– 27 de agosto de 2011
Na Amazônia quebradeiras de babaçu alertam: produção de biocombustível, que alimenta comunidades locais, está ameaçada por indústria do ferro-gusa
Por Mario Osava, em Envolverde/IPS
O biocombustível é a única fonte de energia alternativa que promove o desenvolvimento local, gerando emprego, conhecimento e tecnologia, mas também pode causar danos sociais. Este é o medo diante da exploração em escala industrial do babaçu, uma palmeira abundante no centro e norte do Brasil. Cerca de 400 mil mulheres e suas famílias dependem do babaçu (Orbignya phalerata martins) para sobreviver na faixa oriental da Amazônia e proximidades. Coletam os cocos desta palmeira para extrair amêndoas e produzem óleo, farinha, carvão e material para artesanato em pequenas quantidades, usando apenas as mãos e máquinas simples.
O Movimento Interestadual das Quebradoras de Coco Babaçu (MIQCB), que as reúne, alerta para um ameaça. Trata-se das indústrias de ferro-gusa (primeira fundição do minério) e de cerâmica, que usam o fruto da palmeira como carvão, em uma competição desigual que emprega simples catadores e catadoras mal remunerados, alertou Luciene Figueiredo. O fazem de forma inadequada, queimando o coco inteiro e desperdiçando sua amêndoa e sua polpa, já que contaminam o ar, criticou Luciene, assessora do MIQCB. O governo do Estado do Tocantins proibiu seu uso nas caldeiras, mas não nos outros três distritos onde o MIQCB atua, lamentou.
A queima da amêndoa oleaginosa gera acroleína, uma substância muito tóxica. Por isso, impede-se o uso de qualquer óleo vegetal como combustível para automotores antes de convertê-lo em biodiesel, embora seja operacional, explicou Marcelo Rodrigues, engenheiro químico da Tecbio, empresa de tecnologia para produção de biocombustíveis. A própria Tecbio é fonte de outras ameaças à economia extrativista do babaçu. Esta empresa com sede em Fortaleza, capital do Ceará, próxima à região de babaçuais, desenvolveu e procura vender um sistema de processamento industrial completo que substitui as tarefas das quebradoras de coco. Estas mulheres operam manualmente, batendo no coco – cuja casca é muito dura – com um pedaço de pau ou algo que sirva de martelo, contra um machado. Para tornar a operação menos perigosa, já foram criadas maquininhas, mas nenhuma foi aprovada pelas quebradoras.
O objetivo dessa tarefa é retirar as amêndoas, de três a cinco por coco, das quais se extrai o óleo, que serve para cozinhar e fazer sabão e cosméticos, deixando o farelo que é usado na alimentação animal. A polpa é rica em amido, por isso é consumida como farinha. A proposta da Tecbio, fundada pelo inventor do biodiesel no Brasil, Expedito Parente, é produzir etanol da polpa e para isso também desenvolveu uma fábrica que, segundo sua publicidade, produz 80 litros de etanol para cada tonelada de coco babaçu. Outra máquina da empresa faz briquetes (blocos sólidos) da casca, cuja compactação e formato aumentam o poder calorífico, segundo Marcelo. Há uma grande empresa interessada nesse substituto do carvão, acrescentou. Além de óleo, pode-se fazer biodiesel e bioquerosene para aviões, pela vantagem que tem de suportar o ar com pouco oxigênio nas alturas, acrescentou o engenheiro, ao participar da feira sobre energias renováveis All About Energy, que aconteceu em julho em Fortaleza.
As quebradoras de coco foram reconhecidas como uma das chamadas “populações tradicionais”, protegidas por uma série de legislações ambientais, juntamente com os seringueiros e pescadores. O governo brasileiro lhes assegura um preço mínimo para as amêndoas. Organizadas há 16 anos no MIQCB, que compreende associações cooperativas e grupos de trabalho, elas se dedicam basicamente a recolher cocos no campo e separar suas várias matérias-primas. Algumas centenas trabalham em 26 unidades onde são elaborados os produtos finais, como óleo e sabão. Este movimento luta pela preservação dos babaçuais ameaçados. A monocultura da soja já chegou ao sul do Estado do Maranhão e continua avançando. Também estão em expansão plantações de eucalipto para produção de carvão vegetal e celulose, que eliminam florestas nativas. O Maranhão tem uma legislação que proíbe cortar a palmeira, mas contém tantas exceções que acabou estimulando e não inibindo o desmatamento, afirmam ambientalistas.
Outra luta permanente das quebradoras de coco é recuperar o acesso livre aos babaçuais localizados em terras privadas e mantê-lo nas terras públicas desocupadas. A atividade tradicional destas mulheres se desenvolveu com liberdade no Maranhão até 1969, quando foi aprovada uma legislação que formalizou as propriedades rurais e fomentou a apropriação privada de áreas desocupadas, inclusive de forma irregular, com cercas que restringiram a circulação de pessoas. Desde então, o MIQCB conseguiu a promulgação de várias leis municipais que liberaram o acesso às quebradoras, inclusive em áreas particulares. Alguns Estados autorizaram legalmente o ingresso somente em terras públicas, deixando as privadas sujeitas à autorização de seus proprietários.
A meta é contar com uma lei nacional de livre acesso. Um projeto a esse respeito está em tramitação desde 2007 na Câmara dos Deputados, ainda sem perspectiva de votação, pelo menos no curto prazo. Mas agora o boom da bionergia pode mudar o quadro, com novos e poderosos atores disputando o babaçu. A demanda por biomassa energética cresce aceleradamente, disse Laércio Couto, professor aposentado de uma universidade estatal e agora consultor de grandes empresas. Europa e Japão estão assinando contratos de longo prazo para importar milhões de toneladas de biomassa compactada em pelotas para substituir combustíveis fósseis, ressaltou.
Uma grande empresa de celulose brasileira, por exemplo, está plantando eucaliptos no Maranhão para atender essas demandas, aproveitando sua experiência nessa monocultura para ampliar seus negócios ao campo energético, afirmou Laércio. Este acadêmico desenvolveu uma tecnologia para cultivo intensivo de eucalipto para atender esse crescente mercado de bioenergia. Diante da demanda por biomassa, uma empresa de melhoramento genético da cana-de-açúcar, em São Paulo, também procura desenvolver espécies que produzam mais fibras e menos sacarose, invertendo o esforço investigativo anterior.
É difícil fugir dessa febre energética. O babaçu é abundante em 185 mil quilômetros quadrados de quatro Estados, uma área equivalente a meio Japão, com maior concentração no sul do Maranhão, na transição entre o nordeste semiárido brasileiro e a Amazônia. Prolifera e se faz dominante em áreas desmatadas, porque se reproduz e cresce mais rapidamente onde não há nada para lhe fazer sombra. Dessa forma seu aproveitamento extrativo se aproxima ao da agricultura, distinguindo-se de outros que dependem de vegetação ou recursos dispersos, como a borracha natural na Amazônia. O desafio é incorporar as quebradoras de coco em uma exploração mecanizada e em escala crescente do babaçu, beneficiando-as com um salto de produtividade e ganhos. A lógica do negócio energético, entretanto, costuma ser diferente.
http://ponto.outraspalavras.net/2011/08/27/entre-desenvolvimento-local-desastre-social/
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