“Neste momento falam aqui em Santarém, 
que nos próximos dias a Associação empresarial de Santarém fará uma 
festa em comemoração à conquista da licença ambiental do porto da  
multinacional Cargill em Santarém. Tal licença seria liberada pela 
Secretaria estadual de meio ambiente, SEMA. Soa estranha tal informação,
 já que o porto da multinacnional continua sub judice na justiça federal
 e o EIA RIMA, produzido pela empresa CPEA para a empresa Cargill, foi 
denunciado e comprovado fraudulento, portanto não poderia a SEMA emitir 
licença definitiva para o porto”, escreve Edilberto Sena, padre, 
coordenador geral da Rádio Rural de Santarém, presidente da Rede 
Notícias da Amazônia – RNA e membro da Frente em Defesa da Amazônia – 
FDA, ao enviar a seguinte Nota de Repúdio.
Eis a nota.
A Associação das Mulheres Domésticas de 
Santarém (AMDS); a Comissão Pastoral da Terra (CPT); a Federação das 
Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS); a Frente em Defesa da 
Amazônia (FDA); o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de 
Santarém (STTR); Comissão Diocesana de Justiça e Paz – Santarém e 
a União dos Estudantes de Ensino Superior de Santarém (UES), 
organizações sociais situadas no município de Santarém/PA, vêm, repudiar
 os últimos acontecimentos relativos ao licenciamento da empresa 
multinacional Cargill Agrícola S.A, detentora de uma história de 
ilegalidades, fraudes e violações de direitos, além dos efeitos danosos,
 com a expansão do agronegócio nessa nova fronteira agrícola do oeste 
paraense.
A Cargill Agrícola S.A., multinacional 
com sede nos Estados Unidos, tem como principal área de atuação o 
comércio internacional de grãos e, no Brasil, é a principal exportadora 
de soja. Com a valorização excepcional do preço e o crescimento por 
demanda no mercado internacional no fim da década de 90 e durante a 
década seguinte, a soja tornou mais atrativa para o cultivo.
Ocorre que, por conta do esgotamento de 
terras nas regiões centro e sul, buscaram-se novas áreas de plantio. 
A Amazônia e todo seu território apareceram, assim, como fronteira 
agrícola a ser conquistada. Eis o script da inserção da soja e da 
Cargill no oeste paraense.
Com a alta do preço da soja no mercado 
internacional e a procura pela diminuição dos custos, a instalação 
da Cargill no porto da Companhia das Docas do Pará em Santarém, em 1999,
 caiu como uma luva aos interesses dos sojicultores. Com o porto 
graneleiro, haveria como escoar a produção do Mato Grosso (maior estado 
produtor de soja), assim como viabilizaria a expansão da fronteira 
agrícola do agronegócio no interior da Amazônia, uma vez que 
a Cargill apoia financeiramente os produtores.
Quando a população tomou conta da 
instalação do empreendimento (o leilão da concessão da área da CDP e os 
bastidores políticos sobre a sua instalação aconteceram no “escuro”) 
também surgiram as reações sociais, ambientais e jurídicas.
Foi-se a praia da Vera-Paz, a única 
praia de acesso à maioria da população, patrimônio sociocultural da 
cidade, agora só viva nas canções, poesias e fotos. Privatizou-se parte 
do rio Tapajós em frente à cidade. Edificou-se o empreendimento em cima 
de sítios arqueológicos com registro de 12 mil anos. Os conflitos 
sociais, ameaças à lideranças e aos contrários a presença da soja, 
aumento dos bairros periféricos, envenenamento de igarapés com 
agrotóxicos, comunidades inteiras sumiram do mapa para dar lugar ao 
progresso, entre outros, foram acontecendo.
As leis também foram abandonadas em 
favor do progresso. A Constituição Federal foi simplesmente esquecida 
durante a implantação do empreendimento. O Estudo de Impacto Ambiental e
 o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA), necessário para 
empreendimentos dessa magnitude, não foi sequer realizado.
No entanto, o Ministério Público 
Federal, apoiado por nós e por outras organizações e movimentos sociais,
 ingressou com duas Ações Civis Públicas: a primeira, em 1999, para 
obstruir o procedimento licitatório, então em andamento, por não prever o
 EIA/RIMA às áreas arrendadas no Porto de Santarém; e a segunda, em 
2000, requerendo que fosse impedida qualquer obra na área arrendada, 
antes de aprovado o EIA/RIMA.
Como se sabe, o mundo dos fatos não 
tomou conhecimento do mundo jurídico. Com uma série de recursos, 
liminares e mandados de segurança, a força política, jurídica e 
econômica do agronegócio, figurada na Cargill, tornou-se fato consumado.
 Com o empreendimento já construído e em pleno funcionamento, e quase 8 
anos após o ingresso das ações, a Justiça resolve, finalmente, obrigar 
a Cargill Agrícola S.A. a realizar o EIA/RIMA. Enquanto não se cumpria 
as leis ambientais, o empreendimento deveria ser paralisado, o que foi 
derrubado por outro mandado de segurança.
Após anos de mobilizações sociais, atos,
 documentos e protestos contra a presença da multinacional em Santarém, 
enfim se garantiria, pelo menos, o respeito às leis brasileiras.
Quando finalmente os estudos ficaram 
prontos e puderam ser apresentados e discutidos com a sociedade em sede 
de audiência pública  todos foram surpreendidos com as denúncias e 
provas de fraude no EIA/RIMA feitas por técnicos desse digno órgão 
ministerial e outros atores participantes, consistentes ora no 
falseamento de dados bibliográficos, ora em sua manipulação, ora em sua 
omissão. Ato contínuo, o MPE/PA, ali presente por meio de sua 
representante, anunciou a todos que ao término do ato se dirigiria à 
Delegacia de Polícia Civil para providenciar a instauração de inquérito 
policial para apuração do fato. Assim teve início o IPL no 
273/2010.000082-4, em 29/07/2010, requisitado pelo MPE/PA e MPF por meio
 do Ofício no 304/2010-MP/CMP.
