quarta-feira, 17 de julho de 2013

Conhecimentos tradicionais e patrimônio genético do Cerrado serão temas de audiência pública


17/07/2013 - Procuradoria Geral República - Ministério Público
Evento será realizado na Comunidade Quilombola do Cedro e visa debater a promoção desse bioma brasileiro

A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) do Ministério Público Federal realiza audiência pública para debater a proteção e a promoção dos conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético do Cerrado brasileiro.  O evento será realizado na Comunidade Quilombola do Cedro, no município de Mineiros, em Goiás, nos dias 11 e 12 de setembro.

O evento celebra o Dia Nacional do Cerrado (11 de setembro), instituído por decreto presidencial em 2003, data em que a sociedade brasileira debate a conservação do bioma que compõe 22% do território nacional e constitui o berço das águas que alimentam as regiões hidrográficas da Amazônia, do Tocantins/Araguaia, do São Francisco, do Paraguai e do Paraná, incluindo toda a planície pantaneira e o Aquífero Guarani.

O Cerrado é também o berço de comunidades tradicionais que, em uma respeitosa interação com os recursos naturais da região, desenvolveram, ao longo de gerações, um qualificado saber sobre as diversas formas de vida da savana mais rica do mundo.  Segundo o Ministério do Meio Ambiente, há no Cerrado "11.627 espécies de plantas nativas já catalogadas.  [...] Cerca de 199 espécies de mamíferos são conhecidas, e a rica avifauna compreende cerca de 837 espécies.  Os números de peixes (1200 espécies), répteis (180 espécies) e anfíbios (150 espécies) são elevados.  [...] De acordo com estimativas recentes, o Cerrado é o refúgio de 13% das borboletas, 35% das abelhas e 23% dos cupins dos trópicos.  Além dos aspectos ambientais, o Cerrado tem grande importância social.  Muitas populações sobrevivem de seus recursos naturais, incluindo etnias indígenas, quilombolas, geraizeiros, ribeirinhos, babaçueiras, vazanteiros e comunidades quilombolas que, juntas, fazem parte do patrimônio histórico e cultural brasileiro, e detêm um conhecimento tradicional de sua biodiversidade.  Mais de 220 espécies têm uso medicinal e mais 416 podem ser usadas na recuperação de solos degradados [...]. Mais de 10 tipos de frutos comestíveis são regularmente consumidos pela população local e vendidos nos centros urbanos, como os frutos do Pequi (Caryocar brasiliense), Buriti (Mauritia flexuosa), Mangaba (Hancornia speciosa), Cagaita (Eugenia dysenterica), Bacupari (Salacia crassifolia), Cajuzinho do cerrado (Anacardium humile), Araticum (Annona crassifolia) e as sementes do Barú (Dipteryx alata)".

O Ministério Público Federal, através da audiência pública, propõe um ponto inicial de diálogo: a conversação do Cerrado exige o respeito e a promoção dos conhecimentos tradicionais associados ao rico patrimônio genético do bioma presente no coração do Brasil.  “O reconhecimento e a valorização dos conhecimentos de que são detentores os povos tradicionais do Cerrado são um componente essencial do equilíbrio socioambiental assegurado pela Constituição Republicana de 1988", explicou o procurador da República Wilson Rocha Assis.

Participarão da audiência pública as comunidades tradicionais do Cerrado, o poder público e a sociedade em geral.

