terça-feira, 30 de novembro de 2021

O mocotó ensina

Os amigos conversavam sobre a possibilidade de um deles viajar a Porto Alegre em fevereiro para fazer uma visita a cidade e ao amigo. Este pedira que marcasse sua ida para depois do di a 10 de fevereiro porque se ocuparia antes desse dia. O maranhense para fechar a conversa brincou com uma frase celebre de Nietzsche que escutara no programa de musica clássica da radio universidade “A vida sem música seria um erro”. Ele trouxe a frase para a realidade maranhense “A vida sem mocotó seria um erro”. O amigo porto alegrense comentou “Aqui em Porto Alegre mocotó é comida de inverno, mas em fevereiro é capaz de achar nos mercados”. Em São Luis, mocotó se come qualquer hora do dia, especialmente de madrugada na saída dos botecos ou de bebedeiras na periferia ou nos subúrbios ludovicenses. A madrugada é o melhor horário para se conhecer uma cidade. Poucas pessoas pelas ruas a não ser claro os insones que batem ponto nos bares que ficam abertos até altas horas. Das vezes que comera mocotó a noite, uma fora no Bairro de Fátima, subúrbio de São Luis, depois de beber algumas cervejas com amigos pela noite adentro. O local do mocotó tão bem falado ficava a alguns metros da feira do BF que nessa hora fechava suas portas, menos claro para o vigia responsável pela segurança do prédio. Quem vendia o mocotó era uma senhora negra (da qual naum se lembrava o nome nem se a vaca tossisse) de extensa idade que passava a noite em claro para atender aqueles que não abriam mão de terminar a noite saboreando a iguaria. Na hora de comer, poucos paravam para pensar o trabalho que dava cozinhar um mocotó, transporta-lo em panelas e vende-lo por toda noite. Perder sono não é fácil e não é para qualquer um. O mocotó ensina que boa comida pode ser servida em qualquer lugar, a qualquer hora (em termos) e por e para qualquer um.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

os desterrados

Sob certo ponto de vista, as comunidades quilombolas cumprem uma pena de prisão em seus próprios territórios, pena determinada pelo Estado que a qualquer hora pode aumentar o numero de anos da pena, nunca diminuir o numero de anos ou abolir a pena. Os negros foram desterrados para o Brasil, vindos da Africa, e o desterramento nunca desapareceu das suas vidas tanto físicas como espirituais. Vide o caso das comunidades quilombolas de Santa Rita, Itapecuru e Anajatuba que vivem á beira dos campos naturais banhados pelo rio Mearim. Numa analogia superficial, os campos naturais seriam como o sertão que Guimarães Rosa escreveu em “Grande Sertão Veredas”: “O Sertão está em toda parte.” Os campos naturais estão por toda parte. Precisa só pegar a estrada e seguir por entre comunidades quilombolas e tradicionais para poder visualizar. À primeira vista, não há nada, nem uma construção, nem um barco navegando, nem um ser vivente, um automóvel. Nada que se possa tocar e ninguém com quem se possa falar. Entretanto, foram nos campos naturais que inúmeras comunidades quilombolas resolveram se desterrar para escapar das perseguições dos fazendeiros e de políticos em outros tempos. Os quilombolas não eram criminosos, mas era como se fossem. E eles foram para bem longe das ameaças achando que nos campos naturais nada poderia ameaça-los. Nem a fome. Recentemente, alguns fatos fizeram com que mudassem essa opinião. A empresa sino portuguesa EDP aterrou vários quilômetros de campos naturais a fim de erguer uma linha de transmissão vinda desde de um complexo eólico no sul do Piaui a fim de distribuir energia para os portos da baia de São Marcos, nove portos para serem construídos ou ampliados. As obras realizadas pelas empresas contratadas pela EDP afugentaram os peixes da beira dos campos naturais e com isso várias comunidades quilombolas e comunidades brancas pobres não pescam mais nenhum peixe em seus açudes. O senhor Raimundo, filho de santo e liderança do quilombo Monge Belo, município de Itapecuru, sinalizou para a importância do peixe para as comunidades quilombolas: “Os peixes nos alimentam e tambem podemos vende-los gerando renda. Por conta do linhão da EDP, as pessoas que antes pescavam 11 quilos não pescam nada.” Dá pra dizer que as comunidades quilombolas foram desterradas em seu próprio território por causa da obra da EDP e com a conivência da Secretaria de Meio ambiente do Estado do Maranhão.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Caxias, a cidade negra

