domingo, 30 de agosto de 2020

O cruzamento da rua São João com a rua da Paz

O real não se revela de imediato. O filosofo e fotografo Joedson fotografava a praça João Lisboa numa tarde de quarta feira. Eles subiram uma escadaria que dava acesso a Praça João Lisboa. Joedson acabara de almoçar no bar do Deco e planejava tomar um café no Chico Discos na rua São João. O amigo jornalista avalizou a proposta do filosofo. Joedson era formado em filosofia pela Universidade Federal do Maranhão, mas só duas pessoas o aclamavam pelo qualificativo filosofo: os jornalistas Ed Wilson e José Reinado Martins. Propuseram o Chico Discos para bebericarem um café ou mais de um e o trajeto a ser desenhado passaria pela Praça Joao Lisboa e pela rua da Paz, onde desceriam a rua São João. “Por que subir a rua da Paz?”, analisou o jornalista que costumeiramente ou subia ou descia a rua do Sol. “Que se há de fazer? Se o filosofo fotografo quer assim, que seja”. O filosofo mirava e mantinha o foco de sua maquina fotográfica e captava fotos inusuais. A rua da Paz, como boa parte do centro de São Luis, parece um despenhadeiro em que a qualquer momento os pedestres ou os motoristas podem cair ou sugerirem quedas em seus pensamentos mais absortos. Joedson fotografou um papelão que protegia o para brisa de um carro. Fotografar um carro seria comum. Ele fotografou o papelão de um carro. Deve significar algo. O jornalista apontou para inscrições acima de um portão atrás da igreja do Carmo que se encontrava fechado. O nome Rua da Paz e o numero da residencia sobressaiam naquela parede. A igreja do Carmo se abre tanto para o largo do Carmo como para a rua da Paz. As igrejas em geral tem duas entradas: a que recebe os fieis para rezarem e a que recebe pessoas para se acomodarem em suas dependências. Também se pensaria essas saídas do fundo como rotas de fuga em momentos de batida policial. No caminho, elucubrava-se. O filosofo capturou a belíssima foto de três homens exercendo seus ofícios de carregadores numa rua da Paz ensolarada. O olhar do filosofo fotografo se fixou no ato em si de carregar, na fisionomia dos carregadores ou no espaço sobrecarregado de transeuntes que os carregadores desafiavam para alcançarem seus objetivos? O cruzamento da rua Paz com a rua São João pode se afirmar sem medo de errar retrata a decadência em que se tornou os prédios históricos de São Luis. O prédio da Faculdade de Odontologia fechou para uma reforma que não se iniciou e as torres da igreja São João perderam as cores sem que ninguém saiba onde foram parar. O jornalista pediu ao filosofo fotografo que fotografasse as torres. Queria deixar marcada essa visão da decadência histórico cultural em sua memoria.

sábado, 29 de agosto de 2020

os cafés

Por dia, ele bebe dez xícaras de café. Habituou-se a beber muito café em função do exercício diário do jornalismo e nesse exercício diário do jornalismo ele incluía um dos seus heróis literários Honoré de Balzac, escritor francês da primeira metade do século XIX. Ficava acordado escrevendo a madrugada inteira a custa de muito café. Para algumas pessoas, a madrugada é o melhor horário para trabalhar. Não se escuta ruído em casa e ruído na rua a não ser os passos de um caminhante rápido e os latidos de um cachorro. Quanto mais café na garrafa melhor e sem deixar esfriar. O café morno ainda é digerível. O café frio é intragável. Segurar a xicara e sorver o café é um ato individual, na verdade era porque mais e mais as pessoas bebem café de forma coletiva e longe de casa, numa cafeteria. As pessoas saem de casa para viverem novas experiências e o ato de sorver café na sociedade moderna assumiu uma dimensão de sociabilidade. Em 1998, o ato ou a arte de sorver café fora de casa ainda dava os primeiros passos em São Luis. Andava-se muito pelo shopping Colonial, localizado à rua Grande, recém-inaugurado, e encerrava-se a manhã ou a tarde numa lanchonete, sorveteria ou, afinal, uma cafeteria. Certo dia, os amigos foram as compras ou foram só assuntar as lojas do shopping Colonial. O jornalista e assessor de comunicação da associação agroecológica Tijupá comprou “Criança no tempo”, do escritor inglês Ian Mcwean. A agrônoma o acompanhava. O ápice das compras e do bater penas no shopping Colonial viria a seguir ao se sentarem a mesa da cafeteria e sorverem seus cafés cappuccinos.

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

as torres

Um dia, no solar do MST, na rua rio Branco, eles brincavam de adivinhar as torres das igrejas no centro histórico de São Luis. Em outros tempos, as torres das igrejas serviam de referências para os viajantes incautos que vinham de longe em busca de um amparo. Enxergava-se a única torre igreja do Desterro, construída em homenagem a Nossa Senhora do Desterro pelas mãos de negros e negras escravizados e homens e mulheres livres e pobres do século XVII. As igrejas servem de referências não só para viajantes incautos numa noite escura. Os negros escravizados e a gente pobre de São luis viam nas igrejas um porto seguro para fugirem e refugiarem-se de seus dilemas e das perseguições que sofriam (e não eram poucos). A igreja do Desterro é a menorzinha das igrejas do centro de São Luis mas sua falta de imponência é compensada com desenhos que lembram uma igreja bizantina. É sempre bom pensar que a cidade se diversifica em contextos históricos e arquitetônicos. Uma cidade que não se rende fácil aos apelos da modernidade vazia.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Casa das Tulhas

