quarta-feira, 26 de abril de 2017

Eucalipto em TL sob um enfoque de Gênero





Meu nome é Clariana, estudo na UFMS, faço meu mestrado em geografia estudando a questão das mulheres na áreal rural da zona onde o eucalipto vem crescendo. Então vou falar um pouquinho sobre a questão de gênero nesse contexto. Agradeço o convite para participar, acredito que essa é a principal arma que temos, podermos dialogar e buscar soluções pra mudar as realidades que não queremos mais reproduzir.

Como meus amigos disseram, e também como demonstrado no relatório, existe essa enorme expansão do complexo de eucalipto, em minha cidade e nas redondezas, e ele continua crescendo, nós ainda não sabemos até quando, mas é muito preocupante pelas razões que já foram apontadas.

Alguns dos efeitos diretos dessa expansão na vida das mulheres do campo estão relacionadas às mudanças estruturais na família, pois muitas famílias têm sido expulsas das terras onde trabalhavam à medida que os fazendeiros trocam a criação de gado pelo monocultivo de eucalipto, mesmo que fossem já terras muito concentradas, mas ainda abrigavam várias famílias. E aqui é importante dizer: Mato Grosso do Sul tem a maior concentração de terras do Brasil, temos 92% da terra em propriedades privadas e latifúndios, apenas 2% é destinada à reservas indígenas, mesmo que aqui viva a segunda maior população indígena no Brasil, o que têm causado muitos conflitos e mortes dessa população, e 1% são terras de assentamentos de Reforma Agrária. Assim, com a expulsão dos camponeses das fazendas, muitas mulheres passaram também a trabalhar nas plantações de eucalipto, impossibilitadas de seguirem trabalhando com agricultura familiar. A Fibria tem 12% de mulheres contratadas, não é muito, a maioria são homens, mas a maioria dessas mulheres trabalham em posições de trabalho pesado, fazendo buracos para as mudas, plantando mudas, controlando formigas com uso de venenos. Mieceslau conversou com várias mulheres do campo que relataram a ele esses e outras dificuldades.

Também há o aumento da violência doméstica na região, que aumentou 300% nos últimos 10 anos, de acordo com dados da polícia, seguindo também esse aumento urbano que se deu pela expansão do complexo da celulose. Quanto a esses números, não podemos dizer ao certo se isso é a violência em si que cresceu, pois sabemos que houve também um aumento das denúncias de violência doméstica, então há os dois fatores combinados, as mulheres estão denunciando mais, pois há melhores leis de proteção à mulheres em situação de violência, porém pode também haver um aumento na incidência dos casos.

Outro efeito direto foi o aumento da prostituição na cidade, em decorrência do aumento de trabalhadores temporários, majoritariamente homens, que vêm à cidade e estimulam o comércio sexual. Então há mais mulheres trabalhando nessas condições de risco.
Eu conheço um pouco mais três assentamentos de Reforma Agrária, que estão rodeados pelas plantações de eucalipto. Eles abrigam 500 famílias, é bastante gente, e como a Mariele disse, eles estão bem abandonados pelo poder público, são deixados na terra sem acesso a água ou luz, é uma questão complicada. Muitas dessas pessoas também trabalham para a indústria de celulose, principalmente nas plantações, como o Mieceslau mencionou. Mas eles estão também resistindo, importante lembrar, e as mulheres têm uma participação importantíssima nessa resistência. Há um Comitê das Mulheres Camponesas, que foi formado nos últimos dois anos, também com a parceria da UFMS e do Ministério do Desenvolvimento Agrário, cuja função era voltada à agricultura familiar, porém com as últimas mudanças políticas no cenário brasileiro, esse ministério não existe mais. Esse comitê reúne mulheres de 6 assentamentos da região, e elas têm trabalhado bastante pra se reunir e buscar maneiras de sobreviver e permitir sua recriação no campo.

