O Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Comunidades do Baixo Parnaíba e Fórum Carajás)
domingo, 1 de dezembro de 2024
conversa alheia
Ouvir as conversas alheias virou uma praxe do ser humano. Há dois tipos de conversa: aquelas que a pessoa quer interagir e interage e aquelas que e melhor não interagir para não chamar atenção. Um senhor negro ficou esperto na conversa em que um jornalista cumprimentava um casal na fonte do ribeirão centro de são Luís. A menção ao nome Liberdade bairro periférico deixou o esperto. Os amigos se separaram e o senhor negro perguntou ao jornalista "o senhor morou na liberdade?". "Vivi a infância", respondeu o jornalista. O senhor negro enveredou por uma história em que ele saia de casa na madre Deus para assistir aula no Senai, bairro monte 🏰, e almoçava na casa dos parentes no bairro liberdade. Esse feito todo a pé no início dos anos 70. O jornalista ainda não tinha nascido. O que pode haver em comum entre a indústria siderúrgica a indústria de celulose e a indústria de soja no Maranhão? Uma conversa de dois jovens ocorrida numa padaria na estrada federal entre imperatriz e Açailândia. Nessa conversa, um deles afirmava que pegaria a estrada com destino a urbano santos, baixo Parnaíba maranhense. Cerca de 730 km de distância. Ele citava a região de Juçaral e Laranjeiras, povoados do município chegando em Chapadinha e Mata Roma. O outro rapaz conhecia a região. "Tudo virou soja, assim como partes de Anapurus e Santa Quitéria". Nessa conversa toda deu para entender que o rapaz que viajaria para Urbano Santos era da siderurgia e o que mais escutava era da Suzano. Durante muito tempo, a Suzano papel e celulose se declarou proprietária legal de quase 100 mil hectares em todo o baixo Parnaíba. Pretendia plantar milhares de hectares de eucalipto com finalidade de produzir celulose ou pellets para virar energia renovável. Não deu certo e como vingança contra as comunidades tradicionais que impediram seus projetos repassou boa parte dos 100 mil hectares para a indústria siderúrgica e para os plantadores de soja. O rapaz da siderurgia estava mais entusiasmado também haverá emprego para ele e para outros graças a destruição do cerrado. O rapaz da Suzano estava mais contido. A destruição do baixo Parnaíba não era mais da alçada da sua empresa.
Linguagem e destruição no cerrado do baixo Parnaíba maranhense
Os bilhoes de anos de existência do planeta pressupõe ciclos curtos em que a vida nasce e renasce diversas vezes. Estima se a idade em bilhões de ano mas nesse percurso temporal o planeta presenciou diversas formas de vida que predominaram no e dominaram o meio ambiente. O planeta da oportunidade para ver o que as espécies sao capazes de fazer. Vai lá meu filho mostre a sua capacidade em minutos segundos milésimos de segundo e centésimos de segundo para dominar o mundo (Não tenham dúvida Darwin estava certo). Ou mostrar sua formosura. Ou você dominava pela força ou dominava pela beleza. Obvio que a força sempre prevaleceu sobre a beleza (mesmo em lugares onde a beleza predominava aparentemente) e talvez por conta disso a humanidade tenha procurado uma opção intermediária (civilizatória): a dominação pela linguagem. A destruição do cerrado e das suas comunidades tradicionais quilombolas e indígenas se deu pela força. Por muito tempo acreditou se que a beleza da natureza do cerrado e das comunidades se oporia a força do agronegócio e dos interesses políticos. Não foi assim. So que a força do agronegócio e da política por si só não justifica a destruição. Quanto mais o ser humano cresce e desenvolve mais ele torna complexa a linguagem. E a linguagem da destruição e o mundo rasteiro a vulgaridade o oportunismo. Então para que a destruição do cerrado e das comunidades não ofereça um cenário aterrador pede se uma justificativa que só pode ser dada pelo estado pelas instituições pela sociedade. A destruição das chapadas na região de Chapadinha pela soja foi bem isso. A secretaria de direitos humanos do Maranhão escreveu relatório dos conflitos agrários como fez em Urbano Santos e no que deu ? A beleza das chapadas se perdeu. E o próprio Incra no caso das chapadas dos povoados de vila Borges vila chapéu foi no cartório e assinou um documento abrindo mão das chapadas facilitando a grilagem de terra
panelada e mocoto
Nada e por acaso. Nada terá sido em vão. Nem essas poucas palavras. Sentiu se totalmente por fora quando um amigo nascido em Brejo baixo Parnaíba maranhense declarou que em determinados lugares da ilha de São Luís prevaleciam nomes indígenas. Que a ilha de São Luís, antes de ser portuguesa e africana, fora um território indígena não restava dúvida. A novidade dessa declaração provinha do fato que ruas a margem dos bairros oficiais mantinham indícios da cultura e tradição indígenas. A urbanização de São Luís ocorrerá a margem: dos rios, das ruas, das avenidas, dos manguezais, das matas, das praias, dos morros, das ilhas e etc. A novidade é que a urbanização não e só um fenômeno econômico social. Também e um fenômeno cultural histórico. Tiraria a prova dos nove para se certificar da informação. Antes de tudo, precisar se ia decifrar os reais limites desse território linguístico indígena. Provavelmente andara por lá sem o saber. Para tomar uma cerveja, procurar cachaça ou catuaba ou comer mocotó. Mocotó e um termo bem africano e litorâneo. Panelada tem um acento mais caboclo (indígena com branco) e interiorano. A melhor panelada/mocotó que comeu teve como endereço a cidade de Chapadinha, baixo Parnaíba maranhense. Tornará se costume provar e deliciar se com a panelada cozinhada pela mulher de um amigo todas as vezes que retornavam de visitas as comunidades em seus territórios extrativistas de bacuri nas chapadas. Será que esse costume de comer panelada em Chapadinha vai se manter com a destruição progressiva dos bacurizais causada pelo agronegócio da soja?
Marx
Uma questão que o jornalista se fazia vez ou outra : " e se Marx e Engels não tivessem existido, como o mundo seria?". Na sua cabeça, essa questão servia de pretexto para analisar a sua consciência e a história da humanidade nos últimos dois séculos. Sem Marx e sem Engels, não haveria uma crítica perene e consistente ao capitalismo. Sem Marx e sem Engels o debate intelectual ficaria preso ao idealismo ao platonismo ao mecanicismo e ao positivismo. O capitalismo não precisaria responder a ninguém a não ser a si. Seria um mundo horrível e desprezível com poucas perspectivas de mudanças. Por que cogitar essa possibilidade com tal grave consequência? Tem aquela frase "quem lê, escreve. Quem escreve, lê". Ela pode virar " quem lê, pergunta e escreve". E bom se antecipar a um mundo que esquecer e bastante prático. A resposta para essa questão veio de um debate que o jornalista travou com um colega sociólogo dentro de um carro que este dirigia na estrada até a comunidade quilombola de Munim mirim município de axixa. "0 que andas lendo?". Pergunta básica entre os dois. "Estou lendo Amis Oz, escritor israelense, e um economista que divide os países em inclusivos e extrativistas ou precatórios". Um tipo de leitura que privilegia aspecto da modernidade que foi a construção do ideário nacional. Conversa vai, conversa vem, o colega sociólogo veio com uma questão: " e se Marx fosse assassinado?," "Nem ele, nem Engels e nem Proudhon tivessem existido." O jornalista ficou espantado com a coincidência. A mesma questão com uma outra entonação. Sabendo do gosto do colega sociólogo pela ficção, levou na brincadeira. Se Marx não tivesse existido, a viagem a Axixa não faria sentido. Visitar comunidades quilombolas na zona rural do Maranhão para discutir projetos de cunho socio ambiental?!!! Melhor ficar em são Luís cuidando da vida. A própria associação de Munim mirim não teria argumentos pela preservação do seu território quilombola e dos acaizais. A questão ambiental a principal questão da atualidade não teria valor para a sociedade a não ser como componente a mais na publicidade capitalista. Tudo que o sistema capitalista toca, transforma em mercadoria.O que não transforma,destroi
ocupação
Em alguns casos, ocupar um terreno equivaleria a dar um tempo para ver se aparece uma coisa melhor. Ocupar sempre expressa um efeito temporário. A obra de Sérgio Buarque de Holanda sinaliza para a grande característica do povoamento no estado de são Paulo. O movimento. Os paulistas não paravam quietos. Há registros de paulistas se aventurando por todo o Brasil. Pela leitura de Sérgio Buarque conclui se que houve uma ocupação por parte dos paulistas de várias extensões de terra. A ocupação e um processo econômico social, os paulistas corriam atrás de minérios, que interage com um processo militar. A ocupação expulsa escraviza nega existência. A Suzano papel e celulose e uma empresa paulista que vive de ocupar espaços(muitos espaços). Ela ocupa um espaço aqui e acolá com seus plantios de eucalipto. A Suzano não para quieta. Entre cinco a dez anos ela desocupa o espaço cortando os eucaliptos e surgem as rebrotas. Não há tempo para a terra descansar. A ocupação e isso.
humberto de campos
Para muitos Humberto de Campos não passa do nome dado a uma cidade do litoral nordeste maranhense. Por que desse nome? A maioria dos moradores veio ao mundo e encontrou esse nome portanto por quê perguntar. Tudo acontece no seu devido tempo. Humberto de Campos se transferiu como vários maranhenses fizeram no começo do século XX para a cidade do Rio de janeiro, capital da República, a fim de obter êxito nas suas ambições. Na decada de 60, a editora Mérito pública as obras completas de Humberto de Campos entre elas o volume "Últimas crônicas". Em novembro de 2024, vislumbra se esse volume no sebo do Arteiro a rua do Sol, centro de são Luís. O tempo não e uma linha reta e nem uma sucessao de fatos contínuos. O tempo impregna a rotina na medida em que se afasta. A obra de Humberto de Campos ao ser deixada de lado e pouco lida foi ultrapassada pelo tempo? Tendia a achar que sim até ler algumas das crônicas que constavam no volume especialmente a sobre o café. E interessante ler essa crônica bem humorada bem escrita e ver qual era a concepção de história e de literatura do autor. História (coletivo) e literatura (indivíduo) deviam andar juntas na concepção de Humberto de Campos. Passados décadas da publicação da obra de Humberto de Campos o que permanece? Somente o nome em uma cidade litorânea? Umas crônicas ? Usando uma expressão pouco lembrada atualmente. Deveria se tornar providências para que a obra de Humberto de Campos não seja tomada pelo esquecimento ou uma por uma mera lembrança do passado glorioso da cultura maranhense que ninguém mais conhece ou reconhece.
