Os 'players' do
agronegócio mundial têm comprado terras que grileiros tomaram de comunidades
rurais, e tudo isso apoiados por políticos e bancos públicos.
Najar Tubino
Terra plana, cobertas de vegetação do cerrado, que
no Brasil pagam o preço da expansão do agronegócio transgênico e agroquímico. A
última chapada está no sul do Piauí e desde a década de 1990 sofre a ação de
grileiros, roubando terras públicas – devolutas -, depois repassadas para os
grandes “players” do setor. No final do ano passado, os municípios de Gilbués,
Bom Jesus, Santa Filomena, entre outros, tiveram uma exposição internacional,
quando o jornal The New YorkTimes reproduziu uma denúncia do GRAIN, sobre a
compra de terras pelo fundo dos professores universitários dos Estados Unidos
TIAA-Cref – Teachers Insurance and Annuity Association – College Retirement
Equities Fund – do paulista Euclides de Carli, conhecido como o maior grileiro
do sul do Piauí e Maranhão. O TIAA-CREF dispõe de US$866 bilhões para
investimentos, e atua no negócio de terras através de outra empresa, a
TIAA-CREF Global Agriculture HoldCo. O último fundo da TIAA Agriculture fechou
em agosto de 2015 com US$ 3 bilhões para investir.
É óbvio que os fundos não querem lucros de 3% que é o máximo que conseguem no Hemisfério Norte. Eles querem 15 a 25% em cinco anos, que normalmente é o prazo para o pagamento de rendimento aos cotistas. Para desgraça das comunidades da chapada do Piauí, assim como já aconteceu na região de Balsas no Maranhão, onde o processo iniciou nos anos 1980, a expansão da soja, do milho e do algodão transgênicos significa a expulsão dos moradores. A grilagem é igual em qualquer parte do planeta: chegam, cercam a área, expulsam os moradores, colocam jagunços de guarda e se necessário matam quem denuncia.
Negócios da Radar-Cosan e TIAA-CREF
A Rede Social de Justiça e Direitos Humanos – WWW.social.org.br – apresentou em novembro do ano passado um relatório de 58 páginas intitulado “A Radar S/A e a especulação de Terras no Brasil”. A Radar é uma empresa criada pela Cosan em 2008, ao mesmo tempo em que a holding de Rubens Ometto criava uma joint venture com a Shell, para os negócios de açúcar e etanol, com o nome de Raízen. A Radar com 18,9% da Cosan tinha como sócio a Mansilla Participações S/A, que vem a ser uma empresa da TIAA Agriculture. Ometto continua com o controle das fazendas. O negócio começou com US$400 milhões. Em dois anos a Radar era proprietária de 151.468 ha, sendo 72.911 ha em SP, 37.654 ha no Maranhão e 29.482 ha no Mato Grosso, mais outras fazendas na Bahia, Goiás e Piauí.
A aplicação dos fundos no agronegócio brasileiros iniciou antes da crise financeira, quando várias empresas começaram a captar dinheiro nas bolsas mundo afora. Também ocorreu uma concentração de operações no setor canavieiro e seu ramo industrial, quando as grandes do mundo assumiram empresas de capital brasileiro. A Louis Dreyfus, francesa, foi a maior delas, seguida pela Bunge, dos Estados Unidos. Em 2012, a Cosam fez um aporte de R$550 milhões e assumiu a maior parcela da Radar – 37,7%. E passou a integrar o portfólio da Cosan. Antes disso, as empresas criaram a Tellus S/A para captar debêntures em bolsas, a fim de comprar determinadas fazendas. Como numa novela mexicana de quinta categoria, a TIAA criou a Terra Viva Brasil Participações e a Nova Gaia. Tudo isso para esconder o jogo sujo do mercado. São empresas onde os donos são os mesmos, que captam dinheiro no mercado, compram terras, depois arrendam ou colocam à venda. Depois de determinado porte, vendem fatias das empresas criadas, tudo de acordo com a especulação financeira mundial.
