domingo, 26 de setembro de 2010

MA/ PI: Quilombolas denunciam Barragens na Bacia do Parnaíba

                           Carta   Denuncia*

Imagem: Rio Parnaíba (MA/PI)-arquivo Fórum Carajás

Nós, comunidades quilombolas e entidades presentes à Mesa de Diálogo dos Direitos dos Territórios Quilombolas do Maranhão, reunidos em São Luis nos dias 23 e 24 de setembro do corrente ano, vimos por meio deste contestar e denunciar o processo de levantamentos e estudos sócio-ambientais realizados no EIA/RIMA dos aproveitamentos hidroelétricos da Bacia do Parnaíba, que compreende municípios dos Estados do Maranhão e do Piauí.

Ressaltamos que, em nenhum momento da elaboração desses estudos, as dezenas de comunidades remanescentes de quilombo, impactadas direta e indiretamente, existentes na área de influência do empreendimento foram consultadas, e nem sequer citadas nos presentes estudos.

Salientamos que a omissão das informações e a negação de manifestação das comunidades remanescentes de quilombos fere gravemente a Constituição Federal de 1988 e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, que garante no artigo 6º:

“Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;”


A presente Convenção estabelece que as comunidades impactadas por projetos elaborados pelos governos deverão ser ouvidas, e se manifestarem livremente sobre tais projetos. As comunidades quilombolas existentes na área de influência do empreendimento NÃO FORAM, EM NENHUM MOMENTO, RELACIONADAS E/OU CONSULTADAS DURANTE A ELABORAÇÃO DO EIA/RIMA.


Portanto, denunciamos o modo como o Estado Brasileiro, através da CHESF, e a empresa responsável pela elaboração do EIA/RIMA, conduziram o processo de estudo, tornando invisíveis as dezenas de comunidades quilombolas existentes na área de influência dos projetos.

Requeremos que seja refeito o EIA/RIMA, incluindo as comunidades tradicionais e comunidades quilombolas afetadas, e que seja compreendido no Estudo de Impacto Ambiental, o inventário histórico e dos bens imateriais, além de elaborar os Laudos Antropológicos de todas as comunidades ali existentes.

Em virtude desses fatos, requeremos também que seja suspenso todo o processo de licenciamento e leilões dos aproveitamentos hidroelétricos.

Assinam esta Carta as comunidades quilombolas dos municípios de Bequimão, Brejo, Cajapió, Cândido Mendes, Chapadinha, Guimarães, Itapecuru-Mirim, Lima Campos, Magalhães de Almeida, Mata Roma, Matões, Mirinzal, Olinda Nova, Santa Quitéria, São Benedito do Rio Preto, São José de Ribamar, São Luis, São Luis Gonzaga, São Vicente de Ferrer, Serrano do Maranhão e Turiaçú (Maranhão) e São João do Piauí (Piauí). E as seguintes organizações presentes: CCN/MA, SMDH, ACONERUQ/MA, CONAQ, Fórum Carajás, MST/MA, da moradia, Terra de Preto, Conlutas, CECOQ/PI, Assembléia Nacional dos Estudantes Livres-ANEL e Quilombo Urbano



São Luís (MA), 24 de setembro de 2010.



[*] Documento elaborado na Mesa de Diálogo dos Direitos dos Territórios Quilombolas do Maranhão, realizado nos dias 23 e 24 de setembro de 2010, na Sede do CCN, em São Luís-MA.





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CARTA COMPROMISSO PARA EXECUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS ÀS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO MARANHÃO *

Imagem: Comunidade Quilombola no Maranhão (Arquivo Fórum Carajás)

Comunidades quilombolas são populações negras que vivem no meio rural e se auto-identificam como “comunidades negras rurais”, de “terras de preto”, “quilombos”, “mocambos” e outras designações. Constituem-se em um segmento da população negra brasileira marcado pela resistência, organização e, principalmente, pela luta em defesa de direitos sagrados: Terra, Liberdade, Cidadania e Igualdade.

Ao longo da sua trajetória neste país, esse segmento resistiu de várias formas a um processo longo de constante tentativa de supressão seus direitos enquanto cidadãos e enquanto grupo étnico. A principal tentativa desse cerceamento é a não-titulação de seus territórios.


A conflituosa situação fundiária dos territórios ocupados centenariamente por populações negras, amplamente conhecidas como “comunidades negras rurais quilombolas”, foi reconhecida pelo movimento negro como uma dívida histórico-social que o Estado Brasileiro tem com essas populações. No debate para a Assembléia Nacional Constituinte de 1988, o movimento negro se articulou para assegurar no novel ordenamento constitucional que surgiria, o direito à propriedade as terras das comunidades quilombolas. Tal articulação, encabeçadas pelo Centro de Cultura Negra do Maranhão e pelo Centro de Estudo e Defesa do Negro do Pará, resultou no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.


Os afro-descendentes e os povos indígenas resistiram a toda sorte de massacres, tentativas de extermínio e de submetê-los à escravidão, propiciando uma história digna de ser reivindicada como gloriosa por todos que desejam a transformação da sociedade brasileira.


A resistência à escravidão e contra o extermínio físico foi heróica. Tanto a escravidão quanto as guerras de extermínio dos povos indígenas fazem parte de um passado que envergonha a sociedade brasileira.

O Estado brasileiro tem uma divida de mais de 400 anos com a população afro-descendente. É inadmissível que o Brasil continue omisso na garantia dos direitos do povo quilombola.

O Estado do Maranhão detêm um dos maiores percentuais de população afro descendente entre os estados brasileiros. Segundo o IBGE, 80,4% da população maranhense constitui-se de afro descendentes (juntando as categorias pretos e pardos). Concomitantemente, o Estado apresenta os piores Índices de Desenvolvimento Humano. Existe ainda o agravante de que, se esses índices são olhados do ponto de vista das categorias afro descendentes e brancos separadamente, percebe-se o brutal desnível a que estão submetidos os primeiros.


No Maranhão, conta-se com cerca de trinta e três organizações e entidades do Movimento Negro, dirigidas por afro descendentes, e mais de 500 Comunidades Negras Rurais Quilombolas, com propostas de trabalho centradas na discussão da questão étnico-racial e das políticas públicas.

Pois, considerando esse processo histórico, nós - quilombolas, entidades do movimento negro, entidades de direitos humanos, conselhos e grupos de luta por direitos – apresentamos esta pauta de reivindicações construída coletivamente nos dias 23 e 24 de setembro de 2010, em São Luis/MA, e requeremos dos Senhores e Senhoras candidatos ao Governo do Estado do Maranhão e aos Candidatos a Presidência da República Federativa do Brasil, a implementação e efetivação desta pauta, garantindo, desta forma, a igualdade material tão almejada na Constituição Federal.

Reivindicações do movimento quilombola do Maranhão:
Eixo Terra e Território:

• Regulamentação da Lei Estadual nº 9.169/2010, de forma que o procedimento de regularização fundiária seja o mais simples possível;

• Criação de uma Diretoria de Regularização de Territórios Quilombola junto ao ITERMA, vinculada diretamente à Presidência do Instituto, destinando orçamento próprio a esta Diretoria;

• Criação de um mecanismo de diálogo entre as comunidades quilombolas e suas entidades e o Governo do Estado do Maranhão para monitoramento dos processos de regularização fundiária e programas de políticas públicas, com estabelecimento de metas de comunidades quilombolas regularizadas pelo Estado/ITERMA;

• Intervenção junto ao Governo Federal para a revisão imediata da Instrução Normativa nº 57/2009 do INCRA, extinguindo a exigência da certificação da Fundação Cultural Palmares para andamento nos processos de titulação, bem como reduzir a burocracia do procedimento;

• Intervir junto ao Governo Federal para a criação de uma Diretoria de Regularização de Territórios Quilombolas, vinculada diretamente a cada Superintendência Regional do INCRA, com destinação de orçamento próprio;

• Considerando a existência de mais de 280 processos de titulação junto a Superintendência Regional do INCRA no Maranhão, intervir junto ao Governo Federal para a realização de concurso público, em até 02 (dois) anos, para contratação de mais 10 (dez) antropólogos com lotação para o Estado.


Eixo Saúde:

• Implantar as redes de tratamento de água nas comunidades quilombolas, com redes de distribuição das mesmas;

• Implantação dos Sistemas sanitários nas comunidades quilombolas;

• Reestruturação da política do Programa Saúde da Família, com humanização e atenção especial às comunidades quilombolas;

• Estruturar os Hospitais nos municípios, com atendimento de urgência e emergência;

• Garantir a implementação do Programa de Saúde da População Negra;

• Incentivar políticas de esporte e lazer nas comunidades quilombolas, visando a valorização da cultura.


Eixo Educação:

• Construção e manutenção de escolas e creches em comunidades quilombolas;

• Garantir a capacitação e formação permanente de professores(as) para educação das relações étnico-raciais e para o ensino de historia e cultura afro-brasileira e africana nas áreas quilombolas, conforme a Lei Federal nº 10.639/2003, bem como a distribuição dos matérias didáticos;

• Garantir a implementação prioritária das diretrizes Curriculares Nacionais étnico-raciais e a lei nº 10.639/2003;

• Realizar concurso público para professores, coordenadores pedagógicos e diretores, considerando a especificidade (educação quilombola), atendendo a demanda local da comunidade (vigia, merenda);

• Garantir a merenda escolar de qualidade, conforme a Lei nº11.947/2009 - trata do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) que define a alimentação escolar como um direito humano e incorpora dimensões estratégicas para a promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional dos escolares; promoção da valorização da cultura alimentar e da produção local; inclusão da educação alimentar e nutricional no projeto pedagógico da escola; promoção da saúde do escolar e fortalecimento da agricultura familiar.