domingo, 17 de novembro de 2024
A cidade que demorou a ser cidade
A maioria dos mercados e feiras de São Luís data do século xx. O mais velho de todos e o mercado das tulhas que começou a sua vida operacional no século XIX. Quando se refere a cidade de São Luís logo vem a ideia de que o seu centro histórico se origina do século XVII. Pouca coisa vem do século XVII. A maior parte vem do século XVIII pra frente. E bom ter cuidado com a expressão antigo ou antiga. Alguém realmente acreditava que o mercado das tulhas surge no século XVII sendo que do ponto de vista histórico ele é recente. São Luís no século XVII ainda não era uma cidade. Como as pessoas se alimentavam se não havia mercados ou feiras para distribuírem a produção agrícola? Uma cidade para se manter precisa de infra estrutura que só veio com o devido tempo. As perguntas que os turistas e os próprios moradores de são Luís fazem revelam uma incompreensão com relação ao tempo. "Quantos anos tem São Luís? Ela e mais velha que Lisboa? São cidades quase idênticas". Não há comparação entre uma e outra. Lisboa tem vinte séculos nas costas. São Luís só tem 412 anos.
Os ensaios
Como não se tocara para isso ? Machado de Assis era romancista contista cronista e também era ensaísta. Por um mero acaso descobrirá essa habilidade. Um amigo trouxe uma edição capa dura constando várias crônicas de Machado com a intenção de lhe vender. "Ah, pensou, tenho tantos livros de Machado...". O amigo tanto insistiu que lhe convenceu. Folheou o livro despretensiosamente. Nada em Machado e despretensioso. Tudo tem uma razão. Quem sabe algum dia alguém crave determinado ano como o ponto de partida da carreira de Machado. Com certeza, essas crônicas da década de 60 do século XIX, ele tinha um pouco mais de vinte anos, podem ser analisados enquanto um dos pontos de partida. Tem tudo lá do que se habituou a ler em sua obra madura: o cinismo, a ironia, a dissimulacao, a caricatura, a hipocrisia, a análise política, a visão universal e etc. O que e bom na leitura dessas crônicas e observar algo que ele perdera com o tempo, o caráter ensaísta resultado do contato com autores gregos romanos e franceses e ingleses dos séculos XVII e XVIII tipo o ensaísta frances Montaigne. Ensaio e como se fosse iniciasse uma jornada por um caminho que se multiplicará por cem durante a narrativa sem ter que chegar a uma conclusão. Em muitos casos, a conclusão e o que menos importa no ensaio. Duas grandes obras literárias brasileiras são ensaios disfarçados de jornalismo ou romance: os sertões de Euclides da cunha e grande sertão veredas de Guimarães rosa.
O mar e a cidade de Alcântara
O mar é um dos ambientes mais antigos sobre a face da terra que se tem conhecimento. A dimensão dele causa incerteza em qualquer um que o veja. Nem que seja num mapa, vê-lo e imaginar o seu alcance provoca na pessoa uma necessidade de prova- lo. Em outras épocas, navegava-se por ele e a única coisa que restava era conferir as horas, os dias, os meses, os anos, as estações do ano e as estrelas. As estrelas mostravam o caminho por onde se cortariam as águas oceânicas. Por quilômetros não se via nada. E o navegador desejava ver algo para dar certeza ao seu real intento. Para quem não está acostumado, o mar é quase uma barreira intransponível. Suplantar suas águas é para poucos. Em certa medida, o mar representa um passado indisponível para a humanidade. Alcântara é uma cidade cujo passado está disponível, mas a sociedade local e a sociedade maranhense não sabe o que fazer. Por isso, a juventude do município de Alcântara, acha que o patrimônio histórico mais atrapalha, do que ajuda no desenvolvimento econômico e social.
As palavras certas na Amazônia
O que as pessoas querem? O que as pessoas mais querem? Ele queria a sensibilidade de presenciar o rio negro e suas margens na cidade de Manaus e poder dizer algumas palavras. Queria a sensibilidade de se mortificar pelos bancos de areia que apareceram devido a intensa estiagem que a região amazônica enfrentava. A sensibilidade para ser bem transmitida requer as palavras certas que podem ser lidas em um livro ou podem ser ouvidas das bocas de homens e mulheres simples. As palavras certas não ficam na superfície da terra e das águas. Elas se agarram a terra e as águas para de lá não saírem mais. As palavras certas que procurava estavam nos sebos e nas livrarias. Um amigo lhe informara de uma banca de livros do lado direito do principal teatro de Manaus. Não tinha errada. O único erro foi que a banca só abria quatro da tarde. Enquanto aguardavam a abertura encaminharam se para o mercado municipal. Rio e mercado na maioria das cidades são umbilicais. Chegaram tarde e não puderam provar o açaí amazonense. Ouvira diversas vezes que o açaí de uma comunidade se diferencia de uma outra comunidade por mais próximas que fossem. Enfim, não pode sentir a singularidade do açaí fabricado e comercializado no mercado. Fizeram o caminho de volta e viram a banca de livros aberta. Passou a vista e os dedos pelas prateleiras e pelos livros. Constatou o nome Milton Hatoum. Lera um único livro dele. Sentiu se pequeno perante a enormidade do autor. Precisaria ler mais Milton Hatoum e outros escritores do estado do Amazonas para quem sabe ter liberdade na hora de escrever sobre os rios os barcos os peixes os agricultores os indígenas as chuvas a pupunha o tucumã os acaizais os bejus os pirarucus os tambaquis os pássaros as pimentas as roças os cordões sem parecer um impostor.
visões do paraiso
Deu aquele estalo na cabeça lendo Visões do Paraíso de Sérgio Buarque de Holanda. Os brasileiros praticamente não sabem quem foi Pedro Álvares Cabral. Só sabem dizer que ele "descobriu" o Brasil. O cara vem ao Brasil saindo de sua rota para as Índias e inicia as relações comerciais Portugal-Brasil e nada se sabe dele. Os brasileiros preferem manter distância de qualquer assunto que seja realmente importante para sua história. Vejam o caso do Projeto Celmar da Vale que deu origem a fábrica da Suzano de produção de Celulose em Imperatriz. Provavelmente poucos sabem que nos anos 90 a Vale elaborou uma proposta de plantio de mais de 80 mil hectares de eucalipto e de construção de uma fábrica de celulose tudo na região de imperatriz. Não deu certo e o projeto de celulose virou um projeto de siderurgia. A região de Açailândia virou o paraíso perdido da indústria de ferro gusa. Com o tempo a Vale foi se saindo desse mercado e as áreas que ela comprou (grilou?) para o projeto Celmar arrendou para a Suzano papel e celulose nos anos 2010 iniciar seu projeto de uma fábrica de celulose para exportação. Uma dessas áreas arrendadas e a região da Viva Deus na estrada do arroz com mais de 12 mil hectares. Região rica em extrativismo de babaçu rica em agricultura famíliar e rica em benefícios climáticos mesmo com os desmatamentos que uns dizem chegaram a 50% de toda a área. Essa área se encontra em conflito envolvendo mais de 800 famílias que querem a desapropriação dos 12 mil hectares e a vale e a Suzano que desejam plantar eucalipto nela toda. A mais recente proposta feita pelo Incra e que as famílias desistam da área e procurem fazendas para que o incra possa desapropriar. Famílias que lutam pela terra há muitos anos de repente vem suas histórias deixadas de lado pelas conveniências entre Incra Vale e Suzano.
parada de onibus
A parada de ônibus determinava uma posição privilegiada no Bairro e na cidade, pelo menos para aqueles que a usufruiam. Descendo do ônibus a sua rua se abria bem a frente. Então era descer, atravessar a avenida, driblando carros e ônibus, e subir a ladeira que dava acesso a parte alta do bairro. Andava se sossegado pelas ruas se bem que era bom ficar com os olhos atentos para uma eventualidade. A parada tanto atendia os moradores como também atendia os estudantes das instituições de ensino que funcionavam nas proximidades. Dificilmente ele tomava ônibus nessa parada se fosse seu costume teria visto há mais tempo uma placa de vende se na parte de cima da casa na esquina da ladeira. Nada de extraordinário. Quem andava pelo bairro se sentia invadido por placas e mais placas de vende se pregadas ora em paredes ora em portas de inúmeras casas. Com características de novidade pelo bairro envelhecido, só a expressão vende se. O bairro onde morava se encontrava a venda e isso o instigava. Nada que o tirasse muito do sério. Nenhuma das casas a venda lhe dizia respeito. A não ser a casa na esquina da sua rua. Fora uma locadora de vídeo nos áureos tempos de locadoras de vídeo. Não uma excelente locadora, uma locadora simples de bairro. Quem queria excelência em locação tinha que ir ao shopping da parte nobre da cidade. Para algumas pessoas sair de casa com finalidade de alugar vídeo em outro bairro não fazia sentido. O bairro onde moravam respondia por tudo e uma locadora de vídeo por pequena que fosse dava conta do recado. Por algum tempo, deu conta. O próprio cinema do bairro absorveu parte do público durante décadas para fechar os portões por conta da falta de investimento e do desinteresse familiar. Fecharam os portões e fecharam qualquer iniciativa interessante para reabrir o cinema. A casa da locadora também foi fechada. De sinal de vida, a placa vende se. Do lado desta placa subsiste uma outra placa desgastada: Aluga se. Tentaram alugar a casa. Não obtiveram sucesso. Será que pondo a venda a sorte se inverte?
