quarta-feira, 30 de junho de 2021

Mesa de bar e musica

Bebia sozinho pela eternidade de algumas horas no bar do Deco. Almoçou sururu com arroz. Um prato bem simples. Não comeria todo. Nos seus melhores dias comia um pouco mais da metade da comida que punham a mesa. A reforma da feira da Praia Grande trouxe mudanças para o aspecto em geral da feira e uma dessas mudanças a que se submeteram os feirantes foi a compra de mesas de madeira para receber os clientes. As mesas de madeira são bem mais atraentes que as mesas de plástico. A diferença de trabalho artesanal para trabalho industrial explica. As mesas e as cadeiras de madeira não carregam nenhuma qualidade excepcional assim como as mesas e cadeiras de plástico, mas só fato de sentar numa cadeira e a uma mesa de madeiras sem expectativas de longo prazo representa muito para quem acha que a realidade não é só aquele consumo rápido e inconsequente. E para se ter ideia de quanto isso é verdadeiro, um amigo advogado lhe fez companhia. Não se falavam há alguns meses. Da ultima vez que se falaram, esse amigo lhe convidara para se fazer presente em sua casa nova para qual se mudara recentemente. Eles se cumprimentaram e esse amigo meio que solto na bagaceira procurava o que fazer numa cidade de São Luis de poucos ambientes abertos em pleno feriado de São Pedro. O calor, como sempre, dominava o ambiente dentro e fora da feira. Deem licença que o calor quer passar. Assim que é. Chuva nem que São Pedro mandasse. O amigo queria um ouvinte para suas agruras musicais. Perdera e vira se quebrar vários instrumentos musicais que comprara em Minas Gerais e São Paulo. Nem tudo eram más noticias. Anunciou que fizera uma descoberta musical. Do jeito que o amigo anunciara a descoberta, divagou para uma banda de rock clássico ou para um expoente pouco conhecido da MPB. O que ele revelou surpreendeu. Luis Caldas. “O quê?”. Sim. A musica baiana nunca mais foi a mesma depois de Luis Caldas, Sara Jane, Netinho, Araketu, Margareth Menezes e companhia limitada. Parecia improvável que um apreciador de rock, chorinho, mpb e etc aprendesse algo com Luis Caldas. E o mais improvável que a argumentação do amigo mudou a percepção de um Luis Caldas vulgar para um Luis Caldas musico de chorinho e interprete musical de Guilherme Arantes entre outras façanhas.

Projetos de infraestrutura (ferrovia e portos) e os impactos nas comunidades quilombolas, indígenas e rurais da baixada maranhense

A região por onde passará o ramal ferroviário Alcântara-Alto Alegre do Pindaré foi a que recebeu inúmeros contingentes de negros escravizados que desembarcavam em São Luis, eram vendidos e seguiam pela baia de São Marcos para descerem em vários pequenos portos nos municípios de Alcântara, Santa Rita, Anajatuba, Arari, São Bento, Viana e etc. Os destinos definitivos dos negros escravizados eram as fazendas de gado, arroz, cana de açúcar e algodão. Antes da chegada dos negros, os proprietários das fazendas escravizavam indígenas. O tráfico de negros substituiu os indígenas visto que estes desenvolveram várias formas de resistência a escravidão. A atividade do trafico negreiro se acelerou a partir da segunda metade do século XVIII. Até esse momento as levas de negros escravizados eram pequenas comparadas com estados como Bahia, Pernambuco e Rio de janeiro. O Maranhão é um estado com forte presença de negros, por qualquer lugar que se ande a pessoa esbarra em um quilombo, mas se observa vários indícios da cultura indígena que foi integrada tanto a cultura negra como a cultura branca. Os negros ao chegarem ao Brasil não conheciam as realidades geográfica, ambiental e alimentar desse pais. Ou eles aprenderam sozinhos essas realidades ou eles aprenderam com alguém e nesse caso os indígenas que moravam ao redor das fazendas ou que vinham pedir favores, comida e trabalho. A pesca era a principal forma de conseguir carne e os indígenas sabiam os melhores locais de pesca e quais peixes se davam melhor na cozinha. Numa situação de poucos recursos, os indígenas ensinavam como acender fogo e ensinavam como mante-lo aceso para assar peixe no meio do mato. Os indígenas ensinavam também o negro não se perder no meio da floresta e caso se perdesse não passar fome; quais matos podiam ser comidos, quais matos temperavam comida e quais matos viravam remédio. A região da Baixada maranhense, por onde passará a ferrovia, e a região de Alcântara, onde será construído o porto de escoamento dos grãos da região oeste maranhense, preserva características historicas e ambientais da época da escravidão, características pouco estudadas. Caso os projetos da ferrovia e do porto sejam concretizados a tendência é que processos de concentração de terra, desmatamento, poluição do ar e dos recursos, surgimento e agravamento de doenças sejam deflagrados e multiplicados e as populações quilombolas, indígenas e agricultores familiares serão os mais afetados. o governo do Maranhão pouco repassa informações sobre esses empreendimentos de infra-estrutura e os impactos que eles causarão. Por exemplo, ao todo, serão oito portos construídos ou ampliados na baia de São Marcos e as comunidades pesqueiras de São Luis como Cajueiro, Porto Grande, Taim, camboa dos Frandes enfrentam diversos impactos ocasionados pelos portos do Itaqui e da Madeira, construídos, e pelo porto do Cajueiro em planejamento. Caso os oito portos sejam construídos ou ampliados como ficarão a pesca de água doce e a pesca em alto mar? Provavelmente, os estoques pesqueiros se reduzirão a níveis mínimos significando a extinção dos pescadores e o desabastecimento de peixe nos mercados e feiras de vários municípios maranhenses.

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Menos que um: o ensaio e a velhice

A verdade trágica de qualquer sociedade. Abandona-se os velhos. Os livros, os discos, as roupas, os amores, as amizades e etc. A sorte foi lançada e o jogo jogado. Quem ganha e quem perde? Rememorar não é um lance de sorte e nem de azar. Acredite em coincidências, mas que elas não existem, não existem. Sempre duvidou do que viria pela frente. Vivia agarrado. Nada de excepcional. Uma amizade, umas musicas, uns filmes, o que mais? Sentia-se envelhecido com pouca idade. E não sabia o que fazer para sair dessa enrascada. Sonhava filmar um filme pornô, gravar uma musica, escrever um livro de muita responsabilidade, o que mais? Contentar-se-ia em ler muito. Quando desse, escreveria o que lhe aprouvesse. Um dos primeiros livros que abriu foi “Menos que um”, escrito por Joseph Brodsky, escritor russo. Os russos enfatizam muito a sua relação com a mãe Russia e com a cidade de São Petersburgo e Joseph Brodsky, por mais critico que fosse ao regime comunista, morria de amores pelas duas. Claro, a mãe Russia e a cidade de São Petersburgo vieram antes do Comunismo e por elas vale a pena escrever e embelezar a realidade. Por elas e pelo povo, muitos escritores morreram ou foram exilados sem nunca deixarem de externar o amor que sentiam. Os russos, tudo bem. E os outros? Os americanos, os europeus e os brasileiros não economizaram elogios a literatura e a cultura russas. A leitura de “Menos que um”, livro de ensaios de Joseph Brodsky, em 1993, com o tempo, de maneira inconsciente, fez com que ele lesse Anna Akhmatova, poetisa russa, e com mais tempo ainda fez com que lesse Ossip Mandelstam, poeta judeu russo. Fez algo maior: desenvolveu nele o gosto pelo ensaio, não do jeito que o brasileiro escreve que respeita sociologia por demais da conta e engessa o texto. O ensaio em Brodsky e em outros autores que leria mais tarde aguenta o abandono da velhice que tantos temem experimentar.