• Garantir transporte escolar para as comunidades quilombolas.


Eixo Produção:

• Incentivo ao cooperativismo nas comunidades quilombolas para que o Estado compre a produção das mesmas através de convênios;

• Assistência Técnica permanente para as comunidades quilombolas;

• Implantação da AGERP, nos Municípios que ainda não tem melhora o atendimento onde já existem;

• Programa de elaboração das cadeias produtivas dos quilombolas;

• Apoio na criação das Feiras da Agricultura Quilombola;

• Criar projetos de formação continuada aos quilombolas para melhoria da produção;



Eixo Infra-Estrutura:

• Criar um programa específico para os quilombolas no objetivo de implantação de ações de Habitação, Estradas, Saneamento Básico, Energia e Açudes;

• Que o Governo do Estado exerça fiscalização mais rigorosa no funcionamento dos projetos especiais do NEPE nos quilombos;

• Que seja criado um programa específico, no âmbito da Secretaria de Estado de Infra-Estrutura, que destine 30% (trinta por cento) do seu orçamento para as comunidades quilombolas.



Municípios participantes da Mesa de Diálogo dos Direitos dos Territórios Quilombolas do Maranhão:



1. Bequimão

2. Brejo

3. Cajapió

4. Cândido Mendes

5. Chapadinha

6. Guimarães

7. Itapecuru-Mirim

8. Lima Campos

9. Magalhães de Almeida

10. Mata Roma

11. Matões

12. Mirinzal

13. Olinda Nova

14. Santa Quitéria

15. São Benedito do Rio Preto

16. São José de Ribamar

17. São Luis

18. São Luis Gonzaga

19. São Vicente de Ferrer

20. Serrano do Maranhão

21. Turiaçú




OS QUILOMBOLAS ESTÃO VIVOS

AXÉ POVO NEGRO...


[*] Documento elaborado na Mesa de Diálogo dos Direitos dos Territórios Quilombolas do Maranhão, realizado nos dias 23 e 24 de setembro de 2010, na Sede do CCN, em São Luís-MA.

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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Decreto reforma agrária Brejo

Declara de interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural denominado “Fazenda Monte Alegre I e II”, situado no Município de Brejo, Estado do Maranhão, e dá outras providências.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

De olho nas eleições, quilombolas cobram compromisso dos candidatos

Programa Direito a Terra, Água e Território (DTAT)
Imagem: arquivo Fórum Carajás


Comunidades quilombolas do Pará e Maranhão reivindicam compromissos dos candidatos à Presidência da República e aos governos estaduais com a titulação de terras e políticas relacionadas. Eles defendem a adoção do Programa Direito a Terra, Água e Território (DTAT). Em eventos realizados em São Luiz (MA) e Belém (PA), representantes das comunidades e candidatos aos governos dos estados discutem o tema nesta quarta e quinta-feiras (22 e 23).



"Queremos reafirmar aos futuros gestores públicos a necessidade de uma política afirmativa para a população Quilombola", explica José Carlos Galiza, da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará – Malungu, entidade responsável pelo evento no Pará.



Os quilombolas são grupos formados historicamente a partir de núcleos que se rebelaram contra o sistema escravocrata, formando comunidades autossustentáveis, isoladas e longe dos grandes latifúndios da época. Parte importante do passado colonial, Galiza explica, em entrevista à Rede Brasil Atual, que esses grupos ainda lutam por maior representatividade na sociedade. "Antes, a luta era pra fugir da escravidão, e hoje lutamos para ter mais visibilidade na sociedade, buscando nossos direitos como qualquer outro cidadão", advertiu Galiza.



Engajados em busca de políticas públicas, as comunidades quilombolas junto ao movimento negro, farão os encontros para debater as principais questões envolvendo os direitos dos quilombolas, com destaque para a regularização fundiária de seus territórios. Após as reflexões, os quilombolas de ambos os Estados entregarão reivindicações aos candidatos. “Esperamos que os candidatos se sensibilizem e assinem a carta, se comprometendo com a causa quilombola”, diz Galiza.



Entre as principais demandas, estão a titulação das terras onde estão as comunidades e também o acesso a serviços públicos, tais como educação, saúde e saneamento básico. "Hoje, na maioria dos quilombos, a educação oferecida é somente até quarta série, resultando assim nos altos índices de analfabetismo entre os quilombolas", ressalta Galiza. "Também reivindicamos uma secretaria de promoção da igualdade social, para que todos os setores e movimentos da sociedade possam ser ouvidos", completa.



Sobre a regulamentação das terras, os quilombos no Maranhão têm a maioria de suas terras dentro de áreas griladas. "Isso requer processos administrativos para legalizar nossa situação, o que não obtivemos até hoje", alerta Mauricio Matos Paixão, coordenador-geral do Centro de Cultura Negra (CCN). No Pará, as comunidades sofrem com a delimitação de grandes fazendas com as áreas quilombolas, que são cercadas com cercas elétricas, gerando vários conflitos na região.



"O evento terá a capacidade de ampliar o diálogo entre lideranças Quilombolas e candidatos, na perspectiva de sensibilizar os mesmos sobre a importância dessas comunidades para o Brasil”, finaliza Maurício.



Programa Direito a Terra, Água e Território (DTAT)



Maranhão



Dia 23, quinta-feira:



14h30: início do debate com a mesa “Diálogo: políticas estruturantes para comunidades Quilombolas” com participação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Instituto de Colonização e Terra do Maranhão (Iterma), Secretaria de Desenvolvimento Agrário, Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (ACONERUQ) e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH).



16h20: será realizado debate com as Secretarias Estaduais de Saúde, Educação, Desenvolvimento Social e Igualdade Racial; Secretaria de Políticas de Promoção de Igualdade Racial do governo federal, Incra Nacional, Coordenação Nacional das Comunidades Negras e Ruais Quilombolas (Conaq) e Ministério Público Federal (MPF).



Dia 24, sexta-feira:



8h30,: a construção do documento. Os participantes de dividirão em Grupos de Trabalho temáticos, como Terra e território, Saúde e Educação.



14h: apresentação de informações sobre construção de barragens no Rio Parnaíba que compreende os Estados do Maranhão e Piauí, que impactará diretamente muitas comunidades tradicionais.



15h: o evento contará com a participação dos candidatos ao governo do Estado, que receberão as reivindicações dos Quilombolas.



Local: Espaço Negro Cosme, no Centro de Cultura Negra do Maranhão (Rua Guaranis, 64) – São Luís (MA).



Pará



Dia 22, quarta-feira:



14h30: Mesa 1: 'A Sociedade e as Eleições” com representantes da Associação Brasileira de ONGs (Abong); do Fórum Amazônia Sustentável; do Comitê Nacional de Combate a Corrupção Eleitoral; do Centro Feminista de Estudos e Assessoria; do Grupo de Estudo Afro – Amazônicos; e da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase).



16 h: Mesa 2: "O Movimento Negro e as Eleições” com convidados da Malungu, Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa), Mocambo, Coordenação Nacional de Entidades Negras (Conen), Comissão Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas (Conac), União de Negros (Unegros).



Dia 23, quinta-feira:



A participação é restrita aos Quilombolas, que elegerão as demandas mais relevantes para constar na carta compromisso. O documento será redigido no mesmo dia.



Dia 24, sexta-feira:



Apresentação da “Carta Compromisso com os Quilombolas do Pará”. Os candidatos (ou representantes) que comparecerem devem assinar o compromisso diante do público.



O evento está sendo realizado com apoio da Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP) e financiamento da Aliança ICCO, Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE), Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase)



Local: Auditório do Clube dos Diretores Lojistas, localizado na Rua 28 de Setembro nº 16 - Bairro do Comércio – Belém (PA).



Por: Virginia Toledo, Rede Brasil Atual



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DIA INTERNACIONAL CONTRA AS MONOCULTURAS DE ÁRVORES

Como em anos anteriores, neste dia 21 de setembro é comemorado no mundo inteiro o Dia Internacional contra as Monoculturas de Árvores. Destinado a fortalecer a luta contra o avanço dos "desertos verdes" de árvores, a jornada visa denunciar os impactos deste modelo sobre as vidas de milhões de pessoas por ele afetadas.


A árvore escolhida para tais monoculturas varia conforme o objetivo das empresas que as promovem e plantam. É assim que os pinheiros e eucaliptos visam providenciar matéria-prima para a indústria da celulose; a teca, o pinheiro e a gmelina para a indústria da madeira; o dendezeiro para a indústria do agrocombustível; a seringueira para a indústria automobilística; várias espécies (particularmente de eucaliptos e pinheiros) para o negócio do mercado de carbono.


Os impactos sociais e ambientais das monoculturas de árvores são muitos e extremamente sérios sobre solos, água, flora e fauna, mas o impacto mais grave é o decorrente da ocupação dos territórios de povos indígenas, tradicionais ou camponeses, que os priva dos meios de vida que até então obtinham em seus territórios ancestrais.


A ocupação territorial por parte dessas empresas tem muitas semelhanças com a de uma invasão militar. Da mesma forma que nas invasões convencionais, não são os empresários nem os governantes dos países responsáveis pela invasão que o fazem pessoalmente. A invasão é iniciada com a chegada de emissários empresariais, que prometem paz, empregos, riqueza e desenvolvimento. Posteriormente chegam os funcionários de governo anunciando que foi assinado um acordo com a empresa, que irá beneficiar enormemente a população local, e convocando para colaborar com ela.