A vida é uma comédia. Essa assertiva se propagou por anos a fios. Luis Fernando Verissimo, escritor porto alegrense, porto alegrense fica bem melhor que gaúcho, publicou “comédia da Vida Privada que aprimora essa ideia da vida ser uma comedia dentro de uma perspectiva pequeno burguesa. O compositor não chega a ser um Luis Fernando Verissimo mas suas musicas são uma verdadeira comédia. O jornalista Cassio Bezerra, que escuta e toca rock, que fique bem claro, classificou as musicas como comedia. Ele citou “Craqudo”, cuja pronuncia leva a pensar na palavra craque. Que engano. “Cracudo” se origina da palavra crack, droga muito consumida nas cidades de todo o Brasil. É bom não entrar em detalhes a respeito da musica. Pode parecer apologia as drogas. Importa a narrativa que depois de escutar a musica a pessoa começa a ver determinados ritmos sob outros pontos de vista. O ponto de vista da comédia do qual o compositor se vale para conquistar o publico. As musicas cujas letras apresentam um conteúdo politico social tendem a afastar o ouvinte que quer se divertir sob qualquer pretexto. O disco “Da lama ao Caos”, da banda pernambucana Chico Science e Nação Zumbi, lançado em 1994, retratava a cidade de Recife como a “cidade do mangue/onde a lama é a insurreição/onde estão os homens caranguejos” com uma base rítmica que variava do maracatu ao rock e a musica eletrônica. As musicas que Chico Science canta não explicitam mas se prestar atenção no conteúdo e no ritmo, a cidade que surge nas letras e na sonoridade é uma cidade negra. Essa definição pode ser replicada para várias cidades brasileiras entre elas a cidade de Caxias, a “princesa do sertão”, município da região dos Cocais maranhense. Cassio Bezerra conversava com Francisca, vice presidente do Inasa, ONG que trabalha com meio ambiente, antes da abertura do encontro de comunidades quilombolas, quando alguém perguntou de onde eram os tambores nos quais eles se encostaram. Os tambores, segundo Francisca, eram provenientes da comunidade quilombola de Zacarias e os quilombolas os tocariam em algum momento do evento. Francisca também falou da dança do Lili que superava qualquer dança em todo o Maranhão. Com essa defesa ardorosa da cultura negra e quilombola, pode-se concluir que Caxias e ciddes vizinhas são cidades negras. Só precisa vasculhar um pouco para que as raízes historicas emerjam.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

As casas despedaçadas

A cena vista a beira da estrada faz recordar outras cenas vistas em outras estradas. Um carro corria pelo acostamento. Parecia mais uma estrada de chão do que um acostamento de uma estrada asfaltada. De onde aquele carro viera, pensara de imediato. E para onde o carro iria, pensou em seguida. De certo que o carro provinha de alguma cidade nas redondezas, mas qual cidade, ele se questionava. E para qual cidade iria. No sertão cearense, pouco provável uma pessoa sair ou mais de uma pessoa saírem de suas casas e pegarem a estrada em direção a um povoado. As casas á beira da estrada se despedaçam sob os efeitos do clima seco da Caatinga. As famílias que moravam nessas casas se mudaram para Fortaleza ou para cidades menores do sertão. Eles adiaram o máximo que puderam, mas com o clima não se brinca e nem ele quer brincadeira. Uma criança que quiser brincar não pode. Um homem que quiser plantar não pode. Uma mãe que quiser cozinhar não pode. Uma família conviver sozinha com a caatinga requer esforços físicos e emocionais que nem todo mundo tem condição de suportar. É bem mais razoável desistir daquela terra e partir para outra.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

