quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Juiz titular da comarca de São Raimundo das Mangabeiras dá dois dias para agricultores sairem de suas terras

São Raimundo das Mangabeiras
PROCESSO Nº 0000796-51.2014.8.10.0129 (7972014)
AÇÃO: PROCEDIMENTO DE CONHECIMENTO | PROCEDIMENTO COMUM
ADVOGADOS: MICHELE RODRIGUES COSTA (OAB 10563-MA), JOCIVALDO SILVA OLIVEIRA (OAB/MA - 6313)
ADVOGADOS: EMERSON CARVALHO CARDOSO (OAB/MA 9571), EDNA MATOS COSTA CARVALHO (OAB/MA 8904) e DIOGO DINIZ RIBEIRO CABRAL (OAB/MA 9355)
SENTENÇA Cuida-se de ação reivindicatória proposta por ANA ZEFINHA MARTINS DE QUEIROZ em litisconsórcio com RAIMUNDO QUEIROZ DIAScontra ALESSANDRO PINHEIRO SANTOSELIAS RAMOS PASSOSLUÍS GONZAGA RAMOSMARIA DE LOURDES MESSIAS e MARIA EDILEUSA MESSIAS, com o intuito de reivindicar, com base no exercício do direito de propriedade, a posse do imóvel nominado como"BARRA DA ONÇA", matrícula n. 285 do Livro 2, B, do Registro de Imóveis do Município de São Raimundo das Mangabeiras, MA. Conforme a inicial, os réus teriam invadido e feito plantações na área reivindicada sem autorização, promovendo derrubadas, construindo cercas e impedindo que outros rendeiros trabalhem na área causando transtornos e prejuízos. Pugnaram pela concessão de medida reintegratória liminar e antecipada, requerendo, no mérito, a confirmação da tutela. Juntaram documentos para comprovar o exercício da propriedade (fls. 12/85). A escritura pública do imóvel foi trazida ao processo (fl. 27). Em 03/12/2014 foi deferida a antecipação da tutela inaudita altera parte (fls. 87/88). Os réus foram citados (fl. 89v; 90/96). Na contestação, afirmam que exercem a posse da área há mais de vinte anos de forma mansa, pacífica e sem interrupção, correspondente à área de 186,00,00 ha (cento e oitenta e seis hectares), ao invés dos 03 ha (três hectares) relatados na inicial. Argumentam que em 14/09/2011 ajuizaram ação de usucapião do imóvel (processo n. 727-24.2011.8.10.0129) e ação de interdito proibitório também relacionada à referida área. Advogam que apesar de não possuírem título, exercem a posse justa e de boa-fé, pugnando pela improcedência da ação. Os réus agravaram a decisão antecipatória, mas não obtiveram êxito na reversão do entendimento (fls. 123/129). Em 15/04/2016 a magistrada que me antecedeu determinou o
cumprimento da decisão antecipatória (fl. 145). Em 06/05/2016 o Comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar prestou informações sobre o cumprimento da ordem judicial, justificando o impedimento quanto ao imediato atendimento em virtude do disposto na Portaria n. 044/2008-GCG, do Decreto 31.048/2015 e da Lei Estadual n. 10.246/2015, informando ao final que ficará aguardando a devida autorização para o emprego de força policial nas execuções dos mandados judiciais de manutenção e reintegração de posse (fls. 153/154). Os réus arguiram posteriormente que o processo de usucapião, julgado em seu desfavor, padecia de nulidade, em virtude da ausência de citação de um dos confiantes (fls. 156/158). Os autores informaram o descumprimento da ordem judicial pelos réus, sustentando que continuaram a modificar a área reivindicada, pugnando pela renovação do decreto de reintegração, informando ainda o descumprimento pelo Delegado de Polícia, Comandante do Batalhão de Polícia Militar e o Secretário de Segurança Pública do Estado, que teriam sido cientificados da ordem. Novo despacho determinou a intimação dos réus para cumprimento da ordem de desocupação, sob pena de responsabilização pelo crime de desobediência (fl. 162). Desse último despacho foram intimados: o responsável pela delegacia de polícia (fls. 163/164); o comandante da 3ª CIA do 4º Batalhão da Polícia Militar (fls. 165/166); todos os requeridos (fls. 167/168). Em seguida a ré MARIA EDILEUSA MESSIAS suscitou nos autos vício consistente em ajuizamento de ação reivindicatória na pendência de ação possessória, o que seria legalmente vedado (fls. 173/177). Informou ainda o ajuizamento de ação rescisória (fls. 181/186). Foi expedido o mandado de reintegração de posse (fls. 188/189), não cumprido por ausência de suporte policial para acompanhar a