros musicais, principalmente, o maxixe, no final do século XIX. Por muito tempo, o samba foi um ritmo balizado pelos instrumentos de corda e de sopro e, geralmente, o local de ensaio acontecia no fundo de quintal de residências e terreiros de candomblé por conta do samba ser mal visto, mal falado e perseguido pelo Estado e seu aparato repressivo. O samba não nasceu pronto e nem se sabe ao certo onde, dia e em que condições. O antropólogo Hermano Vianna, em seu livro “O mistério do samba”, argumenta que a consolidação do samba se deu pelos contatos de sambistas com compositores clássicos como Villa Lobos nos anos 30. O samba nasceu de encontros como esse ou esses encontros cumpriram uma etapa de sociabilizar e de tornar palatável o gênero? Os grupos musicais de origem africana, aí incluindo o samba, enfrentavam dificuldades de serem aceitos pelas elites que governavam as cidades. O geografo Luis Eduardo Neves relatou o caso de um grupo maranhense que tocou bumba meu boi, que no caso do Maranhão dialoga com o samba, na surdina em uma chácara construída no antigo Caminho Grande, município de São LUis. O João Paulo, zona rural de São Luis no final do século XIX e começo do século XX, era o máximo que as brincadeiras podiam chegar.

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

O mercado das Tulhas e o mocotó

A chuva aproximou as pessoas que almoçavam na parte interna do Mercado das Tulhas. As nuvens escuras se aglomeraram por sobre o centro de São Luis no final da manhã de segunda feira. Quem parava para ver as nuvens, logo duvidava que delas saísse uma gota de água ou se saísse seriam poucas. Mãe e filha (negras) pediram mocotó e fígado para almoçarem ao redor de uma mesa de madeira. Além delas duas, havia um casal nesse mesmo restaurante. O dono do restaurante (o Deco) saira com a intenção de entregar quentinhas. A sua esposa e uma assessora cozinhavam e recepcionavam os clientes. Elas foram rápidas na cozinha e, dentro de vinte minutos, servia-se o mocotó e o fígado. E veio a chuva. A mãe não esperou os pingos aumentarem e mudou-se de mala e cuia para debaixo das telhas do mercado. A filha assegurava que a chuva não passaria de um chuvisco. A chuva não esmoreceu por vários minutos. De pertinho, dava para ver o que cada uma comia. A senhora comia o mocotó e a moça comia o fígado (em determinado momento comentou que fígado só prestava bem quentinho). A conversa das duas se arrastava por um mercado que não existia mais: “Será que ainda se vende carne de cutia e carne de paca por aqui?”. Não se vendia mais esse tipo de carne nem ali e nem outro mercado de São luis então, provavelmente, aquela senhora botara os pés no Mercado das Tulhas numa época em que as populações ludovicense e de cidades vizinhas (Alcantara, Paço do Lumiar, Ribamar e Raposa) consumiam pouca carne de gado e para suprir suas necessidades de proteína apegavam-se a carne de caça e mariscos. O mercado das Tulhas não vendia mais carne de caça, mas continuava vendendo camarão. Ela se recordava de caminhar do hospital Djalma Marques (Socorrão) ao mercado e comprar camarão para seus colegas almoçarem. Devia ser anos 80, numa cidade de São Luis com poucos recursos financeiros e com muita fome de comer e viver. Quarenta anos passados, ela traçava um mocotó num mercado bem diferente do que vivenciara e com a filha a tiracolo.

domingo, 29 de novembro de 2020

A despersonalização no carnaval e no samba cariocas

Acostumou-se a associar carnaval e samba, sendo que o carnaval surge na segunda metade do século XIX como forma de lazer em substituição as brincadeiras de rua que grassavam pelo Rio de Janeiro. O samba aparece no final do século XIX com outros nomes e outros ritmos como o Maxixe. O samba tende a ser uma expressão de arte e cultura bem maior que o carnaval até porque ele existe o ano todo e o carnaval e só três dias. Mesmo quando o samba desaparece ou deixa de ser tocado ou cantado, ele é maior que o carnaval. Paulinho da Viola gravou seu ultimo disco de musicas inéditas em 1996 o disco “Bebadosamba” depois de sete anos da gravação do disco “Eu canto samba” de 1987. “Não sou eu quem me navega/quem me navega é o mar”, são as primeiras frases do samba “Timoneiro”. A letra de Paulinho da Viola é uma sublime negação do oficio de compor e interpretar o samba “Timoneiro nunca fui/que eu não sou de velejar”. Se Paulinho da viola não é um timoneiro (cantor/compositor) ele é o que? A despersonalização do individuo é uma das características predominantes do carnaval nos seus três dias ou mais de diversão, brincadeiras e musicas. Só que essa despersonalização tem uma hora pra acabar. A despersonalização cantada por Paulinho da Viola tem um fundo histórico-mitico e o samba é quem desperta o individuo dessa alienação como se ouve na musica “Bebadosamb” que encerra o disco em que Paulinho cita ou chama a nata do samba carioca.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Arborização e paisagismo na ilha de São Luis

A parte interna do mercado das Tulhas ao se tornar um espaço de comercialização de mercadorias e de comidas, nos anos 50, perdeu seu status de jardim de inverno. Os espaços internos dos casarões do centro histórico de São Luis se constituíam na arborização que não se via pela cidade. E não se vê porque os espaços públicos ludovicenses transparecem uma pobreza impressionante em termos de arborização e de paisagismo. A principal espécie vegetal utilizada para arborizar é a palmeira imperial que nada representa da biodiversidade da flora dos biomas que existem em São Luis e nos municípios vizinhos. A politica de arborização e de paisagismo praticada pelos órgãos ambientais incentiva o plantio de espécies exóticas ou que, não sendo exóticas, não caberiam num ambiente quente úmido (clima amazônico), pois vem do ambiente quente seco (clima semi-arido). A carnaubeira é uma espécie típica do semi arido e de suas transições. Que se saiba, São Luis é plenamente Amazonia, mas o então prefeito João Castelo plantou inúmeras mudas próximo ao viaduto por onde trafegam os carros que se dirigem a praia do Calhau. Se alguma muda sobreviveu foi por milagre.

Oficina de Culinária em Carrancas

Aquele sábado de manhã cedo se mostrava insólito em Carrancas, município de Buriti. O terreno de Vicente de Paulo privilegiava uma visão de boa parte das áreas de Chapada do povoado e do povoado vizinho (Matinha). A propriedade do Vicente se pronuncia como uma grande reserva florestal para o povoado e para os moradores já que os plantios de soja da família Introvini, ao circularem-nos, reduziram as áreas de Chapada para pequenas posses. Vicente de Paulo e sua família vivem bem no meio da Chapada em um terreno de mais de 120 hectares e nesse terreno se refugiam várias espécies de mamíferos, insetos, aves, de repteis e de árvores que por lá encontram água, proteção e alimentos. Escuta-se o canto da sabiá que chega perto das casas, mas evita ser vista. Não importa tanto a visão do pássaro e sim a audição do seu canto e de outros pássaros como o Cancão. Nesse espaço tão vistoso e majestoso, o Forum Carajas realizou a terceira oficina de culinária do projeto financiado pelo Fundo Casa no âmbito do edital Casa Cidades Nordestina.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

As praças de Holanda

O fim da administração Edivaldo Holanda frente a prefeitura de São Luis se aproxima e muitos gostariam que esse fim demorasse ou, então, que, por alguma arte, a sua administração ultrapassasse os limites dos oito anos impostos pela legislação eleitoral brasileira. Edivaldo Holanda se elegeu em 2012 e por quase todo o mandato foi desacreditado. Elegeu-se em 2012 porque seu adversário João Castelo administrava São Luis como quem administrava uma mercearia dos anos 80, ou seja, sem ter a menor noção do quanto podia gastar e em quanto se endividara . João Castelo buscara fixar a sua administração municipal em uma miragem dos anos 70, miragem esta que fora o seu governo estadual e pelo qual enchera a cidade de grandes obras estruturantes (conjuntos habitacionais, abastecimento de água e etc). Ele procurou repetir esse espirito obreiro entre os anos de 2008 e 2012 com destaque para a implantação de um VLT (Veiculo Leve sobre Trilhos) cujo trajeto começaria na Praia Grande e se prolongaria até o Itaqui Bacanga. Custaria uma nota preta para uma prefeitura com pouca capacidade de investimentos em infra estrutura. Tava na cara que o VLT não passava de obra eleitoreira e que só a instalação de trilhos na área do Aterro do Bacanga causava impactos sociais, ambientais e econômicos indesejáveis para a população. A figura de Edivaldo Holanda no cenário politico ludovicense era praticamente nula. Para derrotar Castelo, ele era o que tinha, pois Flavio Dino se mostrava avesso a disputar novamente a eleição para prefeito. Edivaldo Holanda derrotou Castelo e o que se viu foi a manutenção dos serviços essenciais da cidade sob responsabilidade da prefeitura, o que Castelo em seus últimos meses como prefeito deixava a desejar. A vitória de Edivaldo Holanda indicava que parte da população ludovicense desejava uma prefeitura ou um gestor que se responsabilizasse pelo básico (postos de saúde, educação, coleta de lixo, transportes e etc). Essa parte, Edivaldo cumpriu daquele jeito de ser ou não ser prefeito. Mais parecia que não queria ser prefeito. Tanto ficou nas sombras da politica que muitos se perguntavam por onde andava e muitos viam em Flavio Dino, eleito govenador em 2014, o verdadeiro prefeito pelas obras que desenrolava na ilha. Uma hora, a maré vira. Edivaldo Holanda, em seu segundo mandato (2016-2020), iniciou um pacote de obras pela cidade que suplantou em termos numéricos e em termos de bairros atendidos as obras de gestores anteriores. Destaca-se a construção e a reforma de praças e a reforma de mercados e esse destaque ocorre porque as pessoas moram em casas ou apartamentos particulares mas eles saem para comprar em mercados públicos e passear em praças publicas e historicamente o espaço publico em São Luis sempre sofreu desprestigio. A entrega dessas obras pelos diversos bairros propiciou um aumento na popularidade de Edivaldo Holanda e com isso veio a pergunta: Por que ele não escolheu seu sucessor? A resposta, acredita-se, deve-se ao seu espirito pouco arrojado e pouco beligerante. A articulação politica para as eleições municipais em 2020 ficou nas mãos de Flavio Dino. Para Holandinha, ficaram a inauguração dos mercados e das praças. Deu no que deu. As praças e os mercados de Holanda ficarão nas mãos de quem?

terça-feira, 17 de novembro de 2020

O caminho grande e a solidão

O crescimento urbano de São Luis deslocou o foco das atenções do centro da cidade, que se notabilizou como principal espaço de atividades econômicas, para outras regiões como o norte e o centro leste da ilha. Não se denominava centro histórico a parte antiga. Essa denominação surge a medida que as famílias abandonam seus casarões e mudam-se para casas mais modernas em ruas não muito distantes das ruas onde moravam nos primórdios da cidade. A forma mais usual de expressar movimento era “vou a rua tal”. Com o aumento populacional e de ruas no contexto da cidade, as pessoas passam a se expressar “vou a rua tal no bairro tal”. Tinha vezes que não se sabia o nome da rua. Nesse caso, “vou ao bairro tal vê se descubro onde é a rua tal na qual mora não sei quem”. Numa época em que a cidade crescia, mas não de forma avassaladora, a principal artéria de circulação era o Caminho Grande que existia desde o século XVII. Quem procurava uma casa devia ser tranquilo, afinal pelo caminho moravam poucas pessoas. Pelo final dos anos 40 e começo dos anos 50, o Caminho Grande, na região conhecida atualmente como João Paulo, perde parcialmente o seu aspecto bucólico com as construções do quartel do exercito, de casas e de praças. Existe uma foto tirada do quartel do exercito em direção a praça Duque de Caxias por essa época. A foto é praticamente o Caminho Grande, a entrada do quartel, a praça e um caminhão e diagnosticava a sensação de solidão de viver ou trabalhar naquele espaço físico distante de qualquer coisa (com nada ou quase nada pra se vê e escutar).

sábado, 14 de novembro de 2020

Um golpe chamado proclamação da republica

Os parentes diziam que ele, nos seus primeiros anos, não lia e sim admirava as imagens dos livros que abria, principalmente, os livros de Historia. Em sua casa, no bairro liberdade, os pais compravam a Delta Larousse e a Barsa. As representações de batalhas o atraiam entre tantas imagens. Essas representações estéticas, que ele não sabia quem pintara, confrontavam-no com a excepcionalidade perante a sua rotina familiar e a sua rotina escolar. Aprendia-se Historia pela fixação em imagens e datas historicas. Decoreba, quer dizer. A imagem de Marechal Deodoro da Fonseca empunhando um sabre, em cima de um cavalo, e proclamando a república no dia 15 de novembro de 1889 era inesquecível para uma criança. Quem escreveu o texto não explicava quem fora Deodoro da Fonseca, os motivos que o levaram a proclamar a republica, quem Deodoro depunha com seu ato solitário, o que vinha a ser a republica e etc. Os livros se dirigiam a crianças e, como tais, ressentiam-se de uma romantização individualista dos grandes eventos sociais e políticos pelos quais a sociedade brasileira passara. As pinturas de cenas historicas da realidade brasileira seguiram um modelo importado da pintura neo clássica francesa, vide o caso de Pedro Américo que pintou a proclamação da independência e cenas de batalhas da guerra do Paraguai. O pintor não se intimida com a absoluta falta de dados e imagens sobre o evento (Pedro Américo não esteve no riacho Ipiranga e nem no Paraguai). Ele explora essa insuficiência de informações dele e do publico e carrega as cores e tensiona as linhas em representações estéticas de conflitos em que o Brasil venceu. Contraponha-se as pinturas de Pedro Americo a pintura do assassinato de Marat herói da revolução francesa feita por David e certifique-se a grande diferença entre o neoclassicismo francês e seu herdeiro brasileiro. A imagem vista no livro de ensino fundamental ressalta uma vitória protagonizada por Deodoro da Fonseca, em frente ao palácio onde morava família imperial, mas ele venceu quem e o que num golpe chamado proclamação da republica?

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

A fotografia filosófica

A fotografia os impelia a se reunirem e a conversarem pelos cafés de São luis. Um deles, filosofo fotografo, estava a um passo a frente dos demais. Conduzia o olhar na (in)certeza de que aquela cena não se repetiria. Quis saber se a foto da sacada de um casarão ficara boa. Havia ficado. “Dá pra ver os pombos voando? Eu joguei pedra neles para voarem.” Não viu pombo algum na fotografia. Os amigos afirmavam que suas fotos só saiam boas porque ele fotografava em celular. Ele não era um desses amigos. Via no filosofo fotografo uma timidez de alguém pouco afeito a exposição. Os vendedores insistiam que comprassem seus produtos (bregueços) na Feira da Praia Grande. O filosofo fotografo (FF) teve um lampejo e perguntou ao vendedor se poderia fotografa-lo. Obteve um sim. Acabara de almoçar um cozidão e planejava se reunir com o jornalista fotografo (jf), o jornalista radialista (jr) e a historiadora fotografa no café da praça João Lisboa. Deu uma preguiça no jornalista escritor (je) que sugeriu ao amigo que fosse à frente porque iria em seguida. ‘Não. Posso te esperar.” A conversa do Mercado das Tulhas ao Café se concentrou nos casarões históricos e no fato de que a habitação social não garantiria a valorização desses casarões. Precisaria da habitação social e da implantação de pequenos negócios. E falando de negócios, o jornalista radialista disse para o filosofo fotografo “Diz para o jornalista escritor vender o latifúndio dele em Codó e daí a gente compra um casarão histórico na rua de Nazaré e implantar os nossos respectivos projetos.”

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Os sabiás não cantam em palmeiras artificiais

O povo de São Luis ( esse ser abstrato que pode ser tanto uma referência a massa como ao grupo familiar no qual a pessoa se integra) mantem um habito de batizar as suas ruas com mais de um nome. A rua Couto Magalhães, bairro Monte Castelo, não mudou nada em sua fisionomia em mais de três décadas e nem as pessoas esqueceram os outros dois nomes pelos quais ela é conhecida e chamada: rua Ramon Afonso e Rua Mariana. A pessoa se for pedir um uber escrevendo o nome Couto Magalhães, pode esquecer. Agora se escrever rua Ramon Afonso, o Uber chega fácil. O nome rua Mariana se deve a existencia de um conjunto de casas pra alugar cujo nome é Vila Mariana. Contradizendo o que foi escrito anteriormente, a rua Couto Magalhães nos últimos anos mudou sua fisionomia pelo menos num aspecto. Construiu-se ou se reformou casas que assumiram caráter de casa que aluga quartos para pessoas de cidades do interior do Maranhão que vem a São Luis estudar ou se tratar nos hospitais Sarah Kubitschek e Aldenora Bello. Outras ruas do Monte Castelo também experimentaram essa inflexão. Casas, antes abandonadas ou parcialmente ocupadas, viraram pousadas. A demanda crescente incentivou as pessoas a se especializarem na prestação desse tipo de serviço de hospedagem e a investirem um montante de dinheiro na reforma das suas casas com essa finalidade. A economia de São Luis, como as ruas, mantem sua fisionomia tradicional de muito dependente dos investimentos praticados pelo Estado há mais de um século. Os investimentos feitos pelo poder público na reforma da praça João Lisboa implicam uma serie de dúvidas ao fim de sua execução. Por mais criticas que tenham sido feitas às reformas da praça Deodoro, não se pode negar que essas reformas resultaram em maior mobilidade para as pessoas que rumam para as ruas Passeio, Grande, da Paz, do Sol e Rio Branco. Não há motivos para que as pessoas permaneçam por mais tempo que o normal à praça Deodoro. A biblioteca Benedito Leite, construção neoclássica inaugurada nos anos 50 que a reforma valorizou, é uma estrutura física que afasta as pessoas. O neoclassicismo como gênero artístico abraça a ordem. A praça João Lisboa se diferencia da Deodoro. Ela não é um ponto de partida (caso da Deodoro) e sim um ponto de chegada (acolhimento). Por que privilegiar obras de recuperação de piso (igual a Deodoro) e não obras de recuperação ou melhoramento do paisagismo para acolher as pessoas (diferente da Deodoro)? A reforma da rua Nazaré que seria um ótimo exemplo de um paisagismo refrescante, exemplifica a pobreza do paisagismo executado pelo poder pulico ao plantar palmeiras. Nessas palmeiras artificiais, os sabiás não cantam. Comentários

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Aindal, quem lê Raimundo Correia?

O Monte Castelo, para ele, representava o mundo social com sua igreja, sua praça, sua banca de revista, seu comércio, sua parada de ônibus e seu cinema e tudo isso em poucas ruas pelo qual ele passava em dias de assistir missa ou em dias de comprar revista em quadrinhos. Essa compreensão do espaço urbano começou a se transformar em 1987 quando sua família comprou uma casa em uma rua do Monte Castelo e mudou-se da Liberdade. Nesse processo de mudança, ele foi apresentado ao caminho por onde trafegara o trem São Luis-Teresina. O mundo era um pouco maior do que presumia sua consciência em formação. Vivera treze anos no bairro Liberdade, bairro de origem negra e de pessoas pobres que não tinham saneamento básico , segurança publica e coleta de lixo, e viveria dali em diante num bairro de classe média com mais opções de transporte e de educação. Os primeiros anos no Monte Castelo viram seu mundo se alargar mais um tanto quando visitou um colega do colégio Maristas que morava à rua Raimundo Correia e cujo irmão lhe emprestaria os discos do Black Sabbath. O Monte Castelo não era somente a parte alta como concluira. A rua Raimundo Correia aparentava ser uma rua sem saída, pois para se sair virava-se no sentido Bom Milagre ou virava-se sentido Paulo Frontin. A aparência da rua, nos anos 80 e parte dos anos 90, não condizia com a trajetória do escritor parnasiano Raimundo Correia, a quem ela homenageava (homenagem a um escritor que nasceu em um barco no litoral maranhense e que viveu a maior parte da sua vida longe do Maranhão). Os esgotos corriam a ceu aberto e o pequeno mercado se desmanchava a olhos vistos o que o descredenciava como referência para possíveis compradores do bairro. Intervenções do poder publico (governo do estado e prefeitura) fizeram com que esse lado mais visível se modificasse paulatinamente. A mais recente intervenção vem a ser a reforma do mercado do Monte Castelo depois de anos deixado as traças. Com essa reforma, o mercado se credenciara como espaço de compras para o publico consumidor do Monte Castelo. Um bairro com poucas opções de lazer e de cultura e, ao mesmo tempo, um bairro que pode se gabar de uma homenagem feita a Raimundo Correia. Não se gabou ate hoje. Afinal, quem se gaba de ler Raimundo Correia?

