A criação de pequenos animais na zona rural se apresenta como uma garantia de segurança alimentar e geração de renda para inúmeras comunidades que dispõem de parcos recursos tanto financeiro como tecnológico para desenvolver seus projetos.
A comunidade de São Raimundo, município de Urbano Santos, experimentou durante o ano de 2010 e começo de 2011 uma série de discussões em conjunto com o Fórum Carajás que tratava de temas como o processo de desapropriação da propriedade onde residem e do beneficiamento dos recursos naturais encontrados na região.
Esses temas, de forma alguma, representavam alguma novidade para a comunidade, afinal desde 2005 que os moradores pelejavam pela posse da terra junto ao Incra e pela preservação dos buritizais e dos bacurizais.
Por certo, as discussões introduziam elementos ainda desconhecidos, no caso, o manejo das brotações de bacurizeiros como forma de preservação do solo e a consequente obtenção de mais frutos em uma área marcada por capoeiras.
De qualquer forma, as apropriações da desapropriação da propriedade para fins de reforma agrária e o manejo de brotação de bacurizeiros em áreas de capoeira como temáticas de discussão expunham as circunstâncias sociais e econômicas em que a comunidade de São Raimundo se metera nos anos posteriores a 2005.
Entre tantas comunidades do Baixo Parnaiba, a comunidade de São Raimundo se revelou um prodígio. Por ser uma comunidade pequena e bastante religiosa, São Raimundo obteve um grau elevado de mobilização e organicidade não só para combater os desmatamentos em sua área e nas das outras comunidades vizinhas como também para resplandecer em projetos como o de manejo de brotação de bacurizeiros.
Essa mobilização e essa organicidade de São Raimundo feriam as demais comunidades, aparentemente, por provar o quanto a comunidade se esforçara com todo o afinco bem mais que todas as outras.
Afora a ciumeira e a gritaria geral, a mobilização e a organicidade se entremearam com mais ardor do que se suporia na própria defesa do território, por menor que seja, quando, por exemplo, um adversário ateou fogo na área do projeto de manejo de brotação de bacurizeiros. Depois disso ficou como questão de honra proteger a área de outras futuras tentativas.
A área do projeto ocupa meio hectare da Chapada pertencente a comunidade de São Raimundo. Chega a ser pouco bem ou mal comparando com os 800 hectares de toda a Chapada. Pretendia-se com a área tecer um parâmetro sobre o grau de compatibilidade entre as formações florestais e os plantios das culturas tradicionais, ou seja, conjugar os esforços na manutenção do extrativismo do bacuri e na produção de alimentos. As práticas tradicionais da agricultura familiar implicavam na derrubada de pequenos trechos da floresta para exercerem seu oficio. Esses trechos são justamente os mais profícuos em termos da biodiversidade.
Encerrou-se o projeto de manejo de brotação de bacurizeiros em São Raimundo no mês de fevereiro de 2011 e ficaram as dúvidas de como prosseguir com os propósitos do projeto que não se reduziam apenas ao manejo de bacurizeiros e sim congregavam propostas mais amplas de ligarem conhecimento tradicional e tecnologias de impacto social. Tomando por base o conhecimento adquirido durante o projeto, a comunidade constituiu uma roça agroecológica. Os membros da associação plantaram arroz consorciado com espécies frutíferas.
Num quadro desolador de desmatamento em larga escala para a implantação de projetos de monocultura na bacia do rio Preguiças, buscava-se recursos para a continuidade das atividades em São Raimundo bem como em outras comunidades também assistidas pelo Fórum Carajás. Aprontara-se um projeto para as comunidades de Santa Quitéria em 2008 pelas mãos da agrônoma Georgeana Carvalho. O escopo do projeto se formatara no manejo de colmeias para produção de mel de abelhas nativas. A organização alemã ASW aprovou o projeto em 2011.
As comunidades se motivariam a contento para um projeto de manejo de colmeias de abelhas nativas? Pelas características dessas comunidades, dissociar projetos de cunho produtivo das suas características intrínsecas incorreria em um erro brutal. E que características são essas? O agricultor familiar produz essencialmente para seu consumo e nessa perspectiva ele vende o que produz por um preço aquém de todo percurso empreendido por ele ao longo da jornada trabalhista, mas essencial para a sua suposição de que o seu produto é interessante para o mercado. O manejo de colmeias dificilmente se encaixaria nessa suposição.
Pelas declarações das comunidades de Urbano Santos e Santa Quitéria, a criação de galinha caipira promoveria geração de renda o ano todo preenchendo o restante dos meses no qual o extrativismo de frutas se retrai. Por coincidência, na mesma época, a equipe do Fórum Carajás se cientificou que o técnico em agropecuária Antonio Anisio, ex-técnico da Tijupá, desenvolvia projetos de galinha caipira no Instituto Federal do Maranhão por um custo muito baixo.
A primeira leva de criatórios de galinha caipira atenderá dez comunidades de Urbano Santos, Santa Quitéria, Buriti de Inácia Vaz, São Bernardo e Barreirinhas. Dez indivíduos se responsabilizam pela construção do galinheiro num tempo que absorve dois meses de suas vidas. Os galinheiros de São Raimundo e Mangabeirinha, município de Urbano Santos, foram erguidos e contam com quarenta pintos cada um. As comunidades de Coceira e Baixão da Coceira, município de Santa Quitéria, movimentam vários feixes de madeira para cercarem os galinheiros se preparando para receberem os pintos de um dia. As próximas comunidades do Baixo Parnaiba a acolherem os galinheiros serão Bracinho, município de Anapurus, Carrancas e Belém, município de Buriti de Inácia Vaz, Enxu, município de São Bernado, e Anajás dos Garcês e Braço, município de Barreirinhas. As comunidades atendidas pelo Fórum Carajás se insurgem contra as monoculturas em seus territórios de extrativismo e de roça. Ao todo os dez galinheiros proporcionarão segurança alimentar e alguma renda para quinhentas pessoas.
Mayron Régis
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