diligência (fl. 193). Em 29/05/2017 foi negado o pleito de suspensão da liminar, determinando-se novamente o cumprimento da ordem, com intimação da Secretaria de Segurança Pública, Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular, Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade, com o intuito de autorizar o emprego de força policial (fl. 195). A ré MARIA EDILEUSA MESSIAS peticionou novamente afirmando se tratar a demanda de litígio coletivo, pugnando pela designação de audiência para ouvir as partes envolvidas, na forma do art. 565 do CPC (fls. 200/204). A Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular enviou relatório de situação, sugerindo a atuação da Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e outras providências (fls. 207/209; 232/233). O Ministério Público Estadual pugnou pelo ingresso no feito, por entender que se trata de litígio coletivo de posse de terra rural (fl. 235). Por fim, em 20/11/2017 os autores vieram comunicar a ciência dos órgãos acerca da obrigatoriedade do cumprimento da decisão liminar, todavia ainda não a teriam cumprido, pugnando pela tomada de providências. É o relatório. DECIDO. Dou-me por satisfeito com as provas até agora produzidas. Com fundamento no art. 355 do Código de Processo Civil passo ao julgamento da causa. Preliminarmente, registro que o andamento do presente processo não se prejudica pelo ajuizamento de ação rescisória com o objetivo de reverter decisão desfavorável aos réus em ação de usucapião. Não está presente nenhuma das hipóteses do art. 313 do Código de Processo de Civil, tanto que os réus não apontaram a incidência de qualquer delas. Supero, portanto, a alegação de que haveria relação de prejudicialidade do presente processo em relação a qualquer outro. Por outro lado, ainda acerca das questões preliminares, houve um equívoco da parte ré e intervenientes, data maxima venia, consistente na errônea interpretação de que o caso discutido nestes autos se trataria de litígio coletivo, a exigir a incidência do art. 565 do Código de Processo Civil. Contrariamente ao que foi proposto, não trata a presente demanda de litígio coletivo, a envolver multiplicidade de pessoas com idênticos direitos inerentes à mesma área objeto da controvérsia. Trata-se, de modo diverso, de ação em que os proprietários buscam a retirada de sua área das cinco pessoas integrantes do polo passivo, sujeitos noticiadamente do mesmo grupo familiar, sem qualquer indicativo de que estejam sendo discutidos, nestes autos, tema de direitos difusos ou individuais homogêneos pertencentes a grande grupo de pessoas. Portanto, nada tem que se discutir no presente processo a respeito de direito coletivo, razão por que afasto o encaminhamento proposto, face à não incidência do art. 565CPC. Por último - e ainda atinente às questões preliminares, razão assistiria aos réus quanto à incidência do art. 557 do Código de Processo Civil, na medida em que a presente ação teria sido proposta na pendência de ação possessória. Contudo, houve preclusão temporal relativamente à arguição (art. 337CPC)- já que a contestação silencia a respeito da matéria, não se tratando de vício de natureza insanável sobre o qual o processo deveria ser anulado, tanto mais quando se observa na referida ação possessória (741-37.2013.8.10.0129) o insucesso dos réus relativamente ao direito pleiteado - tendo em conta sua sucumbência na ação principal de usucapião, com sentença transitada em julgado nesta e sentença reconhecendo a prejudicialidade daquela. Portanto, com fundamento na diretriz da prevalência da decisão de mérito (art. CPC), supero também a referida preliminar. No mérito, delimita-se a controvérsia em torno da definição do direito dos autores de reivindicar a posse do imóvel descrito na inicial, cuja causa de pedir próxima está lastreada no exercício do direito de propriedade. Com relação às provas, a certidão de inteiro teor do imóvel reivindicado deixa clara a propriedade do bem à titularidade dos autores (fl. 27). A esse propósito, aliás, registre-se que, além da certidão, milita no processo a incontrovérsia sobre o fato, uma vez que os réus não contrariam na contestação