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

O "principe dos poetas brasileiros" e o bairro Monte Castelo

Uma vez, conversando com um amigo, ele aventou a possibilidade de desenvolver uma pesquisa que elencasse as diversas ruas de São Luis cujos nomes se referiam a personalidades literárias e os motivos que levaram as pessoas a prestarem homenagem aquele escritor(a). O amigo não pensou duas vezes e desferiu “Tremenda bobagem”. A repreensão desferida não surtiu o efeito (in)desejado pelo amigo inclemente. A pesquisa tinha esse caráter de “bobagem”, mas só na aparência. Aquele primeiro revés retardou os seus propósitos por alguns meses e serviu para mudar a feição do que pretendia. No fundo, ele continuava pretendo o de sempre. Desenhar (elaborar) um mapa literário das ruas de São luis. Um mapa que ligasse literatura com o cotidiano das pessoas do Monte Castelo e de outros bairros. Como faria a pesquisa era o X da questão. Uma rua não saia de sua cabeça: a rua Olavo Bilac. Olavo Bilac virou um poeta chato para as gerações que descobriam a literatura pelos olhos da semana de arte moderna de 22. Isso se deve ao seu comprometimento com uma visão formal da literatura e da arte em que a forma tem mais importância que o conteúdo. Quem sabe perguntaria a cada um dos moradores da rua Olavo Bilac, vizinha a sua rua, se eles tinham ideia desse preconceito com relação ao poeta parnasiano e se eles tinham ideia quem fora o “sábio” que defendera essa homenagem ao “príncipe dos poetas brasileiros”. As pessoas criticam Olavo Bilac pelos seus versos parnasianos que transparecem uma obediência aos cânones parnasianos que deliberam a arte como espelho da realidade sem que se penetre no intimo desta, mas ignoram o seu lado cronista da cidade do Rio de Janeiro do começo do século XX crônicas que abordam a intensa urbanização por que passava a cidade e a crescente expulsão dos moradores pobres do centro. Possivelmente, a pesquisa descortinaria visões histórico e sociais de um Monte Castelo reservado, conservador e católico.

As fotos

As vezes, fica-se olhando as fotos de São Luis.. As fotos de uma São Luis que não se viveu e nem se viverá, pois a foto se refere a um ano enterrado em segredo em algum cemitério do centro da cidade.

domingo, 8 de novembro de 2020

O tempo historico e as reformas da praça João Lisboa

As polêmicas em torno das reformas da praça João Lisboa diminuíram e, com o final destas apontando no horizonte, aquelas tendem a desaparecer e cair no esquecimento como quase tudo em São Luis. Os tempos históricos tendem a se confundir pela cidade, principalmente, nos espaços públicos e nos monumentos históricos. Acostumou-se a pronunciar praça João Lisboa para toda área em volta á Igreja do Carmo, só que praça João Lisboa compreende o espaço constituído à frente do prédio dos Correios e foi dado esse nome como forma de homenagear o escritor Francisco João Lisboa no ano de 1901, enquanto que o espaço urbanizado à frente da Igreja é conhecido como Largo do Carmo por interagir desde o século XVII com a construção religiosa. O tempo da praça João Lisboa é o tempo da republica e do neoclassicismo; o tempo do largo do Carmo é da colônia e do barroco. As características barrocas do século XVII da igreja do Carmo se perderam em grande parte após reformas da fachada, da escadaria e do ao redor realizadas no século XX. As reformas do piso feitas pelo IPHAN e pela prefeitura de São luis em 2020 melhoraram a mobilidade e acentuaram a visão da igreja do Carmo e de outros prédios. Não se entrou em questões como a revitalização do patrimônio arquitetônico que se ergueu em todos esses séculos e que se deteriora a olhos vistos. E nem se entrará porque é mexer em casa de marimbondos (proprietários). Essas reformas feitas para o cidadão (inglês) ver, fotografar, namorar e mover-se sem questionar aqueles que as promoveram.

Presidente do Supremo suspende reintegração de posse em Tremembé do Engenho em São José de Ribamar

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, deferiu pedido de liminar para suspender a reintegração de posse, determinada por acórdão do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), em área ocupada pela comunidade indígena Tremembé do Engenho, em São José de Ribamar. Para Fux, os conflitos violentos relatados na região poderiam se agravar caso fosse cumprida a decisão do Judiciário Maranhense. A ação foi ajuizada, na origem, por particular, o ex-deputado estadual Alberto Franco, que alega ser proprietário de imóvel localizado nas terras denominadas como Geniparanã, a poucos quilômetros de São Luís, e que foi, segundo os autos, ocupado por membros da Associação dos Abrangentes do Estado do Maranhão (AABRAEMA) ao longo do trâmite do processo. A primeira instância decidiu pela desocupação e “retirada coercitiva de todos que se encontrassem turbando e esbulhando o imóvel sem consentimento e permissão”. O mesmo entendimento foi mantido em acórdão do TJ-MA. No STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) sustentou que na decisão do Tribunal de Justiça foi deferido o ingresso dos descendentes de índios Tremembé no processo, sem intimação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e sem deslocamento de competência para a Justiça Federal. Alertou que a Fundação solicitou participação no caso como assistente, em razão da ocorrência de violações aos direitos dos indígenas Tremembé do Engenho, além de informar a existência de denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A Procuradoria defendeu ainda que, após as decisões que determinaram as ordens de reintegração de posse, “é manifesto o interesse público e o risco de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, tendo em vista que as determinações judiciais impugnadas comprometem a sobrevivência da comunidade indígena, violando seus direitos garantidos constitucionalmente”. Ao acolher o pedido, o presidente do STF declarou que existência de prévia manifestação de interesse da Funai e de procedimento administrativo de identificação, delimitação e demarcação do território reclamado pela comunidade indígena, “configuram o fumus boni iuris da alegação formulada pelo autor, de que a área em disputa consiste em área tradicionalmente ocupada por comunidades indígenas e, pois, de que se verificaria a competência da Justiça Federal para a lide”.

sábado, 7 de novembro de 2020

O senhor Mandioca

Nina Rodrigues é um intelectual pouco lido e pouco comentado na atualidade. Ele nasceu em Vargem Grande, município maranhense, em 1862 e faleceu em Paris em 1902. Os maranhenses devem reconhecer seu nome ao passarem pelo hospital psiquiátrico Nina Rodrigues, situado à avenida Getulio Vargas, em São Luis, e pelo município de Vargem Grande porque deram seu nome a um município vizinho. O jornalista Jose Reinaldo Martins, numa conversa rápida na parte interna do Mercado das Tulhas, definiu-o como “eugenista” e “racista”. Ele era o típico intelectual do final do século XIX pois enveredava suas pesquisas e seus escritos por vários campos de conhecimento. Nascido em Vargem Grande, Nina Rodrigues morou a maior parte de sua vida fora do Maranhão, entre os estados do Rio de Janeiro e na Bahia, onde se formou pela faculdade de medicina. Em sua análise das relações antropológicas e sociais exercidas pelo Estado, por intelectuais e por negros (escravos ou não) no contexto do final da escravidão, a historiadora baiana Wlamyra de Albuquerque se vale de escritos de Nina Rodrigues. Dentre tantas pesquisas que realizou, uma que não deu certo foi a desenvolvida em torno do tema mandioca no Maranhão. A elite maranhense rechaçou completamente a pesquisa porque os seus propósitos (pesquisar uma cultura alimentar de indígenas, negros e brancos pobres) afrontava seus ideais de sociedade europeizada. Por conta da reação adversa, Nina Rodrigues se mandou do Maranhão para nunca mais voltar assim como fez Aluisio Asevedo que fugiu em decorrência da reação no seio da eleite ocasionada pela publicação de “O Mulato”.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

pgr-requer-stf-suspensao-liminar-reintegracao-posse-area-possivel-tradicionalidade-indigena/