Secretaria de Comunicação Social Procuradoria Geral da República

Viver sobre a Chapada

A SLC comprou os cinco mil hectares na época e documentaram dez mil hectares. Assim que a empresa aportou em Buriti prometeu empregos para todo mundo com a clara intenção de cooptar as comunidades situadas no entorno da área grilada.  Havia comunidades dentro da área vendida pelo pai do Nenem Mourão? Segundo Vicente, não havia comunidades ou um morador que seja. Naquela época, só uma dose de atrevimento ou de loucura empurraria alguém para morar sozinho numa Chapada desprovida de qualquer infraestrutura e afastada de Buriti, Mata Roma, de Anapurus e de Chapadinha. Era difícil, não era impossível, que alguém fincasse morada naquele pedaço solitário do mundo. Para algumas pessoas quanto mais sozinho melhor. A monocultura da soja atrapalhou o sentido dessa existência com seus defensivos e com seus fertilizantes.  Pelo que se sabe, antes de 2007, a SLC expulsara um morador ou o forçara a vender sua posse a custa de muitos litros de agrotóxicos despejados por seu avião pulverizador. Um fato como esse passa batido em razão da supremacia que uma atividade econômica como a soja inaugura. Os agricultores que possuíam áreas na Chapada movimentavam de maneira muito primária e muito precária os recursos contidos nessas áreas. O extrativismo do bacuri auxiliava na renda da família, mas poucos podiam acondicionar a polpa em um freezer pela total falta de recursos para adquiri-lo ou até mesmo pela falta de energia elétrica. A vida de Vicente e de sua família se definia um pouco assim sobre a Chapada e com a imensa possibilidade de que um dia viesse a vender ou a trocar a sua posse para tomar outro destino ali em Carrancas, seu povoado, ou em Buriti. A chegada da energia em sua residência modificou por completo os rumos daquela prosa de vender ou trocar a sua posse, pois ele comprou eletrodomésticos e equipamentos industriais que facilitam a criação de galinha caipira. Viver sobre aquela Chapada se tornou tão inevitável e tão irrepreensível que ele resolveu compartilhar os projetos de manejo de bacurizeiros e de criação de galinha caipira com seus vizinhos  que a indústria da soja castiga como são os casos da Maria das Dores e do Jandy, no povoado Bacaba, e do senhor Omar, na região da Laranjeiras.

Mayron Régis

VIOLAÇÃO DE DIREITOS AMBIENTAIS

Tipo de violência: Agressão contra o patrimônio
Nome(s): Território Indígena Apinajé
Número de pessoas: População 2.187
Povo(s): Apinajé
Data: 15/07/2013
Terra Indígena(s): Apinajé
Municípios: Tocantinópolis, São Bento do Tocantins e Maurilândia
UF: (TO)
Descrição e contexto:

Desmatamentos na divisa Oeste da área Apinajé, no município de Tocantinópolis (TO). (foto: Antônio Veríssimo. jul.
2013)
    Desde o ano de 1999, que o território Apinajé localizado na região Norte do Estado do Tocantins, vem sendo violentamente impactado pelos desmatamentos do cerrado e monoculturas de eucaliptos. As primeiras plantações próximas a essa terra indígena, foram implantadas nos municípios de Araguatins, Axixá e São Bento do Tocantins. Nos últimos anos, os desmatamentos e também as carvoarias continuam se intensificando e se espalhando por toda a região no entorno desta área indígena. Os licenciamentos ambientais foram (e estão sendo) emitidos pelo NATURATINS de forma irregular, sem a realização de Audiências Públicas, sem a participação da FUNAI e total ausência de informações e consulta prévia ao povo Apinajé. Contrariando as leis e os dispositivos legais, os empreendedores e o órgão licenciador estadual também não realizaram os EIA-Estudos de Impactos Ambientais. E nenhum RIMA-Relatório de Impacto Ambiental foi apresentado até o momento. O componente indígena foi (e continua sendo) totalmente ignorado e desconsiderado pelas empresas e o órgão licenciador. Dessa maneira em julho de 2012, o INSTITUTO NATUREZA DO TOCANTINS-NATURATINS emitiu licenças para atividades de desmatamentos e carvoarias em favor de duas empresas, a CARVOARIA VITÓRIA LTDA ME e TS DE LIMA EPP, ambas localizadas próximos a essa terra indígena, nos municípios de Tocantinópolis e Nazaré. Existem suspeitas que depois da retirada das madeiras para carvão, essa grande área de cerrado que foi desmatada, vai ser ocupada pelo eucalipto
Providencias:

     No inicio de 2012, denunciamos esses crimes ambientais à FUNAI e ao MPF-TO, e em 04 de março de 2013, o MPF-TO, instaurou o ICP-Inquérito Civil Público Nº 1.36.001.000045/2013-99, no citado documento o Procurador do MPF-TO, requisitou informações ao NATURATINS, pedindo que o órgão se manifestasse sobre a regularidade do licenciamento, considerando que não se levou em conta o componente indígena e nem houve participação da FUNAI no processo. E com base nas evidencias das denuncias e provas de irregularidades do licenciamento ambiental, os Procuradores Federais do MPF-TO, responsáveis pelo caso, nos informaram ter determinado o embargo dos desmatamentos e carvoarias no entorno desta área indígena.
     No dia 16/07/13, visitamos à região onde estão sendo implantados esses empreendimentos e constatamos que naquele momento não existiam máquinas (ou tratores) operando no local, porém uma grande área, num percurso de aproximadamente 10 quilômetros na divisa da área indígena, já tinha sido totalmente desmatada. Observamos também que as atividades de carvoarias não foram paralisadas e continuam funcionando normalmente.




Terra Indígena Apinajé, 15 de julho de 2013.

Associação União das Aldeias Apinajé-PEMPXÀ

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Plantações de eucalipto para energia: O caso da Suzano no Baixo Parnaíba, Maranhão, Brasil Terceira parte





Ivonete Gonçalves de Souza (CEPEDES)
Winfridus Overbeek (WRM)



A riqueza natural do Cerrado versus a pobreza do monocultivo do eucalipto
“O verde que eu conheço é a natureza que deus nos deixou;
para eles não vale nada, só serve para derrubar”
(morador de São Raimundo, município de Urbano Santos, sobre as empresas de soja e eucalipto atuantes na região do Baixo Parnaiba, Maranhão)

“Uma espécie frutífera como o bacurizeiro, espécie da Amazônia, do Cerrado e das suas transições, ganha de goleada de uma espécie como o eucalipto em importância ecológica, ambiental, social, econômica e histórica. A verdade é tão pura e simples que alguém perguntou um dia como havia gente com coragem para substituir uma espécie pela outra”
(Mayron Régis, em seu livro “As Chapadas e os Bacuris”, Fórum Carajás, 2011, p.27)