A biblia ou as biblias de cada um

Explique, por favor, se for possível, o porquê de um livro como a bíblia se tornar uma obra de referência para boa parte da população mundial. Tem que se ter em mente que a sequencia de livros presentes em seu interior não corresponde a uma unidade. O Deus do antigo testamento difere do Deus do novo testamento. O antigo testamento narra, em parte, a historia do povo judeu enquanto que o novo testamento narra a vinda do messias, não aceito pelos judeus, na forma de um homem e o nascimento do cristianismo logo após a crucificação de Jesus Cristo. A grande diferença do antigo para o novo testamento é verificada no que tange a porque Deus decidiu que os judeus eram o povo escolhido. O que se lê pelo antigo testamento se refere a um Deus que exige lealdade a todo instante. Os judeus reclamavam de Deus por permitir que fossem escravizados, por passarem fome e etc. Eles queriam a prova da existencia de Deus e do compromisso dele. Deus se contrariava, mas tudo bem. Deu um jeito para que os judeus fugissem do Egito, para que caísse o maná dos céus no deserto e para que Moises compreendesse a linguagem divina e assim escrevesse os dez mandamentos. Compreender a linguagem divina não deve ter sido fácil para Moises. O que realmente Deus queria de seu “povo escolhido”? Como escrito anteriormente, não era simples a conversa que partia de Deus. A bíblia e seus livros, enfim, foram as tentativas de decodificar os sinais emitidos por Deus e narra-los de uma forma que o leitor pudesse compreender sem perder o extase presente na sua palavra. No judaísmo e no cristianismo, dá-se uma importância desmedida ao poder da palavra escrita e ao poder da palavra falada. Nenhuma outra religião exerce essa capacidade de conjugar escrita e fala. Essa hipótese explica em parte a bíblia ter se firmado como obra de referência. Não é uma hipótese que responda por tudo. O fervor contamina, não constrói. Uma outra hipotese possível demonstraria que a bíblia foi o único livro a ser aceito dentro da casa da maioria das pessoas na passagem da idade média para a idade moderna. Essa aceitação devia muito a crença de que a palavra de Deus se fazia presente naquele livro. A bíblia ter se tornado o principal livro impresso e lido na idade moderna redundou em que para a sociedade como um todo? A compreensão de um Deus único e raivoso que cobra lealdade o tempo todo e na construção de um discurso e na construção de representações baseados em algo que se prova apenas com a leitura de um livro, a bíblia.

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Nomes aos bois

Fazendas de gado, pouca vegetação, capim adoidado, igarapés aterrados por ordem de proprietários e proibição de pesca aos moradores das vizinhanças. Primeiras impressões no caminho para Cuba, comunidade quilombola do município de Santa Inês. Sim, pensou muito que poderia ser uma viagem a Havana, capital de Cuba, sobrevoando o oceano. Essa viagem ficaria para sabe Deus quando. Naquele dia, pensava em Cuba e o que ficaria sabendo dela e das outras comunidades (Marfim e Onça) que formam o único território quilombola de Santa Inês. O que resta de floresta amazônica se encontra na comunidade Cuba com o sugestivo nome de Cedro. Os testemunhos dos moradores indicam que os quilombolas chegaram aquela parte do Maranhão no começo do século XX. Eles abriram caminho pela mata. Nesse local, distante de tudo e de todos, fincaram moradia por existir muita água, muita terra, muita caça e muita madeira. Eram só eles nesse recanto. Um dos moradores mais velhos relembrou a sua infância e adolescência “Minha mãe morreu cedo e nosso pai nos criou sozinho. Com o tempo, ele ia para roça na nossa companhia”. De vez em quando, aparecia um novato que pedia a um dos fundadores da comunidade licença para roçar em um determinado ponto da terra. O novato roçava e cansado da lida diária vendia aquele pedaço para os fazendeiros da região que aos poucos abocanhavam mais e mais pedaços aumentando suas fazendas. Atualmente, sobrou para a comunidade de Cuba 200 hectares e nesse tanto de hectares se visualiza a reserva do Cedro que pelo nome sugere a presença da madeira Cedro, madeira de lei cara. Uma rede de grilagem de terras formada por corretores de imóveis e fazendeiros vem se esforçando para capturar e desmatar essa reserva. Os nomes que se destacam nessa rede: Egberto, o grileiro, Henrique Salgado, ex-prefeito de Pindaré, e Felipe Bringel, empresário de Santa Inês. O nome Egberto aparece em primeiro porque ele é o que chega de mansinho, tratando o quilombolas como amigos e irmãos. Quem não quer se agradado? Os quilombolas passaram décadas apartados da vida social e econômica de Santa Inês e esse apartheid social gerou necessidades de contatos fora da comunidade. O Egberto viu nisso oportunidades de negócio, ou seja, venda de terras dos quilombolas de Cuba para empresários. Um desses empresários foi o senhor Henrique Salgado, ex prefeito de Pindaré, que ao descobrir de que área se tratava repassou para o senhor Felipe Bringel, empresário do ramo médico e pecuarista. Funcionários do senhor Bringel se dirigiram a comunidade com motosserras com a intenção de cortar madeira da reserva do Cedro. Cortou-se algumas árvores. O senhor João, morador antigo, impediu que os cortes continuassem. No dia seguinte, um trator se deslocou a mando do senhor Bringel para o desmate que náo ocorreu porque o senhor João botou um cadeado na cancela que fecha e abre a entrada da reserva. O tratorista perguntou quem fechara a cancela o que seu João respondeu “fora ele” e ao ouvir isso o tratorista avisou que retornaria no dia seguinte e passaria por cima de quem quer que fosse. “Pois venha”, disse seu João. A comunidade e organizações da sociedade civil expuseram as ameaças a nível nacional. O senhor Bringel, por conta da repercussão, pediu desculpas aos quilombolas e afirmou que devolveria o terreno ao Egberto. A câmara de vereadores de Santa Inês, nesse caso, tomou partido do Egberto. O Adaozinho, vereador e corretor de imóveis, fez um pronunciamento em favor de Egberto “de que tudo é legal” e uma comissão de vereadores numa visita a comunidade defendeu os interesses do grileiro e do fazendeiro. Entre os vereadores, estava o presidente da câmara que falou para “os quilombolas deixarem pra lá aquela reserva”. Os quilombolas abriram mão do seu território várias vezes e não desejam faze-lo mais.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