O procurador-geral da República, Augusto Aras, requereu ao Supremo Tribunal Federal (STF) suspensão de decisão do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), que manteve liminar de reintegração de posse de imóvel em área de pretensão de comunidade indígena da etnia Tremembé, não encaminhando os autos à Justiça Federal, mesmo após pedido da Fundação Nacional do Índio (Funai) de integrar a lide. No pedido feito ao STF, Aras requer designação de audiência pública, com participação da União, da Funai, das partes interessadas, da comunidade indígena da etnia Tremembé, da gleba Engenho, e da Procuradoria-Geral da República (PGR) para dirimir o grave e complexo conflito social e jurídico. Para Aras, situações como essa exigem solução dialogada entre os órgãos públicos, possibilitando a efetiva superação dos conflitos na origem. “A realização da tentativa de conciliação através da audiência pública visa a respeitar o art. 4º da Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada em 19.4.2004, cujo conteúdo aponta no sentido de que medidas especiais em relação à salvaguarda de pessoas, instituições, bens, culturas e meio ambiente dos povos indígenas hão de respeitar ‘desejos expressos livremente pelos povos interessados’”. Histórico – O caso tem início em 2012 na Justiça Estadual do Maranhão, com ação de reintegração de posse contra a Aabraema. O autor alegou ser legítimo possuidor e proprietário de imóvel situado nas terras denominadas Geniparano, inicialmente sob ameaça de esbulho. Em liminar, a Justiça de primeiro grau determinou a expedição de mandado proibitório contra a Aabraema, que foi convertido em mandado de reintegração de posse. Posteriormente, a liminar foi revogada sob o fundamento de inexistir comprovação efetiva da posse e haver dúvidas sobre a localização exata do imóvel, além de risco às famílias ocupantes. O embate judicial continua com agravo do autor, restabelecendo a liminar. A Defensoria Pública do Maranhão apresentou defesa em nome da associação, alegando dúvida acerca da localização do imóvel, ante possíveis sobreposições ou supressões entre os imóveis das glebas Engenho e Geniparano, e que a lavratura da Escritura Pública de Declaração de Retificação e Ratificação, juntada pelo autor, teria decorrido de informação prestada unilateralmente por ele. Em 2015, o Ministério Público do Maranhão ingressou no caso, requerendo a suspensão da audiência de instrução e julgamento e a abertura de vistas à Promotoria Especializada em Conflitos Agrários. Nova sentença proibiu toda e qualquer pessoa de turbar a propriedade e a posse do autor, bem como reintegrá-lo e mantê-lo definitivamente na posse do imóvel, determinando a desocupação e a retirada coercitiva de todos os que se encontrassem lá sem seu consentimento e permissão. MP/MA e Aabraema recorreram. Além disso, pessoas autoidentificadas como descendentes dos índios Tremembé peticionaram afirmando exercer posse em parcela da área e requerendo o provimento da apelação do MP/MA. A Justiça Estadual aceitou o ingresso dos descendentes de índios como assistentes litisconsorciais. No entanto, não deslocou a competência para a Justiça Federal nem intimou a Funai, que peticionou para integrar a ação. Diversos recursos foram protocolados, mas não houve modificação da decisão. O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal, por meio de recursos especial e extraordinário, respectivamente. No STJ, aguarda-se o julgamento de agravo contra decisão do ministro relator, Benedito Gonçalves, que não conheceu dos recursos especiais da Aabraema e do MP/MA por entender ausente o pré-questionamento e incidir o enunciado da Súmula 7. No STF também não há decisão do recurso extraordinário do MP/MA, que defende a competência absoluta da Justiça Federal para avaliar a existência de interesse federal no processo. Em outra frente, o Ministério Público Federal (MPF) no Maranhão ajuizou ação civil pública contra a União, a Funai e o autor da ação de reintegração de posse requerendo, liminarmente, a condenação das duas primeiras rés ao cumprimento da obrigação de concluir o procedimento administrativo de identificação, delimitação e demarcação de território reclamado pela comunidade indígena de Tremembé do Engenho, e o terceiro réu para que se abstenha de promover qualquer ato de esbulho ou turbação na referida área. Pediu também o deslocamento do caso para a Justiça Federal. Esse último pedido foi negado. Houve recurso do MPF, ainda pendente de julgamento. Também aguarda julgamento pedido do MPF perante o STJ de conflito de competência entre o juízo da 6ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Maranhão e o Tribunal de Justiça do Maranhão. Conflitos fundiários – Para o procurador-geral da República, é necessário suspender o acórdão do TJMA para limitar o conflito instaurado, preservando os direitos dos povos indígenas e também o interesse público de ver assegurada e garantida a competência da Justiça Federal. A área ocupada pela comunidade do Engenho, no município de São José de Ribamar (MA), é palco de graves conflitos fundiários que se arrastam por décadas e que se agravaram com as tentativas de cumprimento da reintegração de posse. Segundo consta no pedido feito ao STF, foram narradas situações de violência como incêndio em casas, roças e áreas de vegetação da comunidade, cuja gravidade atingiu seu ápice em dezembro de 2018, ao ser parcialmente cumprido mandado de reintegração de posse. Tal fato foi reportado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que pediu esclarecimentos ao Estado brasileiro. “As medidas de reintegração de posse já deferidas comprometem a sobrevivência da comunidade indígena, porquanto privam o acesso de seus integrantes aos roçados dos quais retiram sua subsistência, malferindo o direito dos indígenas ao mínimo existencial”, explica Augusto Aras. Ele destaca que neste ponto demonstra-se o risco de grave lesão não apenas à ordem e à segurança públicas, como também a interesse superior legalmente protegido, ou seja, o direito dos povos indígenas à terra. “Seja pela natureza do direito em discussão, que envolve disputa sobre direitos indígenas, seja pela intervenção da Funai nos autos da ação possessória, restam configurados elementos suficientes ao envio da ação à Justiça Federal, sendo o juízo estadual absolutamente incompetente para decidir o tema”, frisa. Íntegra da petição na SL 1.396 Secretaria de Comunicação Social Procuradoria-Geral da República (61) 3105-6406 / 6415 pgr-imprensa@mpf.mp.br facebook.com/MPFederal twitter.com/mpf_pgr instagram.com/mpf_oficial www.youtube.com/tvmpf

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

o Espaço Privatizado

Um grupo de jovens se sentava ao canto norte esquerdo da parte interna do Mercado das Tulhas. Os jovens vestiam camisas que traziam a marca de um curso. Eles se sentavam em cadeiras de madeira ao redor de uma mesa também de madeira. Esse tipo de cadeiras e esse tipo de mesa faz parte de um projeto de padronização proposto pela prefeitura de São Luis para os permissionários do Mercado das Tulhas. Um pouco de chuva os forçou a procurarem refugio sob o telhado que cobre os boxes. Outros consumidores também se refugiaram pelo curto espaço de tempo que a chuva durou. A juventude retornou ao canto onde retomaram com mais afinco as suas conversas, os seus goles de cerveja, os seus namoricos e suas fumaças de cigarro. A idade diferenciava este grupo de outros grupos que frequentam o mercado em dias diversos como também diferenciava o fato deles serem estudantes e as camisas indicavam isso. Eles estavam na sua hora de lazer e viram na parte interna do Mercado das Tulhas uma opção de diversão descomprometida ou comprometida, dependendo do ponto de vista. Quem quiser comer uma refeição e beber uma cerveja no centro de São Luis não precisa bestar a toa por ai porque o Mercado das Tulhas é prodigo em boxes que fornecem almoço. Pelo que se via, o grupo de jovens dispensava o almoço pois queriam mesmo era beber, fumar, conversar e namorar. Um comportamento condizente com a ideia de modernização do mercado proposta pela prefeitura de São Luis. Porem, para jovens que tanto prezam pelo ambiente frequentado quais seriam as reações ao saberem que o espaço, onde bebiam, correspondia no século XIX e na primeira metade do século XX aos fundos das lojas que compunham a estrutura do mercado? Esse espaço só passou a ser frequentado nos primeiros anos da segunda metade do século XX quando feirantes o ocuparam. Quem se senta e quem se locomove pela feira da Praia Grande pensa viver a experiência de um espaço publico típico do século XIX o que é um engano. Os jovens, na verdade, viviam uma experiência de espaço privatizado típico do final do século XX e começo do século XXI em São Luis ou em qualquer lugar do planeta.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

A decadencia e o esquecimento da Casa modernista

Uma rua é um espaço por onde caminham ou passeiam pessoas; é um espaço por onde trafegam veículos; e é um espaço que serve de endereço para uma correspondência ou uma encomenda. Quem sabe o que é mais: um numero, uma equação, um substantivo, uma expressão, uma data histórica, um nome próprio, uma abstração, um coletivo, um comercio e etc? Uma rua expressa intenções, propósitos, projetos, dores, abandono, desejos e sentimentos. O homem não sabe ficar parado e para ao se cansar e ao se dar conta da inutilidade do movimento, portanto, uma rua facilita deslocamentos e causa apreensões naqueles que por ela se deslocam pela primeira vez. A rua direciona esforços físicos e esforços mentais para um sentido. Concebeu-se o Caminho Grande, no século XVII, com o fim de ligar a zona rural ao centro comercial de São Luis. Um fim econômico, por certo, afinal a economia se encarrega de tudo e de todos. Só que não se constrói uma rua somente para ligar um ponto ao outro e nem de uma hora para outra. Iniciou-se a construção do Caminho Grande no século XVII com uma determinada característica que se modificou a medida que casas, comércios, praças, igrejas e etc surgiam ao longo do Caminho Grande nos séculos seguintes. O Caminho Grande, no século XX, foi asfaltado em toda sua extensão o que proporcionou mais pessoas se dirigindo para o centro e vice-versa levando ao surgimento de lanchonetes, restaurantes, campos de futebol, escolas, fábricas, postos de combustível, agencias bancarias, cinemas, casas modernistas e etc. A circulação maior de pessoas reorganiza o espaço antes visto de forma estática. Essa reorganização espacial deixa as pessoas perplexas pois implica na perda de referencias histórico sociais e no ganho de referencias tecnológico estéticas. Na década de 50, a classe media chique de São Luis celebrava casas e casarões imponentes que eram erguidos a partir de projetos de arquitetos modernistas maranhenses. Algumas dessas casas e desses casarões decairam bastante fisicamente e espiritualmente como se vê na avenida Getulio Vargas ( Caminho Grande) e outras deixaram de existir e caíram no esquecimento. O que é melhor (ou pior): a sensação de decadência ou a sensação de esquecimento?

domingo, 1 de novembro de 2020

O Velho, o jovem e o rio Preto

Ele não leu “O Velho e o Mar”, romance de Ernest Heingway. Uma falta grave, por certo. Lera bastante literatura americana, um pouco além da conta, pois no computo geral os americanos perdiam em qualidade com relação aos russos e aos alemães. Não obstante esse comentário, dois dos melhores romances de todos os tempos foram escritos por americanos e ambos são shakespearianos: “Moby Dick” de Herman Melville e “Som e a Furia” de William Faulkner. Sob o mar desventuroso, Melville esconde ou estende o recife literário descrito pelo nome de William Shakespeare. Quem lê o escritor (Melville ou Shakespeare?) proclama o próprio destino. Um idiota contou uma historia cheia de som e de fúria não faz muito tempo e da qual poucos recordam. O escritor (Faulkner ou Shakespeare?) ´carrega sua historia impenetrável pelos portões da Historia sem ficar cansado. Bem, ele não leu “O Velho e o Mar” o que seria útil para quem sabe escrever “O Velho e o Rio” ou, quem sabe, “O Jovem e o Rio”. De maneira geral, nem velhos e nem jovens pescam mais às margens ou dentro do rio Preto como seus antepassados faziam. Bastava jogar uma isca que um peixe mordiscava e bastava jogar uma rede que se arrastava muitos peixes. Essa facilidade não significava fartura para que o ser humano usufruísse. Significava sim que a natureza conseguia repor os estoques de pescado em um prazo razoável para que o ser humano não se ultrajasse. Num bar conhecido “Fura Calcinha”, beira do rio Preto, comunidade quilombola de Bom Sucesso, município de Mata Roma, um senhor descamisado assava peixes adultos numa grelha como se fossem carnes para churrasco. Os peixes eram da mesma espécie: Tambaqui. O gosto de um tambaqui nem chega aos pes do gosto dos peixes nativos porque é um peixe de cativeiro e alimenta-se a base de ração. Entretanto, a lembrança do sabor proporcionado por um peixe nativo pode ser uma ilusão como tantas outras das quais as pessoas vivem e das quais se esquecem-na passagem de uma geração para outra.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Negros pobres e solitarios

A Vera, responsável pela Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, explicava a estrutura da igreja; “Antes, no século XVII, aqui era a igreja do Carmo. A frente, onde fica a calçada, era o largo, que tanto pode significar uma praça onde desembocam varias ruas ou a extensão de um espaço a que esse largo se refere.” No ano de 2010, o IPHAN reformou a igreja Nossa Senhora dos Rosários, contudo quem a mantem e quem a administra é a Associação Nossa Senhora dos Rosários que substituiu a irmandade responsável pela administração nos séculos anteriores. Quem escuta ou lê o nome irmandade pensa logo em uma instituição cuja existência se inseria na realidade dos séculos XVII e XVIII, que são séculos tipicamente reinóis de rei e tipicamente religiosos. Essa impressão é justificável pois nos séculos XIX e XX os cidadãos ou se individualizam ou se organizam em instituições sóciopoliticas. A conversa com Vera desfez essa impressão, pois ela própria fez parte da Irmandade, extinta por volta do ano de 2008. Segundo ela, quem fazia parte da Irmandade tomava conta da igreja, ou seja, varria, limpava e etc. Não tinha nada demais. Por dentro, ele discordava. As irmandades foram instituições que administraram igrejas e capelas de São Luis por séculos e se estas não foram derrubadas para em seu lugar construírem prédios modernos se deve em parte as Irmandades e pessoas negras e pessoas pobres. A igreja Nossa Senhora do Rosario quase foi derrubada e caso tivesse sido o que se ergueria em seu lugar? Sob o chão da igreja se escondia ossos e cabelos. Não de pessoas ricas, como se suporia, e sim de negros escravizados que não tinham onde serem enterrados. Os brancos ricos frequentavam a igreja e assistiam a missa sentados enquanto os negros assistiam a missa em pé na parte alta da igreja. Com a construção da igreja do Carmo, os ricos deixam de assistir missa na igreja Nossa Senhora dos Rosários e passa a ser frequentada apenas por pessoas negras, pobres e solitárias.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

As horas cegas

Moby Dick é um livro sobre a caça à uma baleia no século XIX e talvez seja o grande romance americano. Nada escrito na literatura americana se compara a esse romance que continua sendo um dos mais lidos. Um romance que trata de imperialismo, tirania, obsessão e violência contra animais. Moby Dick seria uma leitura simbólica do expansionismo do capitalismo americano. E para efetivar essa leitura Herman Melville, autor do livro, dialoga, principalmente, com Shakespeare, teatrólogo inglês do século XVI. “As peças de Shakespeare versam sobre esse mal e como o homem ao ficar “cego” pela paixão, pelo ódio, pelo poder e pelo conhecimento, enlouquece simplesmente para saborear a insanidade” (Suzano e a “cegueira” do Baixo Parnaiba maranhense). A “cegueira” que pode levar o homem a loucura também está presente em Moby Dick, onde o capitão Ahab recruta marujos para comporem a tripulação do seu navio que caçará Moby Dick a baleia branca a qual ele culpa por ter perdido a perna em um confronto. Ahab ficou “cego” pelo desejo de vingança contra a baleia branca. A “cegueira” individual que se depreende das obras de Shakespeare, de Melville e tantos outros resulta diretamente da “cegueira” coletiva que vê naquele individuo o seu modelo de liderança. Uma hora, mais cedo ou mais tarde, a natureza ou o subconsciente cobra preço por essa cegueira. “O mar nunca dorme”, escreveu Elias Canetti em Massa e Poder. Essa sensação de não poder dormir esteve presente numa viagem de barco de São José de Ribamar, região metropolitana de São Luis, ao município de Icatu, litoral leste maranhense. Só a tripulação enxergava(?) noite adentro e mar afora e os passageiros se contentavam em contar as horas cegas.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Assentamento Califórnia, no Maranhão, é ameaçado de pulverização de veneno

Suzano Papel e Celulose informou que vai expelir veneno no topo das copas de sua plantação de eucalipto com um avião Por Zé Luís Costa, da Página do MST O assentamento Califórnia existe desde 1996, especificamente no dia 26 de março. Ele tem suas raízes na luta de trabalhadores e trabalhadoras rurais, moradores das cidades de Açailândia e Imperatriz, ambas no Maranhão, bem como famílias de outras cidades da mesma região, como São Francisco do Brejão, Buriticupu, Itinga e outras que, juntas, ocuparam a fazenda Califórnia nessa data. A conquista da terra foi realizada em duas ocupações: a primeira com 250 famílias que, depois de despejados, se reorganizaram para reocuparem a fazenda com outras 850 famílias, entrando também no processo de desapropriação outras áreas das proximidades e criando assim outros projetos de assentamento. O maior deles é o PA-Açaí, que também fica na cidade de Açailândia e possui também a mesma luta e resistência. O PA-Açaí é dividido em cinco grandes agrovilas, enquanto o Califórnia tem apenas uma. O assentamento Califórnia valorizou sua base. Durante muito tempo (e ainda hoje) sempre esteve ligado à luta do MST, com organização que faz parte desde sua origem, gerando vários militantes nessa luta pela reforma agrária. Nesse período, a partir do ano de 2005, o Califórnia passou a conviver com uma realidade muito complicada: o cultivo de eucalipto nas suas proximidades. O cultivo de eucalipto nessa época era da Celmar (Celulose do Maranhão), uma empresa subsidiária da antiga Companhia Vale do Rio Doce, hoje Vale S/A. A princípio, naquele período, o plantio de eucalipto seria para produção de celulose em parceria com uma empresa japonesa. Só que esse projeto não vigorou, e a Vale partiu para utilizar o plantio de eucalipto para o fornecimento de carvão vegetal às siderúrgicas da cidade de Açailândia-MA e também às de Marabá, no estado do Pará. Uma carvoaria industrializado foi instalada nas proximidades do assentamento Califórnia e passou a incomodar toda aquela comunidade. Entretanto, alguns militantes partiram para denunciar junto ao Ministério Público por conta da grande quantidade de fumaças que eram soltas sobre o assentamento Califórnia. Isso era ano de 2004 e 2005, aproximadamente. Hoje o assentamento Califórnia se ver novamente ameaçado pelos grandes projetos do agronegócio, ainda com eucalipto, que hoje é da Suzano Papel e Celulose. Depois das dificuldades de relacionamento com a “vizinha” Vale nos anos já citado aqui, a Suzano Papel e Celulose comprou todo o plantio e as terras que estavam plantadas de eucaliptos no Sudeste do estado do Maranhão, instalando sua fábrica na cidade de Imperatriz. Recentemente, no dia 24 de setembro, a empresa procurou os representantes do assentamento Califórnia apenas para informar que vai expelir veneno no topo das copas de sua plantação de eucalipto com um avião. Isso traz uma grande preocupação para os assentados dessa comunidade, porque o assentamento vive da agropecuária e das suas hortaliças. E o que diz um olhar mais técnico? Quem opina é o engenheiro agrônomo Elias Araújo. Ele que também é assentado e integra o setor de produção do MST, no estado do Maranhão. “A lei protege e beneficia o envenenamento da natureza. As normas técnicas desta pulverização, seja pneumático, seja de outra forma, exigem distância mínima de 500m”. Ele acrescenta dizendo que, mesmo sem saber o tipo do produto, as consequências dessa pulverização serão terríveis e que todo governo inteligente precisaria proibir ações do agronegócio de pulverização aérea. “As gotas de veneno viram partículas que se espalham pela corrente de ar e vão longe. Por isso é complicado, essas partículas pegam nuvens e tem-se nuvens carregadas de partículas de substâncias químicas”, conclui Araújo. Maria Leonor Paes Cavalcanti Ferreira, em seu trabalho científico A Pulverização aérea de agrotóxicos no Brasil: cenário atual e desafios, publicado em 2014, apresenta o óbvio: essa ação traz sério danos à saúde e logicamente o veneno solto por avião. Mesmo que seja a uma distância significativa de 4 km a partir da agrovila, a ação vai, de alguma forma, impactar negativamente a produção e a saúde naquela comunidade.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Bate uma saudade

Os negros de São Luis no período colonial ou moravam no casarão dos seus proprietários ou moravam pelas ruas como seres livres. Se bem que, escravidão e liberdade se confundiam em vários momentos e várias situações ainda mais em cidades com poucos anos de existencia como era São Luis. Os negros que moravam nos casarões se submetiam as exigências dos senhores proprietários ( que os compraram de mercadores de escravos) e de seus familiares porque se não o fizessem sofreriam castigos e seriam vendidos para viverem em condições piores do que as que viviam. Os negros que moravam pelas ruas não se submetiam a esse tipo de exploração exercida pelos proprietários e seus familiares, mas, para sobreviverem, tinham que se virar como dava para conseguirem o que comer e conseguirem um lugar para dormir. Nos dois casos, a vivencia em São Luis para um negro se revestia de um pesadelo porque aquela cidade não fora aquela onde crescera, aquele casarão não fora a casa onde nascera e aquela língua que se falava pouco ou nada entendia. Se a pessoa não se sente bem em um determinado espaço, ou ela cai no desespero, e muitos negros se desesperaram de saudade, ou ela constrói ou reconstrói a sua historia nesse espaço. A igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos foi construída no século XVIII pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosario, irmandade formada por negros que promoviam a alforria de negros escravizados e o sepultamento deles em solo sagrado, no caso uma igreja. Para os negros, frequentar e administrar uma igreja ou uma capela construída por suas mãos dava noções de liberdade e de solidariedade numa sociedade pouco ou nada afeita a esses conceitos disseminados em vários países menos no Brasil. Quem se incumbiu de construir a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos não teve vida fácil, pois dependia de doações de negros escravizados, negros livres pobres e brancos pobres. A ideia de construir a igreja partiu de quem? Alguém concebeu um projeto no papel? Quantos negros se fizeram presentes durante a construção? Quais eram seus nomes? De que parte da África provinham? O que achava a igreja católica e a elite ludovicense da construção de uma igreja que negros administrariam depois de pronta? A Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, das igrejas e capelas do centro de São Luis, é a que fica mais próxima do mar. Será que nos negros ao construírem-na vendo o mar batia um sentimento inexplicável? Um sentimento que so anos mais tarde receberia o nome de saudade.