Se for para falar em símbolos, o símbolo das comunidades tradicionais do Baixo Parnaíba é sem dúvida, o bacuri[1], de cujo fruto tudo se aproveita. Sua polpa é transformada em um suco delicioso e nutritivo, além de a venda da polpa proporcionar uma renda importante para as comunidades, pois é muito apreciada nos centros urbanos do estado. Sua casca ou semente pode se transformar em saboroso doce ou geléia. As sementes também são usadas na fabricação de óleo para tratamento de dermatoses. A fruta também pode ser aproveitada para uso medicinal, por exemplo, como anti-inflamatório. Trata-se de uma árvore misteriosa e envolvente. O Bacuri ainda é pouco pesquisado, como é o caso de todo o ambiente do Cerrado do Baixo Parnaíba, uma região de transição entre Cerrado e floresta Amazônica. O Cerrado, a exemplo do bacurizeiro, impõe seu próprio passo e dá ritmo aos seres humanos que querem usufruir da sua abundância. Os moradores locais, seguindo o ritmo do Bacuri, costumam esperar até que as frutas maduras caiam no chão para fazer a coleta. Quem “derruba” as frutas ainda no pé tem a certeza de que obterá menos polpa e que a árvore não dará frutas no ano seguinte. É assim que os moradores das chapadas do Baixo Parnaíba aprendem sobre os limites da natureza e, acima de tudo, sobre a importância de respeitá-los. Ironicamente, com o avanço da monocultura de eucalipto, aumentaram as “derrubadas” dos bacuris, como se fosse um alerta de que o fim de uma cultura rica e secular pudesse estar próximo.
BOX 1: SOBRE A PRODUTIVIDADE DO CERRADO
Moradores de comunidades que estão pleiteando áreas de assentamentos no INCRA ou no ITERMA reclamam do conceito vigente de produtividade, que os técnicos desses e de outros órgãos aplicam nas vistorias. Estes técnicos, geralmente agrônomos, muitas vezes consideram o Cerrado “improdutivo”, não levando em conta seus milhares de bacurizeiros e pequizeiros carregados de frutas valiosas, como o babaçu, que oferece um azeite excelente, os buritizeiros, cujas frutas rendem um valioso doce, as pequenas roças nos baixões, onde os moradores plantam tudo misturado arroz, mandioca, feijão, milho, abóbora, melancia.  Na visão predominante do técnico, produtividade se traduz em grandes monoculturas, em um alto uso de insumos, como fertilizantes e agrotóxicos. Mas ninguém nas comunidades do Baixo Parnaíba come eucalipto, e a soja tampouco faz parte do seu cardápio. Essas pessoas não costumam jogar veneno nos alimentos. O desconhecimento da alta biodiversidade, dos valores fundamentais do Cerrado para as comunidades tradicionais, além do seu potencial para um manejo agroextrativista que gere renda e qualidade de vida para as comunidades locais, acaba incentivando a destruição de práticas seculares, de profundos conhecimentos do ecossistema, do aproveitamento das frutíferas, das plantas medicinais e outras práticas que fazem parte da rotina das comunidades tradicionais do Baixo Parnaíba. Tais práticas poderiam ser realmente chamadas de “sustentáveis” se essa palavra não fosse tão abusada, inclusive pela empresa Suzano.
O símbolo da Suzano é certamente o eucalipto. Não é sua diversidade que impressiona, e sim sua monotonia, o fato de uma árvore ser igual à outra, são quilômetros e mais quilômetros de enfadonha mesmice, além de outras plantas e animais não poderem conviver com ela. As grandes extensões dos monocultivos não têm utilidade para as comunidades ou os animais; os eucaliptos não oferecem frutas ou polpas que possam alimentar as filhas e os filhos desta terra. Alguém que queira conhecer os segredos do Cerrado do Baixo Parnaíba ou as pessoas nativas que fazem parte da diversidade do lugar nada tem a aprender com o eucalipto. Essas pessoas nativas enriquecem e adubam a terra ao nascer, quando a mãe enterra o umbigo, e ao morrer, quando os corpos voltam ao seu local de origem, em cemitérios praticamente plantados com eucalipto (foto). O Baixo Parnaíba é lugar sagrado para centenas de famílias. É onde estão seus antepassados, sua história, seu amor, seu rito, sua vida. A plantação de eucalipto é responsável pela destruição do Cerrado e de seus principais símbolos, ao arrasar sem piedade milhares de bacurizeiros e outras frutíferas.  O eucalipto, ao contrário do bacurizeiro ou de qualquer outra planta do Cerrado brasileiro, é muito pesquisado, com o objetivo único de aumentar a produtividade em beneficio dos lucros de acionistas de empresas, sempre em busca de expansão sem limites. A tolerância com algumas poucas árvores nativas, solitariamente mantidas dentro dos eucaliptais, que poderia render uma boa propaganda de conservação de árvores nativas, parece mais um triste museu “ao vivo” de alguns exemplares de árvores em vias de extinção. Produzir, para a Suzano, significa promover a monocultura em grande escala, fantasiada de “desenvolvimento e modernidade”, que é defendida por políticos brasileiros de olho na oportunidade de ser financiados e fomentada por meios de comunicação que se alimentam do poder. Assim, a monocultura de eucalipto se espalha pelo País, destruindo ecossistemas, concentrando terras e riquezas, o que consolida e aumenta desigualdades sociais.
Box 2: O PROJETO DE AGRICULTURA “MODERNA” DA SUZANO

Depois de enganar as comunidades, onde conseguiu derrubar a chapada e plantar eucalipto, a Suzano apresenta uma proposta, chamada de “campo agrícola” (foto) e aplicada em algumas comunidades. Trata-se de uma área relativamente pequena onde é introduzida a agricultura mecanizada, “moderna”, desconhecida para a grande maioria das famílias. Um morador da comunidade de Santana, município de Urbano Santos, onde existe um “campo agrícola” em funcionamento, conta que são 120 hectares para 23 famílias. Ele percebe esse “campo” como uma forma de “compensação” pelos muitos bacurizeiros, buritizeiros e pequizeiros que foram destruídos pela Suzano e também pela perda de áreas de roça tomadas pela empresa para plantar eucalipto. Conta-se ainda que, nessas áreas, a empresa chegou a permitir que a comunidade fizesse a colheita para logo depois limpar a área e plantar eucalipto. No “campo agrícola” se plantam, entre outras coisas, coco, arroz e mandioca, mas a produção é pequena e não é o que as famílias imaginavam. Além disso, há preocupação com o futuro do projeto, atualmente subsidiado pela Suzano com a doação de trator e insumos químicos, mas o prazo da parceria é de apenas quatro anos.