quarta-feira, 16 de outubro de 2024
deus fez o mundo
E Deus fez o mundo em seis dias; no sétimo dia descansou. Imaginando que Deus não se mede pelo tempo dos homens, o que significa um dia no tempo de Deus? E por que Deus descansou já que por ser Deus não precisava? O que representa a Torre de Babel ? Milhares de homens almejavam chegar aos céus e a Deus. O que fez Deus? Onde havia só uma língua criou várias e os homens se desentenderam e abandonaram a construção da torre. Por que Deus se irritou, afinal os homens nunca chegariam aos céus ? A hipótese é que os homens tentaram ser Deus e a tentativa foi em vão. O homem sempre tentou ser Deus e quando não consegue a linguagem se mediocriza. A linguagem dos grandes empreendimentos que querem se instalar no Maranhão, ora é, uma linguagem violenta, ora é, uma linguagem que quer deslumbrar. A Eneva enviou um documento a várias comunidades solicitando a permissão de comunidades quilombolas em Anajatuba para realizar vários serviços com fins de obter o licenciamento de um gasoduto que deve passar pelos territórios dessa comunidade ( gás natural que vai abastecer a Vale). Os caras chegam como se as comunidades tivessem por obrigação assinar a solicitação. Assina a solicitação e espera pelo que vem pela frente. E o que vem pela frente e destruição dos recursos naturais.
o tempo se dissolve
O tempo se dissolve e nada a de se fazer quanto a isso. Andava seguro por entre as ladeiras e as vielas que rodeavam a liberdade e o monte castelo. Ladeiras compridas. Ladeiras curtas. A história de São Luís requer um capítulo exclusivo para o assunto ladeiras e vielas. Fora um dia um exímio conhecedor desses imprevisíveis caminhos. Por eles, ia a igreja, ao mercado, a banca de revista, parada de ônibus, a casa inglesa, a eucaristia e etc. Se o ônibus deixava de passar pelo bairro, restava se deslocar de sua casa para a avenida Getúlio Vargas, onde pegaria um ônibus para o centro. Esse ponto de ônibus se chamava casa inglesa. Ninguém mais evocou esse nome. A casa inglesa ficara para trás. Nem parada de ônibus e mais. A liberdade as vezes tem o poder de reverter esse esquecimento. O esquecimento dos que se mudaram e do que mudou por fora. Na estrada da Vitória, por onde passava o trem são Luís Teresina, disparou o número de barbearias e galeterias. Sinal de modernidade. Gente fazendo a barba. Gente comprando galeto. Gente carregando compra. Gente vendendo cerveja. E gente. O bairro da liberdade não para. Nem tudo a modernidade abarca. Menos de espera alguém se expressa como se o tempo se mantivesse igual aos anos 70 e 80. Uma senhora abre o verbo de uma casa fechada: " o de come está vindo para come". A liberdade cresceu e se modernizou por fora. Por dentro o inexplicável a define.
A distopia da reforma agrária
A existência humana imprescinde de determinadas construções sejam elas físicas filosóficas históricas políticas utópicas. A utopia é uma construção humana pois a realidade que se apresenta quase sempre destrói os anseios individuais e coletivos. A utopia é o ideal onde se quer chegar. A utopia socialista, a utopia comunista. O próprio capitalismo produz suas utópias. Por muito tempo escutou se que fazer a reforma agrária era essencial para o Brasil se tornar um país capitalista desenvolvido. Aula básica de história de economia e política. Fortalece o mercado interno distribui renda. O Brasil não fez a reforma agrária e nem vai fazer a reforma agrária que se espera. A sociedade paga um preço alto por essa desfeita da parte da classe política e de suas elites. A comunidade do Araçá, município de Buriti, e uma comunidade tradicional extrativistas do bacuri indígena e negra que sobrevive em quase duzentos hectares cercada por soja. Ela experiencia o pesadelo que virou a utopia da reforma agrária no Maranhão nos últimos anos em que o cerrado maranhense vem sendo devastado pelo agronegócio. Faz quase dez anos que a comunidade enfrenta a família introvini pela posse da chapada do Brejão que abrange dois mil hectares. Chapada que os introvini compraram de maneira irregular do grupo João Santos. Tendo em vista ser a última grande área de Chapada em Buriti, a comunidade do Araçá pretendia reverter a compra da terra e regulariza em seu nome. Ela tentou todos os meios possíveis. A vara agrária entrou em cena e promoveu um acordo entre a comunidade e os introvini em que estes abriam mão de uma outra área em proveito da comunidade. Parece que o acordo finalmente vai ser cumprido. Uma área de 400 hectares na região da Cacimba será georreferenciada pela comunidade. Uma área rica em bacuri e água. Falando assim pensa se que tudo correu as mil maravilhas. Que nada. Do começo da luta da comunidade até os dias atuais, os moradores do Araçá foram bombardeados por agrotóxicos, receberam ameaças dos plantadores de soja e de seus seguranças e viram seus animais serem assassinados a bala. O assassinato de animais criados pelos agricultores familiares e uma prática recorrente dos plantadores de soja visando a intimidação e a vingança.
massa e poder
Não passa um dia que não ressurja uma velha questão que assola a humanidade desde o princípio dos tempos. Por que sabendo dos perigos o homem se sente atraído pelo fogo ? As respostas só têm aumentado e vão na linha da história da religião, da cultura, da economia, do prazer da guerra, da construção das artes, da alimentação e do tempo. O livro "Massa e poder" do escritor Judeu húngaro, Elias Canetti tenta responder essa e outras questões. O homem ao descobrir o fogo ou recebê-lo das mãos de Prometeu pode enxergar na escuridão, espantar animais, limpar a área para agricultura, preparar comida, construir moradias duradouras. O problema é que o fogo interfere diretamente no clima. Os combustíveis fósseis aumentariam essa interferência exponencialmente milhares de anos mais tarde. A história da humanidade é a história da interferência no clima para que o planeta ficasse um pouco mais quente. Só que a interferência tornou o planeta mais seco, e seco muito rápido, mesmo pros padrões humanos. A ação humana não precisa ser destrutiva. Há vários exemplos de agricultores familiares cujas propriedades o fogo não entrou neste ano e nem nos anos anteriores. A noite faz frio, um frio que relembra o frio de décadas passadas quando o cerrado maranhense ainda não fora destruído pelo agronegócio.
comunidade viva deus
A comunidade de Viva Deus trouxe o café para as pessoas que participaram da manifestação em frente a fábrica da Suzano papel e celulose no município de Imperatriz. Um dos componentes do café era o cuscuz de arroz. Uns preferem o cuscuz de milho. Outros preferem o cuscuz de arroz. O cuscuz de arroz liberado para ser consumido pela comunidade fez ressoar na memória os cuscuz de arroz cozinhado pela avó e pela bisavó. Por isso fotografou o cuscuz e enviou a foto para um monte de gente. A namorada perguntou se ele foi feito no pano. Ele achava que sim mas como não havia certeza melhor responder que não sabia. É* bom não saber as vezes porque quanto menos se sabe mais se quer saber. Como por exemplo a situação das comunidades de viva Deus Cannaa Angical eldorado e outras que vivem sob ameaça da Suzano papel e celulose e seus funcionários que intimidam os agricultores e impedem eles de trabalhar. Poucos sabem disso ou quase ninguém sabe disso porque há um controle de informações por parte da empresa. Os poucos que sabiam agora serão muitos depois da visita do Fórum Carajás da Fase Espírito santo dos indígenas Pataxó do sul da Bahia dos quilombolas do Sape do Norte e da CPT Campos do Goytacazes estado do rio de janeiro porque tudo que acontecer contra os moradores será divulgado.
O caso da fazenda eldorado em Imperatriz
Logo após a visita que realizou a comunidade Viva Deus situada a beira da estrada do Arroz entre Imperatriz e Cidelândia e pertencente a família Eldorado, o jornalista Adalberto Franklin escrevia um artigo datado de vinte e um de janeiro de 2015 cujo título era "Má: Reforma agrária e o fim de uma infâmia". No caso a palavra infâmia se referia a situação crítica do ponto de vista social que mais de 100 famílias viviam a beira da estrada há quase uma década e que seriam beneficiadas pelo decreto de desapropriação de mais de três mil hectares assinado pela então presidente Dilma Roussef no final de 2014. Com a assinatura do decreto prévia se que a situação das famílias sairia do crítico para tempos melhores. Passados quase dez anos do artigo de Adalberto Franklin, a situação das comunidades que vivem na fazenda Eldorado piorou consideravelmente e o processo de desapropriação não foi resolvido. E essa não resolução ficou se sabendo em recente visita de ongs e movimentos sociais as várias comunidades que residem dentro da fazenda Eldorado. O pedido de visyoria inicialmente era para doze mil hectares e houve perícia que identificou a área como improdutiva. A vale que se apresentava como proprietária questionou a vistoria e pediu uma nova. Com o projeto da Suzano em construir uma fábrica de celulose em Imperatriz a vale repassa a área para a Suzano que desmata parte da área e planta eucalipto. Sai uma decisão que determina uma nova vistoria e e claro a área e considerada produtiva. A história dessa área remete ao projeto Celmar nos anos 90 em que a Vale em joint venture com capital japonês planejava uma fábrica de celulose para a região. O projeto não deu certo, a ferro gusa carajás empresa da vale assumiu a área que agora pertence a Suzano. A fazenda Eldorado e a última grande área que pode ser aproveitada pela agricultura famíliar no município de imperatriz porque o plantio de eucalipto não está consolidado. Então a presença de mais de mil famílias pleiteando a desapropriação de mais de doze mil hectares e o resultado inequívoco e inevitável da própria ação da Suzano que concentrou milhares de hectares em seu projeto de produção de celulose. Claro que a Suzano não vê desse modo e acha natural agir de forma arbitrária e autoritária como vem agindo com as comunidades. Jogando veneno em riachos, queimando barracos, tocando fogo em roças, tocando fogo em áreas de eucalipto e de mata e acusando moradores, aplicando muitas ambientais , apreendendo veículos dos trabalhadores, utilizando as polícias para intimidar trabalhadores e etc.
