domingo, 6 de outubro de 2013

Projetos sociais combatem o trabalho escravo na zona rural de Vargem Grande


06/10/2013 - 11h27
Mariana Tokarnia
Repórter da Agência Brasil
Vargem Grande (MA) - A falta de oportunidade é o que leva a maior parte dos trabalhadores da zona rural de Vargem Grande, no interior do Maranhão, a deixar as comunidades onde vivem e se submeterem a longas jornadas de trabalho e privação da liberdade. Nos últimos anos, projetos como a Rede Mandioca, desenvolvido pela Cáritas Brasileira Regional do Maranhão - entidade ligada à Igreja Católica - e o Juventude e Gênero no Campo, financiado pela Petrobras, têm buscado gerar renda para os moradores. A Agência Brasil e a TV Brasil visitaram dois povoados: Riacho do Mel e Pequi da Rampa, beneficiados por essas ações.
A Rede Mandioca incentiva não apenas a produção de farinha de mandioca, mas de hortaliças e derivados do babaçu. O financiamento vem da Cáritas europeia, que entra com os equipamentos e a capacitação. O que é produzido a própria entidade vende e repassa os recursos aos trabalhadores. A maior parte do que é produzido é adquirido pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), do Ministério da Educação (MEC). Já o Juventude e Gênero consiste na doação de frangos e de sementes para que as comunidades tenham uma fonte de renda. A primeira produção é comprada pela Petrobras e entidades parceiras. Depois, as comunidades devem garantir a venda.
Em Pequi da Rampa, o trabalho da Rede Mandioca resultou em uma horta coletiva irrigada, além de outras plantações. Na comunidade, contam os moradores, já passou-se muita fome. “Antes era difícil, não era o que a gente espera para o filho da gente. Amanhecia, o filho pedia e a gente não tinha o que dar [de comer], ficava doido”, diz a moradora Isabel Fernandes. A única alternativa era deixar o povoado e passar um ano ou mais trabalhando para conseguir juntar algum dinheiro. Com a ajuda dos programas, os moradores deixaram de sair.
A Rede Mandioca atende a mais de 20 comunidades rurais em Vargem Grande. No município, 46% da população vive na zona rural. Os homens cuidam da plantação de mandioca e da produção da farinha. As mulheres entram com o coco do babaçu, a partir do qual produzem principalmente azeite e biscoitos.
Apesar de bem-sucedido em Pequi da Rampa, há povoados em que o projeto não vingou e há também locais onde não é possível tirar o sustento apenas desses produtos, como é o caso de Riacho do Mel, onde o trabalho análogo ao escravo ainda é um problema. Uma das queixas dos trabalhadores é que a maior produção de farinha de mandioca traz também a desvalorização do produto. Atualmente, 30 quilos (kg) de farinha custam R$ 100. O preço já chegou a R$ 10 em tempos de abundância e a R$ 200, em períodos de seca.
“Aqui a vida é difícil. Por muito que a gente lute, para quem tem família grande, tem dia, tem hora, que a gente imagina o que fazer para manter o sustento da família”, diz Ananias dos Reis da Silva, morador de Riacho do Mel. Ele é casado há 25 anos. Teve 12 filhos, e apenas sete estão vivos. Silva acaba de voltar de São Paulo, chegou em janeiro deste ano à comunidade. “Talvez dá de a gente arrumar um dinheiro para comprar uma coisinha que a gente precisa”, diz.
“Teve época, em 2009 e 2010, que quase todo homem do nosso povoado foi para São Paulo, ficou só aquele que não podia ir. Era rotina. Com a Rede Mandioca, eles continuam indo, mas a gente vê que diminuiu. Alguns já foram cinco vezes. Hoje, dizem que não vão mais, que vão continuar trabalhando aqui, tirando o sustento deles”, explica Inácio Ribeiro Lima, morador e primeiro Conselheiro Fiscal da Associação Comunitária de Riacho do Mel.
A rede ajudou José Maria Batista de Sousa. Aos 28 anos, ele foi três vezes trabalhar em São Paulo. “Me tornei quase escravo mesmo. Passamos quatro dias dormindo no chão. Porque disseram pra gente que não precisava de rede, aí não levemos. Chegamos lá e não tinha nem cama”. A rotina começava às 3h, quando levantava para fazer o almoço. Às 6h, um ônibus levava para a lavoura, onde trabalhava no corte da cana. Ele voltava às 15h, lavava a roupa e fazia o jantar. “Falei que não ia mais lá não”. Sousa voltou mais duas vezes.
O que o fez ficar foi a família: a mulher e os três filhos. Ele comprou a moto, que tanto queria e começou a plantar na comunidade. Agora, segundo ele, dá para tirar o sustento. Além da Rede Mandioca, ele e a esposa participam do Juventude e Gênero no Campo. O projeto é recém-chegado à comunidade. Eles receberam uma capacitação em São Luís (MA), sementes e irrigação para a horta e 500 frangos, para criar e vender - desses, 100 morreram.
A esposa de Sousa, Maria Aparecida dos Reis Jacob, está otimista. “Achei ótimo que ele não quer mais sair daqui. Eu falo para ele, se for, pode não contar comigo que eu não espero mais não. É muito difícil ficar sozinha. Agora ele colocou na cabeça, e diz que não vai mais. Estamos cuidando desse aviário e tenho fé que vai dar certo, já está dando certo”.
Edição: Fernando Fraga

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