sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Embrapa e a privatização da "neutralidade científica"

Curitiba - A onda neoliberal que vem dando sentido hegemônico às
maneiras de se conceber e mudar o mundo a partir da perspectiva
capitalista, mais fortemente desde a década de 1990, envolveu a
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de forma
incontestável, acentuando a sua estratégica de geração de tecnologias
no sentido da artificialização da agricultura.
divulgação

Essa empresa estatal de pesquisa agropecuária tem contribuído desde a
sua constituição, em abril de 1973, para a expansão e melhoria técnica
relativa da agricultura no Brasil.

O volume e qualidade da maioria dos resultados obtidos, a formação de
pessoal técnico-científico, a difusão técnica no nível dos produtores
rurais e a sua expansão institucional no âmbito da cooperação
internacional a colocam como uma das instituições mais eficientes do
país e com presença respeitável nos meios técnico-científicos
mundiais.

Essa qualificação anterior, no entanto, não a exime de
responsabilidades nem de desvios político-ideológicos que a tem
induzido para resultados que são - seria ingenuidade sugerir como
involuntários - afirmadores das desigualdades sociais no campo.

A opção política estratégica de apoio técnico-científico ao
agronegócio, de efetivação de acordos de cooperação com empresas
transnacionais de caráter monopolista - como emblematicamente se
concretizou com a Monsanto - e a aceitação e geração de produtos da
sua própria pesquisa a partir dos organismos geneticamente modificados
(OGMs), ainda que no âmbito de uma ampla diversificação de produção
tecnológica, não deixa de marcar o sentido hegemônico da direção
técnico-científica que vem adotando.

A Embrapa segue esse caminho ao enveredar pelos caminhos da
artificialização da agricultura, em consonância com os interesses das
grandes empresas capitalistas transnacionais, sejam elas as produtoras
de insumos para a agricultura sejam aquelas que comercializam os
produtos dela obtidos.

Isso, supostamente, se verifica no âmbito de contradições
técnico-científicas internas ao corpo técnico e administrativo da
Embrapa. Mesmo assim, a concepção reinante sobre a agricultura
familiar e camponesa, iniciativas de produção que representam a
maioria dos estabelecimentos rurais no país, se mantém como de
atrelamento subalterno ao agronegócio, como se afirma no site de sua
Missão e Atuação1:

“(...) programas de pesquisa específicos conseguiram organizar
tecnologias e sistemas de produção para aumentar a eficiência da
agricultura familiar e incorporar pequenos produtores no agronegócio,
garantindo melhoria na sua renda e bem-estar.”

Público x privado

Embrapa foi constituída e se mantém suportada por recursos públicos.
Isso significa implicitamente que a sua prática de geração de
tecnologias deve (deveria), antes de tudo, estar a serviço da maioria
da população brasileira que produz no campo.

Todavia, quando a direção hegemônica da empresa abre espaço para a
consolidação de acordos como o realizado com a Monsanto desde
2005/2006, e o reafirmando em 29 de novembro p.p. com o aporte de
recursos dessa empresa transnacional ao Fundo de Pesquisa
Embrapa-Monsanto2, fica mais explícito o caráter real do sentido da
produção tecnológica dessa empresa, ainda que estatal.

Ela se insere no processo governamental mais amplo de sustentação do
capital privado nacional e multinacional do agronegócio, mais
recentemente através das parcerias público-privado.

Não há dúvida de que os acordos com empresas multinacionais como a
Monsanto apequenam a Embrapa e comprometem a relativa autonomia
técnico-científica que deveriam ter seus técnicos e administradores
perante o grande capital nacional e transnacional.

Essa parceria do tipo público-privado, como a efetuada há tempos com a
Monsanto, joga o que poderia se considerar como o melhor da história
institucional da Embrapa na vala comum da mercantilização do saber.
Além disso, coloca sérias interrogações sobre o caráter que se reveste
a área de cooperação técnico-científica internacional quando esta
afirma ser ‘principalmente a pesquisa em parceria e a transferência de
tecnologia’ (sic).

Supostamente o que se espera de uma empresa estatal, mesmo submetida a
diferentes pressões políticas, é que seus resultados técnicos se
enquadrem como serviços públicos.

“O conceito de técnica mostra que deve ser, por necessidade,
patrimônio da espécie. Sua função consiste em ligar os homens na
realização das ações construtivas comuns. Constitui um bem humano que,
por definição, não conhece barreiras ou direitos de propriedade,
porque o único proprietário dele é a humanidade inteira. A técnica,
identificada à ação do homem sobre o mundo, não discrimina quais
indivíduos dela devem se apossar, com exclusão dos outros. Sendo o
modo pelo qual se realiza e se mede o avanço do processo de
humanização, diz respeito à totalidade da espécie.”3

Mercantilização

Não se supõe que reine na Embrapa o mito da neutralidade científica.
Todavia, não se espera por outro lado que a direção hegemônica da
empresa esteja identificada com os interesses produtivistas das
empresas privadas nacionais e transnacionais e da mercantilização da
produção tecnológica como disso é exemplo a sua parceria com a
Monsanto.

Ora, essa hegemonia dos interesses do agronegócio e das empresas
transnacionais no seio da Embrapa se torna politicamente mais
comprometedora quando se expande a sua capacidade de transferência de
tecnologia para paises considerados em desenvolvimento no âmbito de
uma cooperação Sul-Sul, como o que se está implantando na cooperação
com paises da África, América Latina e Caribe.

Será que já não é demais a pressão que Banco Mundial, OMC, FMI e FAO
exercem sobre esses paises em desenvolvimento para incorporarem no seu
que-fazer da produção no campo as mercadorias e serviços denominados
de ‘tecnologias para o desenvolvimento da agricultura’, pacotes
tecnológicos esses produzidos (em parcerias) pelas empresas
transnacionais de insumos?

Vai então a Embrapa, uma empresa estatal brasileira, se somar ao
esforço anti-social e anti-ecológico de artificialização da
agricultura e da dependência (neocolonial) dessas economias rurais aos
interesses dos grandes conglomerados da indústria química como
Monsanto, Bayer, Basf, Syngenta, Dow e DuPont? Sem duvida alguma que
isso seria, ou já é, desolador.

“(...) Mesmo que explicitamente não pretenda se impor como um
empreendimento totalitário, a ciência já comporta em si mesma,
implicitamente, a possibilidade de tal projeto (o sentido que ela
projeta sobre o homem e o mundo só pode ser o único possível). Seus
êxitos retumbantes levam-na, talvez inconscientemente, a impor-se como
única dimensão possível do sentido. Sua atitude fundamental diante do
mundo neutraliza todas as outras atitudes. Donde o risco de tornar-se
totalizante e autoritária.”4

1 Site da EMBRAPA.
http://www.embrapa.gov.br/a_embrapa/missao_e_atuacao (acesso
15/12/2010, 08:00 horas)

2 http://www.agromundo.com.br/ (consulta 14 dez 2010; 09:40 horas)

3 Pinto, Álvaro Vieira (2005). O conceito de tecnologia, vol. I. Rio
de Janeiro, Contraponto, 2v. , p. 269.

4 Japiassu, Hilton (1975). O mito da neutralidade científica. Rio de
Janeiro, Imago Editora Ltda, p. 169.

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http://www.mst.org.br/
Por Horacio Martins de Carvalho
Engenheiro agrônomo e cientista social
Especial para a Página do MST

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