domingo, 14 de dezembro de 2025

eneva

A poluição ocasionada pelas atividades industriais de extração de gás da Eneva no Vale do Mearim tornará proibitiva a presença humana nessa região e consequentemente obrigara a saida dos agricultores familiares de suas posses ou propriedades ? Haverá um João do Vale capaz de cantar essa história? Quem quiser descobrir João do Vale deve ir a Pedreiras e escutar Morena do Grotão, música na qual ele envia um telegrama para o Japão perguntando se o povo de Pedreiras e as morenas do Grotão tinham chegado. O baião tocado cantado e dançado por João do Vale não é um baião como se convencionou chamar. E um baião atípico. Um baião melancólico/ baiao amaxixado. Uma ponte para/um cruzamento de diversos gêneros musicais. Um pouco parecido com o que Chico Science e Nação zumbi fizeram em Afrociberdelia especialmente na música "Baião Ambiental". Essa não especificidade da música brasileira ( não poder afirmar o que é) tem referência no trânsito de grupos sociais e étnicos pela zona rural e pelas cidades do Brasil. O deslocamento histórico e resultante dos traficos indígenas e negreiros, da substituição da mão de obra indígena pela mão de obra negra, da modificação de hábitos alimentares, de guerras e revoltas. Um pouco disso tudo ainda se vê pela zona rural do Maranhão onde empreendimentos industriais e agropecuários se instalam destruindo a sócio diversidade e a capacidade de produção física e simbólica do povo maranhense sem que um Joao do Vale apareça pra cantar as morenas do Grotão.

mais de um ano

Mais de um ano o Fórum Carajás marcando presença nas comunidades Angical e Canaã, fazenda Eldorado município de Imperatriz. Uma trajetória iniciada em setembro de 2024 com a Fase ES, CPT campos do Goytacazes, quilombolas do Espírito e tupinambás do sul da Bahia. Os eucaliptos e as milícias da Suzano estavam por perto. Logo se pensa que não há vida fora dos eucaliptos da Suzano. Redondamente enganados. Os eucaliptos não dominaram a fazenda Eldorado como mal queria a Suzano. Olhando o ambiente do comércio de Dona Maria, contempla se uma vegetacao nativa em plena exuberância. Açaí? Bacaba? Buriti? Babaçu? Outras espécies amazônicas? Só com a ajuda dos agricultores saberia dizer quem era quem no jogo do bicho. Ao mesmo tempo que e fascinante desconhecer que espécie é aquela e descobrir , e aterrorizante desconhecer por completo. "Não sou agricultor, desconheço a semente". A ironia de Bezerra da Silva atinge a repressão da polícia no caso de usuários da maconha mas também atinge sutilmente a ideia de que só um agricultor tem condições de responder que semente e. E quando não houver mais agricultores familiares quem poderá responder ? Agrônomos ? Engenheiros florestais da Suzano papel e celulose, polícia militar, polícia ambiental?!!! Os engenheiros florestais conhecem um talhão de eucalipto como ninguém. E se perguntasse sobre o açaí ? Como chegou na região de Imperatriz? Como foi que essa espécie tão necessária para várias comunidades tradicionais quilombolas ribeirinhas indígenas virou item imprescindível da alimentação em várias cidades do Maranhão? A sociobiodiversidade se transfere, e cultivada, locomove se, e compartilhada. Dona Maria frita um tambaqui e cozinha um arroz com abóbora para o almoço. O Luís arranja um litro de fava para dar de presente. O Acelino planta sua roça em meio aos eucaliptos. As quebradeiras de coco vendem seus azeites de babaçu. As monoculturas, pelo contrário, não sao compartilhadas. Elas derrubam as árvores nativas e se alastram indefinidamente.