Também no Brasil, em geral, temos um bom histórico de mulheres camponesas lutando contra os monocultivos de eucalipto. Em 2006, um grupo de 2000 mulheres invadiu um viveiro de mudas da Aracruz celulose, destruindo centenas de mudas, chamando atenção para os riscos das monoculturas, lutando pela biodiversidade, associada à fertilidade, que é também um tema que toca muito proximamente as mulheres. Elas carregavam a bandeira da soberania alimentar, lutando pelo retorno do acesso à terra.  Em 2007, outro grupo de mulheres entrou no viveiro da Suzano. Após isso, várias outras manifestações semelhantes foram ocorrendo em muitas cidades no Brasil, ano após ano. Existe o MMC - Movimento de Mulheres Camponesas, que faz várias ações protestando contra as grandes empresas que controlam os monocultivos de eucalipto, assim como empresas relacionadas ao agronegócio em geral, que comprometem a Soberania Alimentar, como Bunge ou Monsanto. Elas denunciam a morte e aridez do chamado Deserto Verde, fazendo o contraste da relação entre diversidade e fertilidade.

Esses atos que relatei são muito relevantes, pois demonstram onde as mulheres camponesas se posicionam na luta contra o agronegócio como um todo, em meu ponto de vista. Porque estamos falando de eucalipto, mas poderia ser cana-de-açúcar, soja, algodão transgênico na Índia - tudo segue esse padrão de sistemas de monocultivo, aliado ao uso massivo de agrotóxicos, altamente poluentes, uso de alta tecnologia e engenharia genética, apoio financeiro dos governos, grande impacto nas comunidades, com grande parte do volume voltado ao mercado externo. Esse modelo tem sido replicado em todo o mundo, e é um problema bem complexo pra resolver, eu não tenho respostas, mas penso que a principal questão deveria circular em torno de como podemos mudar esse modelo? Porque isso não está funcionando. Nós temos metade do mundo em situação de fome, majoritariamente no hemisfério sul, onde as grandes companhias utilizam a mão-de-obra e a terra baratas. Estatísticas apontam que 70% das pessoas abaixo da linha de pobreza são mulheres do campo, portanto esse modelo econômico afeta direta e especialmente as mulheres.

Há uma fato interessante que também se relaciona à questão de gênero e a essa compreensão. Temos no Brasil quase 400 culturas indígenas diferentes, apesar de toda a destruição massiva que ocorreu desde o processo de colonização. Elas são culturas muito ricas e bem diversas, mas há um ponto central que as une, que é a compreensão da sacralidade da terra, a mãe terra, chamada Pachamama, também presente em outras culturas, mas muito forte nas culturas sul americanas. Esse conceito estabelece uma ligação muito forte entre as comunidades e a terra, que é vista como uma grande mãe que nos provê de tudo que necessitamos, então todos são responsáveis por seu cuidado e preservação. Isso é muito oposto à visão capitalista e neoliberal da terra, que a vê como lucro, valor financeiro, e portanto a controla com esse objetivo - extrair mais lucro. O modelo capitalista não respeita as comunidades ou a terra, ao invés de compreender que estamos todos conectados e que precisamos trabalhar junto para sobreviver.

Pra finalizar, podemos nos fazer alguns questionamentos: como podemos mudar esse modelo econômico que causa tantos problemas em todo o mundo, e que segue em plena expansão apesar dos limites impostos? Não sabemos exatamente o que vai acontecer, mas é um cenário assustador para se estar. Como podemos construir um novo modelo econômico, uma nova maneira de nos relacionarmos com a natureza como sociedade, ao invés de destruirmos tudo? Há algumas sugestões no relatório, de como podemos reduzir os danos e os impactos. Eu acredito que essas ações mitigatórias são importantes, pois somos parte do sistema, mas não podemos perder de vista que são mitigatórias, elas não resolvem o problema principal. Essas são algumas questões que eu faço a mim mesma. Obrigada pela atenção de todos.

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