quarta-feira, 12 de abril de 2017

O roncador (parte II)



Eles diziam com sábias palavras que o roncador tinha outros tempos, mas quais seriam os velhos e bons tempos? Tempos de fartura e de paz na terra? Talvez! O conflito se arrastara em meio aos moradores de lá. Antes eles viviam em santa comunhão com a natureza e com os seus irmãos. A CEB local foi criada ainda na década de 60 quando a área pertencia a outras fronteiras geográficas.
Um Sábio dizia que o Roncador passa por um cenário problemático, são questões históricas com essas que se arrastam durante décadas e séculos Brasil a fora, que nada passa da grilagem de terras camponesas por pessoas e por empresas do grande capital. Isso sempre aconteceu. Para entendimento, sabemos que o “Território Roncador” – (do lado leste) é um espaço de terras públicas que estão sendo tomadas dos seus verdadeiros donos: os posseiros. Os modos de vida da comunidade estão sendo ameaçados por forasteiros que não respeitam a tradição -, uma moradora certa vez disse que são “gente branca mal-encarada” que não dá nem bom dia quando passam no caminho. O Sábio voltava a falar outra vez, pausadamente com a voz tremula ele contava suas histórias de vida, a Senhora sua esposa me oferecera uma xícara de café, aceitei, claro. Daí em diante ele acendeu um cigarro de fumo caipora na luz da lamparina, prosseguiu narrando o que vivera há 50 anos atrás, desde os primeiros ofícios que o pai lhe ensinara na lavoura e como sobreviver no dia a dia das matas. Nasceu e pretende morrer naquele seu lugar. Falou da Associação que luta pelo bem comum do povo – brigar por terra é um grande desafio. Contava das caças, das pescarias e dos cocais – sua família descendentes de piauienses eram extrativistas, sua avó quebrava coco babaçú para o sustento da família, seu avó era colhedor de bacuri. Voltamos no tempo e imaginemos que há 70 anos atrás as chapadas e os cocais eram totalmente diferentes, não existia monocultura, nem a ganância, a floresta era a mãe de todos, para todos.
Preocupava-se com o futuro de seus filhos e netos, lembrava da liderança de Moisés e Josué, personagens da Bíblia que lutavam pela “Terra Prometida”. Escutei com atenção as palavras dos amigos camponeses, pensei em narrar transcrevendo-as para compartilhamento, aqui estão elas transformadas nessa modesta crônica, mesmo que esse tipo de literatura não receba tanta atenção da crítica. “Escrevo talvez para aqueles e aquelas que não sabem ler”. Um paradoxo cultural! Memórias ricas em vários tipos de conhecimentos orais eram aquelas. Refletimos que a educação dos povos antigos vinha de berço, passava de geração para geração, os créditos perduravam-se nas brumas do tempo. Com a modernidade e globalização os valores familiares se perderam... ninguém quer mais contar histórias! Absurdo! Eles foram exemplos da luta, da sabedoria e da humildade... tudo pode passar com as transformações dos tempos, menos o conhecimento guardado na memória de vida.

José Antonio Basto
E-mail: bastosandero65@gmail.com


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