segunda-feira, 21 de março de 2016

No Maranhão, fazendeiro ataca quilombolas com conivência do Incra

CSP Conlutas envia caranava ao município de Palmeirândia (MA) e constata que o ajuda fazendeiro assassino a construir uma "Faixa de Gaza" contra quilombolas

Caravana da Central Sindical e Popular Conlutas
O dia era 11 de março,uma sexta-feira. Chovia muito em São Luís do Maranhão. Por volta das quatro da matina, já estávamos numa van que nos levaria às comunidades quilombolas do município de Palmeirândia na baixada Ocidental Maranhense. Nossa caravana de solidariedade aos quilombolas era formada por militantes do PSTU, da Comissão Pastoral da Terra (CPT-MA), do Movimento Nacional Quilombo Raça e Classe e do Movimento Hip Hop do Maranhão “Quilombo Urbano”.  Uma equipe da Rede Brasil nos acompanhava. Passamos 110 minutos no Ferry Boat e uma hora e meia na estrada esburacada que leva ao município de Palmeirândia. Sabíamos que a situação por lá era tensa, mas a olho nú constatamos que era bem pior do que imaginávamos! Percebemos que os quilombolas de Palmeirândia estão sitiados numa espécie de “Faixa de Gaza” construída pelo poderoso fazendeiro da região, Gentil Gomes, com o apoio da polícia de São Bento, do vereador Paulo Miguel (PDT) e a conivência criminosa do INCRA-MA. 
 
Moradores da região nos informaram que, no dia 17 de fevereiro, após o enterro de um jagunço que tombou ao tentar matar dois quilombolas, cerca de 60 pessoas foram conduzidas em um ônibus escolar até a casa da quilombola Ziane, uma das lideranças do Moquimbom. O bando era comandado pelo vereador Paulo Miguel (PDT).  Desse total, cerca de 20 pessoas, armadas de facões, machados, enxadas, paus e, provavelmente, armas de fogo, destruíram a casa de Ziane com tudo que havia dentro. Pelas fotos abaixo dá pra perceber que a intenção do bando era minar com toda a estrutura lateral da casa para que a mesma desabasse sobre o casal e seus quatros filhos, o que só não ocorreu por que os pilares de sustentação interna suportaram ao ataque. 
 
Casa da família de Ziane que por muito pouco não desabou como todos dentro 
 
“Como a casa não caiu, eles queriam matar meu marido na frente dos meus filhos. Alguns vizinhos foi que não deixaram. Então eles quebraram toda a casa exigindo que meu marido olhasse”, relata Ziane em meio a uma cascata de lágrimas.  A filha mais velha de Ziane tem onze anos e o mais novo apenas quatro. Com os olhinhos desolados, olhavam pela primeira vez, desde o acontecido, os destroços da casa, dos móveis e dos brinquedos, todos amontoados. 
 
Quilombola Ziane, seu companheiro e os quatros filhos. João, o mais novo, no braço do pai, tem apenas 04 anos de idade
 
Imagens da residência completamente destruída por dentro, assim como ficou por fora
 
Da casa Ziane fomos às plantações da parte direita do território Cruzeiro que é dividido ao meio por uma estrada. Tudo completamente destruído! Roça de milho, batatas, quiabos, maxixe, melancia, etc. Não sobrou quase nada, nem mesmo a cerca ficou de pé. O que era roça virou pasto para o gado da região. Até as casinhas de palha de beira de estrada que são utilizadas para vendas dos legumes e frutos foram reduzidas às cinzas. “Era daqui que vinha nosso sustento, agora não temos nada para vender”, afirma a quilombola Tereza que por muito pouco não teve também sua casa destruída naquele inesquecível 17 de fevereiro de 2016. Escapou porque havia saído momentos antes do ataque. “Eles queriam também destruir minha casa comigo e meus filhos e netos dentro”, desabafa Tereza em tom de indignação. 
 
Com as plantações destruídas e a cerca ao chão, é o gado que  povoa o território 
 
De lá seguimos para o outro lado do território de Cruzeiro. Além de mandar invadir o território, destruir as roças e os instrumentos de trabalho dos quilombolas, o fazendeiro Gentil Gomes mandou lacrar com cadeados a porteira que dá acesso ao território, tudo isso sem qualquer mandado judicial. Resolvemos passar entre os arames e, no momento em que gravávamos um vídeo em solidariedade a comunidade, ouvimos um tiro de cartucheira. Na seqüência, um jagunço passou numa moto ameaçando os quilombolas e os membros da Caravana que ficaram do lado de fora. Pouco depois, o irmão do vereador Paulo Miguel passou em um carro em baixa velocidade olhando para dentro do território.
 