cine monte castelo

Assiste-se tranquilamente a degradação do espaço publico. Assistira “Os Saltimbancos Trapalhões” com o irmão mais velho no cine Monte Castelo em 1983. Lembrava dos Trapalhões, de Lucinha Lins e da trilha sonora de Chico Buarque, mas passados quase quarenta anos ele não esquecia do cinema, o único cinema de bairro da cidade de São Luis. Para ele, a cidade de São Luis se resumia ao seu bairro, a Liberdade, o bairro de sua avó, a Cohab, e o centro, onde estudava. Tinha conhecimento de outro cinema no centro sem que pusesse os pés nele. Portanto, o cine Monte Castelo terminava sendo a derradeira opção de lazer chique para os suburbanos de São Luis. Ele não sabia que residia nos subúrbios e nem sabia o que era isso. O que sabia do seu bairro eram as ruas por onde transitava. E o que sabia do bairro Monte Castelo era o cinema. A sessão em que assistiu “Os Saltimbancos Trapalhoes” rendeu uma dose de magia por algum tempo. Anos depois, ele se mudou com a família para o bairro do Monte Castelo. Bem ou mal analisando, mudar-se para um bairro como esse significava ascender socialmente e ascensão social é um dos pilares da sociedade capitalista. Com o tempo, o cinema perdeu prestigio em comparação com outros cinemas da capital maranhense, que via as coisas envelhecerem de tal forma e tão rápido que nem se dava conta quando o estabelecimento fechava. Ele também não se deu conta do fechamento do cinema, por mais que pegasse ônibus todos os dias na parada em frente. A sua atenção se voltava para os outros cinemas mais modernos que eram construídos pela cidade afora. A cidade crescia e nesse crescimento levava junto as opções de lazer. Quem não quisesse ficar de fora da diversão, seguia a correnteza. Os cinemas modernos também envelheceram e fecharam suas portas. Deixaram saudades? É possível. A saudade nem sempre se expressa dentro do desejável. Ele fez amizade com um senhor ligado a família proprietária do cine Monte Castelo. Conversa vai e conversa vem, o senhor jogou uma ideia de gravarem um documentário que contasse a historia do cinema. O Cine Monte Castelo, enquanto funcionou, chegou a representar algo de importante para São Luis? As vezes, a pessoa precisa ver a historia por outro ângulo para compreende-la melhor. O cine continuou abandonado. Uma rara exceção em que o abriram foi para celebrações evangélicas. Ainda bem que demorou pouco tempo. Dentro do cinema não se assiste mais filmes, mas se a pessoa exigir pouco no muro que cerca o terreno atrás pode-se ler “Jesus te ama/eu também” e “Se existe algo melhor que a felicidade/ desejo a você”. É rápida e esquecível a leitura, tanto quanto a cerveja servida no barzinho perto.

