Meu nome é Clariana, estudo na
UFMS, faço meu mestrado em geografia estudando a questão das mulheres na áreal
rural da zona onde o eucalipto vem crescendo. Então vou falar um pouquinho
sobre a questão de gênero nesse contexto. Agradeço o convite para participar,
acredito que essa é a principal arma que temos, podermos dialogar e buscar
soluções pra mudar as realidades que não queremos mais reproduzir.
Como meus amigos disseram, e
também como demonstrado no relatório, existe essa enorme expansão do complexo
de eucalipto, em minha cidade e nas redondezas, e ele continua crescendo, nós
ainda não sabemos até quando, mas é muito preocupante pelas razões que já foram
apontadas.
Alguns dos efeitos diretos dessa
expansão na vida das mulheres do campo estão relacionadas às mudanças
estruturais na família, pois muitas famílias têm sido expulsas das terras onde
trabalhavam à medida que os fazendeiros trocam a criação de gado pelo
monocultivo de eucalipto, mesmo que fossem já terras muito concentradas, mas
ainda abrigavam várias famílias. E aqui é importante dizer: Mato Grosso do Sul
tem a maior concentração de terras do Brasil, temos 92% da terra em
propriedades privadas e latifúndios, apenas 2% é destinada à reservas
indígenas, mesmo que aqui viva a segunda maior população indígena no Brasil, o
que têm causado muitos conflitos e mortes dessa população, e 1% são terras de
assentamentos de Reforma Agrária. Assim, com a expulsão dos camponeses das
fazendas, muitas mulheres passaram também a trabalhar nas plantações de eucalipto,
impossibilitadas de seguirem trabalhando com agricultura familiar. A Fibria tem
12% de mulheres contratadas, não é muito, a maioria são homens, mas a maioria
dessas mulheres trabalham em posições de trabalho pesado, fazendo buracos para
as mudas, plantando mudas, controlando formigas com uso de venenos. Mieceslau
conversou com várias mulheres do campo que relataram a ele esses e outras
dificuldades.
Também há o aumento da violência
doméstica na região, que aumentou 300% nos últimos 10 anos, de acordo com dados
da polícia, seguindo também esse aumento urbano que se deu pela expansão do
complexo da celulose. Quanto a esses números, não podemos dizer ao certo se
isso é a violência em si que cresceu, pois sabemos que houve também um aumento
das denúncias de violência doméstica, então há os dois fatores combinados, as
mulheres estão denunciando mais, pois há melhores leis de proteção à mulheres
em situação de violência, porém pode também haver um aumento na incidência dos
casos.
Outro efeito direto foi o aumento
da prostituição na cidade, em decorrência do aumento de trabalhadores
temporários, majoritariamente homens, que vêm à cidade e estimulam o comércio
sexual. Então há mais mulheres trabalhando nessas condições de risco.
Eu conheço um pouco mais três
assentamentos de Reforma Agrária, que estão rodeados pelas plantações de
eucalipto. Eles abrigam 500 famílias, é bastante gente, e como a Mariele disse,
eles estão bem abandonados pelo poder público, são deixados na terra sem acesso
a água ou luz, é uma questão complicada. Muitas dessas pessoas também trabalham
para a indústria de celulose, principalmente nas plantações, como o Mieceslau
mencionou. Mas eles estão também resistindo, importante lembrar, e as mulheres
têm uma participação importantíssima nessa resistência. Há um Comitê das
Mulheres Camponesas, que foi formado nos últimos dois anos, também com a
parceria da UFMS e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, cuja função era
voltada à agricultura familiar, porém com as últimas mudanças políticas no
cenário brasileiro, esse ministério não existe mais. Esse comitê reúne mulheres
de 6 assentamentos da região, e elas têm trabalhado bastante pra se reunir e
buscar maneiras de sobreviver e permitir sua recriação no campo.