Deco não via a hora de retornar ao seu boxe na feira da Praia Grande. A estadia em uma barraca de plástico na feira improvisada no meio da rua esgotara ele e a mulher “Deu o que tinha que dar”, ele comentou. Foram quase doze meses de improvisação em um espaço bem reduzido comparado com o espaço do boxe. Eles se viravam como podiam. Ela cozinhava e ele servia as mesas. As atividades do restaurante se paralisaram por três meses e meio. A cidade se paralisou nesses meses todos, praticamente. A reforma da feira da praia grande não parou assim como as reformas dos outros mercados e das praças pela cidade de São Luis inteira. O senhor Costa ou Corintiano, feirante histórico da feira da mesma estirpe de um Deco e de um Irmão, explicou-lhe o porque do nome ser Praia Grande e essa explicação se conciliava com uma lembrança que tinha do ano de 1987. Ele lembrava que um homem despejava um jato de água (?) exatamente no trecho onde surgiria alguns meses pra frente o Aterro do Bacanga. O Corintiano explicou que, antes de 1987, havia duas praias pequenas e que o governo Epitacio Cafeteira aterrou as duas praias pequenas formando uma praia grande. A designação feira da Praia Grande é bem recente e bem ao gosto de políticos que querem deixar sua marca ou seu nome pela cidade. O nome original é “Casa das Tulhas de 1820”, segundo o Corintiano, e suas atividades comerciais se limitavam as lojas que se abriam para as ruas que formavam um quadrilatero. O que se convencionou de chamar de feira ou mercado surgiu a partir da ocupação do quintal da “Casa das Tulhas de 1820” nos anos 50.

domingo, 23 de agosto de 2020

Pelas curvas da estrada da Vitoria

Marcelo o convidou para beber no bar da Baixinha. Final da manhã de domingo, um pouco antes do almoço. Naquele instante, ele não podia aceitar o convite, pois aguardava as compras do supermercado que viriam deixar. Logo que deixassem as compras, desceria a rua para beberem uma cerveja, prometeu. O rapaz da entrega se atrasou e ele só pôde sair uma hora da tarde. Enfim, checaria se o amigo continuava bebendo no bar da Baixinha ou se subira a rua cambaleando com destino a sua casa. O portão do bar se escancarava para os clientes. Um cliente se posicionava como porteiro e cumprimentava os chegantes. O Marcelo sentara numa mesa de canto e conversava com um senhor negro de meia idade. Eles bebiam a cerveja Magnifica e pediram um copo para o recém chegado. Havia pessoas no bar que amanheceram bebendo e permaneciam de pé. Só Deus sabe a que custo, aquelas pessoas não caiam de sono no salão do bar ou em cima de uma mesa. Com alguma dificuldade, entabulava-se uma conversa. Lucas, filho da Baixinha, deixou o som bem alto e não tinha como não ouvir (e cantar) “Como se faz quando o amante quer ser algo mais?”. Ô musica que gruda. Esse tipo de musica o exasperava. Para se distrair, perguntou ao Marcelo: “Quantos anos tem o bar da Baixinha?”. “Acho que quase vinte anos na estrada da Vitoria. Antes, o bar dela ficava na esquina da rua da Veneza com a rua 19 de Março e suas garçonetes se chamavam Loura e a Big Loura”, ele respondeu. O bar era o segundo lar do Marcelo. “Quando minha mãe faleceu, eu vim pra cá. Quando meu pai faleceu, eu vim pra cá. Quer que eu te diga algo sobre a Natália ( um dos clientes amanhecidos)? A mãe dela é uma das grandes comerciantes dessa região”. O depoimento de Marcelo exigia uma musica para fechar a tarde. Insistiu com Lucas para que pusesse Roberto Carlos, um som menos traumático perante o sertanejo que a clientela do bar escutava. O filho da Baixinha atendeu o pedido e tocou “Pelas curvas da estrada de Santos”. Tudo a ver. Ele e Marcelo bebiam num bar ordinário pelas curvas da estrada da Vitoria, subúrbio de São Luis.

sábado, 22 de agosto de 2020

As reformas das praças de São Luis e suas indagações

A reforma ou a construção de uma praça ou mais de uma, com certeza, provoca indagações pelos usuários diretos e indiretos. A mais costumeira das indagações é perguntar aos responsáveis pela obra ou pelas obras quanto tempo demorará para o seu termino. Nesse tipo de pergunta subjaz uma motivação fiscalizatória. A prefeitura e o governo do estado chegam com o projeto pronto ou os projetos prontos e a sociedade civil cabe somente verificar se os prazos serão respeitados. Os prazos, dificilmente, são respeitados pelo empreendedor e a sociedade civil não pode fazer nada quanto a isso porque ela exerce a fiscalização de maneira informal. Caberia ao ministério publico uma fiscalização mais arguta do projeto ou dos projetos que o poder publico empreende. Houve um laudo que fundamentou o corte de uma árvore na praça João Lisboa em razão da reforma iniciada pela prefeitura de São Luis no primeiro semestre de 2020. O engenheiro agrônomo que assinou o laudo favorável ao corte alegou que a presença da árvore na praça não se coadunava com o projeto técnico da reforma. Alguns setores da sociedade civil criticaram o corte. O responsável pelo laudo citou o projeto tecnico (é claro sem detalhar maiores informações). Como sempre ocorre, acaaba sendo uma conversa entre o técnico contratado e quem o contratou (o empreendedor). O empreendedor disponibilizou ao engenheiro agronomo o projeto tecnico que comprovaria o acerto no corte da arvore. A sociedade civil, num mundo ideal, provocaria o ministério publico que cobraria explicações ao empreendedor a respeito da obrigatoriedade ou não do corte da árvore. O papel do ministério publico é meter o bedelho no planejamento oficial do empreendedor que não ve nenhum impeditivo formal para que seu pacote de obras cumpra o cronograma delineado. O cronograma de obras é obra e graça do empreendedor que o submete a apreciação dos órgãos fiscalizadores. Na maioria dos casos, os órgãos fiscalizadores apontam as suas lupas para o orçamento e a licitação. Questões socioambientais não fazem os órgãos ambientais saírem do seu aconchego burocrático tradicional. Quem em sã consciência se indisporia com um pacote de obras como o que a prefeitura deslancha pela cidade de São Luis? Quem se indisporia com um pacote de obras que embeleza(?) a cidade a custa do corte de algumas árvores? Se fosse pela prefeitura, o pacote de obras se restringiria as reformas e as construções de praças e ao asfaltamento de ruas e avenidas. Os investimentos de praxe, como diria um espectador. Os mercados que se encontram em reforma só vieram no bojo do pacotão devido a uma ação do ministério publico que cobrava reformas urgentes dos mercados de São Luis completamente esquecidos de qualquer intervenção do poder publico por décadas.