O sertão nordestino

A verdade é o que importa. A verdade é o que menos importa. Cada frase corresponde a um lugar, uma hora e um determinado dia. Decide-se uma a outra. E assim a vida foi levando pelo sinal da santa cruz. O dia estava aceso e no caso de certas regiões do nordeste é quase uma redundância. O dia estava aceso e ninguém se lembrou de diminuir a intensidade da luz. “Tu és sócio da empresa de energia?”. O mundo está perto de um apagão energetico e nunca gastou tanta energia. Tudo bem, energia sobra pra tudo quanto é lado. O negócio é saber aproveita-la, reaproveita-la e mais lá o que. O sol estava aceso no sertão nordestino, um pouco pro lado leste piauiense e centro oeste cearense. Uma coisa leva a outra e aoutra não leva a lugar algum. Se você não entendeu, é melhor ficar sem entender. No sertão nordestino a distancia não se mede em quilômetros. Não se mede e a verdade pouco importa e a verdade se desmede. Esse texto talvez seja sobre a verdade talvez seja uma mentira deslavada. Uma em cima a outra por debaixo dos panos. Uma coisa remete a um cigarro aceso. Verdade pos morte. Verdade e mentira. Cesar escreveu “Fui, Vi e Venci”. Incontáveis anos se passaram até essa frase virar historia. Via de regra. Quem venceu o que na luta pelo sertão nordestino? Sobral é uma cidade aconchegante. Um lugar bom de passar alguns minutos. Quem sabe, numa outra oportunidade, passe mais tempo. Olhar por cima e as igrejas solapam a sua verdade interior. Deus está entre nós e o vosso reino será feito A elite cearense, em parte, veio de Sobral. Os Dias Gomes. Não, Dias Gomes foi um escritor de novelas. Os Gomes, Ciro Gomes e irmãos. Eles ansiavam pela modernização do Ceará e do Brasil. Modernizaram o abastecimento de água de Fortaleza. O sertão quase não se fala. Só se vê. Segue-se devendo ao sertão, ano após ano, seca após seca, e quem deve não paga e nem quer pagar. O sertão não cobra. Ele tira.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Os paus ameaçadores da comunidade de Gameleira, municipio de Brejo, Baixo Parnaiba maranhense

