CSP Conlutas envia caranava ao município de Palmeirândia (MA) e constata que o ajuda fazendeiro assassino a construir uma "Faixa de Gaza" contra quilombolas
Caravana da Central Sindical e Popular Conlutas
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O dia era 11 de março,uma sexta-feira. Chovia muito em São Luís do
Maranhão. Por volta das quatro da matina, já estávamos numa van que nos
levaria às comunidades quilombolas do município de Palmeirândia na
baixada Ocidental Maranhense. Nossa caravana de solidariedade aos
quilombolas era formada por militantes do PSTU, da Comissão Pastoral da
Terra (CPT-MA), do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe e do
Movimento Hip Hop do Maranhão “Quilombo Urbano”. Uma equipe da Rede
Brasil nos acompanhava. Passamos 110 minutos no Ferry Boat e uma hora e
meia na estrada esburacada que leva ao município de Palmeirândia.
Sabíamos que a situação por lá era tensa, mas a olho nú constatamos que
era bem pior do que imaginávamos! Percebemos que os quilombolas de
Palmeirândia estão sitiados numa espécie de “Faixa de Gaza” construída
pelo poderoso fazendeiro da região, Gentil Gomes, com o apoio da polícia
de São Bento, do vereador Paulo Miguel (PDT) e a conivência criminosa
do INCRA-MA.
Moradores da região nos informaram que, no dia 17 de fevereiro, após o
enterro de um jagunço que tombou ao tentar matar dois quilombolas, cerca
de 60 pessoas foram conduzidas em um ônibus escolar até a casa da
quilombola Ziane, uma das lideranças do Moquimbom. O bando era comandado
pelo vereador Paulo Miguel (PDT). Desse total, cerca de 20 pessoas,
armadas de facões, machados, enxadas, paus e, provavelmente, armas de
fogo, destruíram a casa de Ziane com tudo que havia dentro. Pelas fotos
abaixo dá pra perceber que a intenção do bando era minar com toda a
estrutura lateral da casa para que a mesma desabasse sobre o casal e
seus quatros filhos, o que só não ocorreu por que os pilares de
sustentação interna suportaram ao ataque.
Casa da família de Ziane que por muito pouco não desabou como todos dentro
“Como a casa não caiu, eles queriam matar meu marido na frente dos meus
filhos. Alguns vizinhos foi que não deixaram. Então eles quebraram toda
a casa exigindo que meu marido olhasse”, relata Ziane em meio a uma
cascata de lágrimas. A filha mais velha de Ziane tem onze anos e o mais
novo apenas quatro. Com os olhinhos desolados, olhavam pela primeira
vez, desde o acontecido, os destroços da casa, dos móveis e dos
brinquedos, todos amontoados.
Quilombola Ziane, seu companheiro e os quatros filhos. João, o mais novo, no braço do pai, tem apenas 04 anos de idade
Imagens da residência completamente destruída por dentro, assim como ficou por fora
Da casa Ziane fomos às plantações da parte direita do território
Cruzeiro que é dividido ao meio por uma estrada. Tudo completamente
destruído! Roça de milho, batatas, quiabos, maxixe, melancia, etc. Não
sobrou quase nada, nem mesmo a cerca ficou de pé. O que era roça virou
pasto para o gado da região. Até as casinhas de palha de beira de
estrada que são utilizadas para vendas dos legumes e frutos foram
reduzidas às cinzas. “Era daqui que vinha nosso sustento, agora não
temos nada para vender”, afirma a quilombola Tereza que por muito pouco
não teve também sua casa destruída naquele inesquecível 17 de fevereiro
de 2016. Escapou porque havia saído momentos antes do ataque. “Eles
queriam também destruir minha casa comigo e meus filhos e netos dentro”,
desabafa Tereza em tom de indignação.
Com as plantações destruídas e a cerca ao chão, é o gado que povoa o território
De lá seguimos para o outro lado do território de Cruzeiro. Além de
mandar invadir o território, destruir as roças e os instrumentos de
trabalho dos quilombolas, o fazendeiro Gentil Gomes mandou lacrar com
cadeados a porteira que dá acesso ao território, tudo isso sem qualquer
mandado judicial. Resolvemos passar entre os arames e, no momento em que
gravávamos um vídeo em solidariedade a comunidade, ouvimos um tiro de
cartucheira. Na seqüência, um jagunço passou numa moto ameaçando os
quilombolas e os membros da Caravana que ficaram do lado de fora. Pouco
depois, o irmão do vereador Paulo Miguel passou em um carro em baixa
velocidade olhando para dentro do território.