domingo, 25 de outubro de 2020

O capote

“O Capote, de Gogol, é um pesadelo grotesco e sinistro que cria buracos negros no desenho sinistro da vida.” Vladimir Nabokov escreve empolado, contudo a sua definição sobre o conto “O Capote”, de Nicolai Gogol, escritor russo do século XIX, atinge o alvo de forma certeira. A sua definição não se limita a Gogol: ela se expande para outras tantos outros autores que vieram depois (Dostoievski e Kafka). “Todos nós saímos de “O Capote” de Gogol.” A digressão de Dostoievski esvazia qualquer distancia que exista entre a leitura de “O Capote” e o fazer do escritor ou os fazeres dos escritores. Ler e escrever se distinguem e complementam-se. Um remonta a algo e outro monta algo. O passado e o futuro se estilhaçam no presente imperfeito.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

A rua

Os registros históricos sobre a Rua Grande datam da segunda metade do século XVII, quando a Câmara de São Luís deliberou a construção de um caminho que ligaria a cidade até o Cutim – nas proximidades do atual bairro do Anil. Tal empreendimento serviria para facilitar o fluxo de viajantes entre o pequeno núcleo urbano e o interior da ilha e do Maranhão. Neste tempo a via ficou conhecida como Estrada Real e, posteriormente, como Caminho Grande. Seu calçamento ficou pronto somente na gestão de Eduardo Olímpio Machado como descreve Carlos de Lima em seu Caminhos de São Luís. Entretanto o logradouro passaria por várias outras obras de pavimentação em governos posteriores. A partir da segunda metade do Oitocentos e boa parte do século XX, a Rua Grande se caracterizou pelos ares de modernidade, comum na São Luís daquele período, com a presença das linhas do bonde, do calçamento de cimento, de lojas e comércios, além da efervescência cultural e de comportamentos, com enorme fluxo de pessoas. Josué Montello, em seu Os Tambores de São Luís, narra o ambiente deste período “(...) principiava a Rua Grande, com suas casas de modas, os seus bazares, a sua farmácia homeopática, o seu barbeiro sangrador. (...) Havia ainda um professor de dança, um afinador de pianos, dois armadores de galas e funerais, várias lojas de fazendas, um armazém de vinhos e uma chapelaria, além de um ateliê fotográfico muito bem aparelhado para tirar retratos pelo novíssimo sistema de ambrótipo, sobre cristal, malacacheta e encerado”. Domingos Vieira Filho escreveu na sua obra Breve História das Ruas e Praças de São Luís que “por ela desfilam as beldades sanluizenses exibindo suas custosas toiletes e sua graça inconfundível”. No início dos anos 1920, os casarões da Rua Grande sofreram sensíveis alterações, isto por que uma lei municipal determinou a colocação de platibandas nas edificações, danificando seriamente o padrão arquitetônico colonial. Na Rua Grande que nasceram duas das mais conhecidas figuras da cultura literária maranhense e brasileira: Manuel Odorico Mendes e Catulo da Paixão Cearense. O primeiro nasceu no pequeno sobrado de nº 133 onde funcionou as Lojas Pernambucanas, junto ao antigo Beco de Teatro, hoje Rua Godofredo Viana. Odorico Mendes veio ao mundo em 24 de janeiro de 1799 e tornou-se um dos mais respeitados intelectuais brasileiros de sua época. Já Catulo da Paixão Cearense nasceu e viveu toda infância num sobrado azulejado de nº 66 da Rua Grande. Na casa há uma placa de mármore inaugurada em 1940 em sua homenagem e traz a seguinte inscrição: “nesta casa nasceu, a 8.10.1863, Catulo da Paixão Cearense, o grande poeta que soube interpretar, em versos bem representativos da inteligência maranhense a alma popular brasileira”. Ficou imortalizado na história da música brasileira com a canção Luar do Sertão. Em um casarão de canto, situado no cruzamento da Rua Grande com a Rua Godofredo Viana está assentada a antiga residência de Ana Jansen. O sobrado é de arquitetura colonial e composto por azulejos portugueses azuis e brancos de cima a baixo. Ela dominou a cena política maranhense por várias décadas do século XIX, sendo respeitada e temida por muitos. Ana Jansen monopolizou o mercado de água potável em São Luís por anos, já que possuía sítios com fontes no Vinhas e no Apicum, dos quais extraía água para ser vendida nas residências por meio de seus escravos em carroças. Ficou impregnada no imaginário popular através da lenda que conta que nas noites de lua cheia vaga pelas ruas do centro da cidade com sua carruagem puxada por dois cavalos decapitados que expelem fogo e um coche escravo também sem cabeça, emitindo sons de martírios de escravos. À Rua Grande também pertenceu uma das mais tradicionais paróquias da cidade: a Igreja de Nossa Senhora da Conceição dos Mulatos. Datada do ano de 1762, transformou-se em Sede Paroquial apenas em 1805. Na terceira década do século passado houve uma tentativa de reorganização espacial na cidade. Muitos prédios antigos foram demolidos em nome de uma “modernização”. Pedro Neiva, o então prefeito de São Luís e o Interventor Federal no Maranhão na época, Paulo Ramos, decidiram demolir a igreja, que atualmente abriga o edifício Caiçara. Nos seus tempos áureos, a Rua Grande abrigou casas comerciais e de entretenimento. De armarinhos às lojas de tecidos, de farmácias à bazares, de sorveterias à restaurantes, de clubes à cinemas. Estes locais funcionavam como espaços de sociabilidade, pois a Rua Grande, apesar de extensa e diversa, possibilitava os encontros, a troca de experiências, as conversas sobre os acontecimentos cotidianos da cidade. Era um palco que concentrava atores diversificados, de madames da alta sociedade à descendentes de escravos. Constituiu-se num “centro polarizador”, que tudo atraía. O cinema Éden e o Casino Maranhense eram desses espaços de encontro que se localizaram no logradouro. O cine Éden funcionava no prédio onde hoje corresponde à Loja Marisa. Inaugurado em abril de 1919 funcionava também como teatro e era considerado por muitos como o mais importante de sua época. O cine Éden exibiu filmes e peças diversas, além de acolher, no período de momesco, pessoas da cidade para as matinês carnavalescas, sempre animadas por orquestras que ocupavam o seu salão principal. O Casino Maranhense localizava-se no casarão que pertenceu a Ana Jansen. No térreo do sobrado funcionava o Bazar Valentim Maia e no andar de cima havia o bar e o salão, que na época do carnaval eram realizados os bailes à fantasia, que à época mobilizavam pessoas de classes média e alta da sociedade. Os comércios eram um atrativo a mais no logradouro. A exemplo da Casa Ponto Chic, importante bar e restaurante, que concentrava integrantes de tradicionais famílias ludovicenses ou ainda a Mercearia Neves (prédio da atual Lojas Americanas) que vendia bebidas e produtos alimentícios de primeira qualidade. Outros estabelecimentos comerciais também se destacavam: a famosa Farmácia Garrido, a antológica Magazine 4.400, a gigante A Exposição, a tradicional Mercearia Luzitana, o ainda existente Armazém Paraíba e tantos outros que fizeram da Rua Grande o logradouro mais importante de São Luís. A Rua Grande é atualmente um local de passagem de milhares de pessoas oriundas de diferentes partes da cidade, embora tenha perdido frequentadores nos últimos anos para os shopping centers, seu comércio popular ainda ferve, camelôs e vendedores ambulantes gritam a todo instante, as lojas presentes nos casarões vendem de tudo, roupas, eletrodomésticos, eletrônicos, calçados, comida, produtos de beleza, remédios, enfim, um emaranhado de opções para consumidores sedentos. Só quando acaba o dia, na paisagem soturna, no silêncio, ecoam as seculares vozes do interior dos velhos casarões e dos paralelepípedos, testemunhos “vivos” de um importante capítulo da História ludovicense. Luis Eduardo Neves, historiador

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Os caminhos do centro de São Luis

O caminho Grande, atualmente rua Grande, era a via que ligava o centro de São Luis a zona rural. A rua Grande perdeu esse aspecto de interligação porque outras vias assumiram esse papel social e urbanístico. Outras ruas e avenidas se abriram para o passeio e para o transporte de pessoas e de cargas. A rua Grande permaneceu, entretanto, no imaginário popular como a principal via da cidade haja vista o numero de pessoas que transitam por ela sem qualquer compromisso a não ser o simples ato de olhar as vitrines. O Caminho Grande virou a rua Grande do trecho do Canto da Fabril à praça João Lisboa e do João Paulo ao Canto da Fabril homenageia o presidente Getulio Vargas e por mais que tenha alterado sua denominação nesses trechos a sua aparência mantem as características de um caminho tipo o que ainda se vê na zona rural da capital e na zona rural de cidades do interior do estado. Primeiro se constroem as casas e muito tempo depois se faz o caminho. A rua de Nazaré, no centro de São Luis, é mais ou menos assim. Ela é composta de duas ladeiras, uma descida e duas retas. Não só por esses elementos se deduz que ela aparenta ser um caminho. No final do século XVIII, Joaquim Silverio dos Reis morou num casarão na descida da rua de Nazaré. Ele se refugiou nesse casarão em São Luis depois de ter denunciado a Inconfidencia Mineira. Os comerciantes portugueses moravam nesses casarões que também serviam de armazém e comércio. Joaquim Silverio dos Reis não viajou ao Maranhão para iniciar uma vida de comerciante e sim fugir do seu passado de traidor numa terra que poucos iam. O casarão escolhido por ele foi demolido no governo Epitacio Cafeteira (1986-1990). Demoliu-se o casarão mas a historia de Silverio dos Reis não se perdeu e o feitio da rua permanece igual. Pela rua de Nazaré chegavam e saiam pessoas e suprimentos que vinham da e partiam à zona rural de São Luis pelo Caminho Grande o que levava horas pelas condições físicas precárias do caminho. Na verdade, os caminhos compridos ou curtos formataram parte do Centro de São Luis como no caso do Caminho da Boiada que levou esse nome por conta de criadores que levavam seu gado por lá.