sábado, 19 de junho de 2021

aperto no coração

Trocar o nome de uma rua todas as vezes em que um transeunte se sentir insatisfeito não é possível e nem se cogita tal insensatez, mas os transeuntes que passam habitualmente pela mesma rua ou pelas ruas deveriam ser obrigados a se informar o porquê ou os porquês das denominações que o prefeito, a câmara de vereadores e a cidade de maneira geral dá. Descobrir o porquê do nome rua Grande ou o porquê de rua Oswaldo Cruz, nomes pelos quais se conhece a principal artéria viária do centro de São luis, é moleza. Essa rua recebeu o nome rua Grande devido a que nos primeiros séculos da ocupação portuguesa ela era o caminho Grande que ligava o centro da cidade a zona rural. O nome Oswaldo Cruz homenageia o sanitarista que implantou politicas sanitárias de combate ao mosquito transmissor da febre amarela no Rio de Janeiro no começo do século XX. Feliz de Oswaldo Cruz que encontrou em São Luis uma fonte de homenagem, pois á rua Afonso Pena funciona o Instituto Oswaldo Cruz que realizava exames de sangue e etc para a população maranhense. Nesse caso, ta bem explicado os porquês da rua receber duas denominações, mas e quanto a outras ruas como é o caso da rua do Sol cuja denominação quem se atreveria a explicar? À primeira olhada, simpatiza-se com a rua do Sol pelo seu casario e por apertar os pedestres nas calçadas e os motoristas na rua asfaltada. Deveria passar a se nomeada por rua do Aperto. O problema desse nome é o tom jocoso e as ruas em São Luis tendem a homenagear pessoas, datas e santos. Por essa explicação, pode se entender rua da Paz, mas a rua do Sol fica devendo. Em contraposição a rua do Sol, afirmar-se-ia rua do Aperto onde as pessoas se apertam nas calçadas e os carros se apertam nas ruas (com muito aperto no coração). Não só nas calçadas e nas ruas. Com muito gosto, as pessoas também se apertam no sebo do Arteiro e cavoucam nas prateleiras livros e revistas. Nos últimos anos, as coisas ficaram apertadas para ele do ponto de vista financeiro e mesmo assim ele resiste e desaperta daqui e dacolá. Caminhar pela rua do Sol ou do Aperto e não encostar no Arteiro se constitui num crime contra alguma ordem social.

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Transição do Imperio para Republica em “Batuque na Cozinha”, musica de João da Baiana

João da Baiana compôs “Batuque na Cozinha” em 1917. Sem mais delongas, é uma composição em que o sambista narra o dia em que parou na cadeia devido a uma altercação envolvendo ele e um senhor branco que flertava com sua mulher. Simples assim, só que uma construção artística, qualquer que seja, não se limita ao que está expresso explicitamente. Por quase todo o tempo da musica, a letra de João da Baiana, como o titulo indica, zanza pela cozinha. A cozinha se consagrou como um espaço feminino e dos afazeres domésticos e culinários. O homem, ao entra na cozinha, busca comer e beber. Caso aconteça de um homem ir além disso, as mulheres perguntarão “não tem o que fazer? ” ou ordenarão “Vai procurar o que fazer”. As mulheres são experts nesse tipo de frase. Uma outra frase típica: “ Aqui não é lugar disso, vão fazer isso em outo lugar”. Criança que se preze brinca em qualquer lugar e as mulheres lutam para manter a ordem. O que escreveu e cantou João da Baiana? “Batuque na cozinha sinhá não quer por causa do batuque queimei meu pé”. Quando João da Baiana compôs a musica havia alcançado a idade de 30 anos. Então, o sambista através de um fato do cotidiano relê a historia dos negros, da escravidão, do samba e da cidade do Rio de Janeiro. Pelo que cantava João, a cozinha além de ser um espaço em que se preparava comida também era um espaço de batuque por mais perturbador que fosse afinal “por causa do batuque queimei meu pé”. Ora, batucava-se na cozinha porque nesse espaço havia comida e havia as mulheres que os homens flertavam. É claro que a cozinha da casa grande cabia um bom numero de pessoas. Só que João da Baiana não vivenciou a escravidão como seus parentes vivenciaram. Ele nasceu livre no Rio de Janeiro um ano antes da abolição da escravatura pela princesa Isabel. Associações que poderia fazer da sua realidade com o tempo da escravidão decorriam das historias que escutava da boca dos seus parentes quando frequentava suas casas e os terreiros de religião afro no final do século XIX e começo do século XX, começo da republica. Um dos principais problemas que o governo republicano enfrentará nos seus primeiros anos será o problema da habitação. “Não moro em casa de comodo, não é por ter medo não, na cozinha muita gente, sempre tem alteração”. Quanta diferença a casa de comodo no Rio de Janeiro para a casa grande na Bahia. Nesta, por mais que não fossem donos da casa, os negros admiravam a casa espaçosa enquanto que naquela a casa mal dava para morar uma família. E no decorrer da canção, João da Baiana brincará com as mudanças sociais e econômicas provocadas pela abolição da escravatura e pela proclamação da republica. Na casa grande, quem mandava era a Sinhá que não aceitava o batuque na cozinha. Na sua frente, pois bastava ela sair para rolar o batuque. A casa de comodo onde os negros se acomodavam no Rio de Janeiro era um tanto diferente. Nessa casa por pouco menos espaço para tudo e para todos que tivesse, os moradores não abdicavam do direito de batucarem e esse batuque atraia pessoas de todo o tipo e de todos os lugares. Essa variedade de pessoas num mesmo espaço era incomum para uma sociedade excludente e hierárquica como a brasileira, onde branco não se misturava com negro e vice-versa “seu comissário foi dizendo com altivez/ é da casa de comodo da tal Inez/revista os dois bota no xadrez/Malandro comigo não tem vez”. A musica “Batuque na Cozinha” é um espelho da transição do império para a republica e do regime escravocrata para o trabalho livre. Se no império quem defendia a ordem hierárquica da casa grande era a Sinhá, na Republica que defenderá a ordem hierárquica da casa de comodo será o comissário de policia.

