terça-feira, 13 de maio de 2014

A batida do tambor contra a tropa do trator- da resistência do povo de Queimadas, quilombo de Codó-Ma, contra o Grupo Costa Pinto



400_Quilombola - Fbio Oliveira
Em artigo, Diogo Cabral discorre sobre a vitória, ainda que parcial, dos quilombolas de Queimadas, Montabarro e Três Irmãos, no Maranhão, que obtiveram liminar na Justiça que os mantém em suas terras tradicionalmente ocupadas
Diogo Cabral* – Comissão Pastoral da Terra
Mateus 19:24: “…é mais fácil passar um camelo
pelo fundo de uma agulha do que entrar um
rico no reino de Deus
Queimadas, Três Irmãos e Montabarro são comunidades quilombolas localizadas no interior do Maranhão, na cidade de Codó, mata dos cocais, distante 350 km da capital,  São Luís, cidade maranhense que concentra maior número de conflitos no estado, segundo a publicação Conflitos no Campo 2013, da CPT. Através de pesquisa realizada pelos quilombolas e pela  Fetaema, Comissão Pastoral da Terra-Ma, Paróquia de São Raimundo e pela Ong Suiça ”Cooperaxion”, revelou-se, além de um território de valor histórico inestimável, formado por cemitérios, bosques com mais de 2 séculos, a resistência do tambor das comunidades, que estão envolvidas em um conflito agrário que perdura mais de 30 anos, contra a empresa do setor sucroalcooleiro Costa Pinto, sediada no Rio de Janeiro, responsável pela expulsão de centenas de famílias camponesas nas cidades de Codó, Caxias e Aldeias Altas, região de cocal e cerrado maranhense.
Falida com o desmantelo do programa Pró-Álcool, ainda na década de 1990, a empresa Costa Pinto parece ter ” arrumado” parceiros comerciais internacionais, e agora pretende, com maquinaria industrial  e intimidações, destruir quase 300 anos de religiosidade, festas tradicionais, lendas e mistérios tão ricos e presentes das matas de Codó, terra da Macumba!
Desde 2010, as investidas da empresa Costa Pinto contra as comunidades tornaram-se mais intensas. Em 2012, as lideranças locais passaram a ser alvo da sanha ”empresarial” do agrobusiness e tornaram-se desenfreadas as ameaças contra suas integridades. José da Silva Pacheco, o Souza, ingressou no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos da Presidência da República, já no ano de 2013. A empresa passou a proibir o plantio de qualquer espécie e até mesmo a pesca no rio Iguará, que banha as comunidades.
Em 2013, a empresa Costa Pinto ingressa com Ação Possessória contra José da Silva Pacheco e contra o Padre Benito Cabeza Fernandes (Padre Bento), agente da CPT, objetivando que o primeiro não mais entrasse na comunidade (onde reside desde que nasceu) e que o segundo deixasse de realizar missas e visitas na comunidade. De início, foi concedida liminar em favor da empresa, imediatamente suspensa pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, em recurso de agravo de instrumento, movido pela comunidade.
Em 2014, além das constantes ameaças de toda espécie, empregados da empresa invadiram a casa da presidente da Associação Quilombola, Maria Romana e anunciaram, em alto e bom tom, que a partir deste ano, toda a comunidade terá que pagar aforamento (a corveia medieval) ao grupo empresarial Costa Pinto, cujo capital social de uma de suas empresas ”é de  R$ 9.367.484,36 (nove milhões, trezentos e sessenta e sete mil, quatro- centos e oitenta e quatro reais e trinta e seis centavos), dividido em 26.500.000 (vinte e seis milhões e quinhentas mil) ações, sendo 18.110.100 (dezoito milhões, cento e dez mil e cem) ações ordinárias e 8.389.900 (oito milhões, trezentos e oitenta e nove mil e novecentas) ações preferenciais, com valor nominal de R$ 0,35349 (trinta e cinco mil, trezentos e quarenta e nove centésimos de milésimos de Real) cada uma”, segundo consta no diário oficial do Maranhão, datado de 20.03.2014. Por outro lado, há dezenas de famílias que dependem única e exclusivamente das roças de mandioca, milho, arroz, feijão, da criação de pequenos animais e que têm como único teto casas feitas de barro e cobertas de palha, muitas destas sem energia elétrica e saneamento básico.
Em razão das ameaças de expulsão de suas terras tradicionalmente ocupadas, os trabalhadores ingressaram em juízo contra a empresa Costa Pinto e conseguiram, em uma velocidade inédita, proteção possessória de seu território. O juiz titular da Primeira Vara de Codó, Rogério Pelegrini concedeu, em menos de 24 horas, decisão, deferindo e determinando a expedição do mandado de manutenção em favor dos quilombolas.
Na batida dos tambores da mata, que ecoam a vida e a resistência negra, as famílias quilombolas de Queimadas, Três Irmãos e Montabarro, com sorriso estampado, mãos calejadas e pernas firmes, seguem cantando: Eh, meu pai quilombo eu também sou quilombola, a minha luta é todo dia e toda hora!
*Assessor jurídico da FETAEMA e da Comissão Pastoral da Terra-MA

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