Impunidade dos grileiros
Euclides de Carli era o dono de uma colonizadora. Ele é daquele tipo racista que conta ao mundo que a agricultura sulista é a mais moderna e tecnológica, e que as comunidades rurais estão na idade da pedra e não produzem nada. O pesquisador Roberto de Sousa Miranda, da Universidade Federal de Campina Grande conta os métodos jagunceiros do dito cujo na sua tese “Ecologia Política da Soja e Processos de Territorialização no sul do Maranhão”. Um caso conhecido de assassinato de um agricultor – José Antônio Lopes em 2011- foi relatado ao Ouvidor Agrário Nacional, desembargador Gersino da Silva Filho, em 2012. O deputado estadual Manoel Ribeiro, do PTB também divulgou uma extensa lista de crimes de Euclides de Carli – 26 processos na Comarca de Balsas.
Em 2013, a Justiça Federal entrou com um processo por crime da ordem tributária, mas em 2015, a Polícia Federal e o MPF começaram a desenredar outra ponta dos negócios do grileiro. Através de saques em dinheiro de mais de R$18 milhões da empresa RM Imóveis, de Rovílio Mascarello, empresário de Cascavel, com fazendas espalhadas pelo cerrado, a investigação detectou um saque de mais de oito milhões na agência do Banco do Brasil de Teresina de Joacir Alves, corretor de terras e parceiro de Euclides de Carli. Este movimentou mais de R$15 milhões através de saques em dinheiro.
Empréstimos milionários e documentos fraudulentos
A questão é que a ocupação da última chapada foi feito como no resto da fronteira agrícola do país – a ferro e sangue. A Justiça não funciona nos confins do Brasil, e quando atua é em favor dos poderosos. Hoje, todo o ABCD do agronegócio – ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus – está presente na região. A mata do cerrada foi detonada. A vida vegetal e animal idem. Não sei qual o problema é maior: o rio Parnaíba faz a divisa do Piauí com o Maranhão. Seus afluentes, como o rio das Balsas, Uruçuí são atingidos pela perda da mata ciliar e do envenenamento por agrotóxicos. As fontes de água, em longo prazo, correm o risco de secar. O cerrado que é a fonte de água é saqueado da pior forma possível. O pesquisador Roberto Miranda aponta mais de 14 mil km2 em quatro anos que desapareceram com sua cobertura vegetal entre os anos 2004 e 2008, no sul do Maranhão.
Em agosto do ano passado uma caravana da OAB do Piauí percorreu o sul do estado, onde são detectadas irregularidades em dois milhões de hectares, incluindo investigação do Conselho Nacional de Justiça, porque os documentos de propriedade são forjados em cartórios das cidades como Gibões, Santa Filomena e Bom Jesus. O que os advogados constataram é uma situação de descaso com a justiça, paralisada há 30 anos, com as mesmas estruturas, sem juízes titulares em seis municípios onde os conflitos agrários explodiram. Uma declaração do juiz Heliomar Rios, da Vara Agrária ao jornal 180, do Piauí:
“-Muitos registros irregulares são usados para obter empréstimos nos bancos. O que mais vemos são empréstimos absurdos, seja com o BNDES, com o Banco do Nordeste ou o Banco do Brasil. Além disso, esses imóveis estão sendo usados como garantia em execuções milionárias. Às vezes, imóveis que só existem no papel. Existem registros públicos em cartórios vindo das Cartas de Sesmarias, nunca tinha visto isso, coisa de mais de dois séculos. Destas Cartas de Sesmarias renderam 110 mil hectares, e por incrível que pareça, segurou uma grande empresa de aviação com uma dívida de R$75 milhões, junto ao INSS”.
Destruir o cerrado no semiárido é insanidade
Na investigação contra Rovílio Mascarello, denunciada pelo jornal Centro-Oeste Popular e o portal Brasil Notícias, de Cuiabá, uma senhora chamada Francelina Alves, de Barreiras (PI) tinha uma fazenda de 100 mil hectares, vendida para Mascarello. O título original era de 55 ha, mas houve uma averbação em 1964 com mais 99.945 ha, com assinatura do escrevente Ademar Fernandes da Silva, que depois atestou a venda. O detalhe: Ademar começou a trabalhar no cartório na década de 1980. A Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Piauí considerou a compra uma fraude grosseira de documento público.
Depois de tudo isso, chegam os “players” do agronegócio, como a Radar, e compram as fazendas que os grileiros tomaram de áreas devolutas ocupadas por décadas por comunidades rurais. Caso registrado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, nas debêntures registradas pela Tellus para comprar as fazendas Sagitário e Marimbondo, em Alto Parnaíba. Depois arrendaram a Fazenda Sagitário para a SLC – Schneider e Logmann produz soja, milho e algodão em mais de 240 mil ha em vários estados. E também tem uma empresa, a Landau, junto com um fundo inglês, que compra terras, arrenda e vende.