sábado, 12 de junho de 2021

Uma crônica sobre futebol e meio ambiente

Ãs Rodas de conversa quase sempre desembocam no assunto futebol. Fala-se muito de futebol no Brasil. Fala-se pelos cotovelos sobre futebol e fala-se por todos os viés possíveis. Futebol e politica e etc. Não se viu ainda relacionar futebol e meio ambiente nas rodas de conversa e muito menos em textos. Quem debateu ou escreveu futebol e meio ambiente no mesmo espaço físico favor comprovar com um áudio ou um texto. Na verdade, meio ambiente pouco comparece nas crônicas do dia-a-dia da cidade. E não precisa que seja uma crônica diretamente ligada ao tema. Que tal, uma crônica que reativasse a memória urbana sobre os espaços rurais onde crianças brincavam antes desses espaços virarem conjuntos habitacionais ou ocupações irregulares? Assuntos como meio ambiente se grudam na memória menos por construções físicas e mais por experiências individuais que se entrelaçam. Um grupo de adolescentes joga futebol num terreno baldio e anos mais tarde só um deles se prenderá a esse jogo lembrando os mínimos detalhes tanto do ambiente como dos outros jogadores. Engraçado, esse texto pode virar uma crônica que aborde indiretamente os temas futebol e meio ambiente. Em qualquer espaço social (rural ou urbano) do Maranhão pode se encontrar um campo de futebol bem ou mal cuidado. Não é só um espaço que inspire pratica desportiva como também é um espaço que inspira a convivência social. Os proprietários zelam esses espaços com o firme propósito de que as pessoas se agradem deles e retornem mais vezes. O que está em jogo para os proprietários e para seus clientes transcende o mero jogo de futebol e quem perde e quem ganha. Aliado ao jogo de futebol vem outros jogos. Entreter o publico no espaço físico requer mais do que futebol. Requer que se disponibilize diversão consumo e musica o tempo em que o publico se fizer presente naquele espaço. Iniciou-se esse texto com a ideia de juntar futebol e meio ambiente. O futebol veio e o meio ambiente ficou de fora por enquanto. Quando o assunto é desmatamento, uma das comparações que a imprensa se utiliza é foram desmatados não sei quantos campos de futebol. A família Introvini se engrandece como uma das maiores plantadoras de soja da região conhecida como Baixo Parnaiba maranhense. Esse engrandecimento, eles obtiveram graças aos inúmeros desmatamentos do Cerrado maranhense, principalmente, no município de Buriti. Pode se ver um desses últimos desmatamentos realizados pelos Introvini na Chapada do povoado Carrancas. Mais de cem hectares de Chapada que os moradores do povoado se valiam para coletar bacuri, pegar madeira e soltar seus animais foram desmatados para em pouco tempo virarem plantios de soja e os bacurizeiros virarem pranchas de madeira para os interessados. Destino miserável e trágico para tantos bacurizeiros que por muito tempo cresceram sobre aquele solo e que por muito tempo viram homens se alimentarem dos bacuris caídos ao chão. O futuro para a população de Buriti se encaminha para um grande plantio de soja e para pequenos campos de futebol nos povoados. Futebol e meio ambiente chegaram ao fim juntos nessa crônica desportiva.