Rumo a oeste

A cada quilômetro rodado a sensação e de uma despedida do Maranhão e um cumprimento para uma nova realidade imprevisível. Essa sensação não e nova. Os maranhenses se movem em direção a oeste desde muito tempo. Os povos indígenas fugiram de suas terras quando da chegada dos portugueses. Maranhão e para, um dia, foram uma coisa só. O grão para Maranhão tão propalado em livros de história e do qual quase ninguém fala ou ouve falar a não ser o nome da empresa que quer construir um porto em Alcântara. O oeste prometia riquezas e aventuras. O oeste foi e ainda e a direção preferida para muitos que saem de seus territórios pelas razões de sempre: miséria fome trabalho desilusões amorosas ( quem passa pelo oeste maranhense tem que ouvir e cantar uma música brega) e secas. O número de famílias que se mudam de seus lugares de origem por conta das secas e bem maior que o número de famílias que se muda por conta de inundações. As secas acontecem de maneira sucessiva e acentuada. As inundações não. Esse e um dado real. A imaginação humana, contudo, sente se mais impactada com a visão de cidades inundadas do que com a visão de regiões devoradas pela sequidão. O oeste maranhense e amazônia só que os rios Turiaçu Maracassume e tantos outros perdem volumes e volumes de água ano após ano. Não há uma razão única como não há um data certa de quando começou esse fenômeno. Cinco, dez, quinze anos ? Quem sabe ? O que é certo e que junte a diminuição do lençol freático causada pelo desmatamento queimadas mineração de areia poluícao plantio de espécies exóticas e pecuária com a escassez de chuvas e veja no que dá.

filosofia indigena

Uma vez perguntaram a um filósofo se haveria possibilidade de conceber uma filosofia indígena, pensando talvez no exemplo do escritor maranhense Sousandrade, primeiro prefeito republicano de São Luís e autor do poema Guesa Errante. Obteve o silêncio como resposta. Por trás da pergunta : pensar um campo de estudo num estado que, por mais que não se reconheça, e indígena. A escravidão indígena prevaleceu no Maranhão pelos três primeiros séculos de colonização portuguesa. Os indígenas ou se integravam ou eram exterminados. A escravidão é uma forma de integração quando nada mais resta. Os portugueses não queriam exterminar todos os indígenas. Eles precisavam dos indígenas para moverem a economia rural maranhense nada promissora. Só uma região no Brasil pode ser comparada ao Maranhão em termos de escravidão indígena. O atual estado de São Paulo. E a escravidão indígena converge com a ocupação dos cerrados pelos paulistas. A ocupação dos cerrados não é recente. Data do século XVI com as investidas dos bandeirantes pelo interior de São Paulo para capturarem e escravizarem os nativos. O apogeu dessa ocupação acontecerá 4 séculos depois pela inserção de culturas exóticas no ambiente do Cerrado. Apogeu que resulta na exportação de grandes quantidades de soja e que tem como contraparte a redução da umidade, rebaixamento do lençol freático, encurralamento das comunidades tradicionais e quilombolas em pequenas extensões de terra, a inviabilizacao da produção agrícola da agricultura familiar, esmagamento da sociobiodiversidade, contaminação do meio ambiente por agrotóxicos e etc. A ocupação dos cerrados maranhenses e um fenômeno mais recente. Ela tem reflexos no meio físico e tem reflexos na linguagem e na cultura. A grande narrativa sobre a ocupação dos cerrados veio da caneta de um escritor meio conservador, meio liberal: o historiador Sergio Buarque de Holanda. Uma pergunta recai: porque um escritor com aptidões modernistas volta o seu olhar para a história dos séculos XVI, XVII e XVIII? O historiador e aquele que narra uma história com aquilo que acha pelo caminho; nem sempre o caminho levará a algum lugar ou levará ao caminho desejado. A São Paulo do século XX talvez não fosse a São Paulo que Sergio quisesse encontrar e por conta disso atravessou séculos lendo relatos em português e espanhol escritos por religiosos militares administradores e etc para encontrar um espaço em processo de ocupação. Os cerrados, em razão de suas especificidades, e visto como um espaço a ser ocupado. Não há de se descrever a ocupação dos cerrados no Maranhão sem estender a narrativa para o Piauí Ceará Bahia Pernambuco Tocantins e Para. A vinda de grandes contingentes fugindo das secas propiciou a ocupação de parte dos cerrados como forma de garantir a segurança alimentar e hídrica. Por algum tempo esses contingentes tiveram tranquilidade. Porém, essa palavra passou a representar uma utopia visto que tinham que dividir sua produção com pretensos proprietários. A vinda da soja como fator de modernização da economia nos anos 80 mudou essa conformacao. Os agricultores familiares, quilombolas, extrativistas não precisavam mais dividir o que produziam. Eles só precisarim abrir mão de seus territórios, de suas identidades e de suas tradições e tudo ficaria bem. Tendo que abrir de algo conquistado arduamente, como isso rebate na história das comunidades, na estruturação de um pensamento intelectual e social por parte dessas comunidades e como isso rebate na produção de alimentos? Aumentam os relatos de destruição ou tentativa de destruição por parte do agronegócio em grande parte do Maranhão dos inúmeros vestígios históricos e arqueológicos da época das escravidoes indígena e negra. O que fazer para deter esse processo? Temos vários exemplos dignos de serem citados. O caso da comunidade quilombola de Buriti dos Bois município de Chapadinha que luta pela preservação de parte de uma chapada rica em bacuri que um plantador de soja pretende desmatar. Essa luta passa pela discussão de sua identidade social, ancestral, jurídica, econômica e ambiental. Tem o caso da comunidade de Tanque da rodagem município de Matões que luta pela preservação de uma área de mais de 10.000 hectares para manter a qualidade de vida e história de vários idosos e da própria cidade de Matões. E tem o caso da comunidade quilombola de Cocalinho município de Parnarama que vive submersa pelos plantios de soja e pela contaminação por agrotóxicos o que acarreta vários casos de doenças e mesmo assim quer plantar seu bacuri quebrar seu coco babaçu e colher seu buriti nos brejos.