Cumprida essa fase, começa a invasão propriamente dita, sendo o primeiro passo a destruição da flora local por meio do uso de maquinaria e da aplicação de agrotóxicos. Finalmente, chega o exército invasor, representado por intermináveis colunas de árvores plantadas em fileiras que avançam inexoravelmente sobre o território local.

Tal invasão pode deparar-se (ou não) com resistência no momento inicial, mas com certeza ela é gerada com o decorrer do tempo, quando as promessas se evidenciam como mentiras e os impactos tornam a resistência quase inevitável.


Tanto se a resistência for anterior ou posterior à invasão, quando começa a se manifestar, os invasores passam à fase da divisão das comunidades e, se isso não for efetivo, à repressão, seja em forma direta através de seus próprios guardiões seja recorrendo ao apoio do aparelho repressivo do Estado (polícia, tribunais, exército), que acode com prontidão em socorro de seu aliado.


Em grande parte dos casos, o resultado final é a violação de um amplíssimo conjunto de direitos humanos, que nos casos mais graves chega ao encarceramento, à tortura e inclusive ao assassinato.

Em suma, o estabelecimento dessas grandes monoculturas de árvores constitui uma guerra contra os povos e a natureza. O grande exército verde invade, destrói e reprime as populações locais, cujo único “crime” consiste em defender o que lhes pertence diante do invasor.


É por isso que neste dia 21 de setembro queremos homenagear os povos que lutam pela defesa de seus territórios, e fazer um apelo a redobrar esforços para apoiá-los na justa defesa de seus direitos.

inicio


MONOCULTURAS DE ÁRVORES NO SUL


AS MONOCULTURAS DE ÁRVORES NA AMÉRICA LATINA- COMO, PARA QUÊ, PARA QUEM

Os territórios que hoje conformam a América Latina costumam revestir duas características diante dos olhos das grandes empresas e conglomerados comerciais: abrangem grandes superfícies, e são fonte de cobiçadas mercadorias: madeira, dendê, culturas comerciais, carne, lã, matéria-prima para agrocombustíveis, recursos genéticos, terra, água. São um ímã para o grande capital.


As vastas extensões de ricos ecossistemas biodiversos- selva, monte, floresta, pampa, serrania, planalto, savana- têm sido a base territorial na qual proliferaram as diversas formas culturais e produtivas das comunidades da região. E o que os grandes comerciantes vêem como mercadorias têm sido os elementos constitutivos da milenar tradição agrária de muitos povos, cujos vestígios testemunham o nível que atingiram seus avançados conhecimentos.

Hoje, como há mais de 500 anos, o colonialismo continua em vigor, com outras formas, com outros nomes. Os navios que ontem partiam dos portos latino-americanos com a prata, o ouro, o cacau, a borracha, hoje são enormes cargueiros que levam embora nossa água e nosso solo nas toras, as lascas, a celulose, o óleo de dendê. Levam embora também, de forma sofisticada, nossa atmosfera para ser vendida no mercado de carbono. Levam embora, em definitivo, a preço de mercado, o futuro das próximas gerações.


O modelo atual de globalização dos mercados baseia-se em uma estrutura de subordinação- dos países do Sul em relação aos do Norte, dos grupos que vendem sua força de trabalho em relação aos donos do capital, das minorias étnicas em relação às hegemônicas, do sexo feminino em relação ao masculino. Tal subordinação tem sido funcional para a formação de um capital excedente nos grupos dominantes, à custa de inúmeras desigualdades intrínsecas e penúrias para os grupos subordinados.


É no contexto da expansão desse capital acumulado que a globalização é configurada como uma plataforma ideal para a apropriação e a mercantilização crescente da natureza por parte de grupos empresariais cada vez mais concentrados. As formas produtivas assumem escalas cada vez maiores, cada vez mais uniformes, para mercados cada vez maiores e convenientemente uniformizados. O consumo torna-se o alicerce e o motor da economia, e as políticas sociais muitas vezes servem para introduzir as melhoras necessárias que permitam manter o sistema e inclusive somar mais consumidores aos mercados.


Como parte dessa expansão, as monoculturas em grande escala de árvores exóticas desembarcam no continente na década de 1950, em um processo de ocupação e apropriação da terra e da água e à custa dos ecossistemas e comunidades locais. Não se trata de um projeto isolado senão que está inserido no modelo da “Revolução Verde” promovida pela FAO, que consolida a industrialização da agricultura. Somam-se posteriormente o Banco Mundial, o FMI, o BID, processos de Nações Unidas sobre florestas (IPF, IFF, UNFF), agências bilaterais como a GTZ e JICA, empresas consultoras como a Jaakko Poyry. Através de mecanismos de empréstimo, subsídio, extensão, capacitação, propaganda, esses atores conseguem instalar seus argumentos em âmbitos científicos e acadêmicos e incidir nas políticas de Estado de vários países que, aplicando modelos bastante similares, promoveram na América Latina as plantações florestais voltadas para a exportação.

Conforme a FAO, entre 2000 e 2005, a superfície de plantações florestais cresceu uns 2,8 milhões de hectares anuais (1) e os dados de 2009 apontam que na América Latina e o Caribe há 12,5 milhões de hectares de monoculturas florestais- categoria que não inclui o dendezeiro. Para 2020 planeja-se um aumento que levaria as plantações florestais a 17,3 milhões de hectares.



É assim que a região se posiciona como “líder em plantações florestais de alta produtividade” destacando especialmente a Argentina, o Brasil, o Chile e o Uruguai, com 78% das plantações desse tipo. As plantações altamente produtivas fazem referência aqui em especial às variedades que foram selecionadas de forma a obter um rápido crescimento, entre as quais predominam eucaliptos (65% das plantações do Brasil, 80% das do Uruguai) e pinheiros (49% das áreas de plantações da Argentina, 78% das do Chile). Além do papel dominante desses países, em quase toda a região existem também vastas superfícies de plantações florestais.



Madeira para celulose

Até hoje a maior parte das plantações de variedades de eucaliptos e pinheiros de rápido crescimento tem como destino a produção de celulose para papel, uma atividade industrial altamente poluente e exigente quanto à água e à energia (este setor é o 5º consumidor industrial mundial de energia). Obviamente ninguém pode negar as vantagens que trouxe à humanidade a fabricação industrial do papel, que em meados de 1800 permitiu seu barateamento e a divulgação da leitura e a escritura. Mas atualmente, a produção de papel ultrapassou em muito seu uso associado ao acesso à educação, e mesmo assim, esse simbolismo é usado com enorme força para intensificar a necessidade de produzir mais e mais papel. Contudo, em termos de usos de papel, a embalagem ultrapassa de longe os usos vinculados à educação, à informação e às comunicações, e a ela somam-se outros tantos artigos e produtos próprios da era do consumo descartável.



Isso prova a falsidade da premissa de que quanto maior o consumo de papel, maior o nível de educação. Basta comparar o indicador de consumo de papel e papelão com os indicadores de escolaridade. Disso resulta que, por exemplo, Cuba, com um consumo bem menor de papel do que os Estados Unidos, a Finlândia ou o Chile, registra, no entanto, taxas de acesso à educação terciária que estão acima do Chile e dos Estados Unidos (2).



Consumo de papel e papelão por pessoa ao ano (2005)

Europa: 132,39 kg. (Finlândia 324,97 kg)

Estados Unidos: 297,05 kg

América do Sul, América Central e o Caribe: 84,85 kg (Chile 64,57 kg; Cuba 8,63 kg)



Índice de educação: taxa bruta de matrícula em nível terciário (2006)

Finlândia 93%

Estados Unidos 82%

Chile: 48%

Cuba: 88%







Afinal, as desigualdades do consumo coincidem com as desigualdades intrínsecas do atual modelo dominado pelos interesses empresariais. Mas em todo caso assinalam que esse consumo desmedido é desnecessário aos efeitos das necessidades do desenvolvimento humano.



Por outro lado, no ponto de início da cadeia florestal celulósica, as monoculturas florestais chegaram e continuam chegando aos territórios latino-americanos sob o argumento de “contribuir para o desenvolvimento”. No entanto, em um caso emblemático como o chileno, em que o reflorestamento foi e continua sendo promovido fortemente desde o Estado e em detrimento da floresta nativa, um artigo da organização CODEFF (3) aponta que os recenseamentos de população provam que “as comunas com maior superfície coberta por plantações são as que deslocaram maior proporção de camponeses para as áreas urbanas, gerando importantes níveis de pobreza.”



O desmatamento indiscriminado de espécies nativas para plantar espécies exóticas como o eucalipto não apenas levou à destruição de espécies animais e vegetais endêmicas da região, mas também provocou alterações no sistema hídrico. Assim foi assinalado por Bernardo Zentilli, presidente da CODEFF, que afirma que a modificação do equilíbrio aqüífero tem gerado grandes crescidas no inverno e esteiros secos no verão, diminuindo assim a terra cultivável.



Por sua vez, o mesmo artigo cita a Agrupação de Engenheiros Florestais pela Floresta Nativa (AIFBN), que denuncia que: “entre 1978 e 1987 uns 50 mil hectares de floresta nativa desapareceram em duas das principais regiões florestais do país (VII e VIII), bem como também quase a terceira parte das florestas do litoral da VIII região que foram substituídas por plantações de pinheiros. A atualização do Registro de Recursos Vegetacionais Nativos na Região de Los Rios indica que na última década mais de 20.000 hectares de Floresta Nativa foram substituídos por plantações florestais exóticas.”



O fruto da discórdia- o dendezeiro



O dendezeiro provém da África e foi largamente usado para obter óleo. Ultimamente sua produção foi destinada a usos industriais e mais recentemente expandiu-se de forma explosiva e promovida diante da crise climática como uma alternativa supostamente “ecológica” para continuar alimentando o atual modelo de produção e consumo insustentável que está na raiz do problema e, no entanto, permanece sem ser questionado.



Na América Latina, a cultura extensiva adota o modelo de grandes extensões de monocultura com deslocamento forçado das populações autóctones, combinado com casos em que os camponeses põem o trabalho e em muitos casos a terra. Por outro lado, as novas plantações de dendezeiro costumam ser implantadas em áreas de floresta úmida tropical, as quais são arrasadas, drenadas, fertilizadas, plantadas e após borrifadas permanentemente com potentes herbicidas que, junto aos fertilizantes químicos, passam ao solo contaminando as fontes de água. Este manejo impede que outros cultivos possam ser plantados, lesionando assim a soberania alimentar das comunidades locais. Por sua vez, para maximizar a quantidade de óleo por fruto ou por planta, a terra é privada da água por meio de canais de drenagem que dessecam lagoas, cursos d’água e qualquer tipo de zona úmida próxima às culturas, afetando a flora e a fauna. (4)



A cultura do dendezeiro cresce aceleradamente em outras regiões tropicais propícias da região. No México, as plantações entram a ferro e fogo na Selva Lacandona; no Peru, os habitantes da Amazônia clamam que A selva não se vende! A selva se defende!, e se enfrentam ao grupo dendeicultor Romero; na Guatemala, o dendezeiro se espalha em um contexto de despejos e compras forçadas de terras a comunidades empobrecidas que devem emigrar a outros lugares; em Honduras, camponeses e integrantes do Movimento Unificado Camponês do Aguán (MUCA) foram brutalmente reprimidos por tropas do exército e a polícia em apoio ao terra-tenente e dendeicultor Miguel Facussé Barjum, conhecido como “o palmeiro da morte”; na Nicarágua, as plantações de dendezeiros são o novo negócio da United Brands, outrora United Fruit, um nome ligado a um longo histórico de manipulação política e social; na Costa Rica o dendezeiro foi consolidado.



Um dos casos emblemáticos na produção de dendezeiro é a Colômbia, com mais de 360.000 hectares de monoculturas de dendezeiro e o anúncio do ex-presidente Uribe de atingir os 6 milhões de hectares. Sua produção, financiada principalmente pelo Banco Mundial, foi baseada no despojo de terras coletivas de comunidades locais. Assassinatos, destruição de moradias e utensílios, deslocamento maciço, bloqueios econômicos, fustigações contínuas, ameaças, maus- tratos continuados por parte do exército nacional e de paramilitares ao serviço das empresas são o sustento desse progresso, como o denuncia a Comissão Intereclesial de Justiça e Paz. No caso do Bajo Atrato, a expansão do dendezeiro foi alicerçada no despojo de 15 casarios no Curvaradó de mais de 25 mil hectares e no Cacarica de 20 mil hectares e 4 casarios, que foram intitulados coletivamente por governos anteriores. (5)



Os trabalhadores das plantações de dendezeiro trabalham em condições de escravidão. A vigilância por parte de homens armados durante as jornadas de trabalho e o pagamento em vales para trocar por comida nas lojas dos empresários, sem que o trabalhador receba o salário em dinheiro e disponha dele livremente, são o lado oculto da suposta “energia limpa” que ofereceria o agrocombustível obtido do dendezeiro.



A Indupalma é uma das empresas dendeicultoras líder no setor colombiano. Uma das estratégias que usou para sua expansão, seguindo o modelo da Malásia, foi a criação de alianças com os camponeses para a produção em culturas em pequenas propriedades, mas sempre ligadas ao grande capital. Quando em 1995, a Indupalma propôs ao sindicato Sintrainudpalma a formação de alianças, o sindicato se recusou. Os paramilitares assassinaram 4 de seus dirigentes e fizeram sumir outro. (6)



Cosméticos para maquiar as plantações



Diante das fortes críticas que tem recebido a expansão das monoculturas de dendezeiro no mundo todo devido a seus graves impactos ambientais e sócio-econômicos e à violação dos direitos humanos, o setor reagiu buscando maquiar sua imagem de “verde”. Surgiu assim a chamada Mesa Redonda para a Produção Sustentável de Óleo de Dendê (RSPO, por sua sigla em inglês), dirigida principalmente aos consumidores europeus e norte- americanos.

Nesse mesmo sentido foi promovido na Colômbia o programa do “dendezeiro camponês”, que visa envolver a cultura do dendezeiro dentro do sistema produtivo agro- alimentar. A organização colombiana Grupo Semillas questiona sua sustentabilidade no longo prazo, porque “não só deve ser avaliado se a cultura é viável e rentável para o agricultor, mas também quem controlará afinal todo o processo". (7)



No Chocó Biogeográfico as organizações afro-colombianas e indígenas, em uma reunião convocada pela organização conservacionista WWF para promover o “dendezeiro sustentável”, apresentaram sua rejeição a envolver-se não apenas no modelo produtivo industrial do dendezeiro como também na iniciativa do “dendezeiro sustentável”, por seus graves impactos que implicam a lesão de seus direitos, em especial seus direitos ancestrais ao território, a perda de autonomia e de suas práticas tradicionais de produção, o menosprezo de sua cultura e das expressões de diversidade. (8)



Por sua vez, as plantações de eucaliptos também têm um cosmético em seu benefício. O FSC é o principal sistema de certificação que outorgou seu selo para validar plantações florestais em grande escala- 8 milhões de hectares em aproximadamente 8 países. No Estado da Bahia, Brasil, a empresa florestal Veracel (com verbas da sueco-finlandesa Stora Enso e a brasileira Aracruz Celulose) tem mais de 100.000 hectares de plantações de eucaliptos. A Veracel despojou de suas terras à maioria dos indígenas das comunidades Pataxó e Tupinambá, usa grandes quantidades do formicida Sulfluramida proibido pelo FSC, e foi multada por plantar nas proximidades de parques nacionais. Mesmo assim, obteve o selo FSC.



Todas essas tentativas visam dar ao negócio uma aparência boa. Mas o maior erro é tentar mostrar como sustentável algo que é inerentemente insustentável: um produto obtido de monoculturas em grande escala de árvores em sua maioria exóticas, que geram graves impactos sobre a água, o solo, a fauna e a flora silvestres, as florestas, os meios de vida e a saúde humana, e provocam o deslocamento de pessoas e a violação dos direitos humanos.



A criminalização do protesto social



Em muitos países latino-americanos, os movimentos ou processos populares que lutam contra a perda de seus territórios, a água, a floresta, e seus meios de vida pelo avanço das plantações, sejam eucaliptos, pinheiros, dendezeiros, seringueiras, etc., devem enfrentar o que foi chamado de “criminalização” da resistência. Trata-se de uma estratégia dirigida a qualificar os atos de resistência como crimes, levando um conflito intrinsecamente social à esfera judicial e penal. As empresas, no caso, florestais ou dendeicultoras, contam com o poder punitivo do Estado para neutralizar o protesto.



Respeitados e reconhecidos líderes sociais, pessoas que defendem legitimamente sua identidade, formas de vida e formas de produção, acabam sendo perseguidos, encarcerados, levados a juízo e até assassinados. Combina-se a repressão com o uso formal da legalidade para penalizar os atores sociais que se opõem a políticas e modelos produtivos que, em prol do lucro, em definitivo conspiram contra a própria sobrevivência do planeta.



No Chile, as prisões albergam dezenas de presos políticos mapuche que defendem seu território contra o avanço das monoculturas de eucaliptos e pinheiros. A maioria acaba sendo julgada pela legislação antiterrorista que subsiste desde a época do tirano Pinochet. Apesar disso, a resistência prossegue na prisão, com greves de fome e jejuns, enquanto a repressão estende-se aos familiares. Na Colômbia, na região do Chocó, os afro-colombianos e organizações de direitos humanos, como neste momento Justiça e Paz, enfrentam as ameaças e a violência militar e paramilitar por causa da implementação do agronegócio do dendezeiro e a extensão pecuária. Em Honduras, a luta social dos camponeses de Bajo Aguán, em defesa de seus direitos sobre as terras que lhes foram roubadas para a produção extensiva de dendezeiro, deixou um trágico saldo de inúmeros feridos e mortes que se soma à escalada repressiva que vivencia o país desde o golpe de Estado de junho de 2009.



A dimensão de gênero



A expansão das monoculturas de árvores tem, como os outros mega-projetos anti-sociais, uma dimensão especial de gênero quanto a seus impactos. Como ilustrado por uma declaração de mulheres sobre os impactos da expansão das monoculturas de árvores exóticas sobre a pradaria, proferida em 2009 e questionando o Congresso Florestal Mundial celebrado na Argentina, as plantações de eucalipto geraram “situações de medo, de violência e de assédio sexual. Muitas mulheres relatam que têm medo de andar sozinhas nas proximidades das plantações devido à presença de pessoas alheias à comunidade. Isso faz que o direito das mulheres a ir e vir esteja cerceado, favorecendo mudanças de hábitos e costumes. Além disso, muitas delas vivenciaram situações de assédio sexual por parte desses trabalhadores. Isso, sem dúvida, significou um retrocesso na independência e autonomia das trabalhadoras, contribuindo com um maior desempodeiramento feminino”.



