A
Comissão Pastoral da Terra Araguaia - Tocantins (CPT) utiliza-se desta
Nota para expressar sua indignação diante das escandalosas sentenças
proferidas repetidamente pelo juiz titular da Comarca de Goiatins, no
Tocantins, Dr. Luatom Bezerra Adelino de Lima, contra as famílias
camponesas moradoras da gleba Tauá, no município de Barra do Ouro (TO).
Fiel à sua missão de ser presença fraterna junto às comunidades do
campo em luta pelo respeito de seus históricos direitos, a CPT alerta
para o impacto irreversível que estas decisões vêm causando aos
trabalhadores e trabalhadoras.
Emblemático é o caso de dona Ieda Rocha dos Santos (foto ao lado),
moradora da gleba Tauá há mais de 45 anos: Ieda já passou por um
primeiro despejo em 3 de abril de 2015, por determinação deste juiz, em
sentença favorável ao grileiro Emílio Binotto, empresário catarinense do
setor de transporte e plantador de soja.
Após retirar seus pertences antes mesmo do cumprimento da ação, dona
Ieda e sua família restabeleceram-se em uma área dentro da própria
gleba, onde não consta título algum em nome de qualquer proprietário; ou
seja, uma área da União Federal sem nenhum dono particular.
Uma tomada de coordenadas geodésicas realizada por um engenheiro
agrônomo comprovou que dona Ieda não estava mais na mesma área da qual
acabara de ser despejada. Mesmo assim, sem nenhum pedido de perícia
técnica, o juiz Luatom emitiu nova ordem de despejo contra ela –
cumprida em 12 de agosto de 2015 – sob a alegação de que dona Ieda havia
permanecido na mesma área.
Até os dias de hoje, dona Ieda, seu marido e os oito filhos estão
vivendo na cidade, em um barracão improvisado. A fartura de mandioca,
abóbora, arroz, feijão e outros alimentos da agricultura familiar já não
existe mais. A sua criação de porcos e galinhas também se perdeu na
hora em que o caminhão do despejo carregou suas coisas.
Mais emblemático ainda é caso de dona Raimunda Pereira dos Santos (à direita),
moradora tradicional da gleba Tauá. Aos 73 anos de idade, dona Raimunda
vive naquelas terras desde 1952. Ela é a principal liderança da
comunidade. No próximo dia 12 de novembro está marcado seu despejo em
virtude da sentença de reintegração de posse expedida pelo mesmo juiz
Luatom Bezerra, prestes a retirar esta senhora da terra onde viveu quase
toda a sua vida.
Causa estranheza esta decisão de reintegração ter como embasamento
documental, entre outros documentos questionáveis, uma mera declaração
de um servidor do INCRA de Araguaína (TO) informando a tramitação nesta
autarquia de um processo de regularização das áreas em disputa e
afirmando se tratar de terras públicas federais. Causa revolta esta
decisão, além de ser injusta, extrapolar a área de posse de dona
Raimunda, conforme apontado no relatório do 2º Batalhão da Polícia
Militar de Araguaína: cerca de 40 outras famílias de posseiros estão
assim arroladas para serem retiradas de onde moram.
“Eu sempre estou de pé firme. Nunca gelei, nunca tive medo. Meus
companheiros, minha comunidade e Jesus vêm me dando mais força para
conquistar a vitória da terra. Aqui eu vivo com meus filhos e filhas.
Eles já estão com família criada aqui também. Pra que lugar nós vamos se
nos tirarem daqui?”, indaga dona Raimunda.
Uma sistemática destruição do Cerrado
A gleba Tauá tem sido o alvo constante de desmatamento realizado pelo
empresário catarinense Emilio Binotto, o qual grilou essa área para
plantar soja, milho e criar gado. Em maio de 2015, ao menos cinco
tratores com “correntões” (foto abaixo) foram responsáveis por derrubar todo o Cerrado que encontravam pela frente.