a certeza da propriedade (art. 374, inciso IIICPC). Sobre os argumentos da contestação, lastreia-se a exceção sob a alegação de que os réus exercem a posse há mais de 20 (vinte) anos. Não me passa despercebido ser lícito aos réus arguirem como matéria de defesa a ocorrência de usucapião (STF, Súmula, n. 237)- se é que foi esse o intento de sustentar o tempo de vinte anos de posse, já que isso não foi expressamente declarado na resposta à inicial. Todavia, não só os réus deixaram de fazer prova dessa longeva posse (art. 373, inciso II, do CPC), como já existe sentença judicial transitada em julgado não reconhecendo o direito usucapiendo (fls. 157/163, autos n. 727-24.2011.8.10.0129), imperando sobre esse fato a soberania da coisa julgada material (art. , inciso XXXVIIConstituição). Portanto, nenhuma dúvida há que se levantar acerca da propriedade dos autores sobre a área reivindicada e tampouco sobre a já definida inexistência de direito de posse dos réus a se relacionar com aludido imóvel, seja pela prova produzida neste processo (art. 373, inciso I, do CPC), seja em virtude do trânsito em julgado da sentença que não reconheceu a usucapião (art. , inciso XXXVIIConstituição). A propriedade é direito inviolável assegurado na Constituição: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: É papel do Poder Judiciário assegurar, garantir a observância sobretudo dos direitos constitucionais, notadamente aqueles tidos como fundamentais, tal qual o direito à propriedade. O art. 1.228 do Código Civil assegura ao proprietário o direito de reaver a coisa do poder de quem quer que injustamente lha possua ou detenha: Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Esse direito não tem sido assegurado aos autores no curso deste processo. Explico: a decisão liminar data de
03/12/2014, foi reiterada para cumprimento por três vezes (fls. 145, 162 e 195). De lá já se vão mais de três anos sem que se cumpra uma ordem emanada do Poder Judiciário. O poder executivo teve ciência dessa determinação ao menos duas vezes, a saber, fls. 153/154 e 232/233. No entanto, não a cumpriu nem proporcionou meios ao cumprimento. De antemão, já afasto qualquer justificativa baseada na Lei n. 10.246/2015 no sentido de que estaria ela subordinando a decisão judicial à avaliação dos órgãos nela referidos, porque entendo inconstitucional essa interpretação. Consultei o texto da lei e não encontrei dispositivo semelhante a esse encaminhamento. Nem poderia ser diferente, porquanto em se tratando de legislação estadual está sujeita à previsão do art. 139, VII, do Código de Processo Civil, que confere ao magistrado o exercício do poder de polícia e a faculdade de requisitar, quando necessário, força policial; dispoção também prevista no artigo 536, § 1º, do Código de Processo Civil, recaindo no caso a expressa delimitação de matérias de acordo com a simetria Constitucional (art. 22, inciso I, da Constituição). Nem é necessária observação quanto à aplicação desse mesmo raciocínio, porque hierarquicamente inferiores, à Portaria n. 044/2008-GCG e ao Decreto n. 31.048/2015. Portanto, à luz da legislação vigente, no cumprimento das ordens judiciais neste e em qualquer outro processo não está o Poder Judiciário subordinado à avaliação de conveniência e oportunidade do atendimento, pelo Poder Executivo, do comando soberano da decisão. Relembre-se que o descumprimento de ordens do Poder Judiciário é situação apta a ensejar, inclusive, intervenção Federal no Estado, à luz do art. 34, incisos IV e VI da Constituição#. A decisão que antecipou os efeitos da tutela, portanto, deve ser imediatamente cumprida quando determinada, assim como deverá ser enviada cópia dos autos ao Ministério Público para avaliar eventual cometimento de crime de desobediência das ordens anteriormente expedidas nos presentes autos (art. 40Código de Processo Penal). A propósito da antecipação dos efeitos da tutela, à avaliação preliminar de abertura do processo agrego a presente fundamentação em caráter de cognição exauriente, no sentido da efetiva comprovação do direito e, mais do que antes, no perigo de espera do trânsito em julgado, porquanto os autores estão há mais de três anos sem usufruir do espaço reivindicado, sem dele dispor para a produção agrícola desenvolvida na área (art. 300CPC). À vista do exposto, com fundamento no art. 1.228 do Código Civil, ACOLHO o pedido dos autores para DETERMINAR a ALESSANDRO PINHEIRO DOS SANTOSELIAS RAMOS PASSOSLUÍS GONZAGA RAMOSMARIA DE LOURDES MESSIAS e MARIA EDILEUSA MESSIAS que desocupem, no prazo de 48 (quarenta e oito horas), o imóvel denominado "BARRA DA ONÇA", matrícula n. 285 do Livro 2, B, do Registro de Imóveis do Município de São Raimundo das Mangabeiras, MA. Com fundamento no art. 300 do Código de Processo Civil DEFIRO NOVAMENTE TUTELA DE URGÊNCIA em favor de ANA ZEFINHA MARTINS QUEIROZ e RAIMUNDO QUEIROZ DIAS para DETERMINAR a ALESSANDRO PINHEIRO DOS SANTOSELIAS RAMOS PASSOSLUÍS GONZAGA RAMOSMARIA DE LOURDES MESSIAS e MARIA EDILEUSA MESSIASque desocupem, no prazo de 48 (quarenta e oito horas) contados a partir da intimação desta sentença, o imóvel denominado "BARRA DA ONÇA", matrícula n. 285 do Livro 2, B, do Registro de Imóveis do Município de São Raimundo das Mangabeiras, MA, ficando advertidos de que o descumprimento da presente ordem, no prazo determinado, resultará na REMOÇÃO COMPULSÓRIA E IMEDIATA, com a utilização de força policial (art. 536§ 1ºCPC). Em caso de descumprimento da ordem de desocupação pelos réus, com fundamento no art. 536§ 1º, do CPC, REQUISITO desde já o auxílio policial para a efetivação da ordem de imissão a ser expedida e DETERMINO sejam intimados pessoalmente o diligente Senhor Secretário de Segurança Pública do Estado do Maranhão, o eminente Comandante da Polícia Militar do Estado do Maranhão, o responsável pelo Batalhão da Polícia Militar na Comarca de São Raimundo das Mangabeiras, MA, e o insigne Delegado de Polícia Civil responsável pela unidade da Comarca de São Raimundo das Mangabeiras, MA, para que cumpram, in continenti, a ordem de requisição da força policial. Com fundamento no art. 536§ 1º, e 573, ambos do CPC, APLICO MULTA de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) àquele que deixar de cumprir a ordem de requisição, sem prejuízo da responsabilização penal. E para que não se alegue desconhecimento, determino suas imediatas intimações do teor da presente sentença. Com fundamento no art. 536§ 3º, do CPC, CONDENO os réus ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pela litigância de má-fé face ao descumprimento da ordem anterior (art. 81, c/c § 2º, CPC). Com fundamento no art. 40CPP, DETERMINO o envio de cópia dos autos ao Ministério Público para apurar ocorrência do crime de desobediência e eventuais responsáveis por essa conduta. CONDENO os réus ao pagamento das custas e honorários. Quanto aos honorários, arbitro-os em 15% (quinze por cento) do valor da causa. Defiro o benefício da gratuidade da justiça (art. 98§ 3ºCPC), observando-se que, quanto à gratuidade, ela não alcança o dever de pagar as multas processuais (art. 98§ 4ºCPC). Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, observando-se a baixa na distribuição, as comunicações, cumprimentos e anotações necessárias. Publique-se. Registre-se. Intimem-se, inclusive o Ministério Público. São Raimundo das Mangabeiras, MA, aos 08 de fevereiro de 2018. Juiz HANIEL SÓSTENIS Titular da Comarca de São Raimundo das Mangabeiras - MA Resp: 188938

Tribunal de Justiça suspende despejo da Comunidade do Engenho, no Maranhão


Na segunda-feira, 12, a Defensoria Pública do Estado (DPE) entrou com ação cautelar pedindo para que fosse suspensa o cumprimento da sentença de primeira instância
POR RENATO SANTANA, ASCOM/CIMI
O Tribunal de Justiça (TJ) do Maranhão suspendeu na noite desta quarta-feira, 14, uma reintegração de posse contra a Comunidade do Engenho, município de São José do Ribamar. A decisão da 1ª Vara Cível da Justiça Estadual pela reintegração de 74 hectares trouxe elementos que fogem ao habitual: plantações, casas e demais benfeitorias erguidas no decurso de ao menos 70 anos pelos habitantes da área deveriam “ser revertidas em favor do autor da ação”. A partir desse detalhe, podemos entender o que se passa no município que compõe a região metropolitana de São Luís.