os habitos
O hábito em quilombos era, de manhãzinha, tomar café somente acompanhado por farinha d'água e algum pedaço de carne de porco ou gado. O açúcar excedia o orçamento das comunidades quilombolas como também de qualquer comunidade ou família da zona rural. Da mesma forma, no consumo de juçara ou açaí nas comunidades quilombolas ou outras comunidades pobres da zona rural do Maranhão evitava se o consumo de açúcar. Privilegiava-se como acompanhamento peixe frito e uma farinha seca. Quando o assunto é juçara ou açaí, sempre vem à tona quem é mais "puro" na hora de consumir. "Puro" no sentido de que a questão étnica se sobrepõe a qualquer outra forma de ver e tomar a juçara ou açaí. Em Bom Jesus, comunidade quilombola do município de Cândido Mendes, litoral noroeste maranhense, na casa de dona Raimunda, liderança da comunidade, serviu-se um almoço para visitas. Estavam lá para averiguar o problema dos búfalos nos campos naturais. Muita fartura no almoço: peixe, galinha caipira e arroz. Adquiriu se juçara na casa de um parente para completar o banquete. No Maranhão, quando um não tem vai na casa do outro para conseguir. E no Maranhão é bastante normal se fartar de carne e arroz no almoço e na sobremesa bebericar uma uma pratada de juçara ou açaí. Almoçaram bem. Veio a juçara. A comunidade possui açaizais. Como foi escrito anteriormente, os quilombolas tomam juçara do seu jeito. Pronto e acabou se. Estranham quem vem de fora e mistura juçara com açúcar e leite ninho. "Você é maranhense?". Cândido Mendes, como várias cidades do noroeste maranhense, mantém relações históricas com Belém do para. Dá muito trabalho vir para são Luís. Dona Raimunda perguntou sobre se ele era maranhense, mas o sentimento remete aos paraenses "os defensores do verdadeiro açaí". E também é um sentimento que amplifica questões étnicas culturais e históricas que vivem esquecidas.
As fotos de Che Guevara, comunidades quilombolas e o Porto de Alcântara
O escritor e crítico literário argentino Ricardo Piglia publicou em 2006 o livro "Último leitor", uma seleção de ensaios sobre o hábito da leitura cuja capa se refere a uma foto de Ernesto Che Guevara que subira numa árvore no meio da Bolívia para ler um livro. Um dos ensaios escritos por Ricardo Piglia trata justamente desse aspecto de Che Guevara que procurava o "melhor" local para suas leituras. Essa foto data de um pouco antes do assassinato de Che Guevara. Uma foto mais recente de Che pode ser vista no Instagram de Jorge Du Peixe, vocalista da banda Nação Zumbi. Uma réplica de uma foto original de Che Guevara líder da bem sucedida revolução cubana exposta na casa de uma família cubana em 1999. As pessoas que tiraram as fotos certamente não esperavam que as fotos ficassem para a posteridade nem pelo lado da crítica nem pelo lado da reverência. Essas fotos traduzem um sentimento de coletividade, em plena época do individualismo. Uma foto recente que contradiz o momento atual de individualismo,narcisismo,egoísmo e outros ismos foi tirada no quilombo Rio Grande, Bequimão. Se tudo der certo, vai ficar para a posteridade. Uma foto de uma conversa sugerida, organizada e convocada por setores da igreja católica com participação do @moqbeq para debater o projeto do Porto de Alcântara e a ferrovia que ligará Alcântara à Açailândia. O quilombo Rio Grande, aparentemente não será atingido diretamente pela ferrovia e tampouco pelo Porto, mas os impactos promovidos pelos dois empreendimentos serão sentidos de diversas formas e algumas dessas formas com certeza serao sentidas no âmbito da coletividade e no âmbito da sociabilidade. O @forumcarajas esteve presente nessa reunião a convite, por ter sido um dos primeiros a iniciar o debate em 2019, junto com outras organizações como o @ongartemojo de Paço do Lumiar. As fotos da reunião organizada pela igreja e comunidades são um importante registro também porque revelam anonimato. O anonimato sendo revelado e contraditório, mas tirando uma ou outra pessoa, a grande maioria era formada por pessoas anônimas. Sendo importante que os anônimos apareçam
bons ventos
Bons ventos o trazem. O mar encostava nas casas das baixas se São Luís. A água salobra aflorava pelos quintais. Água que não se bebia, que não cozinhava, que não se banhava. Um dia, o mar invadia a cidade com suas forças inigualáveis. A cidade era mar, mangue, matas, palafitas, entulhos, barcos de pesca e barcos de transporte, Portos, caranguejos, camarões, sururu, pescado, sarnambi, siri. Foi assim por muitos anos. Veio a modernização econômica e social. O estado e o grande indutor da modernização. A sociedade parou e e preciso remove la do atraso. São Luís foi palco nos anos 70 de uma das faces da modernização no Maranhão. A construção da avenida beira mar pelo então prefeito Haroldo Tavares. O modernizador, um visionário, segundo quem esteve presente. O trânsito pesado saiu das ruas espremidas do centro de são Luís e passou a circundar ao redor. Teve um custo simbólico alto. A cidade perdeu contato com o oceano. O oceano não encosta mais fisicamente mas encosta de forma simbólica. O mercado central tão visto e tão mal falado recebe consumidores vindos de tudo quanto é lado. Chico Discos almoçava um peixe pedra que comprara no mercado central pela manhã. Comprara as mãos de um fornecedor certo que jurou que sua procedência era Alcântara.
terça-feira, 3 de setembro de 2024
buriti dos boi
José Orlando, morador da comunidade quilombola de barro vermelho município de Chapadinha constatou o seguinte fato : "o componente étnico e latente aqui em buriti dos boi". Essa constatação decorria tanto daquele momento em que se esperava a chegada da juíza da vara agrária vinda de São Luís que realizaria uma perícia como também decorria de outros momentos nos quais se mobilizaram reuniões para combater a expansão da soja naquela chapada. A comunidade Buriti dos Boi e uma comunidade tradicional assim como milhares de comunidades pelo interior do Maranhão. E isso quer dizer que ainda mantém aspectos culturais sociais ambientais econômicos e linguísticos provenientes de seus antepassados. Como quando alguém fala "pelaqui" em vez de por aqui. Por aqui e o sensato, o correto, o culto. "Pelaqui" e o impulso, apressado, o incorreto, o inculto. "Pelaqui" e a aglutinação de por aqui. Quantas vezes as pessoas falaram ou escreveram palavras de maneira errada pela pressa ou pela falta de reflexão. Os moradores de buriti dos boi não tinham tempo para estudar ou para brincar. O tempo era para atender aquele que se dizia proprietário e sua família. O por aqui e o correto dentro das normas do português. O "pelaqui" e o correto dentro da realidade que a comunidade vivia. Os moradores de buriti dos boi em sua totalidade apresentam características da mistura de índio com negro e por isso o componente étnico história fica mais latente. Eles eram vistos como propriedade daquele que se apossava da terra para seus projetos. Essa visão ainda se mantém como pode ser visto nessa fala da advogada das herdeiras do antigo proprietário que venderam a chapada para o plantador de soja que está em conflito com a comunidade: "eles eram moradores do seu Raimundo Boi". Quer dizer, a comunidade de buriti dos boi além de lutar contra a soja tem que lutar contra toda uma estrutura agrária arcaica.
posse da terra
A posse da terra é exercida. Ela não é herdada. Isso implica em dizer que o posseiro nem poderia vender a sua posse já que a terra definitivamente não lhe pertence. Essa constatação levaria a uma discussão extensa sobre o caráter da terra e da propriedade no Brasil e no Maranhão, porque no final das contas não existem legítimos proprietários e sim posseiros em exercício. A advogada das senhoras Joana dos Santos e Aldenoura dos Santos pensa o contrário. Elas são filhas do senhor Raimundo Boi, morto em 2004, e que muitos pensavam ser proprietário do Buriti dos Boi. É aquela velha história. Você age como um latifundiário e todo mundo acaba pensando que você é um latifundiário. No início da perícia realizada pela vara agrária para conferir quem realmente detém o exercício da posse na chapada de Buriti dos Boi, município de Chapadinha, a advogada rotulava as senhoras Joana e Aldenoura como herdeiras do senhor Raimundo Boi. Claro que a fala da advogada se direcionava para a chapada em disputa, de um lado plantador de soja/proprietário tradicional e extrativistas do bacuri do outro. Só que a perícia pedida pela promotoria agrária queria dirimir dúvidas sobre quem exercia a posse na chapada. Como foi escrito, posse se exerce. O senhor Raimundo Boi, falecido em 2004, não podia exercer a posse. As suas filhas que se transferiram da casa em Buriti dos Boi, há mais de 50 anos, para Chapadinha também não. O plantador de soja que chegara recentemente na região muito menos. Quem exerce a posse é a comunidade de Buriti dos Boi que coleta bacuri de janeiro a maio, todos os anos e que tem várias casas construídas sobre a chapada.
maranhao rico
De tanto ler e ouvir que o Maranhão um dia fora rico, chegou a acreditar. Uma vez, na casa dos seus bisavós, ainda criança, pusera os olhos num pé de algodão. Olha aí a prova da riqueza do Maranhão. No século XIX, o Maranhão liderara a produção de algodão por um curto espaço de tempo. Tempo suficiente para ficar na memória. Assim como ficara na memória a Praia Grande, os seus casarões e seus comércios, onde era comercializada toda a produção vinda de parte do interior. Grande venda de arroz, babaçu, azeite de babaçu, algodão, pescado, carne e etc . A Praia Grande se modernizou e vem se modernizando desde os anos 80, e o que se vê mais, é a venda de artesanato, obedecendo a uma visão de que o Maranhão é e um estado pré industrial. E como tal, o Maranhão tem que aderir incondicionalmente, as forças produtivas mais modernas como a soja. Uma das provas dessa adesão incondicional foi a substituição do azeite de babaçu pelo óleo de soja no começo dos anos 80. A propaganda da indústria de soja induzia as pessoas a consumirem o óleo, porque era um produto que modernizava a cozinha. Um argumento é pouco. Passado um tempo, a indústria da soja veio com o argumento que a soja levava saúde para casa toda. Investir em produtos derivados da soja, equivalia a investir em saúde, boa alimentação, qualidade de vida e economia. Interessante como vai se montando todo um discurso que fundamentara a apropriação dos recursos naturais pela cadeia produtiva da soja. Quem não planta e não beneficia soja, não move economia e nem movimenta a cultura. A reação dos plantadores de soja é de depreciar as atividades produtivas e as manifestações culturais das comunidades quilombolas e tradicionais do Baixo Parnaíba, que lutam contra seu avanço. Depreciam com auxílio da tecnologia. Um funcionário do banco do nordeste em Chapadinha, em recente vistoria realizada pela vara agrária na comunidade Buriti dos Boi, anunciou que filmara a chapada onde a comunidade coletava bacuri e não idêntificara nenhuma moradia. Quase que perguntou "porque o senhor fizera a filmagem e o senhor é funcionário do banco do nordeste ou agente do agronegócio?".