Os bagres do rio Parnaiba

O homem chegou cedo a casa do Vicente de Paula. Ele vendia peixe que transportava numa caixa de isopor. Parou a motocicleta no terreiro e esperou pela dona Maria Rita, esposa do Vicente, que se ocupava dos afazeres da casa desde os primeiros minutos da manhã daquela sexta feira. Ela lavara as louças e passara o café para os membros da família e para os amigos que chegaram a noite e dormiram em redes estendidas na sala e no quarto. A filha de dona Maria Rita trouxe bolo de trigo que ela e o esposo fabricaram no forno que adquiriram. Nesse forno, assavam pizzas que vendiam para os vizinhos do povoado onde moravam e vendiam para os vizinhos de povoados mais distantes. “Falta criar uma página nas redes sociais e divulgar o serviço de pizzas e um telefone celular para contato”, alguém falou serio em tom de brincadeira benevolente. Devido a demora de dona Maria Rita em atender o vendedor de peixe, o Vicente de Paula foi ver os peixes que estavam dentro do isopor. O melhor era um Surumbi, um bagre pescado no rio Parnaiba. A dona Maria Rita cozinharia o peixe no seu forno rustico. “ Fica melhor cozido. Eu como esse peixe que peco”, ela comentou. Olha o pecado da gula. Os bagres são peixes migradores de longa distancia. A pesca dele no rio Parnaiba revelaria a boa saúde deste rio pelo menos no trecho próximo a cidade de Buriti. No ano de 2007, os bagres quase impediram a construção das hidrelétricas no rio Madeira (Jirau e Santo Antônio, estado de Rondônia). Os técnicos do setor de licenciamento do Ibama constataram que o rio madeira era berçário dessa espécie e o direitor do setor, Claudio langone, levou essa preocupação ao presidente Luis Inacio Lula da Silva que respondeu “Jogaram um bagre no meu colo”. As hidrelétricas foram construídas a custa de enormes impactos ambientais para as populações ribeirinhas que viram o desaparecimento ou a diminuição dessa espécie no rio Madeira e nos seus afluentes porque as hidrelétricas representam obstáculos a sua migração e reprodução. A dona Maria Rita, esposa de Vicente de Paula, acordara nos primeiros minutos

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

As ruas da Liberdade

As ruas da Liberdade Ele morou no bairro Liberdade por quase quatorze anos. O seu tempo, ele dedicava mais aos estudos. A escola onde estudava ficava no centro de São Luis, não muito distante de sua casa. Dava para ir e voltar a pé pela Camboa e pelo Diamante, bairros vizinhos a Liberdade. Só fizera esse percurso uma vez, em dia de greve de ônibus. A cidade se esvaziava em dia de greve, mas a escola cobrava a presença dos alunos sem nenhuma culpa. A escola presumia que quase todos os seus alunos circulavam de carro. Não se sabia o quanto a escola se equivocava nessa presunção. Nem circulava de carro e nem andava muito a pé, a não ser de casa para a parada de ônibus e outros itinerários curtos (padaria, mercado e igreja). Ainda criança, ele e um amigo brincavam de trinta e um alerta com outras crianças na rua Luis Guimarães. O amigo fora descoberto e sobrara ele para salvar a garotada na brincadeira. Os dois, então, contornaram parte da Liberdade pelo Japão e pela Floresta e bateram trinta e um alerta no poste de energia na rua onde brincavam. Por essa época não conhecia a expressão “Vitoria de Pirro”, vitória que custa muito e não resulta em nada. Os outros participantes, alguns minutos antes, haviam desmanchado a brincadeira e ido para as suas respectivas casas. Até aquela idade, fora a única vez que percorrera ruas em péssimo estado de conservação e vira pessoas das quais não sabia nada e nem saberia. Ele se lembraria muitas vezes do amigo que o guiara por aquela parte imperscrutável da Liberdade. Um amigo mais recente o guiou de novo pelas ruas da Liberdade. “Tu já cruzaste a Inglês de Souza sem olhar para lado algum?” “Qual é a Inglês de Souza? Eu lembro da rua mas não estou seguro” ”É a paralela a rua Emilio de Menezes”. Ajudou muito, pra não dizer o contrário. Teve que apelar para o Google, o pai dos burros. O paraense Inglês de Souza, nascido em Óbidos, foi escritor naturalista e o carioca Emilio de Menezes foi poeta parnasiano. A rua Emilio de Menezes é perpendicular a rua Inglês de Souza (não paralela como supunha o amigo) que corta os bairros Liberdade e Camboa. Onde se vê asfalto e referencias literárias do século XIX “pode crer que havia mangue” (Mundo Livre S/A).

