Foi um certo tempo, uma época
de guerras pelo sertão – levantes e insurreições dos balaios que no Baixo Paraíba
ainda não viam a febre do eucalipto, exceto os tiros dos fuzis legalistas
imperiais que disparavam contra os quilombolas e caboclos. Até então eles eram
negros irmãos dos Quilombos de Bom Sucesso e Saco das Almas. Naquele tempo os
monocultivos não atrapalhavam a vida das comunidades – mas entrelaçavam-se pelo
futuro, atrapalhava-se no dia-a-dia e no
medo de morrer furado de balas pelo simples fato de lutar por direitos e pela
já então debatida Reforma Agrária. Neste território já existia comunidades
tradicionais desde de séculos atrás que adentravam pelas matas de bacuris
deixando seus rastros pelos envios caminhos dos barros vermelhos das chapadas
do Baixo Parnaíba, território de disputas fundiárias, de outrora aos dias de
hoje. Essas disputas que continuam. Ainda ouve-se aos nossos dias os velhos
tiros, os caçadores que procuram a cotia, a paca, o veado, o jacú e a nambu
indgnam-se porque não encontram mais –, não acham água nas cabeceiras porque o
eucalipto e a soja engoliu tudo. Que desgraça essa meu Deus! Esta infâmia do
agronegócio... do capitalismo selvagem e violento, aqueles correntões
devastaram tudo... não sobrou pedra sobre pedra. Como pode tamanho desacato!
Meus avós e tios-avôs contavam-me que ontem tudo era muito diferente: existia
muitos animais, água, rios, lagoas, brejos, frutos nas matas... as pessoas
viviam em paz sem arrogância e sem ganância. Os campos e chapadas eram livres
para o mundo, paras as pessoas morarem e reproduzirem-se. Um tempo romântico
que não volta mais no Território do Baixo Parnaíba Maranhense -, um pedaço do
mundo que precisa ser reformado sobre a pena de alguém ou por ações
governamentais. As comunidades que habitam aqui devem entender que são libertas
de tudo... das algemas que os prende na política de compra e venda. Essas
comunidades trabalham e vivem desde de tempos bem remotos na resistência
praticando seus ofícios extrativistas e trabalhando na lavoura. Os esconderijos
do mocambo são quarteis de hoje que clamam por justiça social e concretização
de direitos humanos. Precisamos das chapadas para manter a chuva, para assegurar
os rios na piracema. Os buritis dos brejos estão lá solitários aguardando
visitas nem que seja dos papagaios do “furo dos espinhos” -, um final de tarde
cansativo e decisivo para aqueles momentos de dores e desprezos em suas
gargalhadas sarcásticas. Ouvia-se um cântico de araras e jandaias que
circulavam as beiras das chapadas avisando algo de errado maliciando um novo
tempo de fumaças ferozes. A região agrária agora fala mais alto do que nunca,
do que os mais velhos na sabedoria da vida em coletividade. A pistolagem, a
ameaça... o verbo e a coragem de escrever toma conta dos ouvidos que não querem
escutar. Era aquele tempo de rastros e tiros nas chapadas do Baixo Parnaíba.
José Antonio Basto
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