candido mendes
Os olhos os ouvidos e a mente se destorneiam a medida que perguntam seguidas vezes qual e a distância para a comunidade quilombola de bom jesus município de cândido Mendes. Eles se entristeceram logo na primeira inquirição: "ichi. Faltam uns 50 quilômetros". Um motoqueiro atarefado com sua moto respondeu mais para criar pânico. 50 quilômetros num calor de agreste e em estrada empicarrada, o cara esmorece, reflete, esvanece entontece, endoidece. Voltaram com a inquirição numa comunidade. Um dono de caminhonete vendia uns peixes na porta de uma casa. " Deve dar uma hora e meia e a estrada está razoável por causa do período eleitoral". Uma hora e meia e eles temiam a quantidade de combustível com o qual abasteceram o carro em Bequimão. O importante é que eles estavam a caminho e no caminho certo por mais dúvidas fossem geradas pelas respostas duvidosas de moradores. "Vocês tem que ir mesmo para Bom Jesus?". " Tem uma meia hora". " Tem uns quinze minutos". Por mais dúvidas houvessem o percurso por Turiaçu se provou mais rápido porque o percurso por cândido Mendes daria uma volta tremenda. Afinal de contas, eles combinaram uma visita a comunidade quilombola de bom jesus e essa visita fora remarcada várias vezes. O motivo da visita era um debate sobre os impactos da criação de búfalo no campo natural da comunidade. Contaminação das águas pelas vezes do búfalo e a perda de oxigênio ocasionada pelo revolver do leito o que faz a matéria orgânica subir e asfixiar os peixes. Os quilombolas de bom jesus descendem de negros indígenas e brancos que viviam na região desde o final do século XIX. Negros indígenas e brancos escravizados semi escravizados pequenos proprietários e totalmente excluídos da vida política social e econômica do Maranhão.
estrada urbano santos a barreirinhas
Não resta dúvida que o asfaltamento da estrada que liga Urbano Santos a Barreirinhas visa disseminar o agronegócio pela região, mais do que está disseminado. E a disseminação do agronegócio implica em grilagem de terra. As comunidades de Barreirinhas como Anajás dos Garcês, Tabocas, Buritizinho em várias ocasiões expuseram suas divergências perante os plantios de eucalipto que se alastram nos limites entre os municípios. O que impede a entrada do agronegócio em Barreirinhas, além das comunidades, é uma lei municipal que proíbe o plantio de monoculturas. Gonçalo dos Moura, povoado de Urbano Santos, fica a cinco minutos de Anajás dos Garcês. Os moradores são aparentados. Gonçalo dos Moura está totalmente cercado pelos plantios de eucalipto. Os eucaliptos formam verdadeiras muralhas. O seu Ribamar, marca o ano de 2009 como o ano em que a empresa chegou devastando o cerrado. " É doloroso escutar os paus chorando, gemendo, lamentando, quebrando...". Para a família do seu Ribamar, deixaram uma área de 300 hectares em que fazem a roça e constroem suas moradias. Eles são nascidos e criados ali. Era uma área enorme com muito bacuri e pequi. Ainda se vê bacurizeiros pelos terrenos. Essa área foi grilada e vendida por parentes do seu Ribamar para gaúchos que venderam para o atual proprietário. Os mesmos parentes querem grilar e vender os 300 hectares que sobraram. Umas vez, um dos parentes, tudo idoso que nem moram perto, chegou ameaçando o seu Ribamar. "Vou construir uma moradia quer tu goste ou não. Se não gostar vai procurar teus direitos na justiça". Seu Ribamar derrubou o que haviam erguido. Na tentativa mais recente, os parentes foram ao cartório de Urbano Santos procurar documento da área. O cartório que sofreu intervenção por suspeita em fraudes de documentos de terra e outras coisas. Não encontraram nenhum documento. É terra do estado. Então foram ao STTR pedir uma declaração de posse. Como seriam posseiros se nem moram lá? O certo é que os parentes já usurparam os direitos da família do seu Ribamar diversas vezes e querem usurpar de novo.
viajar sem se perder
Viajar sem se perder. A grande maioria dos viajantes tem essa meta como princípio. Desembarca na cidade e a primeira incumbência e comprar um mapa. Compra o mapa e abre mais por dever de ofício. Tornou se um fetiche comprar um mapa. A cada cidade, um mapa. Ainda se fazem mapas em São Luís como se fazia antigamente? Teve uma onda de mapas pela cidade e e claro que essa onda foi embora. As ondas (modas) vem e vão que nem se concebe tenham se derramado pelas praias. O maranhense também é dado a mapas imaginários. Tudo e bem ali. Tudo e muito perto. Da para se alimentar pela imaginação. Mulheres vendeiras de comida altas horas da noite a beira da estrada que surgem a medida que a fome aperta. Galinha ao molho pardo fria que você não quer saber a que horas foi feita. Só dá uma esquentada que resolve.
terça-feira, 6 de agosto de 2024
diversões
A vida toda se manteve distante de diversões e espetáculos que envolvessem um grande número de pessoas. Medo de se perder, medo de ser levado, quem sabe? Fora uma vez em um parque e nunca fora a um circo. Cresceu sem que essas ausências de diversões e prazeres fossem notadas. Um pouco mais velho começou a notar pelas estradas do Maranhão, beiras de estrada, circos ou mais lonas do que circos espalhados. A ultima vez que notara uma dessas lonas foi a beira de uma estrada pela qual passavam em direção a capital do estado. Vinham do município de urbano Santos. "Qual será a atração principal desse circo?", perguntou ironicamente. Perguntou, para em seguida analisar que aquele circo representava um tipo de espetáculo que ainda não morrera por mais indiferença a sociedade lhe oferecesse. A beira da estrada era o local que a qualquer momento podia se assistir a um pequeno espetáculo ou assistir a promessa de um pequeno espetáculo carregado de humanidades. Essa questão do espetáculo pode ser relacionada com outros "espetáculos" como os casos do grande espetáculo de destruição oferecido pelo agronegócio da soja em urbano Santos e do pequeno espetáculo de preservação oferecido pela agricultura familiar. O senhor Bernardo todo o mês de julho fazia o aceiro em sua área de chapada na comunidade de Cajazeiras para que o fogo não entrasse e queimasse a mata. Esse tipo de espetáculo não é de interesse do agronegócio da soja que almeja grandes desmatamentos grandes derrubadas grandes plantios grandes máquinas cinismo grosseria violência e brutalidade e foi o que dois plantadores de soja fizeram na chapada do seu Bernardo ao derrubarem mais de 300 hectares. Para o grande público de Urbano Santos qual é o tipo de espetáculo que prefere?
A destruição do Cerrado e a produção de milho
Em uma conversa com um militante de esquerda, três ideias surgiram: que o cerrado vai ser destruído porque não a sociedade não dá tanta importância a esse bioma como se dá a Amazônia, que o governo do Maranhão irá implantar uma usina de beneficiamento de soja e que a politica acabou e que o agronegócio ocupou o seu lugar. Das três, a menos provável e a de beneficiamento de soja. As outras duas são pedras cantadas pela ideia de desenvolvimento econômico social que a propria esquerda em grande medida defende e divulga. Se o custo para o crescimento e desenvolvimento do Brasil e do Maranhao e a destruição de um bioma fazer o que? Em recente audiência realizada em Santa Quitéria baixo Parnaíba maranhense um dos participantes sobre pulverização aérea de agrotóxicos um dos participantes veio com a imagem que os palmeirais foram ou serão substituídos pelos sojais. Lembrando que as populações tradicionais se valeram principalmente dos babacuais durante décadas para sua sobrevivência física e económica. As famílias quebravam o côco para vender as amêndoas aos comerciantes do povoado. O avanço da soja e a destruição do Cerrado e dos sistemas ambientais associados tem seus antecedentes históricos. Sem o Cerrado e os sistemas ambientais associados às comunidades quilombolas e tradicionais tem menos condições de resistir a pressão do agronegócio seja pela diminuição na oferta de alimentos seja na perda da memória vinculada ao meio ambiente. Um ex morador em termos físicos porque parte da sua história está lá de Brejo município do baixo Parnaíba faz aflorar numa conversa o nome de uma bebida feita de milho : alua de milho. Esse nome como outros nomes relacionados com alimentação expressam uma especificidade. Ou expressavam porque 70% do milho produzido no Maranhão e híbrido ou transgénico. Se a maior parte do milho produzido é híbrido ou transgénico, esse milho não tem relação nenhuma com as comunidades que produziam e ainda produzem historicamente milho crioulo que e uma das bases da alimentação das comunidades no Maranhão e no Brasil. Não tanto do Maranhão porque a mandioca e bem forte devido a cultura indígena preponderante
sua graça
"Qual é sua graça ? Chico da Graça ou Chico Graça?", perguntou antes da entrevista. "Tanto faz". Seu Chico cresceu sobre aquela Chapada. E construiu sua vida junto a esposa e os filhos numa época que ninguém queria saber de Chapada. Quem morava na Chapada bem possível querer ficar alheio a tudo e a todos. Não ter vizinhança ou que a vizinhança ficasse o mais distante possível. Para viver sobre a Chapada precisa de água e água se consegue construindo poço. O seu Chico construiu um poço que se encontra destruído depois que um plantador de soja obteve um documento falsificado no cartório de urbano Santos e o tirou do terreno onde morava. Mudou se para outra parte da Chapada. Não teve condições de construir um outro poço. Uma empresa imobiliária se apresentou como dona da Chapada de 100 hectares em que reside na atualidade. "Nunca soube que essa chapada tivesse dono e me estabeleci aqui tem mais de quarenta anos", comentou seu Chico. As pessoas continuam sem querer saber da Chapada para desenvolverem projetos serios. Querem saber de vender a terra para empresas plantadores de soja ou grileiros. A questão está na justiça. O seu Chico espera que justiça realmente seja feita. Ele ficou com medo de sair da terra como sucedeu da outra vez. Por enquanto a questão está parada.
