quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Eu sou o documento de minha terra

Como imaginar o documento de uma terra? Se esta terra não tem dono. A terra nunca teve dono – a terra é de todos que trabalham nela. O bem comum produzido e desenvolvido no espaço é usufruído por todos.
Relembrando as aulas de história sobre “Comunismo Primitivo”, Engels em sua importante obra “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” – utilizou métodos materialistas retomando o assunto desde o início da civilização humana, com uma abordagem sobre o trabalho primitivo que era feito para suprir as necessidades básicas e imediatas dos grupos familiares, não havendo, portanto preocupação com o acúmulo de riquezas (sobras). A “TERRA PERTENCIA A TODOS E NÃO HAVIA ESCRAVIDÃO”.
Em Gonçalo dos Mouras – município de Urbano Santos, povoado às margens da MA-225, terra de posse da família “Mouras” -, área da comunidade atingida pelas plantações de eucaliptos e que vem enfrentando um conflito pela posse da terra desde décadas remotas. O velho Gelson Ferreira, que não é “Mouras”, apenas sua esposa, recebeu esse sobrenome porque seu pai exercia a profissão de “Ferreiro”. Os problemas de Gonçalo acentua no calendário dos vários conflitos no campo nas décadas de 60, 70 e 80. A CPT naquela época acompanhava as comunidades coletando dados desses fenômenos que se perpetuaram até os dias de hoje. A CEB era a de Tabocas, que até agora está de pé.

A Terra de Gonçalo foi ocupada por famílias camponesas desde a década de 20, hoje já na quarta e quinta geração os trabalhadores rurais ainda resistem os desacatos dirigidos a eles. A questão se arrasta há décadas e décadas, ao ponto de se chegar ao extremo – como por exemplo a morte misteriosa de duas pessoas na década de 70 que não vale ao repórter entrar em detalhes, obviamente por falta de conhecimento do caso. Mas aconteceu e os moradores mais antigos do povoado assim como o Gelson, sabe contar detalhadamente os fatos ocorridos. 
A comunidade atravessou gerações e a terra de modificou, as chapadas da frente das casas foram substituídas por eucalipto, o rio baixou seu nível d` água e os chamados gaúchos compraram e/ou grilaram o restante das matas e chapadas. Pouco restou para a agricultura familiar, para os camponeses fazerem suas roças e botarem seus animais para pastar. Ficaram encurralados entre o rio e as plantações de eucaliptos. Sentiram a necessidade de criar uma Associação de Moradores para assim, fortalecer a luta, sendo que a única área que eles têm alguém já está de olho nela há muito tempo; eis a questão! Pois a terra hoje em dia - principalmente no Baixo Parnaíba maranhense é sinônimo de capital e poder. Os programas de expropriação e expulsão de homens e mulheres do campo representado pelo MATOPIBA -, a única fronteira agrícola do cerrado brasileiro do qual o Território do Baixo Parnaíba está incluso.
A comunidade tem resistido às demandas. Os netos de Gelson assumiram a luta, como sua esposa, Dona Antonia, que disse: “Se nós perdemos essa terra onde meus filhos e netos vão trabalhar”? “Esse pedaço de terra é tudo que nós temos”, acrescentava. Gelson o maior líder dos posseiros desde cinco décadas atrás é um homem de conhecimentos gerais, teve sua formação nas escolas das CEBs e da vida – viajando com amigos advogados e religiosos, deficiente de cegueira, não enxerga nada, anda pela casa com sua bengala, aconselhando e encorajando seus filhos e netos na luta pelos seus direitos. Durante sua vida passou por muitas adversidades e pelejas que lhe marcaram momentos de perdas e conquistas na existência dos dias. Durante a reunião de criação da Associação, em sua fala disse que certa vez uma pessoa lhe perguntara sobre o documento dessa terra. E ele sabiamente lhe respondeu: “Eu sou o próprio documento de minha terra! Meu bisavó, avô e pai nascerem e se criaram aqui e aqui estou com meus filhos e netos! Existe documento e prova maior”?



José Antonio Basto
Comunidade Gonçalo dos Mouras  - Urbano Santos, Baixo Parnaíba maranhense


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