Toda a fronteira agrícola tem o apoio de políticos estaduais, federais e municipais, além de crédito subsidiado dos bancos públicos. Existe um problema muito maior na última Chapada. Ela está inserida no semiárido brasileiro, uma região que sofre com as mudanças climáticas e várias áreas já estão enfrentando problemas de desertificação. Destruir o cerrado, a recarga dos rios, envenenar as águas e expulsar comunidades, matar agricultores familiares, posseiros e trabalhadores rurais não está na conta do agronegócio bilionário. Quanto custa isso?
É óbvio que os fundos não querem lucros de 3% que é o máximo que conseguem no Hemisfério Norte. Eles querem 15 a 25% em cinco anos, que normalmente é o prazo para o pagamento de rendimento aos cotistas. Para desgraça das comunidades da chapada do Piauí, assim como já aconteceu na região de Balsas no Maranhão, onde o processo iniciou nos anos 1980, a expansão da soja, do milho e do algodão transgênicos significa a expulsão dos moradores. A grilagem é igual em qualquer parte do planeta: chegam, cercam a área, expulsam os moradores, colocam jagunços de guarda e se necessário matam quem denuncia.
Negócios da Radar-Cosan e TIAA-CREF
A Rede Social de Justiça e Direitos Humanos – WWW.social.org.br – apresentou em novembro do ano passado um relatório de 58 páginas intitulado “A Radar S/A e a especulação de Terras no Brasil”. A Radar é uma empresa criada pela Cosan em 2008, ao mesmo tempo em que a holding de Rubens Ometto criava uma joint venture com a Shell, para os negócios de açúcar e etanol, com o nome de Raízen. A Radar com 18,9% da Cosan tinha como sócio a Mansilla Participações S/A, que vem a ser uma empresa da TIAA Agriculture. Ometto continua com o controle das fazendas. O negócio começou com US$400 milhões. Em dois anos a Radar era proprietária de 151.468 ha, sendo 72.911 ha em SP, 37.654 ha no Maranhão e 29.482 ha no Mato Grosso, mais outras fazendas na Bahia, Goiás e Piauí.
A aplicação dos fundos no agronegócio brasileiros iniciou antes da crise financeira, quando várias empresas começaram a captar dinheiro nas bolsas mundo afora. Também ocorreu uma concentração de operações no setor canavieiro e seu ramo industrial, quando as grandes do mundo assumiram empresas de capital brasileiro. A Louis Dreyfus, francesa, foi a maior delas, seguida pela Bunge, dos Estados Unidos. Em 2012, a Cosam fez um aporte de R$550 milhões e assumiu a maior parcela da Radar – 37,7%. E passou a integrar o portfólio da Cosan. Antes disso, as empresas criaram a Tellus S/A para captar debêntures em bolsas, a fim de comprar determinadas fazendas. Como numa novela mexicana de quinta categoria, a TIAA criou a Terra Viva Brasil Participações e a Nova Gaia. Tudo isso para esconder o jogo sujo do mercado. São empresas onde os donos são os mesmos, que captam dinheiro no mercado, compram terras, depois arrendam ou colocam à venda. Depois de determinado porte, vendem fatias das empresas criadas, tudo de acordo com a especulação financeira mundial.
Impunidade dos grileiros
Euclides de Carli era o dono de uma colonizadora. Ele é daquele tipo racista que conta ao mundo que a agricultura sulista é a mais moderna e tecnológica, e que as comunidades rurais estão na idade da pedra e não produzem nada. O pesquisador Roberto de Sousa Miranda, da Universidade Federal de Campina Grande conta os métodos jagunceiros do dito cujo na sua tese “Ecologia Política da Soja e Processos de Territorialização no sul do Maranhão”. Um caso conhecido de assassinato de um agricultor – José Antônio Lopes em 2011- foi relatado ao Ouvidor Agrário Nacional, desembargador Gersino da Silva Filho, em 2012. O deputado estadual Manoel Ribeiro, do PTB também divulgou uma extensa lista de crimes de Euclides de Carli – 26 processos na Comarca de Balsas.
