sexta-feira, 6 de junho de 2025
senhor silva
O senhor Silva e um brejeiro. Ele se move pelas veredas com rapidez e agilidade. Ia bem a frente enquanto os outros iam vacilantes mais atrás. De uma hora para outra, o solo encharcou. Os pés grudaram no solo e saiam enlameados. O senhor Silva queria mostrar uma das cabeceiras do rio Magu, um dos afluentes do rio Parnaíba. Na noite anterior, chovera e a água da chuva molhou o solo e a molhadeira interagiu com a umidade natural da vegetação rasteira. A não ser o seu Silva, os outros andavam inseguros pelas áreas embrejadas. Atrapalhavam se como crianças com poucos meses de vida que aprendiam a andar. E tal qual crianças crescidas obedeciam o mais velho que apontava o caminho em direção uma das cabeceiras do rio Magu. "Ta bom seu Silva". "Ta bom, nada. Vocês não queriam ver água? Pois vamos vê lá". A área por onde se mexiam havia sido cercada como forma de proteger a cabeceira do rio Magu. O povoado Cabeceiras do Magu e um dos últimos povoados do município de Santana do Maranhão e extrema com Santa Quitéria. Quem tiver no povoado pode sair para Onça, Vertentes e outros povoados de Santa Quitéria. O cerrado dessa região difere de outros cerrados do baixo Parnaíba maranhense por ser regido pela secura enquanto os demais são regidos pela umidade vinda da amazonia. O bacuri que e uma espécie amazônica inserida no Cerrado foi quase extinto dessa região pelos desmatamentos provocados pelo agronegócio do caju eucalipto soja e capim. Áreas de cerrado foram transferidas (legalmente ou ilegalmente?) para o agronegócio nos anos 80 e 90. Por isso, quando perguntados se naquela chapada havia bacuri o seu Silva e sua família responderam muito pouco.
tamarino
O tamarino prega peças no senso comum do ser humano. Tinha tudo para ser uma fruta antipatizada e pouco lembrada entre as frutas nativas do Maranhão. Por conta da azedura do sabor e da aparência da fruta. Se alguém perguntasse sobre o sabor responderia "e azedo". Se alguém perguntasse da aparência responderia "estranha". O tamarino compõe parte das lembranças obtidas durante as férias de julho no município de Governador Eugênio Barros centro leste maranhense. Jogo de bola embaixo do tamarineiro e de outras árvores e para merendar tamarino sal pimenta de cheiro e vinagre. Coisa de criança que não tinham o que fazer e o que merendar. Coisa mais de meninos que desafiavam o padrão alimentar instituído. Descrever o formato e o gosto do tamarindo requer competência. Requer recursos literários e imageticos comparáveis aos de Guimarães rosa em grande sertão veredas que descreveu o Cerrado e que elevou o Buritizeiro as alturas de personagem literário. Quem sabe o tamarineiro tenha sorte e algum escritor se proponha a enaltece lo literariamente e ecologicamente. Porque o tamarineiro nos anos 80 exerceu uma função destacada na fisionomia da zona rural do Maranhão. Ainda exerce. Em uma viagem pelos povoados de Santana do Maranhão, baixo Parnaíba maranhense, Maria dos Reis celebrava com prazer cada tamarineiro visto a beira da estrada.
memorias
O indivíduo para crescer e tornar se um cidadão pede empréstimos financeiros de acordo com suas necessidades. A criança o adolescente e o jovem não pedem empréstimos financeiros e sim empréstimos subjetivos. Empréstimos de memórias, empréstimos de experiências e empréstimos de desejos/sonhos. Não há nada nessa vida que seja totalmente de alguém. Tudo que o adulto se tornou ele tomou emprestado da criança que fora e dos adultos com quem convivia. A memória do adulto passa pela memória da criança que lia qualquer livro/revista que caísse ou pusessem em suas mãos. "As memórias passam" e uma maneira de escrever que as memórias se movimentam a todo momento. O ato de escrever e uma tentativa de apreender alguns segundos dessas memórias. O que ele se lembrava do município de Santana, baixo Parnaíba maranhense? Que não havia soja nos limites do município mas por outro lado vários conhecidos de Santa Quitéria diziam que na zona de interseção entre os dois municípios uma área fora destinada para o agronegócio da soja. Bem próximo as cabeceiras do rio Magu, um dos afluentes do rio Parnaíba. O rio Magu não e um rio uniforme. E um rio sinuoso. Cheio de braços. Cercado por diversas porcoes de buritizeiros e acaizeiros. As raízes dessas duas espécies permanecem na superfície portanto debaixo das raízes avolumam se grandes quantidades de água. Cortar buritizeiros e acaizeiros faz com que a água não veja mais motivos para continuar a convivência com aquela terra. Tem se relatos de que buritizeiros vivem mais de 500 anos sobre as águas do Cerrado. Eles são as memórias das águas desse bioma.
o triunfo da razão
Nos livros, querendo ou não querendo, a razão sempre triunfa. Não a razão do autor, o que ele acredita. Uma razão anterior a do autor. Em todos os livros de mistério, espionagem, detetive, policial, descobre se a identidade do criminoso e as razões do crime. Numa situação normal, dificilmente se descobriria a identidade do criminoso e mais difícil ainda se descobriria as motivações. Escreva uma história e não adentre todos os recintos para ver o que acontece? Simplesmente a casa terá sinais de abandono ou de envelhecimento precoce. Uma casa tem vários quartos, tem vários banheiros, várias estantes, vários armários, várias mesas, vários copos, guarda roupas, sofás cadeiras tantas tvs tantos rádios e etc. Uma casa nunca será igual a outra por mais semelhanças tenham. As pessoas moram numa casa há muito tempo. Bote tempo nisso. Não vêem o tempo passar. Um tempo que não dão conta. Ah! a casa tenta manter o tempo a vista. Mantém relógios pelas paredes. Um relógio que pode ser visto do corredor central. Um relógio que pode ser visto da cozinha. Coma e conte o tempo. As horas são imprescindíveis para a história. A hora de acordar. A hora de rezar. A hora de dormir. A hora que abastece a xícara com café. A hora de abraçar. A hora de acender o fogo. A hora de molhar as plantas. A hora de ler o jornal. A hora que se foi. Uma hora a pessoa vai decidir o que realmente quer fazer da vida. Ela vai entrar em todos os recintos? Pedir licença e deixar os sapatos na soleira da porta? Vai varrer? Vai beber café? Juntar o lixo? Arrumar a cama? Não saberia explicar os porquês desta história. Era para ser uma história sobre o triunfo da razão. De onde veio essa ideia? E difícil contar uma história ou contar várias versões de uma história. Como também e difícil cuidar de uma casa, dos móveis, dos recintos, dos livros e das pessoas.
longe demais
"longe demais das capitais" cantava a banda gaúcha Engenheiros do Hawaii lá pelos anos 80. "Longe demais pra ir andando/Recife e São Paulo" cantava nos anos 90 Marmelo Sound System e Los sebosos postiços, projeto paralelo de integrantes da banda pernambucana Nação zumbi, que planejava gravar músicas de Jorge Ben. Na primeira música, uma visão melancólica e ressentida de uma cultura que se sentia totalmente afastada dos grandes centros. Na segunda música, uma visão debochada e periférica de culturas que se admiravam mas também se negavam. Em 1996, quando o mangue beat comecou a despontar no cenário musical brasileiro, com várias pernambucanas gravando disco/cd/clipes e fazendo shows em festivais pelo Brasil afora, mais quem queria botar o pé em Recife e bater o ponto na cultura musical. Comprar ingressos para o Abril pro rock, um dos principais festivais de música alternativa. Em um caderno de cultura de um dos principais jornais da ilha de São Luís, um release elencava algumas bandas que tocariam no abril pro rock de 1996. O mestre Ambrósio, que acabara de gravar e distribuir seu cd de estreia, era divulgado como uma banda de forro. Sim Alceu Valença e tantos outros haviam feito fusão de ritmos regionais com rock nos anos 70 mas estes anos pareciam ultrapassados. Os anos 90 retomavam construções estético culturais de anos esquecidos e bombardeados pelos anos 80. Isso soava inacreditável e por isso instigante. Afinal, dava vontade de viajar para Recife mesmo sendo longe demais para ir andando
paulinho da viola
O último cd de Paulinho da viola saiu no ano de 1996. Intitulado Bêbadosamba após um hiato de oito anos. Volte oito anos. O disco anterior, ainda não havia cd, data de 1988, eu canto samba. Os críticos se questionavam o porquê da demora de Paulinho em gravar novas músicas. Gravou se Bêbadosamba e Paulinho da Viola não grava músicas novas há inacreditáveis 29 anos.A não ser uns apaixonados pela sua obra, ninguém mais pergunta quando será o próximo cd. A nação zumbi se tornou referência para muitos em termos de música pop MPB rock música de vanguarda e já tem 11 anos que não lança um cd novo, só lançando cds de regravações de músicas de seus compositores favoritos como Jorge Ben através do projeto paralelo Los sebosos postiços. Daria para fazer um questionamento parecido. Tanto no caso de Paulino como no caso da Nação zumbi o que se salienta e que os mais velhos não querem mais saber de compor e gravar músicas novas. E bem provável que a lacuna entre os discos dos anos 80 e o Bêbado Samba de 96 derive da percepção de Paulinho da viola de que para o mercado fonográfico a música que cantava perdera o valor e a perdera a atualidade. Curiosamente, Bêbado Samba foi e e um tremendo sucesso. Peça uma música de Paulinho e a primeira a ser lembrada e Bêbado Samba que dá nome ao cd. Nessa música Paulinho explica os porquês de um certo auto exílio vivido no final dos anos 80 e metade dos anos 90. "Não sou eu quem me navega/ quem me navega e o mar". O mar representa o samba na obra de Paulinho da viola. O samba tradicional se tornou indiferente para o mercado e os consumidores portanto o samba de Paulinho também se tornou indiferente. Melhor dar um tempo e voltar na hora que sentirem falta. " Timoneiro nunca fui/que não sou de velejar". O consumidor e o mercado sempre esperam que o músico se torne uma referência político social. Paulinho da Viola nunca se comportou como velejador. Aquele tipo que vai uma hora ou outra velejar em seu barco. Paulinho da viola está mais para o cara que pesca ( letras e melodias) no fundo do rio ou na beira da mare do que para o cara que navega em alto mar.
praça joao lisboa
A história urbana de São Luís tem como um de seus epicentros a construção da igreja do Carmo no século XVII. Da construção da igreja e do largo vieram outras histórias que as pessoas quase nunca se recordam ou se recordam não tem elementos suficientes para fazer as conexões necessárias com a história atual. Todas as vezes que alguém atravessar a praça João Lisboa vindo da rua do Sol da rua da paz da rua grande da rua do Egito da rua de Nazaré da rua Afonso Pena e da avenida Magalhães de Almeida deveria parar alguns minutos olhar em volta e dedicar se a esses instantes. Quantas vezes esse alguém atravessar e quantas vezes esse alguém deve parar e analisar a praça João Lisboa, o entorno, a história urbana ( de onde vieram os primeiros moradores e como nasceu a cidade), a história do jornalismo e do pensamento intelectual ( estátua de João Lisboa), história das belas artes ( painéis, azulejos, telhados, portões, as frentes das casas e da igreja), a história da diversão (clubes), a história da comunicação (correios e telégrafos), a história dos transportes ( bondes e ônibus), a história da escravidão ( índios, negros, brancos, Pelourinho), história religiosa (igreja do Carmo), história do teatro ( teatro Arthur Azevedo), história da alimentação ( abrigo) história da arquitetura (casarões) e história econômica ( agências bancárias). A praça João Lisboa e a praça central de São Luís. O próprio nome João Lisboa expressa essa centralidade por se tratar de um dos mais importantes intelectuais e jornalistas ludovicenses do século XIX.
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