O inquérito concluiu pela existência de 
autoria e materialidade dos crimes tipificados no art. 69-A, caput, da 
Lei no 9.605/98 e art. 299, caput, do Código Penal imputados 
à CPEA (empresa que elaborou o EIA/RIMA) e à Cargill.
No mesmo sentido da opinião manifestada 
pela Polícia Civil, também na visão das entidades subscreventes, não 
poderia ser outra a conclusão, diante da demonstração cabal, pelos 
técnicos do Ministério Público, na presença de centenas de pessoas, dos 
erros, omissões, contradições e, principalmente, manipulações de dados 
bibliográficos pela empresa Consultoria Paulista de Estudos Ambientais 
Ltda. (CPEA) em favor da Cargill Agrícola S/A. Enfim, não é difícil 
perceber que o real objetivo do estudo sempre foi o de “construir” um 
cenário favorável às pretensões da empresa Cargill.
No entanto, tempos depois, todos fomos 
surpreendidos ao saber que a denúncia havia sido proposta, porém, 
imputando crime culposo, a título de mera negligência, à empresa CPEA e a
 seu Diretor, responsáveis pela elaboração do EIA/RIMA fraudulento, sem 
qualquer explicação desse entendimento à coletividade vítima do crime 
praticado e sem qualquer indicação de crime por parte da Cargill. E 
mais: havia sido marcada uma audiência extraordinária para propor a 
suspensão condicional do processo ao réu. Um simples “acordo” para 
arquivar mais uma ilegalidade da empresa.
Nós, propomos então ao MPE/PA, entre 
outras coisas, a inclusão da empresa Cargill como ré no processo-crime, a
 alteração da tipificação penal, ou, caso o contrário, que a suspensão 
do processo fosse condicionada à elaboração de outro EIA/RIMA, dessa vez
 com dados verdadeiros e conclusões sérias, para que fossem respeitados 
os direitos de informação e participação da sociedade civil no processo 
de licenciamento ambiental.
Tentamos por diversas vezes marcar uma 
reunião com os representantes do Ministério Público do Estado do Pará, 
para rediscutir os termos da denúncia oferecida, inclusive com o 
oferecimento de novas provas, mas sem sucesso. O que há de concreto e 
objetivo nisso tudo é uma série ofícios com pedidos de designação da 
aludida reunião, todos eles infrutíferos.
Nesse ponto, somos obrigados a citar a 
própria Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Pará (Lei 
Complementar estadual n. 057, de 06 de julho de 2006), que prevê, nos 
seus artigos 60, II e 154, XI, o seguinte, in verbis:
Art. 60, II. Atender a qualquer do povo, tomando as providências cabíveis;
Art. 154. São deveres do membro do Ministério Público, dentre outros previstos em lei ou em ato normativo da instituição:
XI – atender ao público na sede da 
respectiva Procuradoria de Justiça ou Promotoria de Justiça, no horário 
normal de expediente, e atender aos interessados, nos casos urgentes, a 
qualquer momento.
Pondere-se, afinal, que as organizações 
que assinam essa nota não tencionam macular a garantia institucional de 
independência funcional do Ministério Público do Estado do Pará no 
exercício das suas funções. Tampouco, objetivam duvidar da 
imparcialidade e competência deste ou daquele membro do Parquet, até 
porque neste caso já atuaram pelo menos cinco Promotores, ao sabor dos 
vaivens do serviço público. A sociedade civil, por seu turno, permanece 
nesta terra, e permanecerá.
Ao contrário do que possa alguém 
imaginar, as entidades signatárias veem o Ministério Público um aliado 
político e um defensor das causas públicas e coletivas. Todo esse 
esforço é animado única e exclusivamente pela vontade de respaldar o 
MPE/PA para que desenvolva sua função constitucional com maior coragem e
 galhardia, fazendo valer sua independência, fortemente ancorado na 
realidade fática dos conflitos socioambientais existentes em nossa 
região.
Além disso, lutamos por nossos direitos 
com insistência por termos a convicção de que seremos nós, mulheres, 
estudantes, agricultores familiares, quilombolas, comunidades pastorais e
 cidadãos comuns, os principais prejudicados pelos danos advindos de uma
 atuação ministerial inadequada nesse caso de extrema relevância e 
risco. A questão da Cargill é urgente e de interesse público dos povos 
da Amazônia e não somente desse órgão ministerial.
Não podemos mais esperar!
ASSOCIAÇÃO DAS MULHERES DOMÉSTICAS DE SANTARÉM (AMDS)
Judith Ribeiro Gama
Secretária Geral
Judith Ribeiro Gama
Secretária Geral
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA
Gilson Rêgo
Gilson Rêgo
COMISSÃO DIOCESANA DE JUSTIÇA E PAZ – SANTARÉM
Pe. Edilberto Sena
Pe. Edilberto Sena
FEDERAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES QUILOMBOLAS DE SANRARÉM (FOQS)
FRENTE EM DEFESA DA AMAZÔNIA (FDA)
UNIÃO DOS ESTUDANTES DE ENSINO SUPERIOR DE SANTARÉM (UES)
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE SANTARÉM
FRENTE EM DEFESA DA AMAZÔNIA (FDA)
UNIÃO DOS ESTUDANTES DE ENSINO SUPERIOR DE SANTARÉM (UES)
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RURAIS DE SANTARÉM
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511514-porto-da-cargill-em-santarem-e-repudiado-por-movimentos-sociais
 
 
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