quinta-feira, 10 de junho de 2021

A ocupação

A influencia da maré é uma expressão que se refere a lugares sujeitos aos movimentos da maré. Não saberia precisar quantas famílias vivem em lugares influenciados pelo sobe e desce da maré na ilha de São Luis. Essa falta de informação não é obra do mero acaso assim como as pessoas erguerem suas moradias nesses lugares não decorre de uma simples decisão pessoal. A bacia do rio Anil congrega boa parte da população de São Luis e em parte isso se deve a sua localização e como essa localização influenciou a ocupação histórica por parte dos indígenas, em primeiro lugar, os portugueses, em seguida, e os negros escravizados, por ultimo. Na visão de muitos, o Caminho Grande, da segunda metade do século XVII em diante, consolidou-se como principal via de acesso de São Luis para a zona rural, por onde trafegavam carros de boi que transportavam mercadorias vindas da europa e vice versa. O Caminho Grande comportava o trafego pesado e lento e até chegar ao seu destino final esse trafego parava em entrepostos comerciais para onde se destinavam parte da mercadoria. O rio anil, pouco comentado, comportava o trafego mais rápido de pessoas que não tinham como morar próximos a cidade e preferiam morar em sítios próximos ao leito do rio. Esses sítios com o tempo deram origem a bairros pobres e proletários. Por mais que o Caminho Grande ocupe um local de destaque na historia da ilha de São Luis, sem o rio Anil, seus afluentes e outros rios pouco se saberia dos alagados onde a agua doce interage com a agua salgada, lugar de berçário de várias espécies de peixes e de crustáceos e lugar de várias nascentes de água doce, portanto se não houvesse presença de indígenas, brancos e negros para construírem ou reconstruírem suas vidas nesses lugares não haveria pescado e nem haveria água doce para os moradores das partes altas da cidade. Sem as quintas, próximas a região de alagados, onde negros escravizados buscavam agua e frutas, e das quais cuidavam, o modo de vida das famílias abastadas se dificultaria, pois teriam que procurar água em lugares imprevisíveis. Se em partes do Centro, o abastecimento de água se configura em verdadeira provação em plena atualidade, imagine como devia ser a luta diária pela água nos primeiros séculos de ocupação da ilha de São Luis. O problema de abastecimento de agua que já era grave foi acompanhando o processo de ocupação da cidade a medida que ele se adensava pelo restante da ilha e a medida que ele urbanizava os mananciais. Qual o custo socioambiental, para a cidade de São Luis, da ocupação recente da faixa litorânea por condomínios? Segmentos da classe media que migram para esses condomínios em outros tempos morariam próximo aos córregos. A migração desses segmentos da classe media para áreas litorâneas consideradas chiques significou o total esquecimento do Estado da sua responsabilidade referente a implementação de politicas de saneamento básico e de moradia nas bacias do rio Anil, rio Bacanga e etc.

sábado, 5 de junho de 2021

Os campos inundáveis e as comunidades quilombolas

Eles foram convidados a jantar na casa de uma amiga. Um deles brincou que em Viana, inevitavelmente, você come peixe em qualquer ocasião. E ele acertou. A amiga cozinhou um bagre no leite de coco babaçu. Ela serviu o jantar depois das oito horas porque os rapazes foram antes a beira do lago admirar aquelas águas que balançavam em suas mentes. A amiga assessorava um grupo de organizações da sociedade civil no Maranhão. O jantar transcorreu sereno por mais de uma hora e nesse transcurso ela os informou da existencia de pistolagem e de milícias a serviço de proprietários de terras naquela região. A informação não os surpreendeu afinal a dona Rosário, quilombola e quebradeira de coco do povoado Bom jesus, município de Matinha, revelou a eles um sem numero de ameaças de morte que sofreu assim como sofreram também seus companheiros da comunidade de Bom Jesus e da comunidade de São Caetano. Saber de pistolagem e milícias a beira da mesa não causou mal estar e nem indigestão porque, no fundo no fundo, compreendia-se o que estava em jogo. O jogo da sobrevivência alimentar versus o enriquecimento das elites. As comunidades quilombolas exigem que o acesso aos campos inundáveis seja liberado a fim de que elas possam pescar. A pesca é um aspecto indissociável da historia das comunidades quilombolas. As comunidades quilombolas, em momentos de dificuldades financeiras e ambientais, veem na pesca uma saída para a fome e para a geração de renda. Os fazendeiros, por seu lado, veem nos campos inundáveis apenas um espaço onde podem soltar seus búfalos e suas cabeças de gado. Peixe só rende algum trocado nas feiras como se viu no dia seguinte ao jantar na feira de Viana. Criar gado rende bastante dinheiro para fazendeiros e empresas do agronegócio. Viana é uma cidade onde os moradores comem muito peixe de agua doce nativo em comparação com outras cidades do Maranhão onde se come ou peixe de criatório ou carne.