Plantar “superárvores”
As plantações de eucalipto para biomassa são diferentes daquelas promovidas para a produção de celulose. A proposta da Suzano é adensar os plantios. Se na maioria das plantações de eucalipto há espaçamentos de, por exemplo, 3x3m(1108 árvores/ha) ou 3x2 (1.665 árvores/ha), no município maranhense de Urbano Santos se encontram plantios com espaçamentos de cerca de 2,5x0,50m, levando a uma quantidade de cerca de 8.000  árvores por hectare . Isso coincide com a informação do professor Saulo Guerra, que coordenou o programa de pesquisa da Suzano com a Universidade Estadual Paulista (UNESP), em parceria com outras empresas do setor de eucalipto, como Fibria e Duratex: “usamos diferentes espaçamentos entre mudas, com até cinco vezes mais árvores por hectare”. A competição por luminosidade cria árvores mais altas e magras (foto). A New Holland, empresa que pertence à multinacional Americana CNH e também é parceira da pesquisa, busca desenvolver uma máquina capaz de cortar 6 a 8 árvores de uma só vez e triturar a madeira em pequenos pedaços (cavacos) ainda no campo. A partir destes cavacos é que se produzem os pellets de exportação.[2]
Os impactos desse novo tipo de plantação sobre o meio ambiente, já grandes no caso das plantações “convencionais”, prometem ser ainda maiores. Conforme o professor Guerra, a produtividade de um hectare de eucalipto convencional, de 45m3, de madeira, pode aumentar com um espaçamento menor, possibilitando uma produtividade cada vez maior. É obvio que isso requer também um maior consumo de água e nutrientes, gerando maiores impactos sobre o meio ambiente. As comunidades já reclamam que cabeceiras de rio onde há eucaliptos estão secando e que a quantidade de água nos córregos e riachos próximos aos lugares onde o eucalipto está plantado no Baixo Parnaíba tem se reduzido significativamente, e esses problemas só tendem a aumentar.
O rendimento de uma matéria prima energética, baseada em monocultivos que ocupam dezenas de milhares de hectares, e que depois necessita ser transportada para outro continente a milhares de quilômetros, precisa ser otimizado, ou seja, os custos de produção precisam ser reduzidos. Reduzir custos, neste caso, significa transferir para as comunidades, para o povo brasileiro, a alta conta da destruição, porque, de fato, produzir energia dessa forma não é eficiente.
Isso explica o interesse da empresa Suzano de investir também na manipulação genética do eucalipto, buscando criar uma “superárvore” com produtividade ainda maior. Trata-se de algo que interessa também aos produtores de eucalipto para biomassa, uma formação maior de lignina – com mais teor energético – em detrimento da quantidade de celulose – com menos teor energético, ambos sendo os dois componentes básicos da madeira da árvore. A manipulação genética também pode resultar em um eucalipto resistente ao glifosato, um herbicida muito utilizado nas plantações. A resistência acelera e facilita os ciclos de produção que, no caso das plantações de biomassa, já serão bem mais curtos, de 18 a 24 meses, comparados com 5 a 7 anos no caso do eucalipto para celulose.
Não causa surpresa que a Suzano tenha comprado, em 2010, uma das principais empresas de pesquisa de eucalipto geneticamente modificado (GM) do mundo, a FuturaGene, do Reino Unido. A expectativa é conseguir a licença para plantar comercialmente o eucalipto GM no Brasil em 2015, sendo que já estão sendo realizados plantios experimentais. Segundo o diretor da empresa, Stanley Hirsch, o eucalipto GM consegue crescer 5 metros por ano, com 20 a 30% mais biomassa do que o eucalipto comum. Ele acredita que, com o eucalipto GM, os produtores de energia conseguirão “(...) se livrar de toda a indústria de combustíveis fósseis (...)”. A FuturaGene acredita que seu eucalipto GM pode alcançar produtividade de até 104 m3/hectares, comparada com uma média de 80m3 por hectare para plantações de eucalipto já específicas para biomassa[3].
No entanto, os riscos da manipulação genética de árvores são muitos, por exemplo, o aumento do uso de agrotóxicos, já citado, e também a contaminação biológica de árvores nativas não transgênicas. Talvez o mais grave seja a ciência não confiável que fundamenta os pedidos da Suzano e de outras empresas para liberar o uso comercial do eucalipto GM. Aplicando o princípio da precaução ambiental, seria melhor proibir essa tecnologia por décadas, até que fosse mais bem estudada[4].
Uma empresa em crise
A suzano errou 100% na nossa região
Morador local do Polo de Coceira, município de Santa Quitéria