“Em razão da obstinada insistência dos invasores”, o juiz auxiliar Gilmar de Jesus Everton Vale determinou a execução da decisão em um prazo máximo de cinco dias – com a utilização de aparato estatal (polícia e recursos logísticos) para a retirada das 51 famílias. Conforme a vontade do juiz, na manhã desta quinta-feira, 15, os habitantes deste território não deveriam mais ocupar a terra que sempre lhes pertenceu; e a posse seria entregue para o sujeito que se autointitulou dono, Carlos Alberto Franco de Almeida.
Na segunda-feira, 12, a Defensoria Pública do Estado (DPE) entrou com a ação cautelar no plantão do TJ pedindo para que fosse suspensa o cumprimento da sentença de primeira instância em face de um recurso da própria DPE estar tramitando no tribunal. A Defensoria sustentou que a comunidade “pode vir a sofrer danos irreparáveis” caso a reintegração fosse levada adiante.
A DPE entende que a comunidade está há bastante tempo no local, recebem fomentos de bancos oficiais para atividades de agricultura familiar e famílias moram na área. “Seriam danos irreparáveis. Nossa posição está embasada também na proteção ao direito à moradia e ao trabalho”, diz o defensor público Alberto Tavares. Do ponto de vista processual, o defensor explica que a ação foi julgada em primeira instância sem oitivas de testemunhas e perícia na área. “Sustentamos que a área que o autor da ação de reintegração alega ser dele não é a área ocupada pela comunidade. Há necessidade de perícia judicial. O processo portanto foi julgado sem instrução”, pontua o defensor. Existe ainda uma ação civil pública, movida pela DPE, pedindo a regularização definitiva da área.
A “obstinada insistência” alegada pelo juiz se refere a sete outras tentativas de despejo – a última fora marcada para 29 de novembro de 2017, mas suspensa por conta da pressão popular realizada. Alberto Franco, como é mais conhecido, alegou de forma oportuna  na ocasião falta de recursos financeiros para a execução da operação de despejo, o que motivou o juiz a – nessa segunda decisão – transferir a responsabilidade ao estado. Desde 2008, Franco diz ter documentos que atestam como de sua propriedade a área de 74 hectares em que está a comunidade que lá chegou antes da década de 1950.
Alberto Franco é um ex-tabelião, ou seja, um ex-oficial público a quem se incumbe a função de preparar ou autenticar documentos, escrituras públicas ou registros. Documentos de posse de uma terra, por exemplo. Foi também deputado estadual por dois mandatos, pelo PSDB e PMDB. Nas eleições de 2014 tentou a reeleição pelo PRB, mas sem sucesso. Chegou a ser secretário da Secretaria de Estado Extraordinária de Assuntos Estratégicos, durante o governo de Roseane Sarney. Hoje em dia é sócio de duas empresas: uma construtora e outra de água mineral.
O ex-deputado, em 2013, foi acusado de grilagem de terras nos municípios de Paço do Lumiar e São José de Ribamar. “A regularização das terras, que seriam ilegais, de acordo com a polícia, seria feita no cartório do 1º Ofício de São José de Ribamar, MA, com a participação de Alberto Franco, na época, interventor do cartório. Outras oito pessoas acabaram denunciadas também por formação de quadrilha e falsificação de documentos”, diz trecho da reportagem publicada à época.