A luta pela terra em Gostoso’: Empresa ameaça comunidade tradicional no Maranhão

Os moradores da comunidade do Gostoso, localizada no município de Aldeias Altas (MA), que vivem há décadas na região, estão sendo ameaçados por supostos funcionários da empresa Costa Pinto. Segundo relatos locais, tais funcionários derrubaram cercas, que dividiam as roças e proibiram os moradores de colherem a safra plantada. As comunidades de Pati/Gostoso são as principais produtoras de alimentos agrícolas, no município de Aldeias Altas, apesar de serem comunidades pequenas. Aldeias Altas está entre os municípios com menor taxa no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), ocupando a 5490ª posição entre os 5.565 municípios brasileiros listados, segundo dados de 2010 do Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil. (Texto e fotos: CPT - Maranhão / Arte: Mário Manzi - Secretaria de Comunicação CPT Nacional) Acompanhe esta série dividida em dois capítulos: “Eu sou Edite, sou moradora aqui do Gostoso, sou lavradora, quebradeira de coco. O que eu preciso muito é da terra pra eu plantar, ter moradia digna pra mim, meus filhos e meus netos. Aqui a gente planta, colhe o feijão, a melancia, o milho, a mandioca... por isso a gente tá precisando da terra pra gente plantar, ter nosso próprio alimento sem depender de ninguém. Aqui temos uma terra muito rica pra nós, daqui que tiramos nosso sustento, tiramos nosso babaçu pra fazer nosso óleo, da casca nós faz o carvão. Aqui nós levamos nossos filhos pra brincar na areia, nos riachos. Vamos pescar. Aqui nós temos nosso legume, nosso arroz, feijão. Aqui é uma riqueza para nós. Pra isso nós precisamos que o governo e as autoridades maiores, vejam que nós tamos sendo ameaçados. Que a gente não pode nem ir mais para tirar nosso feijão que os capangas estão aqui para mandar nós parar e nós não vamos parar de trabalhar, porque se nós parar de trabalhar nós vai morrer de fome”. Maria Edite moradora da Comunidade do Gostoso Diante de duas grandes ameaças à vida da comunidade Gostoso ocorridas no dia 17 de julho deste ano, dois agentes da CPT Regional Maranhão, a convite da comunidade e obedecendo os protocolos de distanciamento e segurança, por conta da pandemia do novo coronavírus – Covid19 –, estiveram na comunidade para ouvir os camponeses/as sobre as últimas ocorrências de conflito. 1. Trata-se de ameaças direta de quatro homens em um veículo Renault Sandero, pertencente à Localiza e que se diziam funcionários da empresa Costa Pinto. Segundo membros da comunidade, os homens foram até às roças dos camponeses/as para impedir a colheita a partir daquele dia (melancia, feijão, mandioca, entre outros). Segundo relatos e vídeos feitos pela comunidade, os funcionários da empresa teriam determinado que parassem de trabalhar naquela área alegando que a área é parte da Barriguda (fato que não procede porque Barriguda está para outro lado e não limita com Gostoso). Essas ameaças têm sido constantes nos últimos meses, mesmo nesse período de pandemia. Funcionários da Costa Pinto tem cortado arame das roças dos trabalhadores por diversas vezes, ocorrências sempre registradas na delegacia de polícia; 2. Trata-se da decisão do Desembargador Ricardo Dualibe contra um Agravo de Instrumento da comunidade que pedia a suspensão da reintegração de posse. O desembargador desqualificou a posse das 24 famílias que vivem há décadas na área denominada Pati/Gostoso. Segundo o desembargador, não ficou comprovado a existência de conflito coletivo e que por falta de um decreto de interesse do Incra pela área, assim decidiu a favor de uma empresa do Rio de Janeiro que diz deter mais de 75 mil hectares de terra que abrange os municípios de Aldeias Altas, Caxias, Codó e Afonso Cunha. Essa ameaça foi entendida como um atentado à vida de uma comunidade inteira porque destrói a esperança de quem ainda acredita na justiça. A justiça quando coloca a vida humana como direito mais relevante que o direito à propriedade privada ou ao direito à acumulação da renda e da terra em detrimento ao direito à vida. Ao saber da decisão do desembargador houve um sentimento de profunda tristeza na comunidade. Luís, pai de 7 filhos, sendo uma portadora de necessidades especiais, com os olhos transbordando em lágrimas e o coração aos prantos, riscando o chão com um pequeno galho, perguntava: “O que é mesmo um desembargador, é o mesmo que juiz? Como ele pode decidir sobre nossas vidas se nunca esteve aqui? Nunca olhou a gente, nunca viu nossos filhos, nossas roças, nossas casas, nossas criações. Como pode decidir a favor de quem não precisa dessa terra pra viver se já tem tanta terra? O desembargador não sabe que se a gente for expulso daqui o nosso destino vai ser morrer? O que a gente saber fazer é cuidar de roça e é de lá que a gente tira nosso sustento. Ninguém aqui é empregado de ninguém, todo mundo aqui trabalha em suas roças. Ninguém tem pra onde ir”. Luís Rodrigues O território denominado Pati/Gostoso é antigo, anterior à vinda da Costa Pinto para o Maranhão. Parte das 24 famílias que resiste ao conflito com a empresa já havia sido expulsa pela mesma no povoado Pitombeira que foi varrido do mapa com a expansão da cana na década de 1980, essas famílias foram acolhidas pelos antigos moradores de Pati/Gostoso que há muito tempo viviam ameaçadas pelos criadores de gado da região que soltava o gado nos pastos naturais situados no território, segundo os moradores a área chegou a ter cerca de 800 cabeças de gado que destruíam roças e os quintais. Inúmeras denúncias foram feitas na época.

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Liberdade

Chegara ao bairro Monte Castelo com seus quase quatorze anos de idade. A mudança de bairro em 1987 sugeria uma evolução natural. O bairro Liberdade, onde nascera, fora estigmatizado de pobre, violento e feio por boa parte da sociedade ludovicense. O tom de quem se referia a Liberdade beirava o depreciativo “Ah, tu moras na Liberdade”. O Monte Castelo, por outro lado, não representava perigo, pois surgira as margens de uma das principais vias de São Luis, a avenida Getulio Vargas, e seus moradores simbolizavam o status de ser classe média conservadora bem nascida e bem postada. Trocou de bairro, sem, no entanto, perder as raízes que fincara nas ruas da Liberdade e sem perder as referências de pessoas com as quais se ligara nesses anos.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Convocação

“Sai dai, sai daí, tem que ter manha...”. João Bosco cantou esses versos na musica “Convocação”, do cd “Mil e uma aldeias”, lançado em 1998. A abertura hipnotizante de quase um minuto embarca numa circunavegação de berimbau, pandeiro e prato. As consciências dos que ousam navegar naufragam nos mares rítmicos de João Bosco. Quem supera a abertura se depara com os versos “Sai dai, sai dai, tem que ter manha”. O berimbau, o pandeiro e os atabaques iniciam a arte convocatória. Quem escuta se sente convocado e sente-se nervoso por não saber o que é essa convocação. A que mares distantes seguirão? A sua voz será ouvida por alguém nesse percurso ? Deus, nesses instantes, pede que tenha paciência. João Bosco, pelo contrario, canta “sai dai, sai, tem que ter manha”.

