Projeto Matopiba acelera pressão sobre as terras dos pequenos agricultores na região
São inúmeros os relatos dos moradores de diversas comunidades da região do Matopiba, sigla que congrega os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que denunciam a sanha do agronegócio sobre suas terras, por apostarem algumas de suas fichas no Plano de Desenvolvimento Agropecuário (PDA-Matopiba), criado em 2015 pela então Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Kátia Abreu, para desenvolver a monocultura na região.
Vicente de Paula é um desses agricultores que vem sofrendo pressão de latifundiários da região para que ele venda sua terra. Posseiro de uma área de 150 hectares na Chapada do município de Buriti, no Maranhão, e morador da região desde a década de 1990, Vicente já resistiu a várias investidas do sojicultor André Introvini, que tenta comprar sua área terra por um preço muito abaixo do valor de mercado ou trocá-la por outras áreas espalhadas pelo município.
“Aqui era uma Chapada só de mato. Nos primeiros anos em que trabalhei aqui com meu padrasto e o pessoal achava que eu era doido. Ninguém queria a Chapada. O maior problema era água. Agora vejam, aqui temos poço, faço minha roça, tem bacurizeiro, pequizeiro e outras espécies, e querem que eu mude para a beira do rio Preto onde não pode desmatar e só tem pedra”, relata.
André Introvini é um acusado pela população local como um destes latifundiários que arregimentam terras na região. Proprietário da fazenda São Bernardo, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Maranhão (Aprosoja) e um dos articuladores do Matopiba na região do Baixo Parnaíba, André Introvini é denunciado por diversas lideranças locais por tentar se apropriar da última grande Chapada que circunda o povoado Brejão, uma área que carrega todas as características de ser uma comunidade quilombola e que coincide com as bacias de três rios regionais: a bacia do rio Buriti, que desagua no rio Parnaíba, e as bacias do rio Preto e do riacho Feio, afluentes do rio Munim.
Relatos
da população local dizem que o grupo João Santos, empresa de produção de açúcar
com sede em Coelho Neto, diz ser proprietário dessa Chapada com mais de quatro
mil hectares de Cerrado, e quer vendê-la para André Introvini.
Em 2009,
funcionários da fazenda São Bernardo desmataram vários bacurizeiros dentro da
área de Vicente de Paula, que entrou na justiça com um pedido de interdito
proibitório contra André Introvini. A decisão saiu em 2013 e foi favorável ao
agricultor. Na luta para permanecer na Chapada, Vicente de Paula conta com o
auxílio da Associação dos Amigos de Buriti (AMIB) e do Fórum Carajás que já
levaram projetos produtivos para ele e sua família, como o manejo de bacuri, a
criação de frango caipira e de bode.
Para
Edmilson Pinheiro, secretário-executivo do Fórum Carajás, “a região do Baixo
Parnaíba não é a primeira a ser impactada pelo avanço da fronteira agrícola.
Contudo, os impactos não se limitam aos desmatamentos da vegetação nativa. Nos
municípios do Baixo Parnaíba vivem várias comunidades tradicionais (quilombolas
e extrativistas) e assentamentos da reforma agrária que são afetados
diretamente e indiretamente pelo uso de agrotóxicos, pela morte de suas
criações e pelas mudanças no clima”, avalia.
A posse
de Vicente fica bem no meio da Chapada, justamente num local em que as fazendas
de soja gostam de se instalar. Porém, são poucos os moradores que tem algum
tipo de documentação da sua área, já que a maioria são posseiros. Com isso,
como relata Vicente, os sojicultores, com conivência dos órgãos fundiários e
ambientais do estado, buscam se apropriar dessas áreas. Eles sabem que muitas
vezes os agricultores passam por dificuldades financeiras e oferecem algum
trocado pela posse. Por meio dessa estratégia, a família Introvini angariou boa
parte das áreas de Chapada do município de Buriti.
Proibido
roçar
No
primeiro semestre de 2016, correram os boatos que o grupo João Santos, empresa
de cana de açúcar sediada em Coelho Neto, venderia o Brejão, e que os moradores
não poderiam mais roçar em suas terras e que seriam remanejados para povoados
mais distantes. O senhor Luis Ferreira Lima, 70, mora há mais de 30 anos no
Bejão. Sua esposa, Maria José Rodrigues, 62, nasceu e se criou naquele Baixão.
Ferreira conta que é sabido na região que o grupo João Santos comprou a
fazenda do Brejão, propriedade de 150 hectares do ex-deputado Pedro Novaes, mas
que a Chapada é terra do Estado.
Por
várias vezes, os funcionários deixaram ordens para os moradores não roçarem a
terra, uma forma de tornar mais difícil a vida dos moradores, já que sem suas
roças de arroz, feijão e mandioca eles não se alimentariam e nem fariam renda.
Na ocasião, Luis Ferreira consultou seus vizinhos do Araçá, que disseram
justamente o contrário, e o aconselharam a fazer a roça para demonstrar que ele
exercia a posse da terra, caso a questão fosse parar na justiça.
A
diocese de Brejo acompanha o caso por meio do advogado Diogo Cabral que entrou
na justiça de Buriti com uma liminar de manutenção de posse em favor da
comunidade do Brejão, mas o caso ainda não foi julgado.
Luis
Ferreira relata que é comum o grupo de João Santos oferecer dinheiro ou alguns
hectares de terra para que os moradores vendam suas terras. Ferreira é um idoso
de força e coragem que roçou a Chapada para plantar sua mandioca, e agora
espera a chuva para plantar arroz na próxima safra. Ferreira acredita que os
funcionários do grupo João Santos não demorarão muito para voltarem a
incomodá-lo por conta de suas plantações. No final de dezembro de 2016, um
trator da empresa demarcou para cada morador uma pequena área para que eles
plantassem seus cultivos. “Eles querem que eu fique encolhido nessa área? E
onde farei minha roça?”, questiona.
Certo
dia, conta o agricultor, um gerente do grupo João Santos perguntou a ele se
queria fazer um acordo. Luis Ferreira respondeu que o único acordo que toparia
seria morar na terra onde vive há muitos anos.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque
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