velhos acordos não movem a economia
elhos acordos não movem a economia
Quanto tempo eles não apareciam naquela casa? Fazia tanto tempo, uns seis a sete anos, que o carro parou quase em frente e não reconheceram o batente, a porta, as janelas, a parede e etc. A sorte é que um rapaz de moto apontou um dedo : "aquela bem ali". Nem todos os acordos são assinados de papel passado no cartório. Alguns são celebrados com um almoço, um jantar ou uma dose de cachaça. Outros são vividos dia após dia. A comunidade de baixão dos loteros município de urbano Santos tinha um acordo informal com um dito pretenso dono de uma área que fica ao redor das casas. O acordo não fora assinado só verbalizado e afiançava que o proprietário não mexeria ou não expulsaria a comunidade. O pretenso proprietário faleceu e sua filha desfez o acordo. O acordo foi para a cucuia ou para o brejo. Ela quer a terra para vender ou até já vendeu porque uma empresa imobiliária pediu a presença de policiais militares para ameaçar a comunidade enquanto os funcionários faziam os picos na área. Eles se retiraram mas os boatos correm que na próxima vez vao desmatar tudo. As comunidades tradicionais e pequenos proprietários em certa medida viveram um idílio com os políticos os grandes proprietários e as grandes empresas. Esse idílio previa que as comunidades podiam coletar bacuri e roçar tranquilas sem serem importunadas. Esse acordo começou a ser quebrado quando a Suzano quis transformar as chapadas em um imenso eucaliptal. O projeto não deu certo e em seu lugar vieram os "gaúchos". Aí os acordos foram por terra literalmente junto com os bacuris e os pequis. As comunidade tradicionais e pequenos proprietários se viam em segurança porque contavam com os políticos para qualquer eventualidade. Pode esquecer, os políticos locais abandonaram a agricultura familiar e dão cobertura para os gaúchos.
comunidades de urbano santos
As comunidades que vivem na zona rural de urbano Santos lêem a história através da natureza esplendorosa que está em volta e que sustenta suas vidas. O agricultor lê e faz história na roça na criação de animais pela chapada na caca de animais silvestres na pesca no banho na colheita do bacuri pequi babacu no plantio de mudas. Como qualquer atividade humana a agricultura familiar e o extrativismo pode se extinguir. Pare de fazer o que sempre fazia para ver o que acontece. As atividades desencadeadas pelo processo de modernização capitalista com franco apoio de políticos e segmentos sociais em urbano Santos implicam na substituição do cerrado pela monocultura da soja. A substituição de uma cultura tradicional por uma cultura industrial financeira como a soja não acontece com sorrisos beijos na face tapa nas costas. Ela acontece por via da corrupção intimidação violência física e simbólicas devastação da vegetação contaminação do solo e cursos de água e poluição do ar pela liberacao de elementos químicos, morte de animais e etc. A devastação do cerrado em urbano Santos e outros municípios dificulta a produção de alimentos pela agricultura familiar e sua comercialização. A maior parte dos produtos comercializados nos mercados de urbano Santos vem de fora.
capao
Morando na cidade de Urbano Santos, todo santo dia ficaria estirado sobre as muretas dos rios que se insinuam pela cidade. Dependendo de onde morasse, cumprimentaria primeiro o rio Boa Hora e horas mais tarde faria o mesmo com o rio Mocambo. Não se cansava de vê-los. Cumprimentar um rio equivale a ver nele um velho conhecido ou amigo. Foram íntimos. Banhava-se em suas águas geladas e saia tremendo de frio. Nem todo dia tem se tempo para revê-los e pensar nos amigos ou conhecidos. Faz bem rever. Rever e ver novamente incontáveis vezes. Revia o rio cujas águas gelavam de frieza.
urbano santos
Morando na cidade de Urbano Santos, todo santo dia ficaria estirado sobre as muretas dos rios que se insinuam pela cidade. Dependendo de onde morasse, cumprimentaria primeiro o rio Boa Hora e horas mais tarde faria o mesmo com o rio Mocambo. Não se cansava de vê-los. Cumprimentar um rio equivale a ver nele um velho conhecido ou amigo. Foram íntimos. Banhava-se em suas águas geladas e saia tremendo de frio. Nem todo dia tem se tempo para revê-los e pensar nos amigos ou conhecidos. Faz bem rever. Rever e ver novamente incontáveis vezes. Revia o rio cujas águas gelavam de frieza.
Machado de Assis e Lima Barreto
Uma polémica que vira e mexe retorna para o fastio de muitos e aquela em torno da figura de Machado de Assis de que ele teria sido omisso conivente com a escravidão podendo ser acusado de escravagista e racista. Evoca se Lima Barreto como o antípoda de Machado de Assis por militar contra a discriminação racial as estruturas sociais políticas literárias e económicas. Machado de Assis pouco descreve negros e mestiços em seus livros. Lima Barreto, por outro lado, descreve bem mais e os seus personagens principais se originam das classes sociais menos abastadas. Essa seria a prova documental de que lado machado e lima estão. Os que fazem comparação desse tipo dificilmente olham para a realidade onde se inserem. A cidade de São Luís e uma cidade negra e mestiça mas também racista escravocrata e excludente com toda certeza que em mais de um século de abolição da escravatura e da proclamação da república mudou pouco o trato com a populações socialmente desfavorecida e ainda comporta ideias e pensamentos do império. Em certa medida o Maranhão e São Luís ainda vivem no tempo do império. Com relação a comparação entre Machado e Lima Barreto, Machado e um escritor do império que analisa a sua desestruturação social económica e política antevendo o que vem pela frente. Lima Barreto e um escritor da republica com os olhos voltados para a história que se perdeu no final do século XIX e começo do século XX.
paissandu
Apure os ouvidos e os outros sentidos para o que existe ( o que ainda existe) no povoado Paissandu, município de Duque Bacelar. Mais precisamente o que vem do rio que também é conhecido por Paissandu. Nesse rio que nasce próximo a uma Chapada desce frio ( ainda desce) e é encoberto por diversas espécies como buriti, juçara, mamorana, brutu, jenipapo, urucum, babaçu, tamboril e juá. Você se agacha , sente a água e conversa com a menina que lava as louças do almoço. Queria fotografa-la. Entabula uma conversa que se desenrola em torno do curso de ciências sociais e da dificuldade da escrita que os universitários apresentam. Essa conversa ele teve com Larissa no dia anterior. Perguntou a Larissa porque queria gravar a história da sua família em Paissandu. Só para ter nota no curso de ciências sociais ou algo mais a motivava? A família de Larissa morava em Paissandu há mais de um século. As mulheres se sobressaiam. Mulheres que se banhavam naquelas águas que se ensaboavam com sabão feito da mamorana e que falavam como se nada houvesse se perdido e tudo continuasse como anos atrás. Você se intriga com esse jeito de falar. A Dona Luzia, avó de Larissa, fala desse jeito. Ela chega perto de você e canta, declama poesia, anda de um lado para outro, não para, pede ajuda para preservar o rio do desmatamento, do agrotóxico, da grilagem de terras e etc. Você vai reconhecendo e descobre. Esse povo é indígena. Dona luzia fala como se falasse para seus familiares. Todo mundo é seu parente. A sua mãe, a sua avó e a sua bisavó falavam assim. A sua filha Dona Maria, mãe de Larissa, fala assim. Dona Luzia conta uma história para os amigos da universidade e da pastoral da juventude, de sua neta Larissa fazendo conexão com as histórias vividas por ela e por mais pessoas de sua família. O Maranhão é indígena por mais que se negue isso.
conversa alheia
scutar a conversa alheia e coisa feia, previne o senso comum. Às vezes se torna difícil não escutar ainda mais quando as pessoas conversam para todos ouvirem. "Suco bom e cajá ,caju, cupuaçu e goiaba. Graviola não é um suco bom". Eis um breve resumo de uma conversa entre o dono de uma lanchonete e sua esposa. Graviola não é um suco bom?!!! Essa fala desse dono de lanchonete decorre de uma visão utilitarista que vigora em determinadas lanchonetes. Suco bom é aquele que rende muito que todos conhecem e que tem grande saída. Graviola ainda é um suco pouco conhecido e que rende melhor como vitamina. Quase igual ao bacuri. Demorou muito tempo até o bacuri se fazer presente nas lanchonetes. Encontrar uma lanchonete que servisse suco de bacuri virou uma utopia. Isso mudou nas últimas décadas. Qualquer lanchonete do centro, do subúrbio, da periferia oferece suco de bacuri. Só que essa oferta pode voltar à estação zero pois a polpa de bacuri vem encarecendo devido a enorme procura e devido aos desmatamentos nas chapadas do Maranhão e do Piauí para produzir carvão e para plantar soja.
terra prometida
Terra prometida
Promessas são feitas. Promessas são desfeitas. Deus prometeu ao povo judeu a terra prometida e eles vaguearam 40 anos no deserto até acha lá. Demorou, mas achou. Deus prometeu. Deus cumpriu. Com os judeus, Deus tinha um canal direto, Moisés. Os demais povos não tiveram a sorte. De serem o povo escolhido. Tiveram que se contentar com as promessas feitas pelos homens. Promessa de fim das guerras. Promessa de acabar com a fome. Promessa de curar as doenças. Promessa de nunca sair de sua terra. Promessas são feitas. Promessas são desfeitas. Os casos das comunidades quilombolas e tradicionais do Maranhão refletem muito como o ser humano vê o cumprimento ou o não cumprimento de promessas que vem de séculos. O caso da comunidade de Juçaral em Urbano Santos é emblemático. Promessa de que a terra onde nasceram, onde foram criados, onde roçam, onde se banham, onde bebem da água, onde criam seus animais, onde apanham bacuri seria deles. Promessa de que a justiça dos homens não veria os homens pela condição social, de quê todos os homens são iguais perante a lei. Promessa de que seriam ouvidos pelos políticos e pelas instituições do governo e da sociedade civil. Nenhuma dessas promessas foi cumprida. Promessas são feitas. Promessas são desfeitas.
