quinta-feira, 11 de julho de 2013

"Não vamos dificultar ainda mais o debate sobre agricultura e unidades de conservação" - Nota sobre a apresentação da Confederação Nacional da Agricultura

 
São Paulo, 11 de julho de 2013

A apresentação da CNA lançada ontem no http://www.canaldoprodutor.com.br/sites/default/files/Apresentacao_segurancaJuridica.pdf  requer o registro de alguns comentários publicamente.  É saudável, além de legítimo, que a CNA estimule a discussão pública sobre os temas do uso da terra, assim como que favoreça a participação dos agricultores a respeito de políticas e processos relacionados.  Também é oportuno que aspectos muitas vezes neglicenciados pelos governos, como aquele dos passivos das indenizações, sejam colocados em pauta adequadamente, para evitar tomadas de decisão irresponsáveis e contenciosos infidáveis que resultam em prejuízo para a sociedade em geral.  Podemos dizer que recebemos favoravelmente o espírito de uma iniciativa, se for este o caso, que busque mais solidez e segurança a respeito dos direitos de todos no campo, independentemente da cor da pele ou da atividade exercida.
Mas o documento em questão deixa surpresos, em primeiro lugar, pelas extravagantes projeções, baseadas na hipótese de uma repetição geométrica de uma tendência em cima de um universo físico finito, como acontece no caso de projetar o mesmo ritmo de criação de unidades de conservação e terras indígenas ao longo de décadas futuras, em cima do mesmo território e sem qualquer relação com a demanda ou a realidade em geral.  É óbvio que este exercício produz resultados paradoxais, da mesma forma em que se projetassem outras atividades com referida lógica (ex.  O mesmo crescimento de automóveis dentro do município de São Paulo até 2050, no ritmo dos passados 20, e outras do gênero).
Mas além da dificuldade em enxergar a utilidade de um semelhante exercício do paradoxo, a apresentação surpreende também pela inconsistência dos dados que deveriam embasar suas conclusões.  Dessa forma, em vez de prestar um serviço ao diálogo, o dificulta.  Seria longo listar todas as inconsistências, e portanto vamos nos concentrar apenas no slide 18, por ser aquele que resume de forma mais contundente a sensação de revolta e inconformismo que os autores pretendem repassar ao leitor, por conta de uma perda de produção que já teria gerado prejuízos para o país, independentemente daqueles possíveis, futuramente, no caso em que as projeções da CNA se concretizassem.
No slide 18 a apresentação da CNA afirma sem meios termos que, entre 1985 e 2006, houve uma redução de 45 milhões de hectares nas propriedades rurais, e que a "quase totalidade" dessas áreas foi convertida em Ucs ou Tis.  E conclui que isso equivale a uma "redução da produção" de nada menos que 153 milhões de toneladas (sic)!
1. Erros básicos nos pressupostos
- de antemão, é preciso esclarecer que não houve redução das "propriedades" em 45 milhões de ha.; eventualmente pode ter tido redução das "posses" (ou seja, já se tratava em geral de terras públicas, embora invadidas ou ocupadas por particulares) e de algumas propriedades.  Isso é muito diferente.
- nem sequer consta uma fonte para embasar a afirmação de que a "quase totalidade" teria sido convertida em Ucs e Tis; isso parece realmente improvável, até porque significaria não ter havido qualquer desapropriação de terras privadas para reforma agrária ao longo de 21 anos seguidos, o que contrastaria com os dados apresentados pela própria CNA no slide 24 (todos os 70 milhões de ha.  Alocados para reforma agrária seriam exclusivamente oriundos de terras públicas devolutas?).
- a afirmação sobre redução de produção é descabida, até porque a produção agropecuária aumentou expressivamente no período considerado, conforme os dados da própria CNA; mas nem sequer seria possível falar em "redução do potencial aumento", pois um eventual aumento nessa proporção teria derrubado os preços e assim inviabilizado os demais produtores: dessa forma o mercado nunca teria permitido isso acontecer, pois os produtores teriam se preocupados em não quebrar.
- a apresentação nem sequer caracteriza "toneladas" de qual produto.  Pela métrica usada, podemos supor que se refira a grãos (ver abaixo).
2. Erros nas contas
- vamos agora assumir que os pressupostos, ao contrário de quanto esclarecido acima, fossem corretos, para analisarmos a conta: a apresentação da CNA multiplica o número de hectares total por 3,3 toneladas (provavelmente se referindo à produtividade de soja no cerrado), enquanto deveria, no mínimo, primeiro excluir a Reserva Legal das supostas propriedades reduzidas (vamos omitir as APP, por comodidade).  Se for verdade que a redução das propriedades se deu por conta da criação de Ucs e Tis, é preciso lembrar que pelo menos 90% da área de Ucs e Tis criadas no período em questão estão localizados na Amazônia, onde vige RL de 80%.  No resto do país, podemos considerar por comodidade a RL mínima de 20%.  Dessa forma, a área agricultável resultante seria no máximo de 14 milhões de ha, e nunca de 45.
- a apresentação contradiz também o slide 3 de si mesma, onde se afirma que apenas 59 milhões de hectares (vs.  171 de pastagens e plantações) são dedicados a lavouras nas unidades produtivas privadas do país.  Poderia se observar também que a proporção de lavoura é ainda muito inferior no caso da região amazônica, mas vamos deixar esse detalhe de lado, sempre por comodidade.  Portanto, mesmo que na Amazônia houvesse a mesma proporção de lavouras do resto do país, dos 14 milhões de hectares agricultáveis sobrariam apenas 4 para cultivo de grãos.  Já no caso da pastagem, a produtividade média em toneladas por hectare/ano, no Brasil, não é obviamente de 3,3 toneladas, e sim de 0,06 tonelada (equivalente a 4 arrobas, com certo otimismo).
- vamos assumir também que houvesse a mesma produtividade de 3,3 toneladas por hectare, ou seja a da soja do cerrado, em todas as lavouras, desde mandioca até feijão!  Teríamos uma produção (com mais otimismo ainda) de 13 milhões de toneladas de lavoura.  Além disso teríamos aproximadamente 600 mil toneladas de carne (40 milhões de arrobas em 10 milhões de hectares), por um total de 13,6 milhões de toneladas totais de produto.  Muito longe dos 153 milhões estimados na apresentação.
A CNA pode ter argumentos importantes para este debate.  Mas é preciso formular as perguntas relevantes, evitar de inflar números para fortalecê-los e considerar, inclusive, os benefícios advindos para os agricultores, além de que para a sociedade como um todo, da conservação.

Contatos:
Amigos da Terra-Amazônia Brasileira
contato@amazonia.org.br
+55 11 3887 9369

Um comentário:

  1. Em nenhum momento a apresentação da CNA é conflitante ou se contradiz.

    O autor do "Amigos da Terra-amazônia Brasileira", que pelo telefone mora em São Paulo(E não sabe o que é um pé de abóbora), é que foi tendencioso, puxou todos os dados para o lado pior para o agronegócio, inclusive, ao considerar 3,3 toneladas muito. (Mandioca pode produzir até 50 ton/ha, tomate até 90ton/ha, e assim vai...)
    A verdade é que o Brasil mantem intactas 60% de suas terras, sem ação qualquer que seja do homem.

    O gráfico que mostra que a balança comercial brasileira é sempre superavitária para o Agronegócio, e que mantem o Brasil nos trilhos, nem um pio.

    ISSO A ENTIDADE NÃO QUER VER, NÃO ENXERGA. ATÉ ENXERGA, MAS NÃO TEM HOMBRIDADE PRA ADMITIR.

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