 
 
 
Devido a essas ameaças, muitos quilombolas saíram da região, como é o caso de Santinho, liderança do Moquibom que foi preso por policiais do município de São Bento, os mesmos que se negaram a socorrer Ziane e seus familiares. Por muito pouco, Santinho não foi linchado pelo bando que destruiu roças, casas e mataram centenas de animais.  Mesmo entre os quilombolas que não tiveram suas roças destruídas, a tristeza é indisfarçável. “Não adianta ter minha roça, se meus companheiros não têm a deles. Aqui a gente é um ajudando o outro”, relata um quilombola aparentando 60 anos de idade ao mostrar para nós os belos pés de milhos de sua roça.
 
Várias crianças quilombolas também estão impedidas de ir à escola, onde impera o racismo e muitos quilombolas vivem o dia todo sobressaltados. O vereador Paulo Miguel (PDT) chegou a fazer um discurso na Rádio Pericumã afirmando que por ele não iria sobrar um quilombola na região. O delegado do município São Bento deu entrevista utilizando argumentos não menos agressivos. Para não sofrerem perseguições, muitos quilombolas estão renegando sua identidade quilombola. 
 
O lado do INCRA é do latifúndio e do agronegócio!
O papel que o INCRA-MA tem cumprido nesse conflito não é só de omissão, é de total conivência com os fazendeiros da região. Para facilitar os ataques aos quilombolas, o INCRA contratou uma antropóloga negra para fazer o “jogo sujo” de violar arbitrariamente o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) preparado anteriormente por outra antropóloga, além de desconsiderar o Relatório Sócio-histórico antropológico que foi aprovado consensualmente pelos próprios Técnicos do INCRA e pela comunidade. 
 
Ao aprovar e publicar no Diário Oficial um RTID elaborado a partir de um questionário aplicado em apenas 04 dias e que destina metade do território de Cruzeiro para familiares e funcionários de Gentil Gomes, a quem o mesmo arrenda ilegalmente as terras dos quilombolas, o INCRA atesta publicamente sua posição política favorável ao fazendeiro e contrária aos quilombolas. 
 
O RTID conclusivo não tem nada de metodologia antropológica. A decisão tem motivação exclusivamente política. Todas as reuniões realizadas pela equipe do INCRA na comunidade foram com funcionários do fazendeiro ou com membros da comunidade que por pressão ou orientação do INCRA não se declararam remanescentes de quilombolas. Isso contraria os Artigos 2º e 3º do Decreto 4.887/2003 que torna imprescindível a participação da comunidade como sujeitos políticos do processo e não como objetos de questionários. Ao validar esse RTID, o INCRA favorece com metade do território os grupos ligados ao fazendeiro, a filha do fazendeiro (Noele de Jesus Barros Gomes) e o posseiro Gregório Farias, pai do vereador Paulo Miguel (PDT).  Para considerar os “ocupantes” dos territórios quilombolas como povos tradicionais, o Relatório transforma a submissão destes ao fazendeiro em elementos de resistência de povos tradicionais. Outro elemento de “resistência” seria a defesa de que Cruzeiro se transforme em município. Citamos um trecho das considerações finais do RTID conclusivo em sua pagina 165 que afirma que:

“Enquanto o grupo auto-definido acionou a política de regularização fundiária de territórios quilombolas (...) o outro utilizou-se de outras ferramentas de resistência que incluiria a aproximação com os titulares das terras no território, a compra de algumas áreas e articulação para a emancipação territorial a categoria de município”
 
Se a primeira versão do Relatório favorável aos quilombolas impedia a transformação do distrito de Cruzeiro em município, na versão violada pelo INCRA, a defesa da emancipação do município de Cruzeiro por parte dos moradores ligados a Gentil Gomes é reconhecida como “ferramentas de resistências”. O que era para ser um Laudo complementar ao RTID que reconhecia todo o território como quilombola, se transformou em seu oposto. Foi essa decisão ilegal que aumentou o clima de tensão na região, incitação pública à violência racista, incineração de casa, destruição de roças, agressões físicas, prisões ilegais de lideranças e tentativas de linchamento. Por cima, inverte o foco do conflito que deixa de ter como foco a disputa entre os fazendeiros e a comunidade, passando a ser entre a própria comunidade, já que é entre a parte favorecida pelo INCRA que o fazendeiro recruta seus jagunços e capangas. 
 
