"Mais de 40 famílias camponesas da região da Serra do Centro, no município de Campos Lindos, nordeste do Tocantins, serão despejadas de suas terras nesta terça-feira (18). A decisão que favorece a Associação de Plantadores do Alto do Tocantins (Associação Planalto), representante de grandes produtores de soja, foi proferida pelo juiz Luatom Bezerra, da Comarca de Goiatins". Nota da CPT Araguaia Tocantins e CNBB Regional Norte 3 denuncia despejo iminente em Campos Lindos (TO).
As famílias, compostas por pequenos agricultores e agricultoras, vivem na região há mais de 15 anos plantando suas roças e criando animais como porco, gado e galinha. Fiel à sua missão de ser presença fraterna junto às comunidades do campo em luta pelo respeito de seus históricos direitos, a Comissão Pastoral da Terra Araguaia-Tocantins (CPT) denuncia o iminente desastre social que essa reintegração irá causar na vida de centenas de pessoas.
O despejo não prevê, por exemplo, para onde serão realojados adultos, idosos, jovens e crianças – bem como seus pertences e animais. Durante reunião de planejamento para o cumprimento do mandado, oficiais de justiça e Polícia Militar (PM), responsáveis pela condução da operação, não souberam informar para onde serão levadas as famílias – fato que contraria a diretriz da Ouvidoria Agrária Nacional (OAN) em casos de reintegração de posse. A decisão do juiz Luatom Bezerra também não apresenta preocupação sobre o acolhimento das pessoas afetadas. Serão jogadas à própria sorte.
Conflitos e problemas ambientais
O Projeto Agrícola Campos Lindos foi criado em maio de 1997 por José Wilson Siqueira Campos, então governador do Tocantins, por meio do decreto 438/97. Em uma reforma agrária “às avessas” que consumou uma grilagem pública de terras, o estado desapropriou por improdutividade a antiga fazenda Santa Catarina – já titulada de forma controversa –, e distribuiu os mais de 90 mil hectares a fazendeiros, empresários e políticos, muitos deles bem conhecidos: a senadora Kátia Abreu e o ex-ministro da Agricultura de Itamar Franco, Dejandir Dalpasquale, estão entre os beneficiários que pagaram apenas 10 reais por hectare.
A implantação do projeto desconsiderou a existência de cerca de 160 famílias camponesas que, de forma comunitária, ocupavam o local havia mais de seis décadas com produção diversificada, criando o gado solto e aproveitando o que o Cerrado oferecia. Suas áreas acabaram convertidas em reserva legal do projeto. Depois de muita pressão, aproximadamente 70 delas tiveram seus títulos concedidos, mas boa parte ainda ficou sem reconhecimento legal de suas posses. Diariamente, convivem com a contaminação provocada pelo uso intensivo de agrotóxicos nas lavouras de soja.
Além dos conflitos relacionados à posse da terra, o projeto apresenta diversos problemas ambientais. Ele começou a funcionar sem apresentar o EIA/Rima e sem Licença Prévia do Naturatins (órgão estadual de licenciamento ambiental). Em 2000, o Ibama constatou diversas irregularidades, como desmatamento de grandes áreas sem autorização, inclusive de áreas de preservação permanente (APPs) na beira dos cursos d’água. O Ministério Público Federal entrou com ação civil pública contra o projeto, e Naturatins e Ibama impuseram condicionantes para o seu funcionamento. Em 2009, o Naturatins fez nova inspeção e confirmou a sobreposição de áreas de reserva legal com APPs. Ainda assim, o projeto nunca teve suas atividades embargadas.
Em fevereiro de 2013, em audiência pública realizada em Campos Lindos sobre a situação das famílias de posseiros e sobre os problemas ambientais, o Naturatins reconheceu que o projeto continua a funcionar sem licenciamento. A Defensoria Pública do Tocantins afirmou seu compromisso em atuar junto aos posseiros. Nesta ocasião, o Ministério Público Federal designou um antropólogo para produzir um laudo a respeito das comunidades.
Trabalho escravo
Foi em uma fazenda do projeto que se deu o primeiro resgate de trabalho escravo do estado do Tocantins. Entre 2003 e 2013, foram identificados oito casos em Campos Lindos, seis deles em atividades ligadas à soja. Apenas três foram fiscalizados, com o resgate de 29 trabalhadores. A cidade de Campos Lindos tem uma população de 9,6 mil pessoas e é dona de um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano de todo o Brasil, com 0,544, segundo dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A situação vivenciada pelas famílias impactadas pela soja torna seus filhos extremamente vulneráveis ao trabalho escravo.
Conivência do Estado
Diante do histórico de omissão e injustiça contra as famílias camponesas de Campos Lindos, a Comissão Pastoral da Terra Araguaia-Tocantins e o Regional Norte 3 do Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) denunciam e responsabilizam o Estado do Tocantins por sua direta participação enquanto promotor e incentivador deste Projeto que gera violência e empobrecimento das comunidades da região. Teme-se pelo agravamento dos conflitos agrários, sobretudo porque este cenário coloca em risco a integridade de famílias camponesas que sobrevivem unicamente da agricultura de subsistência.
A CPT e o Regional Norte 3 da CNBB exigem que os governos Estadual e Federal garantam os direitos das famílias que, há anos, vivem constantemente sob pressão, na incerteza de como será o dia de amanhã.
"Porventura, não te basta nos ter tirado de uma terra onde manam leite e mel para nos fazer morrer neste deserto?" Nm. 16:13
Dom Philip Dickmans - Presidente do Regional Norte 3 da CNBB
Edmundo Rodrigues Costa Comissão Pastoral da Terra Araguaia/Tocantins Araguaína (TO)
14 de outubro de 2016
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