As notícias divulgadas recentemente sobre a Suzano não são nem um pouco animadoras para seus acionistas. Conforme informação da imprensa, a empresa está passando por um momento de dificuldades financeiras, ou seja, está em crise. No Maranhão, a idéia é inaugurar até o fim do ano uma nova fábrica de celulose em Imperatriz. O financiamento dessa fábrica, estimada em 3 bilhões de dólares, deixou a empresa endividada, o que a tem levado a reduzir drasticamente os gastos[5]. Em março de 2013, a Suzano decidiu paralisar o projeto de construção da fábrica de pellets que absorveria o eucalipto plantado no Baixo Parnaíba e que seria executado por sua subsidiária “Suzano Energia Renovável” no município de Chapadinha[6]. A previsão era de inaugurar a fábrica em 2014, mas, agora, já não há previsão de data. No local, onde está prevista a instalação do porto para exportação, um lugar muito bonito do litoral Maranhense, vivem centenas de famílias que resistem à idéia de sair. Essas famílias vivem de fazer roças e também da pesca de peixes e mariscos. Além disso, trabalhadores da empresa no município de Urbano Santos têm realizado protestos contra o atraso nos salários[7]. Fora de Maranhão, a Suzano ainda precisou enfrentar outros problemas, como duas ocupações do MST na Bahia, em março[8], e outros protestos no estado (foto).
Outra má notícia para a Suzano é que o procurador federal Alexandre Soares recorreu da licença ambiental concedida a ela pelo governo do Maranhão. Depois de tramitar por algum tempo, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região concedeu, em 2012, liminar ao Ministério Público Federal cassando a licença ambiental da empresa, argumentando que a esfera federal, através do IBAMA, era o órgão competente para licenciar o projeto da empresa, e não a Secretaria Estadual do Meio Ambiente. O Governo do Maranhão recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, mas o ministro Ari Pargendler manteve a decisão anterior[9]. Isso significa que a Suzano está impedida de trabalhar no Maranhão neste exato momento.
No estado do Piauí, onde há outro projeto de fábrica de celulose e plantações de eucalipto da Suzano, a Justiça Federal, com uma argumentação parecida, também cassou a licença da empresa. Recentemente, no dia 3 de maio de 2013, a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos anunciou o cancelamento da licença prévia concedida à Suzano, inviabilizando a continuidade do projeto de fábrica de celulose no estado.[10]
No entanto, o cancelamento judicial da licença no Maranhão não parece impedir a Suzano e seus terceirizados de trabalhar. Encontramos a ACM do Maranhão, uma empresa terceirizada, adubando normalmente as plantações (foto) e até mesmo um avião pousando depois de ter aplicado um produto que, segundo o que os moradores ouviram falar, tratava-se de “adubo”; outros já desconfiam que seja de agrotóxico. Mas o que é mesmo gritante é que a empresa não tenha dado informações à população local sobre o objetivo da aplicação aérea e os produtos aplicados. Ainda pior é o fato de a decisão da justiça de cancelar a licença não ter sido respeitada.  
O cancelamento das licenças tampouco intimidou a empresa em sua busca de expandir o raio do seu selo verde, concedido pelo FSC,[11] para o Maranhão – selo que já conquistou no Sudeste, apesar dos impactos negativos e protestos, e agora está em vias de obter no Maranhão. Moradores da comunidade do Baixão da Coceira contam que, há pouco tempo, receberam a visita de alguém de uma empresa certificadora, que veio em um veículo onde também estavam os funcionários da Suzano. Por isso, já desconfiaram das intenções da pessoa, mesmo que os funcionários da empresa não tenham participado da conversa.  Não ficou claro para os moradores qual era o objetivo da visita, se as áreas da Suzano no Baixo Parnaíba serão também certificadas ou se, ainda, trata-se da certificação de outras áreas de eucalipto no Maranhão. O mínimo que se pode esperar da certificadora é que os impactos do eucalipto, mas, sobretudo, as violações sociais e ambientais pelas quais a Suzano é responsável no Baixo Parnaíba, impeçam qualquer certificação da empresa no estado e fora dele: não se trata de uma empresa “socialmente justa” nem “ambientalmente adequada” – termos usados pelo selo verde do FSC ao certificar irresponsavelmente as plantações de monocultivos de árvores.  
Em alguns municípios, os desmatamentos provocados pela expansão do eucalipto e da soja e os demais impactos associados às monoculturas têm levado à criação de leis municipais específicas que buscam prevenir esses impactos. Em Mata Roma, Água Bela, São Benedito do Rio Preto e Barreirinha, são proibidas as monoculturas de eucalipto e soja, e, nos últimos três, também o desmatamento do Cerrado. No entanto, em São Bernardo, a Suzano conseguiu derrubar a lei municipal porque pretende plantar 15 mil hectares de eucalipto nas áreas de chapada, de vital importância e muito usadas para a sobrevivência da comunidade de Enxú.