Também no Brasil, em geral, temos
um bom histórico de mulheres camponesas lutando contra os monocultivos de
eucalipto. Em 2006, um grupo de 2000 mulheres invadiu um viveiro de mudas da
Aracruz celulose, destruindo centenas de mudas, chamando atenção para os riscos
das monoculturas, lutando pela biodiversidade, associada à fertilidade, que é
também um tema que toca muito proximamente as mulheres. Elas carregavam a
bandeira da soberania alimentar, lutando pelo retorno do acesso à terra. Em 2007, outro grupo de mulheres entrou no
viveiro da Suzano. Após isso, várias outras manifestações semelhantes foram
ocorrendo em muitas cidades no Brasil, ano após ano. Existe o MMC - Movimento
de Mulheres Camponesas, que faz várias ações protestando contra as grandes
empresas que controlam os monocultivos de eucalipto, assim como empresas
relacionadas ao agronegócio em geral, que comprometem a Soberania Alimentar,
como Bunge ou Monsanto. Elas denunciam a morte e aridez do chamado Deserto
Verde, fazendo o contraste da relação entre diversidade e fertilidade.
Esses atos que relatei são muito
relevantes, pois demonstram onde as mulheres camponesas se posicionam na luta
contra o agronegócio como um todo, em meu ponto de vista. Porque estamos
falando de eucalipto, mas poderia ser cana-de-açúcar, soja, algodão transgênico
na Índia - tudo segue esse padrão de sistemas de monocultivo, aliado ao uso
massivo de agrotóxicos, altamente poluentes, uso de alta tecnologia e
engenharia genética, apoio financeiro dos governos, grande impacto nas
comunidades, com grande parte do volume voltado ao mercado externo. Esse modelo
tem sido replicado em todo o mundo, e é um problema bem complexo pra resolver,
eu não tenho respostas, mas penso que a principal questão deveria circular em
torno de como podemos mudar esse modelo? Porque isso não está funcionando. Nós
temos metade do mundo em situação de fome, majoritariamente no hemisfério sul,
onde as grandes companhias utilizam a mão-de-obra e a terra baratas.
Estatísticas apontam que 70% das pessoas abaixo da linha de pobreza são mulheres
do campo, portanto esse modelo econômico afeta direta e especialmente as
mulheres.
Há uma fato interessante que
também se relaciona à questão de gênero e a essa compreensão. Temos no Brasil
quase 400 culturas indígenas diferentes, apesar de toda a destruição massiva
que ocorreu desde o processo de colonização. Elas são culturas muito ricas e
bem diversas, mas há um ponto central que as une, que é a compreensão da
sacralidade da terra, a mãe terra, chamada Pachamama, também presente em outras
culturas, mas muito forte nas culturas sul americanas. Esse conceito estabelece
uma ligação muito forte entre as comunidades e a terra, que é vista como uma
grande mãe que nos provê de tudo que necessitamos, então todos são responsáveis
por seu cuidado e preservação. Isso é muito oposto à visão capitalista e
neoliberal da terra, que a vê como lucro, valor financeiro, e portanto a
controla com esse objetivo - extrair mais lucro. O modelo capitalista não
respeita as comunidades ou a terra, ao invés de compreender que estamos todos
conectados e que precisamos trabalhar junto para sobreviver.
Pra finalizar, podemos nos fazer
alguns questionamentos: como podemos mudar esse modelo econômico que causa
tantos problemas em todo o mundo, e que segue em plena expansão apesar dos
limites impostos? Não sabemos exatamente o que vai acontecer, mas é um cenário
assustador para se estar. Como podemos construir um novo modelo econômico, uma
nova maneira de nos relacionarmos com a natureza como sociedade, ao invés de
destruirmos tudo? Há algumas sugestões no relatório, de como podemos reduzir os
danos e os impactos. Eu acredito que essas ações mitigatórias são importantes,
pois somos parte do sistema, mas não podemos perder de vista que são
mitigatórias, elas não resolvem o problema principal. Essas são algumas
questões que eu faço a mim mesma. Obrigada pela atenção de todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário