terça-feira, 5 de maio de 2020

O pequeno reino de Vicente de Paula


Joedson pede que comente uma foto que inserira no facebook: ”Escreve algo que explique a situação pela qual passa a família do Vicente.” Em primeiro plano, o Artur, ou “rei” Artur, sobe (?) a mureta que separa a casa onde a família dorme do puxadinho onde a família cozinha as refeições (café, almoço e janta). O rosto do “rei” Artur é fechado. Ele não divide a brincadeira portanto o fotografo se intrometeu em seu mundo a parte do mundo real. Vicente, seu avô, caminha de costa para fora do puxadinho. O “gigante gentil”, uma referência a banda inglesa de rock progressivo dos anos 70 “gentle giant”, apressa-se para que seu gigantismo não domine o cenário que o fotografo escolheu para sua maquina fotográfica. 
O olhar de “rei” Artur sugere “fúria”: “Porquê tu me fotografas?” ou “Para de me fotografar.” A realidade que a fotografia revelará o enfurece ou o enfastia? A técnica revela que o brincante se contrapõe a realidade enfastiante só que a brincadeira deve permanecer fechada em sua linguagem e em seus propósitos. A fotografia flagra “rei” Artur no seu reino de inexistências. Um reino tão fácil de ser anulado pelos vários reinos que o circundam. O reino de Artur tem seu equivalente na dimensão do real no reino de seu avô Vicente de Paula que precisa provar junto com a sua família a relevância de sua existência perante o seu vizinho Andre Introvini, plantador de soja do Mato Grosso do Sul. O reino do Andre Introvini começou a se estender por Buriti a partir da virada do século. Partiu de 200 hectares ou quem sabe bem menos. Os agricultores maranhenses mantinham suas posses de 100 a 200 hectares em Chapadas, heranças deixadas pelos pais ou avós, na esperança de fazerem um “bom” negócio. O Andre Introvini representava esse “bom” negócio assim como os demais plantadores de soja que chegaram em Buriti e no restante do Baixo Parnaiba. As negociações em torno das Chapadas duravam poucos dias ou, por diabos, poucas horas. A necessidade dos posseiros ditava o ritmo das negociações e os valores a serem pagos. 
A propriedade de Vicente de Paula de 160 hectares na Chapada do povoado Carrancas desafia o reino da soja dos Introvini, pois mantem firme a decisão de não negociar. O “gigante gentil” Vicente de Paula não herdou sua posse como outros agricultores que ao herdarem a primeira providência foi vender a quem pudesse pagar. Vicente de Paula e sua família passaram a viver sobre a Chapada a revelia da maioria das pessoas dos povoados que viam um total desproposito nessa ideia. A primeira vista, o reino (a propriedade) de Vicente e de seus familiares inexistia para quem passasse pela Chapada. Inexistia porque só se via mato sem nenhuma utilidade (na avaliação das outras pessoas é claro) e porque era um lugar impraticavel para morar. 
As famílias poderosas de Buriti premiaram Vicente e seus familiares com a inexistência social. Quer dizer, nada que você faça fará a menor diferença e não terá o menor efeito sobre a realidade nua e crua porque nosso projeto político-social não inclui e nem incluirá sua familia, seus projetos e seus sonhos. A realidade e a história provaram o contrário.  O seu Onésio, morador do povoado Carrancas, ajudou a iluminar a história do “gigante gentil” em 2010. O Fórum Carajás propôs que um projeto de biodiversidade fosse destinado ao povoado e o seu Onésio sugeriu a propriedade (reino) de Vicente como espaço de demonstração. O Fundo Casa apoiou vários projetos em Buriti na propriedade (reino) do Vicente e em outras pequenas propriedades (reinos) de Buriti entre 2010 e 2020. O “reino” da soja continua avançando em direção a “reinos” menores de Buriti com a subserviência das elites locais e a conivência de setores da sociedade buritiense sem que haja nenhuma legislação que o impeça ou limite. O atual prefeito vetou o artigo no projeto de lei da vereadora Vanusa Flora que limitava o desmatamento em Buriti. A experiência dos projetos desenvolvidos pelo Fórum Carajás indica que a inexistência a qual as elites relegaram sua população está com os dias contados.  


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