A declaração faz referência a outros impactos acelerados que podem incidir na desestruturação do tecido social e familiar e incitar a situações como a prostituição, a proliferação de doenças de transmissão sexual, o consumo de drogas, as mudanças nos hábitos alimentares, “como geralmente acontece em diversos lugares depois da chegada de empreendimentos desse porte. Infelizmente, esses impactos não são contabilizados nem estudados pelas entidades públicas".



As mulheres concluem dizendo que, “resistiremos e continuaremos em luta enquanto for preciso, não apenas contra o avanço das monoculturas de árvores exóticas e dos mega-projetos das empresas de celulose e papel, como também contra os processos de mercantilização da vida dos seres e de desempodeiramento das mulheres. Nós, as mulheres, temos o potencial de fazer que ‘o novo aconteça’ e isso estamos fazendo”. (9)



No Brasil, a cada 8 de março, Dia Internacional da Mulher, as mulheres camponesas, indígenas, negras, do Movimento Sem Terra e da Via Campesina, transformam-se em estandarte de luta contra o avanço dos eucaliptos de empresas de celulose como a Stora Enso, Votorantim/ Fíbria, Suzano, Veracel. As mulheres denunciam a fome que trazem esses exércitos clonados com forma de eucaliptos, que se apropriam das terras dos povos indígenas, as comunidades locais, as famílias camponesas, e que os despojam de seus saberes, de sua capacidade de produzir e consumir alimentos saudáveis na quantidade necessária e de acordo com sua cultura. Sua luta é contra o agronegócio e em prol da soberania alimentar.



Mas isso não impede que elas denunciem que a essa opressão se somam as diferenças de gênero, a situação de desigualdade da mulher que faz com que ela carregue quase exclusivamente com a responsabilidade dos filhos, que marca diferenças de retribuição diante dos homens pelo mesmo trabalho, que muitas vezes faz que sejam alvo do assédio sexual e que lamentavelmente em muitas ocasiões se tornam vítimas da violência física inclusive por homens da própria família.



O negócio da mudança climática



Nada escapa ao afã mercantilista. A crise climática tornou-se outro negócio em que as falsas soluções promovidas por organismos internacionais como o Banco Mundial e o mesmo Protocolo de Kyoto servem de plataforma para a expansão das monoculturas de árvores. Através dos sumidouros de carbono- parte dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo- o do sistema REDD+ (Redução de Emissões pelo Desmatamento e a Degradação)- dentro do qual as plantações de árvores em grande escala poderiam ser concebidas como uma forma de “incrementar as reservas de carbono florestal” e assim receber financiamento- as empresas encontram novos “mercados" e o reflorestamento some disfarçado muitas vezes de floresta, para apostar fortemente no mercado de carbono.



Na Colômbia, o Convênio Quadro de Concertação para uma Produção mais Limpa, de 1995, habilitou as empresas dendeicultoras a participar no negócio mundial dos sumidouros de carbono criado no contexto do Protocolo de Kyoto. Os incentivos e benefícios tributários outorgados pelo governo para o desenvolvimento de tecnologias que permitam capturar gás metano do ambiente permitiriam que os empresários obtivessem um lucro adicional em um novo filão de mercado- o do carbono (10).



Também o Equador promove a plantação de 1 milhão de hectares de monoculturas florestais para a venda de certificados de redução de emissões (CER) no mercado mundial de carbono, através do Plano Nacional de reflorestamento do programa Proforestal.



O negócio do reflorestamento serve a outras empresas fora do setor: a empresa Nestlé Waters Francia quer compensar através de projetos de reflorestamento o equivalente a sua emissão anual de carbono na produção de água mineral Vittel na França e Bélgica. Para isso financiará a plantação de 350.000 árvores na Amazônia boliviana e outro projeto de plantações na selva do Peru, com a idéia de renovar o mesmo número de árvores todos os anos. (11)



No Brasil, a empresa siderúrgica e florestal Plantar S.A. Reflorestamentos tem plantações em grande escala de eucaliptos no Estado de Minas Gerais. Apesar de essas árvores serem usadas para seu negócio de fabricação de ferro gusa, de ter se apropriado de terras afetando a água e o solo bem como o rico bioma nativo do Cerrado, e de se tratar de uma indústria altamente poluente, a empresa tentou reiteradamente receber financiamento do MDL para financiar suas plantações de eucaliptos. Alega que essa energia seria menos contaminante do que o uso de carvão. No entanto, trata-se de um ardil comercial para ganhar de todo jeito, já que a empresa nunca usou carvão.



Rumo a outro modelo



O modelo em grande escala de plantações de monoculturas de árvores é incompatível com a natural manifestação diversa da vida. É artificial, é destrutivo, é contaminante.



Os povos dos países da América Latina souberam tecer redes sociais para denunciar os impactos das monoculturas de árvores. Tal é o caso da Rede Latino-americana contra as Monoculturas de Árvores (RECOMA), uma rede descentralizada de organizações latino-americanas que coordena ações, impulsiona o apoio às lutas locais e a alternativas social e ambientalmente adequadas às diversas realidades, e realiza intercâmbios horizontais entre países.



Muitas outras iniciativas seguem essa trilha, como a experiência das famílias quilombolas do Espírito Santo, Brasil, que, em meio do eucaliptal, encontram caminhos para sobreviverem e lutarem pela reconquista de seus recursos naturais e patrimônio genético. As comunidades reelaboram práticas tradicionais e adaptam técnicas de manejo, abrem canais de comercialização nas feiras locais e regionais e promovem contínuas trocas inter-comunitárias de sementes e práticas agrícolas.



A procura de outra trilha de produção, comercialização e consumo que nos afaste do atual processo de extermínio tornou-se um imperativo, e as comunidades em resistência são os agentes de mudança que podem conduzir-nos até lá, criando soberania local, construindo soberania alimentar. É preciso continuar trabalhando para conseguir a necessária mudança de rumo.

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(1) Avaliação dos Recursos Florestais Mundiais 2005, 15 Resultados- Chaves, http://www.fao.org/forestry/foris/data/fra2005/kf/common/

GlobalForestA4-SPsmall.pdf



(2) World Resources Institute, indicadores sobre educação: http://earthtrends.wri.org/searchable_db/index.php?theme=4; indicadores sobre consumo de papel: http://earthtrends.wri.org/searchable_db/index.php?

theme=9&variable_ID=573&action=select_countries



(3) “Plantaciones de eucalyptus ponen en peligro al bosque nativo”, Comitê Nacional Em Prol da Defesa da Flora e Fauna (CODEFF), www.codeff.cl, divulgado por Ecoportal, http://www.ecoportal.net/content/view/full/95039, e Servindi, http://www.servindi.org/actualidad/30725



(4) “Palma africana: un proyecto mundial socialmente y ecológicamente destructor”, François Houtart, 2006, http://colombia.indymedia.org/news/2006/06/45170.php



(5) “Agronegocios de palma y banano en el Bajo Atrato. Impactos ambientales y socioeconómicos”, pela Comissão Inter-eclesial de Justiça e Paz,

www.pasc.ca/IMG/doc/Palma_y_bio.doc



(6) “En Medio del Engaño: El Magdalena Medio y el Banco Mundial”, Gearóid Ó Loingsigh, 2010, http://www.redcolombia.org/index.php?option=com_

content&task=view&id=1070&Itemid=36



(7) “El agronegocio de la Palma Aceitera en Colombia. ¿Desarrollo para las poblaciones locales o una crónica para el desastre?”, Grupo Semillas, 2008, Revista Semillas Nº 34/35, http://www.semillas.org.co/sitio.shtml?apc=w--1--&x=20155558



(8) Documento das organizações participantes da mesa- redonda de dendê sustentável. Oficina de discussão sobre princípios e critérios; Cali, Colômbia. Setembro 18 e 19 de 2007; Revista Semillas Nº 34/35, http://www.semillas.org.co/sitio.shtml?apc=

e-b-20155545-20155545&x=20155568



(9) “Declaración de las mujeres sobre los impactos de la expansión de los monocultivos de árboles exóticos sobre la pradera” em ocasião do Congresso Florestal Mundial, Buenos Aires, Argentina, outubro de 2009.



(10) “El agronegocio de la Palma Aceitera en Colombia. ¿Desarrollo para las poblaciones locales o una crónica para el desastre?”, Grupo Semillas, 2008, Revista Semillas Nº 34/35, http://www.semillas.org.co/sitio.shtml?apc=w--1--&x=20155558



(11) “Peru hails Western carbon offsetting programmes”, BBC, 28 de março de 2010, http://news.bbc.co.uk/2/hi/business/8586617.stm
 
http://www.wrm.org.uy/

Pesquisadora da UbB alerta para a degradação do Cerrado, que já chega a 50% da cobertura vegetal

Infográfico AE, com informações da Embrapa

Na semana passada, o governo federal prometeu investir R$ 339,4 milhões no combate ao desmatamento do Cerrado. A medida faz parte do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento das Queimadas do Cerrado, estratégia para reduzir em 40% as emissões de CO2. O bioma, que em sua composição original cobria 24% do território nacional, já tem quase 50% da mata nativa degradada.

Segundo a professora Mercedes Bustamante, que estuda o tema no Laboratório de Ecologia que comanda na Universidade de Brasília (UNB), a degradação se intensificou na década de 1940, com o fluxo migratório para a região, e vem aumentando rapidamente. Com estatura baixa e fala calma, Mercedes é firme em suas opiniões.