Devido a essas ameaças, muitos quilombolas saíram da região, como é o
caso de Santinho, liderança do Moquibom que foi preso por policiais do
município de São Bento, os mesmos que se negaram a socorrer Ziane e seus
familiares. Por muito pouco, Santinho não foi linchado pelo bando que
destruiu roças, casas e mataram centenas de animais. Mesmo entre os
quilombolas que não tiveram suas roças destruídas, a tristeza é
indisfarçável. “Não adianta ter minha roça, se meus companheiros não têm
a deles. Aqui a gente é um ajudando o outro”, relata um quilombola
aparentando 60 anos de idade ao mostrar para nós os belos pés de milhos
de sua roça.
Várias crianças quilombolas também estão impedidas de ir à escola, onde
impera o racismo e muitos quilombolas vivem o dia todo sobressaltados. O
vereador Paulo Miguel (PDT) chegou a fazer um discurso na Rádio
Pericumã afirmando que por ele não iria sobrar um quilombola na região. O
delegado do município São Bento deu entrevista utilizando argumentos
não menos agressivos. Para não sofrerem perseguições, muitos quilombolas
estão renegando sua identidade quilombola.
O lado do INCRA é do latifúndio e do agronegócio!
O papel que o INCRA-MA tem cumprido nesse conflito não é só de omissão,
é de total conivência com os fazendeiros da região. Para facilitar os
ataques aos quilombolas, o INCRA contratou uma antropóloga negra para
fazer o “jogo sujo” de violar arbitrariamente o Relatório Técnico de
Identificação e Delimitação (RTID) preparado anteriormente por outra
antropóloga, além de desconsiderar o Relatório Sócio-histórico
antropológico que foi aprovado consensualmente pelos próprios Técnicos
do INCRA e pela comunidade.
Ao aprovar e publicar no Diário Oficial um RTID elaborado a partir de
um questionário aplicado em apenas 04 dias e que destina metade do
território de Cruzeiro para familiares e funcionários de Gentil Gomes, a
quem o mesmo arrenda ilegalmente as terras dos quilombolas, o INCRA
atesta publicamente sua posição política favorável ao fazendeiro e
contrária aos quilombolas.
O RTID conclusivo não tem nada de metodologia antropológica. A decisão
tem motivação exclusivamente política. Todas as reuniões realizadas pela
equipe do INCRA na comunidade foram com funcionários do fazendeiro ou
com membros da comunidade que por pressão ou orientação do INCRA não se
declararam remanescentes de quilombolas. Isso contraria os Artigos 2º e
3º do Decreto 4.887/2003 que torna imprescindível a participação da
comunidade como sujeitos políticos do processo e não como objetos de
questionários. Ao validar esse RTID, o INCRA favorece com metade do
território os grupos ligados ao fazendeiro, a filha do fazendeiro (Noele
de Jesus Barros Gomes) e o posseiro Gregório Farias, pai do vereador
Paulo Miguel (PDT). Para considerar os “ocupantes” dos territórios
quilombolas como povos tradicionais, o Relatório transforma a submissão
destes ao fazendeiro em elementos de resistência de povos tradicionais.
Outro elemento de “resistência” seria a defesa de que Cruzeiro se
transforme em município. Citamos um trecho das considerações finais do
RTID conclusivo em sua pagina 165 que afirma que:
“Enquanto o grupo auto-definido acionou a política de regularização fundiária de territórios quilombolas (...) o outro utilizou-se de outras ferramentas de resistência que incluiria a aproximação com os titulares das terras no território, a compra de algumas áreas e articulação para a emancipação territorial a categoria de município”
“Enquanto o grupo auto-definido acionou a política de regularização fundiária de territórios quilombolas (...) o outro utilizou-se de outras ferramentas de resistência que incluiria a aproximação com os titulares das terras no território, a compra de algumas áreas e articulação para a emancipação territorial a categoria de município”
Se a primeira versão do Relatório favorável aos quilombolas impedia a
transformação do distrito de Cruzeiro em município, na versão violada
pelo INCRA, a defesa da emancipação do município de Cruzeiro por parte
dos moradores ligados a Gentil Gomes é reconhecida como “ferramentas de
resistências”. O que era para ser um Laudo complementar ao RTID que
reconhecia todo o território como quilombola, se transformou em seu
oposto. Foi essa decisão ilegal que aumentou o clima de tensão na
região, incitação pública à violência racista, incineração de casa,
destruição de roças, agressões físicas, prisões ilegais de lideranças e
tentativas de linchamento. Por cima, inverte o foco do conflito que
deixa de ter como foco a disputa entre os fazendeiros e a comunidade,
passando a ser entre a própria comunidade, já que é entre a parte
favorecida pelo INCRA que o fazendeiro recruta seus jagunços e
capangas.