Em 2013, a Justiça Federal entrou com um processo por crime da ordem tributária, mas em 2015, a Polícia Federal e o MPF começaram a desenredar outra ponta dos negócios do grileiro. Através de saques em dinheiro de mais de R$18 milhões da empresa RM Imóveis, de Rovílio Mascarello, empresário de Cascavel, com fazendas espalhadas pelo cerrado, a investigação detectou um saque de mais de oito milhões na agência do Banco do Brasil de Teresina de Joacir Alves, corretor de terras e parceiro de Euclides de Carli. Este movimentou mais de R$15 milhões através de saques em dinheiro.
Empréstimos milionários e documentos fraudulentos
A questão é que a ocupação da última chapada foi feito como no resto da fronteira agrícola do país – a ferro e sangue. A Justiça não funciona nos confins do Brasil, e quando atua é em favor dos poderosos. Hoje, todo o ABCD do agronegócio – ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus – está presente na região. A mata do cerrada foi detonada. A vida vegetal e animal idem. Não sei qual o problema é maior: o rio Parnaíba faz a divisa do Piauí com o Maranhão. Seus afluentes, como o rio das Balsas, Uruçuí são atingidos pela perda da mata ciliar e do envenenamento por agrotóxicos. As fontes de água, em longo prazo, correm o risco de secar. O cerrado que é a fonte de água é saqueado da pior forma possível. O pesquisador Roberto Miranda aponta mais de 14 mil km2 em quatro anos que desapareceram com sua cobertura vegetal entre os anos 2004 e 2008, no sul do Maranhão.
Em agosto do ano passado uma caravana da OAB do Piauí percorreu o sul do estado, onde são detectadas irregularidades em dois milhões de hectares, incluindo investigação do Conselho Nacional de Justiça, porque os documentos de propriedade são forjados em cartórios das cidades como Gibões, Santa Filomena e Bom Jesus. O que os advogados constataram é uma situação de descaso com a justiça, paralisada há 30 anos, com as mesmas estruturas, sem juízes titulares em seis municípios onde os conflitos agrários explodiram. Uma declaração do juiz Heliomar Rios, da Vara Agrária ao jornal 180, do Piauí:
“-Muitos registros irregulares são usados para obter empréstimos nos bancos. O que mais vemos são empréstimos absurdos, seja com o BNDES, com o Banco do Nordeste ou o Banco do Brasil. Além disso, esses imóveis estão sendo usados como garantia em execuções milionárias. Às vezes, imóveis que só existem no papel. Existem registros públicos em cartórios vindo das Cartas de Sesmarias, nunca tinha visto isso, coisa de mais de dois séculos. Destas Cartas de Sesmarias renderam 110 mil hectares, e por incrível que pareça, segurou uma grande empresa de aviação com uma dívida de R$75 milhões, junto ao INSS”.
Destruir o cerrado no semiárido é insanidade
Na investigação contra Rovílio Mascarello, denunciada pelo jornal Centro-Oeste Popular e o portal Brasil Notícias, de Cuiabá, uma senhora chamada Francelina Alves, de Barreiras (PI) tinha uma fazenda de 100 mil hectares, vendida para Mascarello. O título original era de 55 ha, mas houve uma averbação em 1964 com mais 99.945 ha, com assinatura do escrevente Ademar Fernandes da Silva, que depois atestou a venda. O detalhe: Ademar começou a trabalhar no cartório na década de 1980. A Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Piauí considerou a compra uma fraude grosseira de documento público.
Depois de tudo isso, chegam os “players” do agronegócio, como a Radar, e compram as fazendas que os grileiros tomaram de áreas devolutas ocupadas por décadas por comunidades rurais. Caso registrado pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, nas debêntures registradas pela Tellus para comprar as fazendas Sagitário e Marimbondo, em Alto Parnaíba. Depois arrendaram a Fazenda Sagitário para a SLC – Schneider e Logmann produz soja, milho e algodão em mais de 240 mil ha em vários estados. E também tem uma empresa, a Landau, junto com um fundo inglês, que compra terras, arrenda e vende.
Toda a fronteira agrícola tem o apoio de políticos estaduais, federais e municipais, além de crédito subsidiado dos bancos públicos. Existe um problema muito maior na última Chapada. Ela está inserida no semiárido brasileiro, uma região que sofre com as mudanças climáticas e várias áreas já estão enfrentando problemas de desertificação. Destruir o cerrado, a recarga dos rios, envenenar as águas e expulsar comunidades, matar agricultores familiares, posseiros e trabalhadores rurais não está na conta do agronegócio bilionário. Quanto custa isso?
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