A comunidade Gameleira, município de Brejo, Baixo Parnaiba maranhsense, convidou o Padre Chagas para participar de uma conversa que juntaria a comunidade, a diocese de Brejo e o STTR de Brejo. Nos primeiros anos do avanço do agronegócio da soja sobre a região do Baixo Parnaiba maranhense, o município de Brejo foi um dos que mais sofreu impactos advindos desse avanço. Um outro município tão ou mais impactado pela monocultura s asoja na região do Baixo Parnaiba se trata de Buriti, que fica na transição da floresta Amazonica, Cerrado, Caatinga e Babaçual. O edivan, membro da coordenação estadual do MST no Maranhão e morador do povoado Belem, assentamento do Iterma, acredita que entre os municípios de Buriti, Anapurus, Mata Roma e Chapadinha a soja apagou a presença de Cerrado porque a maioria das Chapadas e Baixões foram ocupados, devastados e plantados. Os rios que ziguezagueiam pelo município de Buriti compõe as bacias do rio Munim e do rio Parnaiba. No caso da bacia do rio Munim, o rio Preto e o riacho Feio nascem r crescem por todo o município de Buriti. Cresciam, melhor escrevendo, porque se aterrou a maior parte das nascentes desses afluentes do rio Munim. O Edivan lembrou uma fala da educadora ambiental Delva em que ela insistia que dentro doo planto de soja havia uma nascente. “É o contrário Delva, contraísse edivan”. “Dentro da nascente apareceu um plantio de soja que a devorou ao ponto de faze-la desaparecer”. O que sobrou de Chapada e Baixões intactos no município de Buriti podem ser encontrados nos territórios de comunidades tradicionais e comunidades quilombolas. Esse é o caso da comunidade de Gameleira que assistiu parte da sua Chapada ser devastada pelo sojicultor Gilmar da Masul. Essa devastação é parte do resultado de uma cordo firmado entre a comunidade e o sojicultor que liberou duzentos hectares para os moradores. O acordo favoreceu mais o gaúcho sojicultor que se apropriou de uma Chapada quase toda enquanto a comunidade se contentou com dois décimos dela. Acordo feito de boca Gaucho sojicultor não respeita e foi isso que aconteceu. Gilmar da Masull quis devastar a Chapada restante imaginando que a comunidade não se atreveria a impedir. Os moradores impediram e expulsaram os funcionários do gaúcho sojicultor. A historia da destruição do Cerrado no Baixo Parnaiba é um eterno retorno. Plantadores de soja, grileiros, empresas de eucalipto e advogados atazanam a vida das comunidades ofertando o melhor dos mundos para que elas permitam que ocorra o desmatamento. Na reunião da comunidade de Gameleira com o padre Chagas, o gaúcho sojicultor apareceu e enfeitou a realidade com propostas de projeto e por ai vai. Os moradores de Gameleira se armaram de pau e afinal as mulheres perderam a paciência. “O senhor não é bem-vindo. Tem dez minutos para ir embora, senão...” O gaúcho sojicultor se fez de desentendido e mandou mais enfeites para a comunidade. As mulheres voltaram a carga “Qual parte doa viso o senhor não entendeu? Restam cinco minutos pro senhor ir embora”. Sentindo que a barra pesou, o gaúcho sojicultor disparou pro lado de fora da casa esquecendo documentos sobre a cadeira onde se sentara.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

A roça de mandioca e a chuva vista de longe

O jornalista Ed Wilson pediu a Vicente de Paulo que mostrasse sua roça, afinal não era tão longe que não desse de ir a pé. O Vicente fora a frente e mais atrás iam Ed Wilson e Mayron Régis. O Vicente de Paulo roçara uma pequena área perto de sua casa e nela plantara mandioca que demorava um ano e meio para colher. Ele e e sua família roçavam em áreas próximas porque eles disputavam uma área no fundo de sua propriedade com o Andre Introvini, plantador, que alegava ter comprado essa área. Os três, em sua caminhada, penetravam uma mata de paus pombons em fase de crescimento. O pau pómbo é uma espécie típica do Cerrado que brota assim que se derruba a floresta primária. O que se v~e, então, é o puro pau pombo e aqui e acolá outras espécies como fava danta. O pau pombo serve tanto par virar carvão como serve de madeira de construção. A roça de Vicene de Paulo se incrustara numa Chapada de imensa fertilidade. Depois da colheita de mandioca, os paus pombos se regeneram em três anos ou três anos e meio dando possibilidade do agricultor retornar a essa área caso necessite. Vicente de Paulo mostrava a roça de mandioca a Ed Wilson e mayron Régis com uma ponta de satisfação. Sem roça, ele e a família não produziriam farinha e comprariam mais farinha de outros lugares o que fica mais difícil a cada dia visto que as famílias de Carrnacas e outros povoados de Buriti abandonaram o serviço de plantar colher e tratar a mandioca. Os posseiros e os pequenos proprietários venderam suas Chapadas para os plantadores de soja e não possuem mais áreas para roçar e plantar mandioca e nem criar gado. Vicente de Paulo é um dos poucos que mantiveram a tradição de roçar e plantar mandioca. Nuvens de chuva se preparavam para cair aonde eles estavam, assim parecia a Mayron Régis. ”Vicente, essa chuva tá com cara de que vai cair sobre nós. Exatamente, onde ela se localiza, nesse momento?” ”Ela ultrapassa Duque Bacelar”. Longe. Elas davam a sensação de que um desavisado tocaria nelas com as mãos caso quisesse.

domingo, 14 de novembro de 2021

A intimação tosca da policia civil de Buriti

Uma coisa que a pessoa aprende ao longo da vida é que nem tudo que ela deseja pode ter. não obstante essa assertiva, algumas pessoas creem que o mundo real é um anexo das suas subjetividades. Então, bastariam desejar que o mundo se renderia aos seus anseios. Um mundo que existe apenas para a satisfação de um ou de outro aos poucos mergulha na realidade de algo que existe somente na subjetividade e cada pessoa vive a sua subjetividade porque uma subjetividade não é igual a outra. A existência humana é desigual tanto n materialidade quanto na subjetividade. Se uma materialidade ou uma subjetividade prepondera em relação a outra materialidade ou outra subjetividade a sociedade viverá o exagero da desigualdade só que no caso da subjetividade não há parâmetros para tornar essa desigualdade menos desigual. No mundo capitalista onde a desigualdade econômica e social é premissa para o desenvolvimento da economia, a desigualdade na subjetividade é vista com normalidade. O meu desejo é maior que o seu portanto farei o possível e o impossível para torna-lo real e aprisionar as demais realidades. Alguém pode desativar uma estrada consolidada há anos e que atende várias coletividades e muda-la de lugar com intuito de favorecer os seus empreendimentos empresariais? Alguém pode impedir um agricultor familiar de roçar algo que ele pratica por várias décadas e que é fundamental pra garantir a sua alimentação e de sua familia? Alguém pode usar o aparato policial para intimidar um agricultor familiar que não quer mais nada a não ser roçar um terreno de um hectare? Todas as três perguntas partem da hipótese de que alguém não especificado pode intervir na realidade e na sociedade de uma forma capaz de mudar a realidade concreta e histórica para satisfazer a sua subjetividade. O alguém não especificado atende pelo nome de Andre Introvini e ele simplesmente desativou a estrada por onde a comunidade de Brejão se movimentava e construiu uma estrada nova que passa por uma área onde pretende plantar soja. As duas ultimas perguntas se cruzam: o Andre Introvini quer impedir que o senhor Ferrerionha plante sua roça numa área próxima a sua casa e como ele pretende conseguir isso? Ele pediu a policia de Buriti que intimasse o senhor Ferreirinha a delegacia de policia e respondesse as perguntas feitas pelo delegado. O Andre Introvini com isso quer inviabilizar a vida do seu Ferreirinha e de sua família de um jeito que eles se mudarão do seu terreno no povoado Brejão. A intimação feita pela policia de Buriti foi tão tosca que erraram o nome do povoado, Brejinho no lugar de Brejão, e escreveram Ferreirinha na parte que escreve o nome completo. O seu Ferreirinha poderia nem ir visto a tamanha barbeiragem policial. Ele para não parecer desrespeitoso atendeu a intimação e levou junto as comunidades de Araça, Belem e Brejinho. Se fosse sozinho, o senhor Ferreirinha seria presa fácil para a policia de Buriti.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Jabiraca