Para ela, preservar o Cerrado é questão urgente e necessária para o Brasil. É ali que estão boa parte das áreas de pastagens e lavoura de grãos que abastecem o país. Sem os serviços ambientais que o bioma oferece, como manutenção do solo e regulação do ciclo hídrico, essas áreas, como a população que vive em torno delas, sofrerão as consequências. Entrevista realizada por Martha Neiva Moreira, O Globo/Razão Social.



[Leia a entrevista na íntegra:  http://www.ecodebate.com.br/8q7]- Qual o peso da produção agrícola no processo de degradação do Cerrado?



O fato de o Cerrado ter sido convertido em agricultura não é o mais problemático, a questão maior é a intensidade com que o processo se dá. A degradação tem avançado rapidamente em direção a Tocantins, oeste da Bahia, sul do Maranhão e Piauí. E não há planejamento para utilização do solo. Quando digo planejamento me refiro a saber exatamente quanto e onde a mata nativa deve ser preservada. Isso é imprescindível para a manutenção dos serviços ambientais de um determinado bioma.



- Como é a ocupação das áreas degradadas do Cerrado?



Há pastagens para pecuária extensiva e lavouras para produção de grãos, especialmente soja e milho. Ali há grandes proprietários rurais. Alguns são grupos familiares, ligados a empresas e consórcios de comercialização de grãos.



- Quais as consequências para a população local da não preservação de um bioma como o Cerrado?



Conviver com eventos de extrema seca; intensidade de queimadas; poluição do ar, que pode gerar problemas de saúde, são alguns deles.



- Qual a extensão preservada do Cerrado?



O Cerrado tem dois milhões de quilômetros quadrados. Cerca de 50% estão preservados, se considerarmos apenas a extensão da cobertura vegetal. Há parques, há unidades de conservação. Mas a questão é que as áreas preservadas não são contínuas. Há fragmentos de mata nativa, o que é um problema pois dificulta o deslocamento de animais e a proliferação das espécies nativas.



- Por que há menos áreas de conservação no Cerrado do que na Amazônia?



Há uma dificuldade política de criar unidades de conservação no Cerrado. A maioria das terras ali, diferente da Amazônia, é privada. As terras estão nas mãos de produtores. É mais fácil criar unidades de conservação em terras públicas e, mesmo as terras do Cerrado que pertencem à União, fazem parte da fronteira agrícola, ou seja, da reserva de terra do governo federal para fins de agricultura. Se é preciso aumentar área de produção para biocombustível, é no Cerrado que pensam.



- A senhora acha que a iniciativa privada prefere estar mais presente na Amazônia do que no Cerrado?



A iniciativa privada está no Cerrado, só que de forma diferente que na Amazônia. As empresas são as mesmas, só que na Amazônia a visibilidade para elas é maior. Há interesses internacionais na região e por isso há pressões pela sustentabilidade do bioma. A verdade é que os dois biomas têm valores diferentes para o país. Só que a agenda ambiental não pode ser só para a floresta. A questão ambiental precisa ser para o Brasil.



- Que empresas estão presentes no Cerrado e de que forma atuam na região?



São pecuaristas e produtores de grãos. Alguns poucos preocupam-se com sustentabilidade, desenvolvem boas práticas e têm preocupações sociais. Mas há outros que seguem uma cartilha de produção de 30 anos atrás. A sociedade está incorporando novos conhecimentos, é preciso que eles incorporem também. Conservar o bioma é uma condição para quem produz ali.



- Qual a responsabilidade das empresas na preservação do Cerrado?



O setor privado tem responsabilidades como toda a sociedade em pensar estratégias de preservação. A opção deve ser não dissociar produção de preservação, até porque os serviços ambientais de manutenção do solo, regulação climática e fornecimento de água são fundamentais para as atividades desenvolvidas no bioma. É preciso investir na gestão dos territórios, ou seja, gerir os recursos naturais para prover necessidades do presente e do futuro. O que leva tempo, se considerarmos que estamos lidando com recursos finitos que exigem o tempo da natureza para serem recuperados. Só que os planos de gestão de recursos naturais parecem obedecer ao calendário eleitoral, costumam ser para quatro anos apenas.



- Que serviços ambientais o Cerrado oferece?



A manutenção do ciclo hidrológico é um importante serviço. Há três bacias hidrográficas na região e a vegetação nativa é responsável por controlar a quantidade de água que as abastece. Quando a mata natural, que tem raízes profundas, é substituída por pastagens, com raízes superficiais, há uma alteração no regime de escoamento da água. Quando essa alteração é em larga escala afeta o padrão de vazão dos rios. É o que já acontece no Rio Araguaia, que tem mais picos de vazão porque não tem mais atividade regulatória da vegetação natural. Além da regulação hídrica das bacias, o Cerrado captura CO2, tem uma diversidade de espécies que serve para produzir os mais diversos produtos, como antibióticos por exemplo. Há uma estimativa que há 12 mil espécies diferentes no bioma. Brinco dizendo que a queima de um hectare de Cerrado equivale a queimar uma biblioteca inteira de Alexandria. Imagina quantas já queimamos.



- Qual a eficiência das unidades de conservação no Brasil?



Precisamos de informações para saber. O Brasil precisa fazer um investimento sério de monitoramento ambiental em áreas demarcadas. Há uma demanda de dados para que gestores ambientais tomem decisões. Temos que saber, por exemplo, se as unidades estão cumprindo seu papel de conservar. O contexto de mudanças climáticas exige que saibamos dessas informações para repensar e prever uma série de situações. Uma delas é a redistribuição de espécies que são afetadas pelo clima.



- Em 2005, o governo federal criou a Comissão Nacional do Cerrado e a senhora faz parte dela. Quais as conquistas alcançadas?



Não houve conquistas. Houve uma primeira reunião em 2006. Em 2007 tivemos a última. Este período coincidiu com a reformulação do Ministério do Meio Ambiente e o grupo acabou se desarticulando. Acho que não foi dada a devida prioridade ao Cerrado na época.



- Como a senhora avalia a proposta do novo Código Florestal?



O diálogo foi precário e privilegiou setores do agronegócio. Hoje há duas vezes mais áreas de reserva legal e APPS em propriedades privadas. Este dado mostra o quanto é importante conservar esses fragmentos e dialogar com todos. As entidades científicas e a Academia gostariam de ter participado mais dos debates em torno da reformulação, mas até onde eu sei, embora as pesquisas estivessem disponíveis, os dados tiveram pouco peso no documento final e os pesquisadores foram pouco ouvidos.



- A senhora é uma das cientistas do Intergovernmental Panel on Climate Changes (IPCC). Qual o peso do Cerrado no próximo relatório e como o trabalho é feito?



O relatório do IPCC não traz informações novas, é uma compilação de conhecimentos já existentes. O peso que um bioma tem depende do que foi gerado de informações sobre ele. O processo começa com um cronograma de reuniões por grupos de trabalho. Nelas discutimos o que será feito. Os textos produzidos (capítulos) são escritos com base em uma série de estudos, selecionados a partir de critérios rígidos (informações científicas verificadas, ter sido publicado em língua inglesa, ter sido revisado por outros cientistas, entre outros). Os textos produzido são submetidos a editores científicos para serem revistos e por outros pesquisadores externos que fazem revisão. A versão final ainda é avaliada por um grupo de cientistas do IPCC.



- Desenvolvimento sustentável com nível de crescimento mundial é utopia?



É uma necessidade. Os recursos naturais são finitos. Trata-se de uma opção ética.



Por: EcoDebate

Mesa Quilombola do Maranhão: Políticas Públicas e Direitos dos Quilombolas

Terra, Território, Saúde, Educação, Infra Estrutura e Produção


Imagem 01: Comunidade Quilombola no Vale do Itapecuru( arquivo Fórum Carajás)


São Luís(MA), 23 e 24/09/2010


23.09.2010: Quinta-feira



Mesa de Abertura de Boas Vindas Quilombolas: CCN, ACONERUQ, CONAQ e duas Lideranças quilombolas/MA.



1ª Mesa de Dialogo: Políticas Sociais de Igualdade Racial com: INCRA/MA, ITERMA, SEIR/MA;


Debatedores: ACONERUQ, SMDH e CCN


Coordenação: Profª Francinete -CCN Pedreiras;


Debate com plenária;



2ª Mesa de Diálogo: Políticas Públicas para Comunidades Quilombolas com: Sec.Saúde, Sec.Educação, SEPPIR, INCRA Nacional, Fundação  Cultural Palmares/MinC,

Debatedores: ACONERUQ, CONAQ e MPF/MA


Coordenação: Profª Silvani Magali/UFMA;


Debate com plenária

Reunião com Movimento Negro dos municípios/MA;


Noite Cultural do CCN.


24.09.2010: sexta-feira


Construção do documento nos Grupos de Trabalho: Território; Saúde;

Educação, Infra Estrutura e Produção;


Apreciação e ajustes em plenário do documento final para os Candidatos ao Governo do Estado;



Sr. Bispo-PI, Informe sobre construção de barragens no Rio Parnaíba que compreende os Estados do Maranhão e Piauí;




Homenagens Negro Cosme – Certificados;



Dialogo de compromisso com candidatos ao governo do Maranhão com  entrega das reivindicações quilombolas com presenças da imprensa;


Encerramento: Apresentação Cultural do CCN.


Carta compromisso aos quilombolas do maranhão


Serviço

Mesa Quilombola do Maranhão: Políticas Públicas e Direitos dos Quilombolas

Data: 23 e 24 de setembro de 2010 – São Luís-MA.