Nunca é demais lembrar que Gentil Gomes foi quem mandou matar o líder
quilombola Flaviano Pinto Neto em outubro de 2010. Em 2011, devido à
pressão dos Movimentos Sociais e pela quebra do seu sigilo telefônico, a
juíza da Comarca do município São João Batista mandou prender o
fazendeiro que, infelizmente, foi solto. Em 2015, o TJ-MA em atitude
descabida absorveu Gentil Gomes da condição de réu, atribuindo ao
próprio Flaviano a responsabilidade pela sua morte. O bando que matou
Flaviano já havia tocado fogo na sede da associação que a vitima
presidia, já havia assassinado 16 pessoas na região e era liderado pelo
pistoleiro Josué Sodré Sabóia que teria participado da Operação Tigre,
considerado o maior grupo de extermínio institucional do país que foi
criado em 1989 quando João Alberto (PMDB), hoje presidente da Comissão
de Ética do governo Dilma, era governador do Maranhão.
A quem interessa criminalizar o moquibom e a luta quilombola?
“O INCRA se transformou numa superintendência do latifúndio!”. Temos
pleno acordo com essa frase dita pela quilombola Tereza. O INCRA tem
atuado conscientemente na tentativa de enfraquecer o Moquibom e todos os
grupos do campo que rompem com Dilma e o PT e não se limitam mais a
meros diálogos institucionais. O INCRA é o braço institucional do
governo Dilma e a antropóloga é apenas uma peça negra nesse tabuleiro. O
governo Dilma é a principal responsável por essa situação porque fez
opção pelo agronegócio a quem destina quase que 90% do orçamento da
política agrária, enquanto cortou 80% da verba destina à regularização
fundiária.
Para se expandir pelo campo, o agronegócio precisa passar por cima das
comunidades quilombolas, dos povos indígenas e de todos os trabalhadores
do campo. No dia 04/03, Bolsonaro afirmou que as licenças às terras
indígenas são um obstáculo para a produção de comidites para o Brasil.
Kátia Abreu, ministra de Dilma, também não pensa diferente. Está claro
que política do governo Dilma, junto com os fazendeiros e os empresários
do agronegócio, é dividir os trabalhadores do campo para melhor
explorá-los e massacrá-los. Ao expulsá-los das terras libera ainda força
de trabalho baratíssima tanto para os antigos fazendeiros como para os
novos empresários do agronegócio. É por tudo isso que as lideranças do
Moquibom estão sendo perseguidas tanto por grupoeconômicos como por
parte do Estado (INCRA, polícia e vereadores). Em 2010, ano do
assassinato de Flaviano, a CPT registrou o envolvimento de 70 mil
famílias em conflitos por terra, número superior a todo o período de
1991-1995.
Reiteramos aqui nossa exigência às entidades do Movimento Negro,
sobretudo aquelas que no último dia 08 de março lançaram o manifesto em
defesa do governo Dilma com o titulo“NEGRAS E NEGROS CONTRA O
RETROCESSO”, que sejam de fato solidários com o povo negro que está
sendo massacrado por esse governo e pelos grandes grupos econômicos do
país. Não será possível apresentar uma alternativa pela esquerda para os
quilombolas, indígenas e para o conjunto do povo negro e da classe
trabalhadora se não for rompendo com Dilma, com todos os partidos da
ordem (PT, PC do B PSDB, PMDB, DEM, etc.) e com o capitalismo. Da mesma
forma, não podemos aceitar que o governador Flávio Dino do PC do B
continue assistindo essa dramática situação sem tomar as providências
cabíveis já que o conflito ocorre em território do estado do Maranhão.
Exigimos:
1- Anulação do Parecer Conclusivo do RTID violado;
2- Imediato reconhecimento e titulação dos 717 hectares do território da comunidade quilombola de Cruzeiro
3- Inclusão de todas as vitimas e testemunhas das comunidades em programa de proteção do governo federal.
4- Garantia
de pelo menos um salário mínimo por parte do governo Federal e Estadual
para todas as famílias que tiveram suas roças queimadas e estão sem ter
de onde tirar seus sustentos.
5- Cassação e prisão do vereador Paulo Miguel por associação criminosa, incitação a violência, entre os outros crimes.
6- Prisão de Gentil Gomes pelo assassinato de Flaviano Pinto Neto e por todos os crimes que tem cometido na região.
7- Prisão de todos os envolvidos nas agressões físicas e psicológicas praticadas contra os quilombolas.
8- Titulação de todos os territórios quilombolas e indígenas do Maranhão e de todo o país,
9- Reforma agrária e expropriação do latifúndio sobre os controle dos trabalhadores e trabalhadoras.
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