ailton krenak

Interrogação: Ailton Krenak faz ou não faz filosofia sob o ponto de vista indígena? Por não ter domínio de sua obra, melhor não tecer comentários. A pergunta, porém, dá ensejo a outras questões que podem contribuir para outras discussões envolvendo povos indígenas, povo negro, comunidades quilombolas. Historicamente, aprende se que os povos tradicionais consumiam peixe e farinha. Dieta básica. Entretanto, afirmar que o cardápio se resumia a peixe farinha açaí babaçu buriti não quer dizer que não houve contato com outras formas de alimentação. Uma das mais belas músicas do cancioneiro maranhense discorre sobre a história de uma mulher grávida que quer comer língua de boi. Para comer língua, o boi terá que ser morto. Duas possibilidades. Ou o boi e do patrão do seu marido ou o boi e do marido que quer vê lo crescer. A cultura do gado foi trazida pelos portugueses e impregnou se pelos povos originários em boa parte do Brasil e do Maranhão. Quem eram ( quem são) os vaqueiros que cuidam do gado em diversas fazendas distribuídas pelo Maranhão? Muitos deles tinham (tem) sangue indígena e a forma como conduziam o gado para pastar ou beber água nos açudes, cacimbas , córregos e rios deram origem ao baião, repentes, xote e outros ritmos e cantorias do nordeste brasileiro. Voltando a língua do boi ( amplamente consumida em vários pontos da ilha de São Luís). Quantas vezes indígenas negros e quilombolas foram acusados por fazendeiros e agora por plantadores de soja por crimes sem apresentar nenhuma prova? Inúmeras vezes e o desfecho sempre foi terrível. Há de se falar em filosofia, em história do ponto de vista indígena mas também de um direito indígena.

