sábado, 18 de abril de 2020

o que tem debaixo de tanta agua


O riacho Bacaba não coube em si. Foi repentino e inesperado, disseram os moradores das Laranjeiras. As águas barrentas da lagoa interpenetraram as águas do riacho formando um só volume. Devido as chuvas da manhã esse volume já era considerável. Raimundo ligara cedo para o primo de sua esposa. Queria que ele informasse se dava pra passar tranquilo pelo riacho Bacaba. O primo respondeu que não tinha porque ter receio. No dia anterior, ele prestigiara o riacho Bacaba duas vezes e nessas duas vezes o riacho se mantivera limitado as suas bordas características. Não obtivera informações frescas naquela manhã pois a sua morada ficava um pouco longe do riacho e, além disso, ocupara-se desde cedo dos preparativos para recepcionar o Raimundo, presidente da associação de Juçaral, e Mayron Régis, jornalista. O Raimundo era figura tarimbada nas Laranjeiras e nos Fernandes.
Pelas informações do Raimundo e pelas informações prestadas pelo primo, nada impediria a dupla de cruzar as Chapadas no fiat mille de Jeová (Deus em sua versão motorista olhava por eles) e chegar a tempo do almoço. E por certo que as coisas correram bem sobre as Chapadas. As poças de água pouco representaram perigo de atolar (não se alargaram tanto com as chuvas que cairam entre janeiro e fevereiro de 2020) ou se fosse o caso de representarem perigo de atoleiro, bastava o carro contornar a poça e foram feitos alguns contornos  quase encostando na vegetação nativa do Cerrado ou quase encostando nos plantios de eucalipto da Suzano Papel e Celulose.
A Suzano Papel e Celulose abandonou seus plantios de eucalipto ao longo das Chapadas de Chapadinha, Urbano Santos e Mata Roma. A empresa projetava plantar mais de 40 mil hectares nessas Chapadas (e outras nos municípios de Santa Quiteria, Belagua, Anapurus, São Bernardo e Santana) onde todas têm presença de comunidades quilombolas. A mais conhecida é a comunidade quilombola de Bom Sucesso, município de Mata Roma. Um desses plantios abandonados bate na área da comunidade de Santa Rosa, que faz parte do território quilombola Bom Sucesso. Você se pergunta: "Quem vigia esses eucaliptos? Quem sabe, a empresa não tenha mais interesse economico em protege-los."   
Os plantios da Suzano Papel e Celulose não impedem quem quer que seja de trafegar pelas Chapadas. A empresa não é proprietária nem dos caminhos e nem dos recursos naturais da região. O que os plantios fazem é dificultar a relação homem e natureza numa dimensão nunca vista. O Raimundo e o Mayron Régis não puderam seguir de carro até a comunidade das Laranjeiras. O volume de água presente no Riacho Bacaba indicava que, se eles arriscassem, o carro atolaria no leito do rio. Eles tiveram que descer do carro e continuar a jornada a pé. O motorista ficou dentro do carro no aguardo. Nesse trecho, o rio Preto diz a que veio. Ele não é só o rio. Ele é a lagoa da Quilharina. As águas se insurgem contra as margens que o homem pretensiosamente determinou que seriam os limites do rio. “O que tem debaixo de tanta água? ”, a pessoa se perguntaria. A resposta mais óbvia é que há muito peixe. O sogro do Raimundo é um dos que pescam nessa lagoa. "Parece fácil", a pessoa diz consigo, pois as redes estão esticadas e só se vê as partes de cima. Contudo, teria coragem suficiente a ponto de descer e mergulhar nas águas da lagoa? Sozinha, a sua mente vasculhou o que seu corpo não teve coragem. O que passou não passou, ficou depositado e com uma escadaria construída por seus pensamentos desceu ao fundo para recolher o que fosse sem temer se afogar. 
Caso a Suzano Papel e Celulose tivesse desmatado as Chapadas como pretendia em menos de dez anos como ficaria a lagoa e o rio Preto? Como se virariam as diversas comunidades que vivem da pesca e de outros recursos naturais na bacia do rio Preto?            


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