À época, o sojeiro pretendia desmatar uma área equivalente a cerca de
800 campos de futebol, mas esta estimativa já foi superada. A área total
desmatada desde a chegada de Binotto pode atingir 11 mil hectares.
Acompanhadas pela CPT de Araguaína (TO), cerca de 20 famílias
tradicionais (que vivem há mais de 50 anos nesta gleba) e outras 66
famílias que passaram a ocupar as terras na última década, estão ficando
ilhadas e encurraladas diante da força brutal do desmatamento e da
violência exercida pelos funcionários do sojeiro-grileiro, Sr. Binotto.
Rios,
córregos e nascentes estão desaparecendo devido ao assoreamento
ocasionado pela devastação da natureza. “Antes eu andava por essas
terras e sabia exatamente onde ficava cada grota d’água, cada caminho
para as casas das famílias amigas. Hoje em dia, com esse desmatamento,
eu não reconheço mais nada, não sei mais caminhar por aí”, denuncia dona
Raimunda.
Em muitos casos, o corte desenfreado das árvores chega a beirar as
casas das famílias, deixando o local impróprio para desenvolver qualquer
tipo de agricultura familiar. “Essa prática serve também como forma de
pressionar as famílias para que elas saiam dali, pois nota-se que o
grileiro desmatou, mas não plantou nada. Mas o pior vem depois, quando a
soja ou o milho são plantados nos arredores e são despejados os
diversos tipos de agrotóxicos”, aponta o agente e coordenador da CPT,
Pedro Ribeiro.
Uma sistemática tentativa de expulsão dos camponeses
Assim, como tantos outros casos, as causas do atual conflito na gleba
Tauá remetem à arrecadação de uma área de 17,7 mil hectares pelo extinto
Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins (GETAT), em maio de
1984, à revelia das populações que ali viviam e trabalhavam.
Com isso, centenas de camponeses tiveram seu modo de vida tradicional
alterado de forma drástica. Essa imensa área da União, a partir de 1992,
passou a ser cobiçada por especuladores do sul do Brasil. Considerando
que essas terras estavam “sem dono”, iniciaram um processo de expulsão
dos moradores tradicionais, de cercamento dos campos e de desmatamento
ilegal. Toda essa violência foi registrada junto ao Ministério Público
Federal (MPF), em 2007.
A partir de 2009, houve novas tentativas de expulsar os camponeses, com
o advento do Programa Terra Legal. Uma parte da gleba foi dividida
entre 14 “laranjas” que iniciaram processos para regularizar essas
terras junto ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Os mesmos
estão na última instância administrativa; Nove deles já receberam
parecer desfavorável aos grileiros. Neste contexto ocorreram vários
episódios de queima de barracos, envenenamento de rios, uso ilegal de
força policial local em apoio aos fazendeiros, desmatamento, pistolagem,
na tentativa evidente de expulsar as famílias. Paralelamente, houve
intensa e irregular titulação das terras da União por parte do Instituto
de Terras do Tocantins (Itertins).
Apesar das muitas Audiências Públicas realizadas, com a participação,
entre outros, de: Ministério Público Federal, Incra, MDA, Naturatins,
Ibama, Itertins, Ouvidoria Agrária Regional e Ouvidoria Agrária
Nacional, não houve qualquer avanço concreto na resolução do impasse.
Na avaliação do advogado Silvano Rezende, “os agentes do Estado
simplesmente permitem que inúmeras áreas tituladas e áreas de ocupação
de sertanejos sejam assenhoreadas por forasteiros, numa verdadeira
reconcentração fundiária”,
De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o
Tocantins produziu 2,335 milhões de toneladas de soja na safra
2014/2015. A gleba Tauá situa-se na região de maior produção de soja do
estado.
Para a CPT, é humana e evangelicamente inaceitável que o custo a pagar
para este duvidoso recorde seja a bárbara expulsão do povo que ali vive,
trabalha e reproduz a vida, um bem sem preço.
Araguaína, 09 de novembro de 2015
CPT Araguaia-Tocantins
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