Incontáveis vezes escutara o nome jabiraca. Coincidência ou não, o termo parecia vinculado a região da baixada maranhense. Sempre que viajava com um amigo este ia aos mercados dos municípios onde dormiam para descobrir um comerciante que vendesse jabiraca. Para não passar vergonha, fingia saber o que era jabiraca. Algo relacionado com peixe e peixe de água doce, presumia. Toda a vez que o amigo entrava em algum mercado, ele matutava o que diabo vinha a ser jabiraca. A baixada ocidental maranhense, diferente de outras regiões do Maranhão, excetuando a baixada oriental maranhense, parece um reino aquático de tanta água que se vê. Ou se sentir. A água pode ser invisível aos olhares desatentos, mas ela passeia por debaixo do solo a grandes distancias. As comunidades quilombolas e indígenas mataram sua fome graças aos peixes de água doce que pescavam nos campos naturais que ocupam parte do relevo da baixada. Em tantas viagens, um dia pararam na comunidade quilombola de Ramal, município de Bequimão, e pediram qualquer coisa para comer no bar do João, quilombola e jovem agricultor. A mãe trouxe de entrada um sarrabulho, que são as vísceras do porco cozidas envoltas em um molho bem grosso. O que realmente abriu o apetite: peixe traira seco conservado em sal. O peixe de água doce que os pais de João pescavam nos campos naturais localizados na comunidade quilombola vizinha, Mafra. Não se envergonharam e comeram bem as trairas secas e salgadas. Finalmente provou a jabiraca e pode expressar o sentido da palavra: peixe de agua doce seco e salgado. Em quantos momentos da vida dos familiares de João, essa era a única comida a se botar na mesa para almoçar ou, quem sabe, botar em cima da mesa para as visitas provarem? E pensar que por conta do processo de urbanização e de aglomeração que arrebata as comunidades quilombolas, os mais jovens evitam comer os peixes de agua doce e passam a comer mais carne de gado, porco e frango. As pessoas que comem menos peixe de agua doce e mais carne de outros animais tendem a perder seus vínculos com a água e com os espaços físicos onde os peixes podem ser encontrados e pescados. Projetos como a construção da rodovia e de uma ponte que ligarão Bequimão a Central do Maranhão causam impactos ambientais mas causam impactos sobretudo ao modo de vida das comunidades quilombolas que por décadas sobreviveram comendo peixe, farinha, arroz e babaçu.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Dois medrosos e um governo descomprometido

O que contar primeiro? Para cativar o leitor, melhor contar primeiro o caso engraçado porque em seguida vem o susto. Quem lê engraçado vai logo pensar em comédia e quem lê susto pode pensar em um suspense ou uma historia de terror. O leitor entende como bem quiser. Cabe ao escritor escolher as palavras e enquadra-las da melhor forma. A primeira historia não é uma comédia e sim uma mescla de historia de valorização da cultura em que se pode rir. A comunidade quilombola de Ariquipa, município de Bequimão, recebeu uma das etapas do projeto desenvolvido pelo Moqbeq, movimento quilombola de Bequimão, com apoio do Fundo Socio Ambiental Casa. A abertura da atividade seria feita por dona Beatriz, mãe de santo de um terreiro de tambor de crioula. O convite da organização prestigiava dona Beatriz pe4la posição que ocupava dentro da comunidade de Ariquipa e prestigiava as religiões de matriz afro que sofrem discriminações da parte de setores religiosos conservadores. A convivência com o diferente requer sensibilidade e desprendimento, qualidades que faltam em momentos cruciais. Dona Beatriz saudava os participantes do evento como boa anfitriã. Ao finalizar sua saudação, Dona Beatriz incorpora uma entidade. Nada mais natural, afinal ela é uma mãe santa. A entidade se comunicou com a organização através de Dona Beatriz: “Quem são vocês e o que fazem aqui?” Um disse: “Vai la.””Vai tu”. Os dois ficaram empurrando a obrigação um para outro até que uma hora um deles teve coragem e respondeu a entidade. Bem, eles esqueceram de pedir permissão as entidades presentes no terreiro de mãe Beatriz para a realização da atividade e a cobrança veio alto e bom som. Se você responder direito e quem sabe lhes dar algo que seja agradável, elas se aquietam. As entidades desconfiam daqueles que desrespeitam as tradições que a mãe Beatriz é uma das responsáveis por mante. Deve ter sido difícil para os participantes do evento ouvirem a voz da entidade que difere e muito da voz da mãe de santo. Não é só a voz dos espíritos, é a voz da mata, das águas e do ar, ou seja, da natureza que os espíritos lutam para que se preserve. O governo do Maranhão, nos últimos meses, faz um esforço considerável para acordar as entidades que vivem nas matas das comunidades de Ramal de Quindiua, Santa Rita, Mafra e São Sebastião por conta da construção de uma estrada e de uma ponte que facilitarão o tráfego entre Bequimão e Cedral. Do ponto de vista legal, a obra está completamente irregular porque antes do inicio da obra o governo do Maranhão não consultou as comunidades quilombolas cujos territórios foram impactados pelas obras da rodovia. Só depois que os quilombolas impediram o acesso dos trabalhadores aos canteiros de obras foi que o governo do Maranhão, através da secretaria de direitos humanos e da secretaria de igualdade racial, sentou com os quilombolas para ouvir suas reivindicações. E uma dessas reivindicações e a regularização fundiária das comunidades afetadas pela rodovia e pela ponte. O governo se comprometeu com as demandas para atender rapidamente. Os quilombolas aguardaram o máximo que puderam sem que o governo atendesse o acordado. Não tiveram outra escolha: fecharam outra vez o ramal. As secretarias de direitos humanos e de igualdade racial se viram obrigadas a retornarem as conversações com as comunidades quilombolas para que o cronograma das duas obras não atrasasse o maior temor dos políticos. Parece que dessa vez a regularização fundiária das comunidades quilombolas de Ramal de Quindiua, Santa Rita e Mafra se desenroscca porque compõem um pacote anunciado pelo governo de regularizar os territorios de 30 comunidades quilombolas de todo o Maranhão. Será que vai?