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Uma pequena Africa

O cara é católico, mas sabe nada sobre os utensílios de uma igreja. Uma peça se sobressaiu no canto da igreja de Santana. Quis matar a curiosidade. “O que é isso?”, perguntou. “Uma pia batismal”, respondeu a senhora que tomava de conta da igreja. A igreja só abria terça, quarta e quinta das nove horas ao meio dia. E o padre responsável rezava a missa só aos domingos. Segundo a senhora, a pia batismal, em determinado momento da história, quase dançou. Iam retira-la do seu lugar o que não ocorreu porque descobriram que peça era aquela. A falta de informações sobre monumentos e peças históricos em São Luis não é nenhuma novidade, agora quando a pessoa se defronta com essa desinformação ao vivo e a cores, a consciência desperta com mais força e vê-se que São Luis não tem para onde correr. Não há publicações que tratem da historia da igreja de Santana. A rua de Santana é uma das ruas do centro historico de São Luis cujas casas ou casarões mais padeceram por alterações em seus projetos arquitetônicos originais tendo em vista as suas utilizações para fins comerciais. Em alguns casos, as alterações foram em todo o prédio e em outros, as partes de cima mantem algo que lembra os traços originais. No momento da conversa com a responsável pela igreja de Santana, duas senhoras entraram e rezaram em pé. Elas deveriam ter uma relação de afeto ou de obrigação para com a igreja, assim se entendeu pela conversa que tiveram com a responsável. Moraram nas redondezas ou continuavam morando. Quem mais transita pelas ruas do centro de São Luis não são os seus moradores nativos e sim os moradores de outros bairros que vem de ônibus ou a pé para consumir, passear, mendigar, trabalhar em lojas, vender produtos a ceu aberto (ambulantes) e assaltar. Uma foto do final do século XIX enviada pelo jornalista fotografo Jose Reinaldo Martins flagrou negros em volta de um monumento à praça da Alegria, famosa por ser palco de enforcamentos nas primeiras décadas desse século. O monumento foi retirado da praça que se modificou por demais da conta no século XX. Enfim, eram os negros que saiam as ruas para executar algum trabalho a mando do patrão e que movimentavam boa parte do comercio do centro São luis. Eles compravam para os patrões coisas da casa, mas para si compravam produtos com fins religiosos. O negócio desse tipo de produtos foi e ainda é um negócio de pessoas de origem negra como se pôde depreender numa rápida passagem pela rua Regente Braulio, vizinha do Mercado Central, o que faz pensar em São Luis como uma pequena África.

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Quem ordenou a construção do Outeiro da Cruz?

Quem em toda ilha de São Luis sabe que o escritor Sousandrade foi prefeito da capital do Maranhão? Esse e o tipo de informação que para despertar curiosidade do leitor deve estar ligada a um contexto maior porque pode ser vista como uma mera curiosidade. Ainda mais porque poucas pessoas sabem quem foi Sousandrade. O cidadão não se recorda em quem votou na ultima eleição, vai se recordar quem foi Sousandrade, escritor e primeiro prefeito de São Luis pós proclamação da republica? O motivo maior da pesquisa, em que se descobriu essa curiosidade sobre Sousandrade, era descobrir o nome do prefeito no ano de 1901, o qual foi o senhor Nuno Alvares de Pinho que exerceu o cargo de janeiro de 1901 a janeiro de 1905. Afixou-se o Outeiro da Cruz, monumento histórico construído para homenagear os portugueses que derrotaram os holandeses em 1644, no ano de 1901, só que não há informações de quem partiu as ordens para sua construção. Mais interessante do que descobrir o ordenador, é debater as razões que convenceram parte da elite ludovicense a decidir pela construção de um monumento para homenagear combatentes portugueses, indígenas e negros, defensores da fé católica, que expulsaram os holandeses protestantes quase 260 anos depois do fato histórico. O que explica um governo municipal recuperar um evento histórico que dizia pouco para a republica afinal o combate se deu numa época longínqua e entre dois empreendimentos colonialistas? Os portugueses expulsaram os holandeses não porque se considerassem maranhenses, mas sim porque os dois empreendimentos na epoca disputavam os mesmos espaços econômicos (o oceano Atlântico e o Nordeste brasileiro). Mais cedo ou mais tarde, os holandeses desistiriam do Maranhão visto que o seu maior interesse residia em Pernambuco e nas regiões vizinhas. O que talvez explique a decisão pela construção do monumento em 1901 é a vontade dos administradores públicos de dotarem o espaço publico de referencias historicas que tivessem alguma credibilidade perante a elite devota do catolicismo e que trouxessem algum apelo cívico de união das raças, tópico frequente no discurso da recém proclamada republica brasileira.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

A praça não é do povo

Gonçalves Dias convidou Ana Amélia, sua musa, para passear pelas ruas e praças lindas e esquecidas do centro de São Luis. A intenção, por detrás do convite, era passar um tempo com ela. Inevitável que alguém de confiança dos pais os seguissem nesse passeio, caso ela aceitasse, porque eles não poderiam ficar a sos nenhum segundo. Ele a conduziria pela rua de Santana e demorar-se-iam por alguns instantes a praça da Alegria, uma praça que fora palco de enforcamentos. Nenhum dos dois vira um enforcamento sequer, porem sabiam que à praça ocorreram vários. O nome praça da Alegria era uma forma de apagar as marcas de violência deixadas na mente das pessoas que moravam à vizinhança e que circulavam por ali. Quase certo que os sentenciados à forca fossem gente de sangue negro e indígena. A população pobre e escrava que por qualquer desobediência sofria maus tratos às mãos de seus donos. Caso Ana se sentisse incomodada pelo ambiente, ele não pensaria duas vezes e a conduziria pela rua Santaninha para aproveitarem um pouco a tranquilidade da praça da Misericordia que ficava à frente do hospital construído no inicio do século XIX. No século XIX, os espaços para passeio em São Luis se restringiam a poucas praças e essas praças despertavam pouco interesse visual aqueles que as percorriam sozinhos ou acompanhados. Castro Alves escreveu “A praça é do povo/como o seu é do condor”. Não é bem assim. O povo só comparece as praças quando é chamado para algum espetáculo/festejo ou algum evento politico social. O Ludovicense, no geral, primava pela introspecção em e pela indiferença aos espaços públicos. Para ele, o ludovicense, tanto fazia quem construira a praça da Alegria ou a praça da Misericordia, com que fim e quem as frequentaram. Gonçalves Dias e Ana Amélia contemplaram muito essas praças e as ruas do centro de São Luis, juntos ou com outras pessoas, sem parar para analisar se as ruas e as praças ainda existiriam anos após eles terem estado lá.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

O caminhante do centro de São Luis

O poeta romântico Gonçalves Dias subia a rua de Santana em algum momento do século XIX. Esse caminhar acentuado, por certo, sucedeu em boa parte desse século já que ele morava em um casarão logo no principio da rua. Ele tinha olhos para os casarões que circundavam a rua em todo o seu trajeto, mas os seus olhos atinavam mais para o casarão de Ana Amelia, sua amada. Os passos levavam longe sua imaginação, em direção a lugares mais abertos e mais verdes. Nesses lugares tão pouco frequentados, a imaginação sai de seu corpo para experimentar o ao redor. Ele não queria se equiparar ao poeta Gonçalves Dias. Pouco lera sua obra. Ao ler “Gonçalves Dias sobe a rua de Santana”, escrito pelo escritor Geraldo Iensen, pensou por que não imaginar uma cena em que simulava o poeta andando pela rua de Santana com os pensamentos voltados para Ana Amelia, cujos pais criavam obstáculos ao relacionamento por conta do sangue mestiço de Gonçalves Dias. Para que essa imaginação toda não caisse no vazio, decidiu sair do Reviver e pegar o beco da Pacotilha, onde se extasiou com a visão de um consertador de ventilador que escutava Roberto Carlos em algum sistema de som que não se via. Seguiu a rua Grande ou o caminho Grande. Por um acaso, topou com uma amiga professora e cozinheira que planejava acompanhar a inauguração da feira da Praia Grande, prometida pelo prefeito para aquele dia. Não disse, mas sentia saudade do caldo de sururu e do caldo de sarnambi que ela vendia em sua banca. Como faria para se esquivar dos raios solares que incidiam fortemente sobre as pessoas à rua de Santana? Naquele momento, fazia muito calor para uma cidade naturalmente calorenta pra diabo. Caso tivesse tempo de sobra, poderia passar alguns minutos à praça da Alegria. As praças, em geral, não são espaços de aglomeração e sim espaços de distanciamento. A partir delas e nelas, o indivíduo pode enxergar o que está a sua volta e o que está dentro de si. Deslumbrantes são as visões da igreja de São Pantaleão e dos telhados dos casarios à rua do Mocambo tendo por base a rua de São Pantaleão. Além de Ana Amélia, o que mais Gonçalves Dias pensava e com o que ele mais se deslumbrava ao caminhar pelas ruas e pelas praças do centro de São Luis?