Local: Espaço Negro Cosme – Sede do CCN/MA


Organização: CCN-MA e ACONERUQ/MA



APOIO: CESE-BA, ICCO/Holanda, SMDH, Fórum Carajás e Fórum Baixo Parnaíba/MA

http://www.forumcarajas.org.br/

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A EXUBERÂNCIA FISICO-AMBIENTAL DO BAIXO PARNAIBA MARANHENSE



Nem bem se acendeu um fogareiro para assar uma carne ou um peixe, um grupo recém-desembarcado no povoado de São Raimundo, município de Brejo, Baixo Parnaiba maranhense, e os filhos do seu Lourival, pequeno proprietário de terras, acionaram uma temporada de causos a respeito daquela região de Chapadas e Baixões muito tempo antes que os “gaúchos” afivelassem a maior parte das Chapadas para os seus “benditos” plantios de soja.
Regrava-se a conversa com um prato de arroz, fatias de carne de gado, pedaços de peixe Bandeirado e goles de café. Nada comparado aos excessos gastronômicos praticados pelo Damião, segundo Didi, filho mais velho do seu Lourival. Em mais de meia hora, Didi deitara falatório sobre o Damião e suas epopéias curiosas de lavrar a terra, comer em demasia e banhar em cocho.  Provavelmente, nos tempos atuais, poucos se encorajariam com uma história dessas e com um tipo como o Damião. No máximo, ririam de um ou outro detalhe que soasse como inconfessável ou como escabroso.
As epopéias de Damião retratam uma exuberância físico-ambiental do Baixo Parnaiba maranhense que a sociedade dos dias de hoje prescindiu nas suas afetações político-administrativas, em prol de um relativo conforto alimentar proporcionado pela monocultura da soja e suas variáveis domésticas. Tal exuberância físico-ambiental decorria dos imensos babaçuais e bacurizais que arredondavam os Baixões e as Chapadas dos povoados do Pacoti, Boi Morto, Santa Tereza e da comunidade quilombola de Saco das Almas, na qual o povoado de São Raimundo ascende.
Teve uma vez em que Damião percorreu dez quilômetros da propriedade que arrendara em direção a uma comunidade vizinha para transportar só com a força dos braços em sucessivas idas e vindas cofos e mais cofos de arroz, pois se agastara com a demora na entrega por parte de quem lhe vendera. Explicava-se essa força descomunal pela grandeza de comida que ele punha na boca todo dia. Sem pestanejar, teve aquela vez em que, sozinho, o Damião devorou três bacias entaladas de cuscuz de milho até a borda. Pro serviço ficar completo molhou os cuscuzes com mais de dez litros de azeite de babaçu.
Pelos meados do ano de 1974, a família do seu Lourival se viu obrigada a mudar de perto do rio Buriti, onde moravam, para a Chapada fugindo da quantidade impressionante de chuva que caíra naquele ano em todo o Baixo Parnaiba maranhense. Quanta diferença para os últimos invernos no Baixo Parnaiba que nem chegam perto em intensidade. Para as comunidades do Baixo Parnaiba a falta de chuva prejudicou bastante porque quebrou a safra de arroz. Um plantou um hectare. Outro plantou três hectares. O que deu, deu muito pouco para sustentar uma família. Na casa do seu Lourival, o arroz que se comia fora armazenado havia dois anos.
Mayron Régis, assessor Fórum Carajás

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Cerrado já perdeu mais da metade da vegetação original

O novo plano de combate ao desmatamento do Cerrado, lançado ontem (15) pelo governo, tem a difícil missão de frear a destruição de um dos biomas mais ameaçados do país. Com um ritmo de devastação de 14 mil quilômetros quadrados por ano, o Cerrado já perdeu quase metade de sua vegetação original.

O bioma, que ocupa 22% do território brasileiro, já perdeu quase 1 milhão de quilômetros quadrados, cerca de 48% de sua cobertura total. Somente entre 2002 e 2008, foram desmatados 85.075 quilômetros quadrados, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente.


O desmatamento recente no Cerrado está concentrado no oeste da Bahia – na divisa com Goiás e o Tocantins – e no norte de Mato Grosso. As áreas coincidem com as regiões produtoras de grãos e de carvão.


Em todo o bioma, a expansão das lavouras de cana-de-açúcar e de soja, além da produção de carvão e das queimadas (naturais ou provocadas), são os principais fatores de desmatamento. A pecuária também tem contribuição significativa para a destruição do Cerrado, principalmente por causa do modelo de produção extensivo, que chega a destinar mais de um hectare para cada boi.

A devastação do Cerrado também ameaça a oferta de recursos hídricos do país. Considerado “a caixa dá água do Brasil”, o bioma concentra as nascentes das bacias hidrográficas do São Francisco Araguaia-Tocantins e do Paraná-Paraguai.


A proteção do bioma é estratégica para que o governo brasileiro consiga cumprir as metas assumidas internacionalmente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa do país entre 36,1% e 38,9% até 2020.


Por: Luana Lourenço- Agência Brasil
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Código Florestal: Revisão sem volta

Imagem 01: Rio Preto em Bonsucesso/Mata Roma/MA ( Foto: Arquivo Fórum Carajás)

Se for aprovada em sua forma atual, a revisão do Código Florestal brasileiro, em votação no Congresso Nacional, poderá levar a perdas irreversíveis na biodiversidade tropical, alertam cientistas em carta publicada na edição atual da revista Science.



Intitulada Perda de biodiversidade sem volta, a carta tem autoria de Fernanda Michalski, professora do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical da Universidade Federal do Amapá, Darren Norris, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.


Na carta, os pesquisadores apontam que as propriedades privadas correspondem a 39% do território brasileiro e representam um componente essencial para a conservação da biodiversidade florestal, à parte das áreas protegidas formalmente.

Mas os “interesses de curto prazo de poderosos grupos econômicos, influentes proprietários de terra e políticos, ao diluir o Código Florestal, ignoram o valor das florestas privadas para a conservação”, segundo eles.


De acordo com Fernanda, a manifestação é um complemento à carta publicada na Science no dia 16 de julho, por pesquisadores ligados ao Programa Biota-FAPESP, com o título Legislação brasileira: retrocesso em velocidade máxima?. Segundo ela, o objetivo foi colocar em evidência a modificação do código relacionada à redução de área das Áreas de Proteção Permanente (APP).


“A Science abre espaço para que possamos reforçar comentários feitos em edições anteriores. Quisemos fazer isso para enfatizar um pouco mais o problema diretamente ligado à redução das áreas de APP, que está sendo levantado na proposta de reforma do Código Florestal”, disse à Agência FAPESP.


Professora do Departamento de Ecologia da Unesp até o fim do primeiro semestre de 2010, Fernanda concluiu seu doutorado em 2007, na Universidade de East Anglia, sob orientação de Peres, e realizou pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP), com Bolsa da FAPESP.


“Parte do meu pós-doutorado correspondeu exatamente à avaliação do uso de áreas de APP por vertebrados de médio e grande porte. A partir dos dados obtidos nessa pesquisa achamos relevante destacar esse tópico no contexto da reforma do Código Florestal”, destacou.


A carta enviada em julho pelos pesquisadores do Biota-FAPESP apontava que as novas regras do Código Florestal reduziriam a restauração obrigatória de vegetação nativa ilegalmente desmatada desde 1965. Com isso, as emissões de dióxido de carbono poderão aumentar substancialmente e, a partir de simples análises da relação espécies-área, “é possível prever a extinção de mais de 100 mil espécies, uma perda massiva que invalidará qualquer comprometimento com a conservação da biodiversidade”, segundo eles.


O texto foi assinado por Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da USP, Thomas Lewinsohn, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciano Verdade e Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp.


Efeito de borda


A carta publicada na edição atual da revista científica norte-americana afirma que a reforma da legislação irá “efetivamente condenar remanescentes florestais e a rebrota em terras privadas no maior país tropical da Terra”.

Segundo Fernanda, o texto reforça uma questão levantada na manifestação anterior, relacionada a um possível aumento do “efeito de borda” - uma alteração na estrutura, na composição ou na abundância de espécies na parte marginal de um fragmento florestal que acaba tendo impactos sobre a fauna e flora de toda a região.


“O efeito de borda se manifesta à medida que a permeabilidade da matriz aumenta e cria uma série de efeitos adversos para a flora e para a fauna. Mas, além disso, nossas pesquisas revelaram um outro dado importante que merecia ser destacado: quando a área de proteção é reduzida a menos de 50 metros de cada lado da APP, o resultado é um aumento considerável na mortalidade das árvores”, afirmou.


Os cientistas brasileiros alertam que, com as modificações propostas na legislação, a redução das áreas de proteção deverá provocar mudanças nas características da paisagem que reduzirão a capacidade da floresta para reter e conectar espécies, ou para manter a qualidade dos corpos d’água.


Segundo o texto, os proprietários rurais que cumprirem a nova legislação aumentarão a fragmentação da paisagem e reduzirão o valor das suas propriedades, por conta da erosão do solo e pela má regulação de captação de água nas bacias hidrográficas.


Mas ainda é possível ter esperança: “a comunidade científica e ambiental, as organizações não governamentais e o Ministério do Meio Ambiente ainda podem se conciliar com os defensores da reforma do Código Florestal”, ressaltam os autores.


“Para isso, será preciso melhorar a comunicação entre os segmentos da sociedade, desenvolvendo alternativas de gestão inteligente do uso do solo na matriz agropecuária existente e evitando, com isso, a expansão de novas fronteiras de desmatamento”, afirmam.