quinta-feira, 3 de junho de 2021

A chuva do dia seguinte

Essa é a história de uma chuva que os moradores de Viana e Matinha esperavam há duas semanas. Chuviscara na comunidade da Graça, município de Matinha, mas tão pouco que nem se levava em conta. O senhor Manoel morador da comunidade e representante do STTR planejava plantar feijão em junho, pensando em aproveitar os últimos resquícios do inverno de 2020/2021. Ele não duvidava que a chuva se faria presente por mais que o inverno desse provas em contrario. Para o agricultor é fundamental que a chuva venha no momento certo e em boa quantidade para encher o arroz cultivar básica da alimentação de um maranhense que se preze. De Miranda a Vitoria do Mearim e de Vitoria do Mearim a Matinha, a monocultura do arroz aprisiona os campos inundáveis uma espécie de ambiente que impedem as águas das chuvas se esvaírem rapidamente para os leitos dos rios que desembocarão no maior deles: o Mearim. Está se falando de rios como o Pindaré e o Maracú os quais sustentam com sua infinidade de peixes um bom numero de famílias dos municípios que nasceram e cresceram as suas margens. Os agricultores familiares não são responsáveis pela transformação dos campos inundáveis em campos agriculturáveis para arroz em larga escala. O arroz é base alimentar da população pobre maranhense a séculos e nunca foi pensado como item de exportação pelas elites bem pensantes do estado do Maranhão só que no atual estágio da economia mundial qualquer coisa pode virar commoditie e ser cotada em dólar o que empata aquela cultura de ser servida com abundancia no almoço do cidadão comum. O seu Manoel conduziria a equipe do Fórum Carajás ao território quilombola do Bom Jesus a nove quilômetros do seu povoado a fim de conversarem com dona Rosário, liderança da comunidade. Bem perto do povoado Bom jesus, enxerga-se os campos inundáveis que fazendeiros cercaram com cerca elétrica. Assim sendo, eles cercam, colocam búfalo e gado e os quilombolas da comunidade de Bom Jesus são impedidos de pescarem nos campos inundáveis. A Dona Rosário se deslocara para a comunidade vizinha São Caetano a fim de participar uma live com o Fundo Socio Ambiental Casa. Eles decidiram por ir ao encontro dela em São Caetano, mas antes andaram até os Campos Inundáveis supervisionados pelo senhor Raimundo, morador da comunidade. Vendo tanta água acumulada, a pessoa pode imaginar que Bom Jesus vive na fartura liquida e na fartura alimentar. Como foi escrito, os quilombolas não podem adentrar um passo além das cercas elétricas sob risco de alguma represália por parte dos fazendeiros. O senhor Raimundo conta com abastecimento regular do poço da comunidade para aguar suas plantas e para as necessidades da casa, só que em outros tempos ele carregava baldes e mais baldes de água dos campos para sua casa. O mundo não sabe a missa metade das dificuldades que as comunidades quilombolas enfrentaram ou enfrentam no seu dia a dia. A equipe do Fórum Carajas e o seu Manoel se sentaram com Dona Rosário e as quebradeiras de coco em São Caetano e uma das perguntas que surgiu foi a respeito da regularização do território todo fatiado por propriedades. A Dona Rosário respondeu que o governador Flavio Dino falta assinar um decreto que regulamentaria a regularização fundiária de todos os territórios tradicionais do Maranhão. Com relação ao processo especifico de Bom Jesus, os fazendeiros aliados aos políticos locais propuseram uma conciliação a SAF (Secretaria de Agricultura Familiar), responsável pela administração dos processos que envolvam terras do estado. A dona Rosario e as demais quebradeiras de coco babaçu responderam que da parte delas não havia menor possibilidade de conciliação com aqueles que por várias vezes as ameaçaram de morte. A equipe do Fórum Carajas sugeriu ao grupo de quebradeiras que se realizasse uma campanha cobrando ao governador a assinatura do decreto um tal de “Assina Dino”. Terminada a discussão, a equipe do Fórum Carajás se despediu e voltou para Viana onde seria a hospedagem, tendo antes deixado seu Manoel em sua residência no povoado Graça. E a chuva que por duas semanas não caiu na manhã do dia seguinte veio com força para alimentar os cursos dos rios e irrigar os plantios dos agricultores familiares e dos quilombolas de Viana, Matinha, Penalva e Cajari.