domingo, 16 de agosto de 2020

As mulheres negras e quilombolas do povoado Graça

Ao escutar que seu nome era Ciria, ele pensou consigo mesmo: “Uau que nome”. Uma mulher negra e quilombola cujo nome se pronunciava Ciria. Ainda melhor se for igual ao nome do pais Siria. Que charme. Pediu-lhe o zap para quem sabe enviar noticias. Ela anotou o numero e frisou Ciria com c. Essa particularidade (Ciria com c) fez com que a enxergasse mais detidamente. A agricultora Ciria compunha um grupo de mulheres negras e quilombolas do povoado quilombola Graça, município de Matinha, que se formou para participar das oficinas do projeto Rede Quilombola, da Associação de Moradores do povoado Graça, com financiamento do Fundo Casa. A oficina de implantação de hortas caiu num sábado, dia 15 de agosto de 2020, por sugestão das participantes do projeto. A dona Ciria priorizou a oficina no lugar da feira da agricultura familiar que acontece no município de Matinha todos os sábados pela manhã. O senhor Sabino, que ministraria o curso de Implantação de Hortas, atrasara-se. Uma dica: caso não queira perder a confiança das pessoas na zona rural do Maranhão não se atrase sem justificativa pois se perder a confiança será difícil recupera-la. A maioria das mulheres se impacientava pela ausência do senhor Sabino. A solução encontrada pela coordenação do projeto foi cancelar a oficina, pedir desculpas e propor duas oficinas (uma de plano de negócios e uma de culinária) para o próximo fim de semana. Eles se convenceram de que o senhor Sabino não ministraria mais a oficina de Implantação de Hortas. Entretanto, nada como a passagem de alguns minutos para as coisas voltarem ao seu devido lugar. O senhor Sabino, com um atraso de mais de duas horas, finalmente comparecera ao povoado Graça. Uma reunião de ultima hora o segurara em Viana, cidade maranhense dos lagos, e que desejava começar o projeto das oficinas. As mulheres negras e quilombolas de Graça julgaram mais correto mante-lo no projeto até porque seria difícil contratar outro técnico

o comicio de Getulio Vargas em São Luis

Eles sentaram distantes um do outro. Ela mandara o endereço da casa pelo google maps. Como fora a ultima vez em que a vira em sua casa ? Eles retomariam de onde pararam? Não queria aparentar ansiedade. Cumprimentou-a. Ela não estava sozinha. O filho assistia uma animação de dragões pela tv a cabo. Era inegável a semelhança entre os dois. Deu a ela seus dois livros ( que ela cheiraria e assinaria seu nome no dia seguinte) gentileza que agradeceu. Para começo de conversa, ela veio com essa: “De onde mesmo que a gente se conhece”. Eita, falta de memória. “Fizemos curso de perseverança na igreja do Monte Castelo e voltamos a no ver na Escola Tecnica Federal do Maranhão.” O tempo deles dois escorria por suas faces e pelos meandros do que esqueceram. “Aqui na Coreia ainda vive algum morador antigo que conheça a historia do bairro”” Olha, tem uma moradora de noventa anos que perdeu o braço na fábrica do Canto da Fabril mas ela "variou"”. Ele não se fez de rogado e adiantou-lhe um pedido de favor. “Procure se lembrar de pessoas que possam falar da historia da Coreia e caso se lembre me fale ”. Quantos dos negros e negras que se estabeleceram na região da Coreia, na região da Vila Passos e na região da Vala da Macaúba driblaram a morte e mantiveram a sanidade depois de tantas décadas? A família dela por parte de mãe reservava traços fisico-psicologicos e traços históricos de descendentes de quilombolas, do povoado São Simão, município de Rosário. A avó, antes de morrer, morou na casa da filha. Por incrível que pareça, mesmo cega, a avó acordava de madrugada e andava pela casa sem esbarrar em nenhum móvel. Os idosos ficam mais lentos, mas a memória precisa de um refresco para ser reativada. O que dizer da recordação do comício de Getulio Vargas em plena Vala da Macaúba nos anos 50? Era o retorno dele a politica pela via eleitoral. Para quem só o conhecia do rádio e dos jornais, a presença dele deve ter causado impacto na vida daquela gente negra e pobre da periferia de São Luis.

a praça e a geometria

Arquitetura é geometria. Sentar na praça de papo pro ar ou de papo com os amigos não te permite confirmar essa premissa. A pessoa se dispersa na praça. Pra qualquer lado que se vire, ela sentirá dispersão. E essa dispersão se deve a geometria porque se não houvesse uma variedade de formas quem se sentiria bem numa praça? Numa noite dessas, a praça da Biblia se encontrava avexada de pessoas sentadas em dupla, em grupos papeando ou passeando. Não se sabe o que elas papeavam. Um pouco de suas vidas particulares e um pouco da vida dos outros para ficar no hábito. Papear é se dispersar e dispersar as suas nuances por vidas paralelas ou perpendiculares. A praça da Bibilia acabara de ser reformada e inaugurada pelo prefeito Edivaldo Holanda e ela perfazia quarenta e dois anos de existência. A praça da Biblia, nesses 42 anos, experimentou a primeira reforma no governo Jackson Lago (1988-1992) e esta reforma a favoreceu no aspecto social porque levou as pessoas dos bairros vizinhos a frequentarem. A construção ou a reforma de uma praça tira as pessoas do seu estupor rotineiro e empurra-as para o espaço publico onde conferem modas de vidas iguais aos seus e outros bem diferentes. A reforma da praça da Biblia, por mais que o governo Edivaldo Holanda tenha quisto dar um caráter religioso a ela, é uma reforma geométrica e como tal ela privilegia o espaço e o uso que as pessoas fazem deste espaço.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Amplitude e profundidade na praça Deodoro