Uma tática usada com frequência pela Suzano e por outras grandes empresas no Brasil para garantir benefícios junto às autoridades é o financiamento de campanhas eleitorais em todas as esferas (municipal, estadual e federal) e para todos os cargos, sobretudo daqueles candidatos com chances reais de se eleger[12]. No Baixo Parnaíba, nas últimas eleições municipais de 2012, a empresa, por exemplo, financiou o candidato a prefeito de São Benedito do Rio Preto, Odilon Araujo Frazão Filho do PR, com R$ 34.811,04[13]. No entanto, ele perdeu por pouco para Dr. Mauricio, do PMDB, partido do grupo político dos Sarney, o mais influente no estado. A Suzano também financiou este grupo, com R$ 440.000[14].
Considerações finais
Apesar de tudo isso, comunidades no Baixo Parnaíba continuam resistindo à invasão por parte da Suzano, esperando pacientemente pela desapropriação das áreas requeridas pelo INCRA e pelo ITERMA – processos que andam muito lentamente, ao contrário da rapidez com a qual empresas conseguem obter suas licenças. Nenhuma das comunidades citadas neste artigo e envolvidas na luta de resistência contra o projeto da Suzano teve sua portaria de criação do assentamento publicada até agora. 
Com garra e determinação, e com o apoio de setores da sociedade civil regional como o “Fórum em Defesa do Baixo Parnaíba”   uma articulação que inclui organizações da Igreja Católica e trabalhadores rurais em municípios afetados pelas empresas de soja e eucalipto, como o Fórum Carajás e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos as comunidades buscam fortalecer sua organização e sua resistência. Um exemplo são as iniciativas de valorização do Cerrado e das comunidades que dele dependem através de projetos de manejo do bacuri, criação de pequenos animais e valorização do agroextrativismo, além de iniciativas que contam com o apoio do Fórum Carajás e outros parceiros. Essas iniciativas mostram à sociedade e ao mundo que é possível viver bem daquilo que o Cerrado oferece e, ao mesmo tempo, conservá-lo.
“... diante da aparente inevitabilidade, aqueles destinados a desaparecer reagem e lutam. Levantam do seu chão e buscam tornar pública a sua existência, os seus direitos, a sua vontade de continuar a ser o que são e, principalmente, incomodam. Buscam mudar o curso do inevitável. Arraigados às suas raízes, tal como os velhos Buritis, erguem-se para o céu, desafiam os domínios do mundo, enfrentam a lógica aparentemente inquestionável do desenvolvimento e da modernidade e dizem: “aqui estamos, aqui queremos ficar, não somos o atraso, mas podemos ser o futuro, pois não destruímos a natureza, respeitamos os seus ciclos, conhecemos as suas dinâmicas e podemos ajudar a construir novas formas de relacionamento com ela. Temos uma ‘ciência’, um conhecimento, que não destrói, que não privatiza as riquezas e que nos ensina a cuidar e preservar”[15].
Escutar as histórias das comunidades que lutam contra a Suzano nos faz pensar que não há sentido em manter de forma tão nefasta um modelo energético e de desenvolvimento falido, que está levando a humanidade para um desastre sem precedentes. Plantar o Baixo Parnaíba com eucaliptos para vender madeira ao Reino Unido e outros países na Europa não só é perpetuar o colonialismo como também, e sobretudo, é uma ideia bastante irracional. Há que se pensar em formas mais inteligentes, mais eficientes, para gerar as energias futuras e pensar a energia de forma diferente, evitando o consumo excessivo de hoje. Para abastecer, à base de biomassa de eucalipto, toda a demanda de energia do Reino Unido, seria necessário plantar cerca de 55 milhões de hectares de eucaliptos no Brasil, um absurdo total, mas um cenário atrativo para empresas como a Suzano e seus acionistas[16]. Ninguém gostaria de imaginar a quantidade de conflitos, dramas e violações que isso causaria. Os brasileiros, ou qualquer outro povo, não merecem esse destino.
É hora de mudar a história, romper paradigmas, aprender e começar a valorizar de vez as comunidades de Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Amazônia e a diversidade de modos de vida associados a elas. Chegou a hora, como disse a moradora de Santa Quitéria no início deste artigo, de evitar mais desgraça nas vidas das comunidades tradicionais do Baixo Parnaíba ou de qualquer outro Povo. É hora de pensar nas necessidades de hoje sem esquecer de preservar as reservas do futuro que irão alimentar, confortar e dar sustento às próximas gerações.