seu chapa
O seu Chapa, é um senhor de idade que tem alguns problemas de saúde, entre eles a diabete que o levou a perder um dos pés. Ele é proprietário de mais de cem hectares de chapada no povoado Todos os Santos, município de Urbano Santos, uma chapada em que ele e a família coletavam bacuri e praticavam outras atividades econômicas. Por conta da diabetes e do pé que foi amputado, ele passou um tempo sem dirigir e sem visitar a chapada da família. Os cuidados com a chapada ficaram a cargo dos irmãos que moravam na comunidade de Cajazeiras. Num belo dia, aqui escrito de forma irônica, seu Chapa é informado que funcionários de uma fazenda de soja desmataram a sua parte na chapada. Uma das providências que seu Chapa tomou foi cobrar do STTR de Urbano Santos uma ida a Chapada para verificar os danos e fazer um vídeo denunciando a irregularidade. Com certa relutância, a diretoria do STTR se deslocou a comunidade e gravou um vídeo relatando o acontecido. Esse vídeo não foi divulgado nas redes sociais, mas por aquelas coincidências da vida ( se é que existem coincidências na vida), o vídeo para no "zap" do Fórum Carajás que imediatamente divulga em suas redes sociais e propõe ao seu Chapa uma visita da sua equipe no local do episódio do desmatamento. Por conta do que aconteceu com seu Chapa, ficou-se sabendo de outros acontecimentos em que os plantadores de soja invadiam a terra de comunidades e de pequenos e médios proprietários e nada era divulgado. Tendo em mente esses fatos foi que se apresentou uma proposta ao @fundocasasocioambiental para realização de um seminário no municipio de Urbano Santos para expôr esse assunto.
Por: @mayronregisborges
taua mirim
Num banner produzido pela empresa MRS ambiental para apresentar as etapas de licenciamento do terminal privado de regaseificacao de GNL uma frase suspeita desponta entre tantas suspeitas: "quem são essas comunidades da ilha de Taua mirim". E uma frase no máximo suspeita porque o que quer uma empresa quando chega com toda a presunção de suas certezas e desfere na lata uma frase desse naipe. E uma frase que no seu intimo questiona a real existência e a real procedência de centenas de famílias que vivem há séculos na ilha. No mínimo dois séculos com informações obtidas por depoimentos podendo chegar bem mais para trás. Bem possível que índios brancos e indígenas se batiam desde os séculos XVI na ilha de Taua mirim. Uma das principais provas desse cruzar de gente de várias origens foi dada por uma moradora do povoado Embauba (os moradores pronunciam Embauba com acento agudo no a) que alcançou 90 anos com aparência de 70 anos. Ela relembrou sua bisavó que ajudou a carregar pedras na construção da igreja da vila Maranhão no século XIX e depois foi morar em Taua mirim. Segundo essa moradora metade da igreja da vila Maranhão e feita de pedra.
O uso político do mito
Tem uma cena de "Rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas" em que três homens aparecem encapuzados em frente a câmera. A conclusão e que os três são bandidos meliantes facínoras foras da lei ou coisa que o valha. No entanto, dentro do contexto do filme, os três encapuzados lutam contra a mitologizacao da cidade contra aqueles que transformaram a cidade em mitologia uma mitologia que empurra parte da sociedade para a miséria a fome e a violência. Qualquer cidade tem sua mitologia e vive dela . A mitologia do melhor São João a mitologia do melhor carnaval das melhores praias da melhor torta de camarão do maranhense bem educado da Atenas Brasileira do português melhor falado e etc. Em 1998, a Companhia das letras lançou "Olhos de Madeira" do italiano Carlo Ginsburg. O capítulo dois do livro tem como título "Mito" e como subtítulo "Distância e mentira". A parte que mais chama atenção e aquela em que analisa duas obras de Marx: "Crítica da Economia Política" de 1857 e "18 brumário" de 1869. A conclusão a que ele chega e que "para entender algo da história do século XX e necessário analisar o uso político do mito". No caso do Maranhao é preciso analisar o uso recorrente dos mitos pela política e o mascaramento da realidade sócio política e econômica com a utilização desses mitos.
quiabo
A sua mãe de vez em quando lhe pedia para comprar quiabo no comércio da rua paralela a rua onde moravam. Para botar no cozido. Ela se esquecia que nesse comércio não vendiam quiabo. Portanto, ele teria que caminhar uns bons bocados caso quisesse obedecer sua mãe. E bastante difícil encontrar quem venda quiabo. Perto de sua, só a casa do queijo vende. Das vezes que fora comprar, levava recomendações do qual adquirir e do qual não adquirir. Recomendações do tipo não compre quiabo grande. O seu pai assim falou " você vai para onde?"" Vai no mercado central e compra uns trinta reais de quiabo" Quase perguntou para que tanto quiabo. "Não compre dos grandes. Compre dos pequenos". De todos os mercados de São Luís, o mercado central e um dos mais menosprezados muito por conta da aparência da localização e das condições sanitárias. Ele não faz parte do centro. Ele fica saindo do centro numa baixa próxima a maré onde atracavam barcos de pescadores. O que não se acha nos comércios de bairro vai se achar no mercado central. Uma das razões para a dificuldade em comprar quiabo e o desprestígio que enfrenta. E quase uma ofensa querer saber de algum comerciante se ele vende quiabo. Na sua busca no mercado central por quiabo, uma feirante lhe respondeu prontamente que não vendia e só mexeu o rosto indicando quem vendia. Uma esnobe.
rodoviaria de bacabal
A rodoviária provisória de Bacabal fez lembrar a rodoviária de São Luís construída no bairro da Alemanha: tudo amontoado, desconfortável e nada agradável. A rodoviária se encontra em reformas e a solução encontrada foi adaptar um galpão para receber os ônibus de todo o Maranhão e de estados vizinhos. Onde há uma rodoviária provisória pode ter certeza que em seus meandros se esconde uma venda de comida dessas que se vê nas feiras mercados e nas beiras de estrada. E nela, e claro, você vai pedir um mocotó ou panelada, o nome e de acordo com a cidade onde se desembarcou. Faz um bom tempo que o mocotó ou a panelada passa a uma sensação de comida de beira de estrada. De tempos em tempos, alguém para na venda pede uma porção de mocotó bem sortida a dona/cozinheira esquenta uns minutos (o que não esquenta nada) e serve junto com arroz farinha macarrão. Foi mais ou menos assim que aconteceu na rodoviária de Bacabal. Vinha da assembleia da COPPALJ em Lago do Junco. A sorte lhe favoreceu e um carro deu carona. Só iria esperar umas cinco horas a chegada do ônibus. O que fazer enquanto isso? Um amigo cogitou a possibilidade de comer um mocotó delicioso que experimentara numa viagem que fizera. Pensou duas vezes antes de aceitar a possibilidade de se aventurar pelo galpão/rodoviária. Depois de alguns minutos de resistência feroz, capítulou e foi atrás do famoso mocotó. Enfim a venda se revelou. Indagou do mocotó e o preço. Fazia uma porção por vinte reais. E a possibilidade de diminuir a porção e o preço? Não abria exceção. Ah, tá bom, pode trazer. E o mocotó veio como de costume. Uma porção generosa de mocotó requentado que dava para umas três pessoas com tudo que tinha direito.
Avenida Magalhães de Almeida
As ruas quase desertas. As casas remotamente abertas. Surpreende que alguém abra o portão e entre por uma casa inexplorada. Não surpreende que nada mais aconteça. A casa retorna ao seu estágio natural de portões de ferro, fechaduras e janelas trancadas. Quantos pedestres andam por esses corredores mar adentro com as mãos geladas? Algumas casas ruas e avenidas um dia foram mar um mar que não se ouve mais. A avenida Magalhães de Almeida com suas casas modernistas fez descer o mar que anteriormente subia com pés descalços. A avenida Magalhães de Almeida provoca lembranças de algo usado como os pães cheios vendidos no abrigo da praça João Lisboa e como as revistas expostas aos montes nas bancas largadas sobre a calçada. Bancas que não vendem mais nem revistas e nem ousadias. O modernismo da Magalhães de Almeida aguenta a duras penas o que veio a ser seu futuro irreconhecível e inglório.
domingo, 19 de maio de 2024
horizonte
Num horizonte, tudo vem a ser um ponto ou vários pontos a medida que a distância se esvai. Um ponto aqui, um ponto acolá. Do caminho de casa até qualquer ponto da cidade o que se vê são vários pontos, ponto de luz ponto de vendas ponto de hospedagem ponto de estacionamento ponto de checagem ponto de prostituição ponto de embarque e ponto de desembarque. São pontos que não acabam mais, mas que não se aglomeram, mantém uma distância saudável entre um e outro. O retrato de uma sociedade que se mede e mede os outros por valores morais sociais e históricos. O capitalismo categoricamente dispensa esses valores. O que ele quer saber e de aglomerar. Quanto mais aglomeração melhor para os negócios. O porto de Cujupe no município de Alcântara e uma diversidade de pontos. Ponto e vírgula ponto continuando ponto final reticências dois pontos. Tem algum mais ? Uns próximos. Uns mais distantes. Essa estruturação do espaço levou tempo para ser formulada e levou em consideração os anseios das comunidades ao redor. Por incrível que pareça. As pessoas vendem caranguejos, sururu, alimentos água. Elas navegam pelos braços de mar com seus barcos. Pescam próximo e tá tudo bem. Por mais estranho que possa parecer e uma realidade aceitável. O negócio vai pegar se o projeto do porto de Alcântara para exportação for levado adiante. Vai provocar um desarranjo total nessa dinâmica e nessas relações.