litoranea

Os bares e restaurantes a beira da praia estão repletos de mesas onde as pessoas se sentam, esperando o atendimento dos garçons. Nada de excepcional deve se esperar de um grupo a mesa. A não ser os pedidos de algum peixe ou algum marisco que sera servido como almoço ou jantar. Por são Luís ser uma cidade litorânea, as pessoas vêem os bares e restaurantes como espaços gastronômicos dedicados a peixes e mariscos. Deve ser assim na maioria das cidades litorâneas do Brasil. Se bem que quem vai a Parnaíba, município do Piauí, desejando comer peixe ou bode pode tirar seu cavalinho da chuva porque não é tão fácil como se suporia. Então, é muito prazeroso degustar uma pescada frita tendo por cenário privilegiado o oceano atlântico. Bem poético, afinal de contas. Será que as pessoas que vão às praias analisam que parte do seu prazer decorre do fato delas não enxergarem as condições sanitárias que impedem o banho de mar ? Come se e bebe se bem sem que esse e outros assuntos (a degradacao do rio Calhau ) sejam lembrados em algum momento. Destrói se para obter prazer. Nesse exato instante, o estado do Maranhão destrói as praias do olho d'água e do aracagy e planeja destruir a praia de olho de porco, a única praia do município de Paço do Lumiar.

dimensão do cerrado

Tem se dito que a dimensão do Cerrado Maranhense é um dos fatores que dificultam a regularização fundiária dos territórios de comunidades tradicionais. Quilômetros e quilômetros de Chapadas pelas quais se andaria dias sem chegar ao fim. Sim, as comunidades tradicionais e quilombolas não têm meios, recursos e ferramentas que permitam regularizar seus territórios. Ficam na dependência do iterma que em geral alega não dispor de recursos para iniciar os processos de regularização. Vejam só, quando o pedido parte de um empresário o discurso muda de figura. Todas as portas se abrem. Houve uma reunião anos atrás entre o Iterma e advogados da Suzano papel e celulose e pelo que o diretor do Iterma assinalou, os advogados reconheceram que os documentos que provariam a propriedade de vários hectares de terra no baixo Parnaíba maranhense por parte da empresa tinham problemas. Mais recente, um advogado da empresa AVB Aço Verde Brasil em conversa com a associação do povoado Formiga informou que as áreas da Suzano em Anapurus foram repassadas para a AVB e que as questões relativas a Suzano (os seus passivos sócio ambientais) não lhe diziam respeito. Ficaram no passado. Por que ele disse isso? Porque um funcionário da Suzano liberara 600 hectares para a comunidade regularizar para si e a AVB não queria reconhecer essa doacao. O fórum carajás estava presente na conversa e indagou ao presidente da associação quantos mil hectares de eucalipto havia ao redor da comunidade. O presidente respondeu mais de sete mil hectares. A pergunta seguinte foi para o advogado da AVB " e a empresa não abre mao de 600 hectares?". "Não", respondeu o advogado.

O aco esverdeado da AVB

Isso é certo. Escreve-se poucos textos que consagrem os frutos da flora nativa como seus interesses literários e estéticos. Não é só na literatura que se compreende essa lacuna. Deve se contar nos dedos as pinturas cujo objeto central seja os frutos típicos da natureza local. Vem à cabeça algumas pinturas de Tarsila do Amaral, mas as frutas são periféricas na composição do quadro. Por um acaso lendo o livro "A poeta da cidade maravilhosa" de Rafael Santos Se, um dos trechos se destaca: " O cardápio mistura especialidades locais como o consomme luteciano com iguarias exóticas para os paladares franceses como o doce de bacuri". Esse trecho se refere a uma homenagem prestada pela poetisa francesa Jane Catulle Mendes a escritora brasileira Júlia Lopes de Almeida em Paris em 1914. O texto que consta nesse trecho e de total autoria do Rafael. Presume se que a classificação "iguarias exóticas seja do autor". Se o bacuri e exótico para um autor atual imagine como deveria ser para franceses do final do século XIX e começo do século XX. A região mais rica em bacuri do Maranhão e do Brasil está sendo arrasada e um dos vetores desse arraso e a produção de carvão vegetal a partir da queima de vegetação nativa e de eucaliptos plantados onde havia vegetação nativa pela empresa Aço Verde Brasil, sucessora dos interesses da Suzano papel e celulose no baixo Parnaíba maranhense. Todo santo dia caminhões da AVB cruzam as estradas maranhenses transportando matéria prima para sua fábrica em Açailândia. E um negócio de grandes proporções e grandes impactos. Aço Verde e uma contradição. Não há produção de aco sustentável..se fosse sustentável justificaria o verde.