[1] O bacuri vem de uma árvore majestosa, com uma diversidade impressionante de formas e alturas.
[2] http://www.udop.com.br/index.php?item=noticias&cod=1082070#nc
[3] http://www.guardian.co.uk/environment/2012/nov/15/gm-trees-bred-world-energy
[4] Overbeek W, Kröger M, Gerber J-F. 2012. Um panorama das plantações industriais de árvores no Sul global. Conflitos, tendências e lutas de resistência. Relatório EJOLT No. 3, 108 p. (http://www.wrm.org.uy/publicaciones/EJOLT_POR.pdf)
[5] http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,lider-em-celulose-fibria-abre-os-olhos-para-fusoes-,1026637,0.htm, 29/04/2013
[6] http://tvmirante.blogspot.com.br/2013/03/bomba-suzano-suspende-investimentos-em.html
[7] http://www.chapadinhaonline.com.br/2012/01/urbano-santos-suzano-nao-paga.html
[8] http://www.blogfolha.com/?p=71467
[9] http://smdh.org.br/?p=426
[10] http://180graus.com/aquiles-nairo/semarpi-cancela-licenca-ambiental-que-o-estado-tinha-concedido-a-empresa-suzano
[11] Conselho de Manejo Florestal – Forest Stewardship Council (www.fsc.org).
[12] Veja livro recente chamado “Sanguessugas do Brasil”, do jornalista investigativo Lúcio Vaz, sobre este tipo de prática muito comum entre as empresas que atuam no Brasil, dando destaque às que promovem as plantações de monocultivos de árvores (veja http://www.geracaoeditorial.com.br/hotsite/sanguessugas/)
[13] www.tse.jus.br
[14] http://blog.jornalpequeno.com.br/johncutrim/2012/11/30/veja-as-empresas-que-doaram-ao-pmdb-da-oligarquia-na-campanha-para-prefeito-de-sao-luis/
[15] De Horácio Antunes, professor de sociologia da Universidade Federal de Maranhão (UFMA). Em: Régis, Mayron, “As chapadas e os bacuris”, 2011. Fórum Carajás.
[16] http://www.wrm.org.uy/plantations/Tree_plantations_to_generate_energy.html