Nunca é demais lembrar que Gentil Gomes foi quem mandou matar o líder quilombola Flaviano Pinto Neto em outubro de 2010. Em 2011, devido à pressão dos Movimentos Sociais e pela quebra do seu sigilo telefônico, a juíza da Comarca do município São João Batista mandou prender o fazendeiro que, infelizmente, foi solto. Em 2015, o TJ-MA em atitude descabida absorveu Gentil Gomes da condição de réu, atribuindo ao próprio Flaviano a responsabilidade pela sua morte. O bando que matou Flaviano já havia tocado fogo na sede da associação que a vitima presidia, já havia assassinado 16 pessoas na região e era liderado pelo pistoleiro Josué Sodré Sabóia que teria participado da Operação Tigre, considerado o maior grupo de extermínio institucional do país que foi criado em 1989 quando João Alberto (PMDB), hoje presidente da Comissão de Ética do governo Dilma, era governador do Maranhão. 
 
A quem interessa criminalizar o moquibom e a luta quilombola? 
“O INCRA se transformou numa superintendência do latifúndio!”. Temos pleno acordo com essa frase dita pela quilombola Tereza. O INCRA tem atuado conscientemente na tentativa de enfraquecer o Moquibom e todos os grupos do campo que rompem com Dilma e o PT e não se limitam mais a meros diálogos institucionais. O INCRA é o braço institucional do governo Dilma e a antropóloga é apenas uma peça negra nesse tabuleiro. O governo Dilma é a principal responsável por essa situação porque fez opção pelo agronegócio a quem destina quase que 90% do orçamento da política agrária, enquanto cortou 80% da verba destina à regularização fundiária. 
 
Para se expandir pelo campo, o agronegócio precisa passar por cima das comunidades quilombolas, dos povos indígenas e de todos os trabalhadores do campo. No dia 04/03, Bolsonaro afirmou que as licenças às terras indígenas são um obstáculo para a produção de comidites para o Brasil. Kátia Abreu, ministra de Dilma, também não pensa diferente.  Está claro que política do governo Dilma, junto com os fazendeiros e os empresários do agronegócio, é dividir os trabalhadores do campo para melhor explorá-los e massacrá-los. Ao expulsá-los das terras libera ainda força de trabalho baratíssima tanto para os antigos fazendeiros como para os novos empresários do agronegócio.  É por tudo isso que as lideranças do Moquibom estão sendo perseguidas tanto por grupoeconômicos como por parte do Estado (INCRA, polícia e vereadores). Em 2010, ano do assassinato de Flaviano, a CPT registrou o envolvimento de 70 mil famílias em conflitos por terra, número superior a todo o período de 1991-1995.     
 
Reiteramos aqui nossa exigência às entidades do Movimento Negro, sobretudo aquelas que no último dia 08 de março lançaram o manifesto em defesa do governo Dilma com o titulo“NEGRAS E NEGROS CONTRA O RETROCESSO”, que sejam de fato solidários com o povo negro que está sendo massacrado por esse governo e pelos grandes grupos econômicos do país. Não será possível apresentar uma alternativa pela esquerda para os quilombolas, indígenas e para o conjunto do povo negro e da classe trabalhadora se não for rompendo com Dilma, com todos os partidos da ordem (PT, PC do B PSDB, PMDB, DEM, etc.) e com o capitalismo. Da mesma forma, não podemos aceitar que o governador Flávio Dino do PC do B continue assistindo essa dramática situação sem tomar as providências cabíveis já que o conflito ocorre em território do estado do Maranhão.  
 
 
Exigimos: 
1- Anulação do Parecer Conclusivo do RTID violado;
2- Imediato reconhecimento e titulação dos 717 hectares do território da comunidade quilombola de Cruzeiro
3- Inclusão de todas as vitimas e testemunhas das comunidades em programa de proteção do governo federal.
4- Garantia de pelo menos um salário mínimo por parte do governo Federal e Estadual para todas as famílias que tiveram suas roças queimadas e estão sem ter de onde tirar seus sustentos. 
5- Cassação e prisão do vereador Paulo Miguel por associação criminosa, incitação a violência, entre os outros crimes.
6- Prisão de Gentil Gomes pelo assassinato de Flaviano Pinto Neto e por todos os crimes que tem cometido na região. 
7- Prisão de todos os envolvidos nas agressões físicas e psicológicas praticadas contra os quilombolas. 
8- Titulação de todos os territórios quilombolas e indígenas do Maranhão e de todo o país,
9- Reforma agrária e expropriação do latifúndio sobre os controle dos trabalhadores e trabalhadoras.

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