terça-feira, 4 de agosto de 2020

O abismo do agronegocio

“A totalidade é a mentira”, afirmou Adorno e afirmação esta que George Steiner cita em seu texto “Viagem crepuscular de Walter Benjamin”, publicado pela Folha de São Paulo em seu caderno Mais de 4 de fevereiro de 2001. A totalidade seria a “condição de ser total”. Adorno, herdeiro do iluminismo ilustrado do século XVIII e grande critico da relação capitalismo e cultura de massa, desconfiava de qualquer projeto humano que desembocasse num hipotético Estado social homogeneizado. “Uma poética do fragmentário, dos "fragmentos que apóiam nossa ruína", habita a literatura moderna” (George Steiner). O discurso propagado pelo capitalismo move a sociedade para “um hotel provido de todo conforto moderno, mas à beira do abismo, do nada, do absurdo (Lukacs). O fato do hotel se localizar “à beira do abismo, do nada, do absurdo” parece não representar problema algum para seus hospedes que ou não sabem ou fingem não saber de sua localização. Ou pode ser pior: os hospedes querem experimentar a sensação de olhar para o abismo, para o nada e para o absurdo. Sentir a vertigem do perigo que a proximidade do abismo traz. O capitalismo sempre almejou agrupar as sensações e os sentimentos humanos num empreendimento total. O hotel a que se refere Lukacs seria esse empreendimento que busca a totalidade da experiência humana, observando, é claro, o momento histórico em que o filosofo estava inserido. O agronegócio, versão diminuta do capitalismo, move a sociedade brasileira para o hotel de que fala Lukacs. O hotel em que a sociedade passa seus dias de descanso é pago com as divisas obtidas pela exportação das monoculturas de soja e eucalipto, entretanto ninguém se atreve a inquirir o gerente porque cada vez mais se olha o abismo do hotel. E o que é o abismo do agronegócio? É o espaço onde podem ser vistos do hotel os últimos vestígios de vegetação nativa e de ocupação humana tradicional nas regiões identificadas como pertencentes ao bioma Cerrado.

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