Para a DPE o ex-deputado vem recebendo um tratamento diferenciado pela Justiça. Conforme o defensor público Alberto Tavares, Franco se movimentava judicialmente contra a comunidade como beneficiário da justiça gratuita, até que um fato foi denunciado pela DPE. “Alberto Franco tem um patrimônio declarado de mais de R$ 5 milhões. Provamos isso. A justiça gratuita é um serviço concedido para quem não tem renda suficiente a ponto de arcar com as custas processuais”, afirma. Outras questões envolvem o fato de Franco ter sido responsável pelo cartório local e “apesar de não estar exercendo mandato parlamentar, e não ser mais da atual gestão, ainda goza de muito prestígio junto às instituições”.
O juiz, em sua decisão, em tom ameaça, alertou ao Governo do Maranhão e ao Comando da Polícia Militar: “Esta decisão não está sujeita a nenhuma medida administrativa prévia como condição ao seu cumprimento, salvo o agendamento de data e fornecimento da logística necessária pelo autor, visando sua concretização e efetividade”. Afirma ainda que o governador Flávio Dino deve se abster de qualquer ato que possa se contrapor ao despejo imediato da comunidade – a mesma “recomendação” foi feita ao Ministério Público Estadual (MPE).
Quem é a comunidade em questão?
Mas quem é a comunidade envolvida numa briga contra o poder econômico e político? Ela surge, no contexto deste território em disputa, a partir do deslocamento de grupos, oriundos do interior do Maranhão e do Ceará, nos arredores da década de 1950, para trabalhar em um engenho local. Se estabeleceram nas terras pelas quais seus descendentes lutam hoje. “Sempre teve a conversa dos mais velhos sobre nossa família ser indígena. Indígena Tremembé. Os parentes Tremembé da Raposa (também localizada na grande São Luís) nos reconhecem também”, explica Robson Tremembé. Na segunda-feira, 12, uma Assembleia de Autodeclaração foi realizada pela comunidade, que coletivamente se definiu como Tremembé.
O rio São João corta o território ao meio, mas “não podemos mais pescar lá, não dá mais peixe. Na cidade tem muito esgoto clandestino que jogado nele”, explica o indígena. O que revela também a presença cada vez mais incisiva da urbanização no entorno da área. Conforme os indígenas, a intenção de retirá-los dali atende a tal demanda. “Vivemos da terra. Plantamos para a nossa família comer e para abastecermos as feiras da cidade”, explica. Macaxeira, milho, feijão, batata, inhame, dezenas de fruteiras, banana, hortaliças, legumes e verduras, além de uma estufa, são algumas “culturas” produzidas diariamente no local.
“Das vezes em que nos tiraram, destruíram tudo. Casas e plantações. Derrubaram árvores plantadas há muitos e muitos anos, que nos davam frutos e sombra. Tivemos de recomeçar tudo. Não temos pra onde ir não. Essa terra aqui é da gente, não é desse senhor não”, encerra. “Ficamos sabendo pela Defensoria Pública do Estado, não veio aqui nenhum oficial de justiça. Foi bem tramada pra gente não recorrer. Toda vez que eles fazem, a gente luta. Tramaram uma pra não ter tempo de nada”, destaca Robson Tremembé.
Ameaças e intimidação
Domingos Tremembé chegou a registrar um boletim de ocorrência por ameaça contra o homem que luta para retirá-los da terra. “Foi dentro do Fórum, nessa confusão judicial que ele nos enfiou. Um sujeito ameaça dentro do Fórum de Justiça, imagina aqui fora”, destaca Domingos. “A situação está crítica. Jagunços tão vindo aqui direto. Ontem três viaturas chegaram aqui escoltando o latifundiário. Hoje estava aqui, aí as autoridades da Justiça chegaram e eles saíram fugidos”, completa.
Para um dos integrantes mais velhos da comunidade, “no Brasil pai de família tá morrendo por defender a sua terra, seu modo de ser, por pensar na gente que tem ao redor. Até quando?”, diz. O autor da reintegração de posse tenta convencer a comunidade a sair em conversas com alguns dos mais velhos. “Ele chega e conversa pouco. Sabe que não concordamos, que não desejamos sair da nossa terra. Ele falou para alguns que ia indenizar a nossa produção, que ele ia comprar, pagar as coisas. Tamo aqui há 70 anos, nosso sangue, nossos antigos… não vamos abandonar isso”, enfatiza.
Fonte: Assessoria de Comunicação - Cimi

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

A dimensao das Chapadas

O Raimundo, presidente da associação de Jucaral, município de Urbano Santos, responsabilizara-se pela organização de uma audiência publica em seu povoado. Não seria pouca coisa para quem acabara de assumir a presidência da associação. O povoado de Jucaral, assim como outros de Urbano Santos, submeteu-se aos ditames das empresas de reflorestamento com eucalipto. Caso houvesse alguém descontente com essa submissão a quem se queixar? Quase certo não haver esse alguém. Só para ter uma idéia, referendaram-se as grilagens cometidas pela Suzano Papel e Celulose e pela Margusa ao longo de décadas pela simples possibilidade que, um dia, criar-se-ia milhares de empregos em um projeto de fábrica de celulose, em um projeto de ferro gusa ou em um projeto de fábrica de pellets. A experiência de sucesso de reflorestamento com eucalipto em Urbano Santos se irradiaria por outros municípios do Baixo Parnaiba, do Maranhão e quem sabe de outros estados do Brasil. A ambição de extrapolar o universo de Urbano Santos com seus plantios de eucalipto moveu a Suzano papel e Celulose para outras dimensões do Maranhão. Para se mover fisicamente, consulta-se o mapa de relevo, mas no Maranhão as dimensões são tantas que é necessário consultar diversos mapas, mapas já feitos ou ainda por fazer: o mapa das comunidades quilombolas o mapa dos indígenas, o mapa das unidades de conservação e por ai vai. Não, por ai vai não é um mapa de algum lugar no Maranhão. Poderia ser. O mapa dos lugares sumariamente relegados ao abandono e ao esquecimento por parte do poder público e do setor privado. A Suzano Papel e Celulose desmatou e plantou eucalipto em mais de dez mil hectares  nas Chapadas entre os povoados de Juçaral, Bebedouro, Santa Rosa dos Garretos, Marçal dos Onça, Surrão, Pedra Grande e Cajazeiras entre os anos de 2010 e 2012. Os moradores desses povoados não conseguiram dimensionar e nem nomear os impactos desses desmatamentos.  A única coisa que eles queriam: alguém para denunciar, afinal receavam represálias da parte da empresa. Aos poucos essas comunidades se subtraem desse não dimensionamento e dessa não nomeação. A dimensão do não é comigo, do não sei e do não posso onde foram largados pelas empresas de eucalipto anos atrás. A comunidade de Juçaral quer reocupar a dimensão das Chapadas e para isso entrou com pedido de regularização fundiária no Iterma. A audiência era para tratar desse assunto e da derrubada do bacuri verde.   

mayron regis


segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Audiência Publica no Povoado Juçaral: discussão e apresentação de uma Norma Conjunta para preservação do território de oito comunidades tradicionais – Urbano Santos, Baixo Parnaíba



A Audiência Popular foi organizada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultores Familiares de Urbano Santos, em nome das entidades de defesa dos direitos sociais dos camponeses e camponesas: ASSOCIAÇÃO UNIÃO DE MORADORES DO POVOADO JUSSARAL” – CNPJ. Nº 69.591.345/0001-63, “ASSOCIAÇÃO DOS PEQUENOS AGRICULTORES RURAIS DO PROJETO DE ASSENTAMENTO SANTA ROSA BACABAL” – CNPJ. Nº 16.480.492/0001-08, “ASSOCIAÇÃO UNIÃO DOS MORADORES DO POVOADO TODOS OS SANTOS” – CNPJ. Nº 02.862./959/0001-61, “ASSOCIAÇÃO DAS MULHERES DO POVOADO CAJAZEIRAS” – CNPJ. Nº 09.445.226/0001-70, “ASSOCIAÇÃO DOS TRABALHADORES RURAIS DO POVOADO BEBEDOURO” – CNPJ. Nº 05.374.547/0001-70, “ASSOCIAÇÃO SÃO MARÇAL DOS PEQUENOS AGRICULTORES RURAIS DO POVOADO MARÇAL” – CNPJ. Nº 26.203.863/0001-50, “ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO POVOADO SURRÃO” e “ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO POVOADO PEDRA GRANDE”. O objetivo foi elaborar um documento coletivo - “Norma Conjunta” em nome destas comunidades citadas, para preservação e uso sustentável do bacuri, pequi, dos recursos vegetais e animais, toda uma biodiversidade que compõe o rico bioma das chapadas desta região. O evento contou com a participação de autoridades, representes do poder público, legislativo, Ministério Público, Igreja, diretoria do STTR, militantes dos movimentos sociais e uma grande massa de trabalhadores rurais que deram suas contribuições a respeito do tema. A discussão partiu da ideia de elaboração de um documento oficial no que diz respeito à proteção do território (Norma Conjunta das Associações), regido de modo especial e acentuando os Artigos 1, 2, 3 e 4. Que seguem na íntegra:
“Art. 1º A presente norma tem por objetivo geral a preservação da mata nativa do território que abrange estes Povoados citados, de modo a preservar seus recursos mineiras, vegetais e animais.
Art. 2º Em especial para a proteção e preservação do bacuri, do pequi, do murici, da araçá, do cajuí, do araticum, da mangaba, puçá e plantas medicinais, como janaguba, gonçalave, alecrim, mangaba brava e demais espécimes nativas;
Art. 3º Além disso, tem por objetivo também, evitar a derrubada do fruto do bacuri, bem como do bacurizeiro, e outros frutos nativos da chapada, a fim garantir seu uso sustentável e coletivo;
Art. 4º Objetiva, ainda, evitar desmatamentos e queimadas em áreas de preservação permanente, na chapada, nas matas ciliares, Áreas de Preservação Permanente – APP (conforme Código Florestal) e de Reserva Legal dos povoados acima descritos”.  
O texto possui 17 Artigos, além dos parágrafos únicos. Subdividem-se: “DA PRESERVAÇÃO DO BACURI, DO PEQUI E OUTROS RECURSOS AMBIENTAIS (MINERAIS, VEGETAIS E ANIMAIS); “DAS CONDUTAS PROIBIDAS E PENALIDADES”, “DA FISCALIZAÇÃO”; “DISPOSIÇÕES GERAIS” e outros anexos como o “Termo de Notificações”, “Termo de Comprometimento” e “Termo de Denúncia”. A audiência durou quatro horas e no final saiu como encaminhamento fundamental uma formação e planejamento com o “Conselho de Fiscalização” que será composto por duas pessoas de cada associação, o Conselho receberá uma formação e orientações de como poderão atuar a partir do Parecer do Ministério Público.
Um território de chapadas, brejos e babaçuais rico em frutos nativos como, bacuri, pequi, mangaba, murici, pitomba de leite, puçá, araticum, pati, ingá, tucum, tuturubá, araçá, cajá, buriti, buritirana, pitomba, anajá, babaçu; em madeiras de lei como pau dárco, aroeira, amargoso, mama cachorro, piquiá, folha larga, camaçari, bacuri bravo, cedro e jatobá; farto ainda em plantas medicinais, como janaguba, alecrim, aroeira, jatobá, gonçalave e barbatimão que será protegido por uma lei autônoma – e de atuação nos meios jurídicos e reconhecimento civil. O assunto se alargou para outros temas ligados a reforma agrária e conflitos socioambientais na região do Baixo Parnaíba maranhense como a resistência das comunidades tradicionais contra o agronegócio do eucalipto e a violência no campo; uma vez que os moradores de Juçaral estão passando por um conflito direto com a Empresa Suzano em disputa de uma área de terra dentro do povoado, pois vale lembrar que os antecedentes históricos de luta pela terra em Juçaral é registrado desde os anos 90, quando as CEBs e agentes em defesa da Reforma Agrária daquela região derrubaram os fornos da então Empresa Maflora – que na época extraia madeira das chapadas para a fabricação de carvão vegetal.
Um dos principais objetivos do evento é conscientizar a população e levar essas audiências públicas para outros territórios de Urbano Santos e outros municípios – assim fortalecendo a luta e atuação da auto-militância das comunidades tradicionais em defesa de seus espaços de produção agrícola, extrativismo, caça, pesca e reprodução social e cultural. Independentemente de poderes públicos e da burocracia “politica do estado”. De tanto esperar, as comunidades agora resolvem criar suas próprias leis, sendo elas mesmas as protetoras e fiscalizadoras de seus territórios livres.
José Antonio Basto
Assessor de Comunicação e Formação
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