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Grilagem de terras e lavagem de dinheiro ameaçam comunidade quilombola de Cocalinho

Os caminhões carregados de eucalipto cortavam a cidade de Presidente Dutra no ano de 2019. O destino não estava estampado, mas se presumia que rumavam para a fabrica da Suzano em Imperatriz, região oeste do Maranhão. Quase chegaria a afirmar mesmo sem provas porque podia se inferir a partir da quantidade de caminhões e a partir do volume de eucaliptos visualizados que o seu destino era um grande empreendimento que no caso só podia ser a fábrica da Suzano. Só faltava esclarecer de onde provinham os caminhões e os eucaliptos. Como não se via nenhuma placa indicativa na estrada, a pergunta ficou no ar, pergunta esta que seria respondida meses mais tarde em setembro de 2020, na comunidade quilombola de Cocalinho, município de Parnarama. A comunidade de Cocalinho é uma comunidade quilombola reconhecida pela fundação Palmares. No começo dos anos 80, os quilombolas ocupavam uma área de mais de seis mil hectares de Cerrado e babaçual. Ele foram forçados a deixar parte desse território e migrar para áreas próximas a brejos em razão de grilagem de terras praticadas por políticos da região. Essa grilagem de terras deu origem a três fazendas que cercam o território quilombola de Cocalinho e o território de Guerreiro. A fazenda Crimeia e a fazenda Cana Brava, que plantam soja, e a fazenda Nomasa, que plantava eucalipto. E o eucalipto que passava pelo município de Presidente Dutra era justamente proveniente dessa fazenda que a Suzano Papel e Celulose arrendou e desmatou em 2009. Suspeitava-se que o projeto de plantio de eucalipto para sua fábrica de celulose em Imperatriz contemplava um lado de lavagem de dinheiro e lavagem de terras griladas em todo o Maranhão. O arrendamento da fazenda Nomasa comprovaria essa lavagem porque como justificar um plantio de eucalipto a mais de seiscentos quilômetros de distancia da fabrica (para uma fabrica de celulose ser viável o ideal é que os plantios fiquem a menos de duzentos quilômetros). E por que não comprar a fazenda e sim arrenda-la já que o empreendimento em Imperatriz tinha futuro garantido? Atualmente, os eucaliptos, que antes viajavam para Imperatriz, tem destino mais próximo que são os fornos das olarias da região de Presidente Dutra. Os eucaliptos da fazenda Nomasa, com o tempo, abrirão espaço para o plantio de soja como já acontece nas fazendas Crimeia e Cana Brava, também arrendadas para investidores do sul do Brasil e para investidores paraguaios. Esses empreendimentos não só lavam dinheiro e lavam grilagem de terras; eles também cometem crimes socioambientais como não possuirem reserva legal, iniciarem incêndios que devastam o território quilombola e ameaçar de cercamento áreas de extrativismo dos moradores.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

A máxima beleza da praça João Lisboa

O amigo filosofo-fotografo, sempre apressado, sumira do mapa. Ele saiu sem se despedir. O que havia dito foi que levaria um aparelho de som para o conserto na rua das Cajazeiras. Ficaram de se rever no solar do MST à rua Rio Branco. Esse dia se mostrou extraordinário por reencontrar um outro amigo fotografo, morador de Alcântara, que dificilmente dava as caras em São Luis. A violência o levou a morar nessa cidade histórica cujo único meio de transporte para chegar a capital é o barco. O fotografo morava perto da praça da Matriz no sitio de uma amiga. No momento em que conversavam, o sol castigava o centro de São Luis sem piedade. Eles se despediram porque o fotografo iria se reunir perto de onde estavam conversando. Ele, por seu lado, subiu uma ruazinha que o levaria a praça João Lisboa e a rua Grande. A reforma da praça João Lisboa, executada pela prefeitura, pouco acrescentou a sua beleza porque ela se concentrou em mudar o piso. A reforma se propôs a fazer só isso? Se a reforma pouco acrescentou, ela tampouco atrapalhou a verdadeira beleza que a praça proporciona e que independe de onde se venha. A perspectiva dos prédios á rua do Egito, do casario histórico e da igreja do Carmo é a máxima beleza que o transeunte acessará pelo espaço compreendido pelo conjunto da praça. O painel estruturado à parede do antigo prédio do Banco do Estado do Maranhão à rua do Egito vale um tempo parado para apreender os seus desenhos e suas cores.

sábado, 3 de outubro de 2020

Modernidade e tradição no centro de São Luis

É mais comum as pessoas subirem a rua de Santana do que acontecer o contrário, as pessoas a descerem. A essa conclusão ele chegou pelo fato que a rua, em seus metros iniciais, do encontro dela com a avenida Magalhães de almeida até a igreja de Santana, estreita-se, quase como um corredor, o que induz as pessoas a se aterem as calçadas curtas, que de tão curtas impedem duas pessoas caminharem par e passo. A sensação de aperto persiste nesse trecho da rua e na esquina da igreja ela desaparece; a rua se alarga (o sol é visto) e as pessoas andam lado a lado ou param por alguns minutos sem que isso impeça o fluxo. As ruas do centro de São Luis, onde antes as pessoas habitavam, viram o casario histórico ser ocupado para fins comerciais ou administrativos. Por conta dessa mudança da função social do casario, os transeuntes apinham as ruas e caminham rápido atrás de mercadorias. Eles não querem saber quem morou naquele casarão ou em que ano a igreja foi construída. E nem tem para quem perguntar. Que tal perguntar as razões que levaram a igreja de Santana, construída em 1790, a não ser derrubada nos afãs modernizantes que a cidade de São Luis experimentou em quase dois séculos (uma igreja que passa o tempo todo fechada). A sociedade ludovicense, pelo que se sabe, não morre de amores por sua historia e pelas suas figuras históricas. Não é uma sociedade que demonstre carinho pelo seu patrimônio histórico como fica evidente no estado em que grande parte do casario se encontra. É quase certo que a igreja Santana teve sorte em não ser derrubada para facilitar o alargamento da rua de Santana. Pior sorte teve a igreja Nossa senhora da Conceição dos Mulatos que a Rua Grande abrigava no começo do século XX e cuja construção terminou em 1805. Derrubaram-na porque em alguns momentos o bonde que cruzava a rua Grande resvalava em sua estrutura e pessoas se machucavam nesse choque. Pela logica vigente na época, melhor derrubar a igreja totalmente e abrir caminho para o bonde. No espaço que era a igreja, anos mais tarde, construíram o edifício Caiçara um dos símbolos da modernidade em São Luis.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Um desejo subtendido

Não via problema em escutar as conversas alheias. Ele não ficava alheio ao que o rodeava. As pessoas no terminal de integração de ônibus da Praia Grande em São Luis conversavam entre si como se estivessem em casa ou em uma mesa de bar. A conversa só interessava a elas e se alguém de fora escutasse não dariam a menor importância. Em situações normais, as conversas só interessam a quem as veiculam e a quem elas se destinam. Um transeunte pode parar e escutar por alguns minutos a conversa que o resumo da ópera será relacionamento, desemprego, grana, comida e etc. Um bisbilhoteiro, um pouco agoniado e com um pouco de pressa, desviava dos passageiros que desembarcavam dos ônibus no terminal com os olhos voltados para a saída. As conversas não cessavam de forma alguma. Nem que os vereadores baixassem uma lei que proibisse conversas em espaço publico. Ele evitava o contato físico com os demais passageiros que esperavam o derradeiro ônibus, entretanto o contato auditivo era inevitável. A vendedora negra abria seu coração para outra mulher que não pôde divisar: “ Na hora do almoço, botei um tempero que a comida ficou deliciosa”. Para alguém abrir seu coração a respeito da comida que cozinhou, o ouvinte deve ser de confiança ou pelo menos aparentar confiança. Em determinadas conversas, o sigilo deve prevalecer, ensinou uma professora de português. O vendedor de bolos perguntava meio besta para uma senhora: “ A senhora gosta desse bolo, não gosta? ”. A resposta ficou no ar como um desejo subtendido.

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Os olhares silenciosos

Aonde se viu? Algo consumia o seu declínio. A vida se confundia com a rua de Santana e as ruas perpendiculares. Nessa rua viveram Gonçalves Dias e sua musa. Não compete o olhar nostálgico para o século XIX e seus amores românticos. Gonçalves Dias sobe a rua de Santana, assim o escritor Geraldo Iensen intitulou um dos seus poemas. O poeta caxiense vivia à e subia a rua de Santana. Andava-se devagar ou apressado? Os portões dos casarões se fechavam para os atrevidos. O amor aprisiona os olhares silenciosos.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A Liga da Justiça da literatura universal

As bancas de revista, quase sempre, desobedecem o que se espera de uma banca de revista que seria apenas vender revista. Deveriam escrever um tratado sobre o que norteia a criação das bancas de revistas pela cidade. Uma banca de revista não é simplesmente um local em que se vende revistas. Ela expõe revistas e outros produtos gráficos cujas existências se voltam para o consumidor que comprará aquele produto que lhe interessar mais ou apenas o admirará pelo seu visual e pelo seu conteúdo. As bancas de revistas, em muitos lugares, dispensavam apresentações do tipo a banca de não sei quem na rua não sei aonde. Sabia-se que em algum lugar do bairro elas se faziam presentes porque, sem elas, os bairros ficavam a dever a seus moradores algum tipo de vida social e cultural numa época em que ter vida social era frequentar igreja e as festas de aniversário dos vizinhos. Aqueles consumidores que buscavam revistas com conteúdo diferenciado só as encontravam em bancas do Centro ou de Shopping Centers. As bancas de revista do subúrbio de São luis recebiam apenas as revistas de grande circulação. Para as empresas que distribuíam (e distribuem) revistas, o centro requeria diversidade e o subúrbio requeria homogeneidade. Contudo, a realidade prega peças para aqueles que a assistem como um mero culto religioso. Tantas vezes ele, antes de viajar, curtia a banca de revista da rodoviária de São Luis em todos os seus aspectos pitorescos de vender revistas e...livros. Um desses livros que ele não se cansava de admirar era “O Homem sem qualidades”, livro escrito pelo austrieco Robert Musil, um dos escritores e intelectuais que fugiram da ascensão do nazismo na década de 30. Ele comprou esse livro por um valor baixo e comunicou a conhecidos do ramo da livraria que acharam inacreditável alguém comprar um livro de Robert Musil numa banca de revista da periferia de São Luis. Essa compra de Musil foi um pouco depois que se interessou por Walter Benjamin e Adorno e bem antes que lesse Elias Canetti e outros escritores de língua alemã. Na sua cabeça, os escritores de língua alemã e os escritores que os reverenciavam como os italianos Claudio magris e Roberto Calasso formavam a Liga da Justiça da literatura universal que removeria o entulho autoritário que subjazia na historia cultural da linguagem humana.