O artigo No Return from Biodiversity Loss (doi: 10.1126/science.329.5997.1282-a), de Fernanda Michalski, Darren Norris, and Carlos A. Peres, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org/cgi/content/full/329/5997/1282-a.
 
Por: Fábio de Castro, da Agência FAPESP
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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Triste Cerrado

Bioma que tem dia comemorado em 11 de setembro tem pouco a festejar


O Cerrado é hoje um dos biomas mais ameaçados do Brasil. Mas parece que não adianta falar de sua riqueza e importância. Os apelos não ecoam numa atitude de preservação. Muito pelo contrário. Segundo o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado, chamado de PPCerrado, foi diagnosticado que a região Oeste da Bahia é uma das áreas mais vulneráveis.



A contar pelo último balanço feito pelo Ibama em Barreiras, na primeira semana deste mês, o saldo é de doer. Foram feitas 137 autuações, sendo 26 delas relacionadas ao Cadastro Técnico Federal (R$ 1,1 milhão), 25 ao controle ambiental (R$ 11,8 milhões), 16 à fauna (R$ 101 mil), 64 à flora (R$ 37,9 milhões), e seis à pesca (R$ 12,9 mil). Total em multas: R$ 50,9 milhões.

E fica a pergunta: o dinheiro reparará o bioma? Parte das operações foi rotineira e outra já prevista no Planejamento Nacional Anual de Proteção Ambiental - PNAPA. Os principais setores produtivos responsáveis pelas causas do desmatamento no Cerrado são bem conhecidos: a pecuária, a soja, o carvão vegetal e a cana-de-açúcar. A solução, passa, inevitavelmente, por estabelecer políticas que cheguem antes da destruição.
 
Por: Ibama/MMA
http://eptv.globo.com

domingo, 12 de setembro de 2010

Oficina de Justiça Climática debate conseqüências da crise do clima para as populações tradicionais

Entre os dias 25,26 e 27 de agosto, o Terramar realizou em parceria com as instituições do nordeste que pertencem ao GT Direito à Terra, Água e Território da Aliança Icco, uma oficina de formação e partilha sobre justiça climática. Confira aqui como foram os debates e a participação de representantes das populações tradicionais do cerrado, da caatinga e da Zona Costeira.


A Oficina de Justiça Climática no Nordeste, realizada nos dias 25, 26 e 27 de agosto na Prainha do Canto Verde reuniu cerca de quarenta representantes do GT DTAT Direito à Terra, Água e Território formado pela Organização Intereclesiástica de Cooperação para o Desenvolvimento (ICCO) e por um grupo de 14 organizações no Brasil. A finalidade foi perceber como os impactos decorrentes das mudanças climáticas no mundo interferem nos territórios das populações tradicionais da Zona Costeira, Semi árido e Cerrado.


A abertura promovida no Centro de Formação Frei Humberto do MST, contou com a participação de Jean Pierre Leroy, educador e ambientalista que falou sobre a discussão da crise climática no âmbito macro político e a dificuldade do debate chegar ao conhecimento das comunidades de forma efetiva. Ainda na abertura, o Fórum de Defesa da Zona Costeira do Ceará FDZCC apresentou a reformulação do Portal do Mar, construído de forma coletiva, com o propósito de servir como ferramenta de monitoramento e denúncia da violação de direitos vivida pelas populações da Zona Costeira.

A oficina continuou na Prainha do Canto Verde, a partir de uma roda de conversa com Marcelo Calazans, sociólogo e pesquisador da FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional) que problematizou sobre as políticas de compensação ambiental debatidas pelas grandes conferências do clima. À tarde, os participantes formaram grupos de trabalhos abordando os biomas Zona Costeira, Caatinga e Cerrado. A proposta foi cada grupo relatar de que forma eles percebem as mudanças climáticas em sua região.

A iniciativa de realização da Oficina possuiu caráter de formação. Por se tratar de um tema que impacta diretamente as populações tradicionais, mas que geralmente é apresentado por meio de uma linguagem inacessível, principalmente quando o assunto são as negociações travadas nas instâncias oficiais sobre as mudanças do clima. Todas/os puderam participar do processo de aprendizado desde a introdução até as questões mais complexas que envolvem as questões socioambientais sobre o clima mundial, fazendo um paralelo com realidade vivida em seus territórios.


Os depoimentos dos participantes dos estados do Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas juntamente com o Ceará, evidenciaram como o Nordeste é uma região fortemente atingida pelos mecanismos de produção capitalista, apoiado no discurso da modernidade e tecnologia, se utiliza de práticas perversas para sua manutenção, desrespeitando assim o meio ambiente e os direitos dos povos tradicionais.

No último dia, Raquel Rigotto, médica do Núcleo Tramas da Universidade Federal do Ceará - UFC sistematizou as experiências das comunidades, fazendo uma ponte entre o saber popular e o científico. Como encaminhamento da oficina, todos contribuíram para a elaboração do documento público: Carta do Canto Verde sobre Justiça Climática no Nordeste - Afirmação dos territórios das comunidades tradicionais como estratégia para enfrentamento à crise climática.


O encerramento do encontro, como não podia deixar de ser, aconteceu ao som e dança de muita ciranda.

Por: Terramar

www.terramar.org.br

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

OFICINA MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA RESEX PRAINHA DO CANTO VERDE, ESTADO DO CEARÁ





A expressão “bater fofo”, na gíria urbana de São Luis, capital do estado do Maranhão, diz respeito a um tapa que uma criança descreve com uma das mãos sobre um monte de figurinhas para que elas mostrem suas faces verdadeiras. Quem desvira mais figuras ganha a partida. Ela também é bastante utilizada quando alguém descumpre com um acerto firmado anteriormente por razões inexistentes ou imprecisas.
Simplesmente, a humanidade “bate fofo” ao vilanizar o processo de mudanças climáticas como uma forma de amedrontar os “verdadeiros” culpados pela emissão de gases do efeito estufa. Quem realmente começou com e aonde realmente começaram as mudanças climáticas?   Vá saber, alguém diria.
Acontece que, para quem está no vórtice das decisões e das discussões, obter uma resposta, ou mesmo várias, torna-se fundamental à medida que a temperatura no planeta Terra aumenta.    “A vilanização das mudanças climáticas” se dedica ao mesmo repertório de vilanizações que a humanidade sufragou ao longo da história. Bastaria que a produção de alimentos caísse para que se suspeitasse da presença do demônio e da falta de Deus no lugar.
Ao longo da história, a vilanização bate seu ponto “religiosamente” no inconsciente coletivo a fim de que os donos do poder desconversem sobre as razões naturais e humanas das crises sócio-ambientais que arrastam boa parte da humanidade.  Como em outras épocas e de acordo com o sobe-e-desce da gangorra das emoções humanas, o Estado alista um pequeno exercito de imponderabilidades como se fossem capazes de solucionar, em curto espaço de tempo, as mudanças climáticas de séculos atrás como bem ou mal o faz um médico que consulta um doente e receita o remédio para os sintomas sem se debruçar sobre as causas e sobre o histórico do paciente.
Na verdade, a humanidade vê a natureza, desde a idade média, como um espetáculo de eventos suscetíveis ao maligno e que ocasionam malignidades na espécie humana. Quando se generaliza um fato, este draga com sua corpulência uma série de elementos que possibilitaram o seu crescimento. O processo de mudanças climáticas não é um fato novo e nem atingirá a todos como um corpo só, que nem alardeiam uns.
Para os povos e comunidades tradicionais reunidos na “Oficina Justiça Climática no Nordeste: afirmação dos territórios tradicionais como estratégia para o enfrentamento da crise climática” em plena reserva extrativista Prainha do Canto Verde, município de Beberibe, estado do Ceará, o tema das mudanças climáticas não pode ser como um quadro branco no qual se vai tentando riscar novas teorias para fatos já muito bem conhecidos.
As mudanças climáticas impactam diretamente os seus espaços territoriais e suas vidas cotidianas e, portanto, não é um debate que se encerra apenas no campo da ciência e da macropolitica. Ele se insere dentro de toda uma gama de territórios étnico-ambientais nos quais comunidades quilombolas, agroextrativistas e indígenas se circunscreveram e se circunscrevem por mais de um século.
Os governos e os cientistas “fazem arte” com o tema e com a consciência humana, pois “vendem” uma idéia de que o clima endoidou de uma hora para outra em função da emissão de gases do efeito estufa que se iniciou no final do século XIX e que nos séculos XX e XXI alcançou seu ápice. A partir dessa premissa, a simples diminuição dos gases do efeito estufa na atmosfera resolveria o problema do aquecimento global e isso se obteria com eficiência em todos os campos produtivos. Encontra-se a raiz do problema mais abaixo e mais alargada do que se supõe e do que anseiam alguns.
A inscrição do processo de mudanças climáticas nos seus territórios étnico-ambientais permite às comunidades tradicionais relutarem em acatar quaisquer visões cientificas ou não que enfeixem a discussão e as propostas numa direção única e numa temporalidade exacerbada. Os modos de vida desses povos e comunidades nos territórios étnico-ambientais, em diferentes biomas como a Zona Costeira, a Caatinga e o Cerrado e outros, possibilitou um manejo dos recursos naturais que integra sociedade e natureza de forma que as temporalidades sócio-econômicas de um não aniquilem as temporalidades físico-ambientais do outro.
Mayron Régis, assessor Fórum Carajás