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

A Curica e a Onça

Dava vontade de pegar tudo o que via pela frente. Não tinha como, claro. As mãos mal conseguiam carregar um lápis e uma borracha. Ora, se não é possível carregar com as mãos, pode-se, entretanto, escreve-las e escrever sobre elas. O senhor Edivaldo, presidente da associação de moradores do povoado quilombola de Jacarezinho, propôs que eles fizessem uma visita a comunidade Curica. “Para chegar lá, vai pelo Jacarezinho?”. ”Fica muito longe. O senhor conhece a comunidade Alegre que fica na beira da pista?”. “Sim, conheço.”. “Da comunidade Alegre para a comunidade Curica é perto”. “Podemos fazer assim. O senhor nos espera no Alegre e de lá vamos juntos para o Curica”. O senhor Edivaldo assessora a comunidade de Curica e tratou com a direção desta associação dos projetos que o Fórum Carajás tinha a oferecer a comunidade como projetos de criação de animais. “O senhor não deve andar sozinho por aí, seu Edivaldo”. “Sim. Eu sei disso. Informaram-me que um grupo está de olho em mim”. “um grupo ligado aos plantadores de soja paraguaios?”. “ Não só. Um grupo misturado que visa me eliminar”. O senhor Edivaldo, enquanto presidente da associação de Jacarezinho, luta para q eu os moradores não aceitem acordos com plantadores de soja. Terminada essa parte da conversa com o seu Edivaldo, ele refletiu sobre o nome Curica da comunidade que visitaria. Curica tanto pode ser o nome de uma ave da fauna nativa como o nome dado a uma brincadeira em que crianças, jovens e adultos empinam um artefato feito de papel. No dia da visita, ele resistiria a tentação de perguntar a razão daquele nome. Bastava que ele visse uma curiosidade zanzando a sua frente para correr determinado e pronto no seu objetivo de desvendar a historia por detrás do nome. Enfiar-se pelos meandros históricos das comunidades traz suas satisfações como também traz suas insatisfações. Lembrava da vez que perguntara a moradores da comunidade Barra da Onça, município de Santa Quiteria, se era comum ver onça por perto. “Não”, foi a resposta.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Cem anos de solidão

Ele era presunçoso. Partia da presunção de que faltava algo a todos os textos que lia. Ou quase todos. É mal de quem lê muito acreditar que pode corrigir o texto ou o livro do outro. A leitura desvenda o grande segredo que o escritor teme revelar. A função da literatura é despistar e afastar o leitor do seu verdadeiro significado. Aqui a escolha da palavra é crucial. Pensou em “verdadeiro objetivo” só que objetivo não é bem a palavra adequada para se referir a literatura porque ela concebe obras em desacordo com a precisão. “Verdadeiro significado” cai bem melhor a internalidade da literatura cujo centro se descobre com muito escavação. Qual é o centro ou qual é o verdadeiro significado de “Cem anos de Solidão?”, escrita pelo colombiano Gabriel Garcia Marques?