segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Cerrado pede água

Informações difundidas neste início de ano dão conta de que, apesar das chuvas, o Cerrado brasileiro pede água. Os últimos redutos de grandes áreas contínuas deste bioma, que estão no Sudeste do Maranhão e Sul do Piauí, vêm sendo celeremente devastados para dar vez à monocultura de soja e eucalipto.

 
Foto: Rio Preguiças no Povoado de Pau Serrado-Santa Quiteria/MA( Foto: Fórum Carajás)
 
Além de perder sua principal fonte de renda, o sertanejo da região está sendo privado também da água, usada em na irrigação em larga escala, e da própria terra. Só em dois grandes projetos no Leste maranhense, foram plantados em dois anos perto de 200 mil hectares de eucaliptos.

A floresta artificial será utilizada por uma indústria de carvão, outra de papel e celulose. Na região, além da vegetação típica do Cerrado -- frutas, fibras, ervas medicinais, palmitos etc – há vastos coqueirais, que garantem a sobrevivência de centenas de comunidades.

O Cerrado que ainda cobre boa parte do território tem enorme importância para o Brasil desde muito antes de os portugueses aportarem por aqui. Mesmo assim, é considerado um bioma de segunda classe, não só pelas pessoas comuns, mas por setores de onde vêm as políticas públicas oficiais.

Ao aprovar a nova Constituição Federal, em 1988, por exemplo, a Assembléia Nacional Constituinte determinou a condição de patrimônio natural à Floresta Amazônica, à Mata Atlântica, à Serra do Mar, ao Pantanal Mato-Grossense e à chamada Zona Costeira.

Ficaram de fora os biomas do Cerrado e da Caatinga. E assim mesmo, grafados com a letra inicial maiúscula, como se faz com os demais biomas. Foi preciso uma emenda constitucional percorrer longo trajeto e muitos anos para tentar sanar o erro.

Oficialmente, o documento “Ecossistemas Brasileiros” do Ministério do Meio Ambiente informa que, hoje, o Cerrado se faz presente em 13 estados brasileiros. Isso corresponde a 22,65% do território, com 192,8 milhões de hectares e uma população de 22 milhões de habitantes.

Com outra metodologia, entretanto, pesquisadores afirmam o Cerrado corresponde hoje a 37% da área do País. A taxa de devastação é de 1,2% ao ano e não há nenhum controle oficial como o que, bem ou mal, existe na Amazônia.

Algumas das principais bacias fluviais brasileiras nascem em áreas de Cerrado do Planalto Central. São as do São Francisco, do Paranaíba/Paraná/Prata, do Araguaia/Tocantins e mesmo de alguns afluentes diretos do Amazonas. E casos localizados, como o rio Jequitinhonha, em Minas Gerais.

O Cerrado é considerado a caixa d’água, com solos que armazenam e vegetação que pouco gasta. Uma plantação de eucaliptos, por exemplo, consome quase dez vezes mais água do que a cobertura nativa.

Está comprovado que o Cerrado é o bioma mater (matriz) de quase toda a cobertura vegetal do território brasileiro, incluindo a Amazônia e a Mata Atlântica.

Isto explica, por exemplo, porque o que resta do Cerrado brasileiro está em posições geográficas elevadas, em terrenos que geram água. Ou deveriam gerar. Na Serra Geral de Goiás, na fronteira com a Bahia, região recém-tomada pela monocultura, há registros oficiais de pelo menos 14 córregos que secaram nos últimos sete anos, todos da bacia do São Francisco.

Explica também porque sobraram manchas desse bioma na fronteira Norte do País (Amapá e Roraima), em áreas mais elevadas da Amazônia. São encontrados enclaves de cerrados no interior de estados e no litoral nordestinos.

Segundo o geógrafo Aziz Ab’Saber, mudanças de clima ocorridas no final da era geológica do Pleistoceno, entre 12.000 e 18.000 anos atrás, foram as causas da mudança. Houve naquele período aquecimento da região tropical, favorecendo o avanço da floresta densa e frondosa sobre a vegetação rala e rasteira dos cerrados.

O que vemos hoje é uma ação que não respeita rios, veredas, matas ciliares, nada. São raros os casos em que são feitas curvas de nível no solo para evitar assoreamento. Tudo vai abaixo.

Os cursos de água se enchem da terra envenenada pelos agrotóxicos e levada pela chuva. O que sobra deles vai servir à irrigação, com os enormes pivôs-centrais vistos das estradas ou dos aviões, lá das nuvens.

Além da soja para exportação e outras culturas são abertas livremente áreas de pasto para criar bois latifundiários, pois a média nacional é de uma rês por hectare. Um absurdo, portanto.

A monocultura extensiva, principal razão da célere derrubada da vegetação nativa, desfaz também a vida dos humanos nativos. Estes são obrigados a deixar suas posses, pois raros são os que têm escritura legalizada. Seu rumo são os centros urbanos, em condições de vida precárias, e quando muito voltar à roça para trabalhos sazonais em algumas culturas.

Por sorte, como derradeiro ato de resistência, a implantação de culturas agroflorestais vem sendo incentivada com medidas do governo federal, em assentamentos familiares. E cooperativas são incentivadas a criar unidades processadoras.

Também as agroindústrias privadas que buscam financiamento público são levadas a comprar o produto agrícola ou florestal desses pequenos produtores.

Por:Jaime Sautchuk- Trabalhou nos principais órgãos da imprensa, Estado de SP, Globo, Folha de S.Paulo e Veja. E na imprensa de resistência, Opinião e Movimento. Atuou na BBC de Londres, dirigiu duas emissoras da RBS.

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