É inegável que a cidade de São luis presencia o maior pacote de obras em sua malha viária e em seus equipamentos urbanos. Esses investimentos se originam de um planejamento da cidade de São Luis. A cidade presenciou na época do governo Cafeteira e no governo Roseana investimentos de impacto na infraestrutura urbana, mas ou se concentraram no centro histórico (projeto Reviver) ou espalharam-se pela cidade em alguns pontos. A marca desses dois governos foram os investimentos com o verniz cultural, dentro daquela lógica de que investir em cultura atrai turistas e controla os formadores de opinião. Não dá para afirmar que o atual governo municipal de São Luis (administração Edivaldo Holanda) tenha deferência pelos temas culturais e ele já deu provas em contrário. Os investimentos nas reformas de praças pelo centro e pelos bairros servirão de atenuante para uma administração que pouco fez para incentivar a produção cultural e intelectual em seus quase oito anos. A praça Deodoro, a principal praça, há muito tempo precisava de uma reforma que modificasse a sua expressão de permissividade. A prefeitura, em parceria com o IPHAN, reformou a praça e devolveu a população o livre acesso ao passeio e ao visual da praça. A praça precisa propiciar duas coisas: a sensação de amplitude e a sensação de profundidade. Sente-se a escadaria da biblioteca Benedito Leite e essas sensações prontamente lhe ascenderão. Porquê é importante para o caminhante e o usuário da praça essas sensações? Porque a sensação de espaço não pode ser restrita e nem meramente plana. A hipótese de que a terra é plana se ridiculariza por si própria, portanto.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Choque de linguagens

Enganara-se. O Foto Sombra não era mais na esquina da rua do Passeio com a praça Deodoro. Achara que ainda veria o letreiro Foto Sombra por sobre a entrada da loja. Que engano tosco. Em seu lugar, uma farmácia. Ou o Foto Sombra se mudara ou deixara de existir. Não perguntaria o que acontecera porque seria uma pergunta idiota para o seu interlocutor “ em que local de São Luis você mora?”. As lojas em que se revelavam fotos perderam espaço e vez com as novas técnicas de fotografia. Deixou saudades? Ele conduzia o olhar pelos frontais dos casarões modernizados pelo comercio local. Um foi suficiente para entretê-lo. “Memorial Cândido Riberio”. Quem fora Cândido Ribeiro? Deram o nome Cândido Riberio a uma rua, mas um memorial em sua homenagem lhe surpreendeu. Ele pensou em entrar por alguns minutos e analisar o ambiente como se fosse um pesquisador muito interessado na historicidade de São Luis. O papel de pesquisador não lhe cabia. Caber-lhe-ia mais o papel de observador das prateleiras de uma livraria católica onde cavucou o livro “Observações Filosóficas”, de Ludwig Wittgenstein, filosofo positivista austríaco do começo do século XX. Os trechos do livro que lera resvalavam na matemática. Não é por acaso esse resvalo, pois a prosa de Wittgenstein elimina a subjetividade em busca de uma pureza do enunciado. Quase cometeu a indiscrição de inquirir a vendedora “ que esse livro faz na prateleira de uma livraria católica?”. Manteve a politica de boa vizinhança e comprou dois livros católicos que a mãe pedira. A discussão em torno da linguagem sempre lhe cativou e, provavelmente, a leitura de Wittgenstein traria poucos dissabores. A linguagem que se ouve nas ruas, rapidamente, pegando no ar, talvez lhe trouxesse mais estática. Uma menina conversava com a mãe sobre um dinheiro ou algo parecido. Desentendeu tudinho. Esse choque de linguagens prevaleceu na chegada dos negros, no porto de São Luis, que vieram trabalhar como escravos nos engenhos de cana de açúcar instalados na zona rural do Maranhão.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Os bustos da praça Deodoro

Escrever é especular. Traçar rotas incertas. Deparar-se com o inesperado. A praça Deodoro, naquela manhã, não seria a mesma de outros dias. Ele parou em frente aos bustos de intelectuais e escritores maranhenses. Um não tinha identificação. O seguinte correspondia ao escritor maranhense do começo do século XX, Nascimento de Moraes que escreveu Vencidos e Degenerados, romance de formação cujo personagem principal é um jovem intelectual e escritor negro que vive a cidade de São Luis pós abolição da escravatura. A data 13 de maio de 1888 tinha mais significado histórico social para os negros do que a proclamação da república. Os negros acreditavam que a republica poderia trazer retrocessos quanto a lei que a princesa Isabel assinara. O romance “Vencidos e Degenerados” compõe a trilogia da escravidão do romance maranhense junto com “O Mulato”, de Aluizio Azevedo, e “Tambores de São Luis”, de Josué Montello. Descobrira "Vencidos e Degenerados" através do jornalista e escritor Geraldo Iensen em uma conversa sobre modernismo em São Luis. Uma dos pontos com o qual se debatia era o caráter passadista da produção literaria na capital maranhense. O ultimo busto visto ganhara o rosto deuma mulher. Nome: Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista brasileira. Ela nasceu em São Luis mas cresceu e tornou-se professora no município de Guimarães, baixada maranhese. Em seus escritos defendia os direitos dos negros e o fim da escravidão. Não era sem tempo que aqueles bustos, finalmente, comunicavam-se com ele numa língua luso brasileira (branca, negra e indígena) bem diferente e distante da que ele escrevia em seus papeis avulsos.

domingo, 9 de agosto de 2020

Rio Anil

Rio Anil O rio Anil não é anil e nem tem peça sobressalente. Sobre ele, o homem navegava vestido de sombras apertadas e festas insones. Quem o viu se vestir voltou a se deitar. A câmera escura da mente abre e fecha. O sol queimava de cor cinza as suas margens e as pernas dos catadores de pequenas vidas . Os mangues esverdeavam o alcance da visão. As penas vermelhas dos Guarás decompunham o azul celeste com a graça de um demente. Eles sobrevoavam a mesmice dos que vivem. O rio Anil murmura o muro que cerca o mudo. Rareiam os apelos iminentes na noite absurda. Desconversa que vai ao longe. Por favor, não chegue tarde e nem cedo do dia. Cozinha o galo que acordava a madrugada. Adoça o café fervido amargo. Amargura que se engole a seco.

sábado, 8 de agosto de 2020

O exercicio da posse e a grilagem de terras em Buriti

Que prova fundamental uma pessoa ou grupo de pessoas deve apresentar num processo de reintegração de posse caso o juiz peça? A casa é a prova cabal que uma pessoa ou grupo de pessoas vive naquele terreno em um bom espaço de tempo. Isso não é pouco num processo de reintegração de posse porque quanto mais ficar demonstrado o exercício da posse por uma pessoa ou por um grupo de pessoas mais o judiciário se convence dos direitos da pessoa ou do grupo de pessoas sobre aquele terreno e a veracidade de suas alegações em comparação com as alegações de quem impetrou a ação. Por essa razão, na maioria dos casos de disputa por terras, a primeira iniciativa do fazendeiro ou da empresa é proibir que a pessoa ou o grupo de pessoas construa casa ou, se construir, proibir melhorias para caracterizar perante o judiciário que o caso em questão não precisa de grandes análises e sim uma decisão rápida em favor de quem propôs a ação. Quem propõe a ação, geralmente fazendeiros e empresas, quer desvirtuar o exercício da posse. A posse da terra é de quem nela vive e que se sustenta pelo uso dessa terra. A posse, então, é tudo para o agricultor familiar e para as comunidades tradicionais. No município de Buriti, a posse dos agricultores é constantemente ameaçada por grileiros, fazendeiros e por empresas. O Manoel Carlos possui uma posse de terra na localidade conhecida por Coruja. De repente, um sujeito (grileiro) surgido de um lugar não se sabe da onde e muito distante do Coruja apregoa que ele tem a posse da terra do Coruja mesmo sem morar lá, valendo-se de ameaças contra o Manoel Carlos e com a falsificação de documentos. O verdadeiro detentor da posse, o Manoel Carlos, nos últimos meses, vive na posse da filha e do cunhado na Chapada da Cacimba, recuperando-se de um derrame. O grileiro se aproveitando desse fato derrubou a casa do Manoel Carlos, onde ele morava só.

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Beethoven e os movimentos das comunidades quilombolas

“Essa peça de piano de Beethoven deprime qualquer um”. As paisagens do lado de fora do carro se sucediam rapidamente ou lentamente de acordo com as notas das musicas que ouviam. Eles retornavam da cidade de Viana, cidade dos lagos, e escutavam Mozart, compositor austrieco, por certo trecho da estrada esburacada . Sentiam-se em plena Viena do final do seculo XVIII, em que os ventos revolucionarios sopravam por toda Europa. A cidade de Viana não se compara a Viena, capital do império austro hungaro. Um deles, entretanto, sonhava em ser um artistocrata dançando nos salões da aristocracia. O outro, por seu lado, espantava-se com a capacidade de Mozart transitar pelo sagrado e pelo mundano. Uma das peças que eles ouviram levitava de tão leves os sons que os músicos extraiam de seus instrumentos de corda. Sem injustiça nenhuma, as peças de Mozart recaem sobre os sentidos como um dia de verão. Elas, no fundo, exaltam o prazer e a frivolidade. Quem não quer sair um dia para passear e ficar sentadona areia da praia com um sol sem nuvens? Os moradores do quilombo Graça, município de Matinha Baixada maranhense, deslocam-se para São Luis, capital do Maranhão, só por uma causa extrema. Eles são agricultores familiares e criadores de pequenos animais. O Iterma titulou 360 hectares em nome da associação da Graça na década de 90. Foi uma forma de por fim as investidas dos fazendeiros da região que cobiçavam a terra. Só o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Matinha prestou auxilio aos quilombolas nessa querela. Nessa época, eles seguiam direto para São Luis em grupo para cobrarem do governo do Maranhão a resolução do conflito. A obtenção do titulo resolveu um problema imediato, mas o percurso da comunidade de Graça para sua libertação total depende de outros movimentos coletivos e individuais. Um problema que quase não se nota é o da água. Não se nota porque a comunidade possui um sistema de abastecimento de água e desse jeito a água aparece nas torneiras das casas. Escavou-se um poço artesiano e a água deu com 80 metros. É profundo. Existiam mais de cinco nascentes no território quilombola e dessas sobreviveram duas. As outras nascentes secaram porque os agricultores roçaram e queimaram os matos que as protegem. A peça de Piano Sonata numero 8 em C Menor de Beethoven fez pensar nesses movimentos que as comunidades tradicionais e quilombolas executam em tempos de recesso social, pelo qual estas comunidades passaram e passam.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

O abismo do agronegocio

“A totalidade é a mentira”, afirmou Adorno e afirmação esta que George Steiner cita em seu texto “Viagem crepuscular de Walter Benjamin”, publicado pela Folha de São Paulo em seu caderno Mais de 4 de fevereiro de 2001. A totalidade seria a “condição de ser total”. Adorno, herdeiro do iluminismo ilustrado do século XVIII e grande critico da relação capitalismo e cultura de massa, desconfiava de qualquer projeto humano que desembocasse num hipotético Estado social homogeneizado. “Uma poética do fragmentário, dos "fragmentos que apóiam nossa ruína", habita a literatura moderna” (George Steiner). O discurso propagado pelo capitalismo move a sociedade para “um hotel provido de todo conforto moderno, mas à beira do abismo, do nada, do absurdo (Lukacs). O fato do hotel se localizar “à beira do abismo, do nada, do absurdo” parece não representar problema algum para seus hospedes que ou não sabem ou fingem não saber de sua localização. Ou pode ser pior: os hospedes querem experimentar a sensação de olhar para o abismo, para o nada e para o absurdo. Sentir a vertigem do perigo que a proximidade do abismo traz. O capitalismo sempre almejou agrupar as sensações e os sentimentos humanos num empreendimento total. O hotel a que se refere Lukacs seria esse empreendimento que busca a totalidade da experiência humana, observando, é claro, o momento histórico em que o filosofo estava inserido. O agronegócio, versão diminuta do capitalismo, move a sociedade brasileira para o hotel de que fala Lukacs. O hotel em que a sociedade passa seus dias de descanso é pago com as divisas obtidas pela exportação das monoculturas de soja e eucalipto, entretanto ninguém se atreve a inquirir o gerente porque cada vez mais se olha o abismo do hotel. E o que é o abismo do agronegócio? É o espaço onde podem ser vistos do hotel os últimos vestígios de vegetação nativa e de ocupação humana tradicional nas regiões identificadas como pertencentes ao bioma Cerrado.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Justiça Celere de Buriti favorece agronegocio da soja

Os termos que a Justiça emprega nos seus documentos denotam frieza e objetividade que para boa parte da população é irritante. A figura judicial deveria emanar justiça em seus atos e em suas decisões. Há quem acredite que o fórum seria um palácio da justiça no qual o juiz vai decidir segundo o que consta nos autos do processo. E que o prazo observado para ouvir as partes será aquele em que as partes se movimentem de acordo com os seus recursos financeiros e recursos humanos. O juiz, em seus atos e em suas decisões, é o senhor do tempo e o senhor das demandas. Ele determina que num prazo de tantos dias a pessoa cumpra com o que está escrito no papel. Caso a pessoa não saiba ler ou saiba ler mas não saiba interpretar o discurso como fica a justiça ou como fica o próprio ato judicial ou a decisão judicial. O discurso falado ou o discurso escrito tem que se fazer entender e não se fazer obedecer simplesmente. A justiça e os seus ilustres representantes não devem esperar mera obediência porque se fosse assim ela seria um mero poder e o poder se exerce apenas. O juiz José Pereira Lima Filho, juiz da comarca de Buriti, baixo parnaiba maranhense, intimou o Vicente de Paula a indicar um novo advogado no processo aberto contra ele pelo plantador de soja Andre Introvini. Ele deu um prazo de cinco dias para que Vicente indique o advogado. Vicente de Paula é um agricultor familiar, vive do que produz, não tem acesso rotineiro ao processo, a sua renda e a renda dos seus familiares é pequena, mas o juiz o intima em um prazo de cinco dias e que se ele não indicar o advogado será indicado um defensor dativo para acompanhar o caso. É bem assim. Ou você obedece ao que está no papel ou você receberá assistência do Estado algo que nem sempre é bom receber. Imagina o impacto para o Vicente de Paula e sua família, em plena pandemia, receber uma intimação judicial e as intimações judiciais mais desinformam do que informam. Tá lá escrito “indicar um novo advogado”. Que advogado pode indicar num prazo de cinco dias. Quer dizer o juiz recém chegado ao município de Buriti quer resolver em em curto espaço de tempo uma questão de terra que já tem mais de dez anos. O Vicente de Paula e sua família vivem em paz na sua propriedade. Quem tem pressa é o Andre Introvini e o Gabriel Introvini, plantadores de soja e especuladores de terra, que querem tomar na marra a terra de Vicente.

domingo, 2 de agosto de 2020

a casa de dona irene

A casa de dona Irene ou a casa do senhor Raimundo Sabino, seu pai, no povoado Baixão, município de Buriti, obedece ao padrão de casa de proprietário de terras na zona rural do estado do Maranhão. No quesito padrão, o que salta aos olhos é a profusão de janelas e de portas que se abrem para a estrada. Para facilitar a ventilação, quem sabe, ou facilitar a entrada, a saída e o trafegar de pessoas da e pela casa. Não havia se dado conta de tantas janelas e tantas portas. De uma vez, conversara com dona Irene no corredor da casa. De outra vez, eles conversaram no quintal. A casa. como um todo, parece um ser esquecido porque dona Irene passa mais tempo na cozinha e no quintal. As portas e as janelas trazem um pouco de luz solar para os ambientes internos de casa e o corredor empurra um pouco dessa luz mais para dentro. A conversa com dona Irene se dera próximo a porta principal, onde a luz e o calor indiciam mais. Uma conversa precisa de um espaço adequado para acontecer. A casa de Dona Irene não tem uma sala, então a conversa aconteceu no corredor, que é mais uma passagem de pessoas do que um espaço de conversa. A conversa com dona Irene não se demorou e observando agora não teria razão para demorar. Tinha-se um objetivo com a conversa; o objetivo fora cumprido e as conversas em datas posteriores seguiriam no mesmo rumo de cumprir esse objetivo. Essa conversa objetiva e rápida fez com que a profusão de portas e janelas passasse batida. Outra coisa que passou batida foi a percepção que a casa tinha um estilo jovial e pitoresco. A percepção só se deu graças ao fato de dona Irene não estar em casa numa visita recente. A casa se achava trancada em si mesma sem poder dizer e ver nada. As portas e as janelas eram indevassáveis para quem as via de fora. As cores amarelo e azul da frente da casa revelavam um gosto incomum. As impressões o levaram a buscar referencias nas pinturas de Almeida Junior que privilegiam aspectos ligados a zona rural de São Paulo do final do século XIX. As pessoas e as situações que Almeida Junior pintou sofreram a mão pesada da modernização econômica e social que os paulistas experimentaram no século XX. A pintura O violeiro representa uma forma de viver a cultura e o fazer artístico que se ligava a agricultura tradicional. A agricultura se modernizou em mais de um século o que mudou a percepção e o fazer artístico em São Paulo e no restante do Brasil. O Maranhão vive seu momento de modernização na agricultura com a entrada de plantadores de soja e de empresas de eucalipto nos municípios maranhenses. Os processos de modernização econômico tendem a apagar ou a relativizar a noção de história por parte da sociedade. A tendência no caso do Maranhão é apagar ou desvalorizar os vestígios da historia humana como essas construções arcaicas para enaltecer uma modernidade que traga ganhos financeiros e técnicos. Ver menos