OPS
Que empresa é a OPS Open Service que de uma hora para outra bloqueou a passagem dos moradores para o porto onde circulam seus equipamentos e materiais para pescarem nas cercanias da comunidade de porto grande ? A OPS Open Service recebeu a doação de um terminal pesqueiro no porto grande da parte do governo federal e resolveu se apossar da área da comunidade. Bloqueou a passagem e colocou vigilância armada para impedir que os moradores insistissem em entrar na área do porto. A OPS e uma empresa que se apresenta como gestora de terminais portuários entre outras coisas. Chegou de repente na comunidade de Porto Grande com a promessa de gerar milhares de empregos para os moradores objetivando que eles aceitassem a apropriação por parte da empresa. E uma promessa clássica das grandes empresas e grandes empreendimentos: desistam dos seus territórios e vocês ganharao inúmeras vantagens. Essa é a mais recente de uma série de investidas contra as comunidades protagonizadas por grandes empresas. Outra recente e o pedido exercido pela Suzano papel e celulose para despejar a comunidade Camboa dos frades. Bem assim. A empresa não tem o que fazer e decide vamos encrencar com aquela comunidade que e pobre e não tem a mínima possibilidade de suportar a pressão. Devido as denúncias feitas pela comunidade de porto grande a OPS liberou o acesso ao porto só que a vigilância armada continua e quem entra tem que dar o nome e o vigilante anota a placa do carro. Provavelmente para checar quem e a turma. Isso ocorreu em recente visita do fórum Carajás a comunidade para participar de uma reunião com lideranças com a DPE e com o grupo nos mandato coletivo de vereadores da câmara municipal de São Luís. A questão do acesso ao porto pela comunidade de porto grande e o problema mais evidente mas há outras problemáticas como a destruição da estrada porto grande a vila Maranhão pelas carretas que carregam areia para a construção civil. Pelas contas de Beto do Taim o número de carretas chega a mil por dia. Além disso há a pressão por áreas para empreendimentos como silos de grãos. Perguntou se a Beto se a comunidade do Taim era proprietária de um silo construído do lado da comunidade.
as chapadas
Das chapadas que passaram as mãos de um único dono ou de vários donos porque as comunidades tradicionais de urbano Santos não compreenderam os seus papéis históricos na luta pela terra ficaram boas lembranças de momentos comoventes passados em conjunto. Esses momentos vividos se compoe de almoços nas casas dos moradores, subida as chapadas para ver os bacurizeiros floridos ou carregados ou apanhar bacuri no chão, correr de dois para ver quem chega primeiro nos pequizeiros plenos de pequis no chão ao redor, quebrar bacuris e provar a polpa. Em muitos casos, as áreas de chapada superam e muito as áreas baixas onde as comunidades moram. Imagine o impacto no ambiente a retirada de parte da ou de toda a vegetação da Chapada. Recentemente, viu se a consequência do desmatamento total de uma chapada em Pastos Bons. Sem vegetação para segurar a chuva, a água desceu rápido e inundou as hortas da comunidade. As chapadas são estratégicas para a manutenção do lençol freático e da biodiversidade. Os desmatamentos ocasionam a redução do lençol freático e a perda da biodiversidade o que acarretará impactos negativos na vida das pessoas e de outros seres vivos. E preferível vender suas chapadas como fizeram as comunidades de Bracinho em urbano Santos e Cabeceira da Tabatinga em Santa Quitéria ou e preferível segurar a chapada e tirar seu sustento dela por toda vida? A comunidade de jucaral preferiu segurar sua chapada a vê la sendo devorada por projetos de eucalipto ou de soja. Ela vem cercando 2500 hectares de chapada rica em bacuri com apoio do fórum Carajás. A região do rio preto onde a comunidade vive foi sendo ocupada por vários projetos de soja. Toda essa região era e ainda e rica em bacuri e agora se transformou em um grande campo de soja.
houve um tempo
Houve um tempo em que escutou muitas histórias a respeito das florestas de bacuri no baixo Parnaíba maranhense. Histórias de gente que se abaixava no chão para apanhar os bacuris; Histórias de bacurizeiros que um homem comum não divisava pela altura que chegava; Histórias de bacurizeiros cujas folhas cobriam os galhos e que lembravam a juba de um leao; Histórias de gente moradora da chapada aguardando a queda dos frutos ; Histórias de chuvas infindáveis e inevitáveis que varriam e banhavam o Cerrado; Histórias de pessoas distintas e inegociaveis; Histórias de carregamentos de bacuris; histórias de lagoas e cobras sucuris; histórias de sucos de bacuri a beira da mesa; historias de vendedoras de polpa de buriti; e Histórias de galinha caipira consumidas por pessoas pobres. Agora vê que essas histórias foram tantas e tão poucas devido a destruição do Cerrado maranhense que se verifica.
a cidade
A cidade sempre está incompleta na memória. Uma memória puxa outra. A cidade que chega aos dias de hoje por imagens rarefeitas por reformas. Tanto físicas como subjetivas. A matéria desaba sob o efeito do tempo e da ação do homem. Memória e matéria se mesclam num único cenário desprovido de certezas e a mercê de uma simples chuva. Gostava de andar pela cidade visível ou não. De ver as ruas ensandecidas e enlameadas pelas águas de uma chuva passageira sabia que várias ruas do centro terminavam onde hoje e seu início. Andava se um pouco e o fim de fazia visível. O visível era o fim. O fim foi se esticando para as partes baixas onde as pessoas manejavam os barcos e um pouco de suas vidas. Qual seria a sensação para essas pessoas se vissem como a cidade avançou para além dos seus limites?
no fundo
No fundo, no fundo, mora em boa parte da população brasileira um sentimento que se expressa bem forte com a seguinte expressão: "terra a vista". O brasileiro e um olheiro nato. Pega no ar um bom negócio ou uma inconveniência para seu lado. Quem primeiro gritou "terra a vista" não foi um brasileiro e sim um português, alguém pode contestar. Como também era português Pero Vaz de Caminha que escreveu a carta ao rei de Portugal Dom Manuel I dando conta do que encontraram em terra. Oficialmente, a carta de Pero Vaz de Caminha e considerada a certidão de nascimento do Brasil. Uma carta escrita por um funcionário público com os olhos voltados para negócios. O que os portugueses (futuros brasileiros) olharam: corpos, madeira, fauna exuberante , água e fartura de alimentos. Do navio olharam a terra e em terra olharam um pouco mais, mas não tinham meios para descrever a não ser o discurso técnico burocrático da corte. Por um bom tempo, a carta de Pero Vaz de Caminha foi um dos únicos documentos oficiais a discorrer sobre o novo mundo. O básico e desse básico a coroa portuguesa planejou a ocupação atraindo a nobreza com planos de riqueza. O brasileiro para qualquer cenário que aponte quer gritar terra a vista com todas as consequências que isso traz. No cerrado, não custa muito, alguém de fora grita terra a vista e outro escreve que nessas terras só vivem uns gatos pintados e seu valor muito abaixo do mercado vale o investimento. Que venham empresas para esses fins de mundo onde farão grandes investimentos e onde tirarão seus sustentos e os sustentos de seus acionistas.
a casa
Ninguém nasce algo. A pessoa vai se formando nas mãos da sociedade. A sociedade e do mesmo jeito. Ela se constrói, ela se estrutura pelas mãos de milhões de pessoas. A formação do gosto como um aspecto constitutivo da subjetividade e da personalidade da pessoa depende de vários contatos aprendizados e de informações. "Gosto não se discute", aquela máxima que defende o individual. Mas gostar não e só dizer ou escrever gosto e pronto. Deve se dizer ou escrever que gosta e responder o porquê do gostar. Porque o gostar vem inserido na linguagem, no discurso e na representação. Um amigo pediu para vistoriar a casa de um grande escritor falecido. A intenção era alugar a casa e nele desenvolver um projeto cultural. Dentro da casa, deparou se com um recinto amplo como todas as casas antigas e gostou do que viu. No momento, não teve como expressar o significado do seu gostar porque o tempo se mostrava exíguo. O que o levava a gostar vinha de antes da visita. O escritor e sua família moraram nessa casa e nela ele escreveu um dos seus livros. Só que a narrativa histórica literária não foi suficiente para garantir a estabilidade da casa. Numa cidade em que o património histórico artístico e urbanístico e mal visto e mal cuidado a casa corre um imenso risco de qualquer hora desaparecer. A responsável pelo aluguel pediu uma soma muito acima da realidade das pessoas. Qual é o gosto que se forma em uma realidade como essa em que a sociedade e as pessoas preferem ver a casa virar entulho do que um centro cultural
aluisio azevedo
Colocar as coisas em seus devidos lugares. Eis o mínimo que se exige de qualquer um. Podia dizer ou escrever sem se indispor com a dura e fria realidade que não conhecia Aluísio Azevedo. Não o vira em canto algum ou canto nenhum da São Luís onde nasceram os dois em tempos distintos. Nem poderia, não e verdade ? A figura de Aluísio como escritor carecia de uma forma determinada para que pudesse distingui lo de outros tantos escritores que assomam por aí. Com o tempo, Aluísio Azevedo se tornou um o seu herói literário muito por essa imprecisão. Em se tratando de Machado de Assis, só existe precisão. A sua vida pessoal interessa muito pouco a sua vida de escritor. Aluísio Azevedo fazia questão de misturar sua vida de escritor e sua vida privada. Conta se que paquerava com mulheres casadas e boxeava com os maridos caso viessem tirar a história a limpo. Para um jovem que começava a se interessar por literatura, esse e o tipo de heroísmo que atrai. No entanto, isso não é literatura. Nem tampouco o fato dele ser republicano e anti escravocrata faria supor que escreveria grandes obras. Ele escreveu dois grandes romances, pelo menos, cujos trechos guardava na memória. O cortiço e o mulato. Quanto algo fica na memória porque é duradouro. De o cortiço guardou principalmente a cena final em que a senhora negra se mata na frente de várias pessoas ao perceber que o comerciante português havia lhe vendido. Esse era o epílogo do romance, mas não o epílogo que muitos ansiavam. Pela narrativa pressupunha se que Aluísio manteria o desejo sexual como uma das unidades basilares do romance. Na verdade, com o epílogo Aluísio desmascara o desejo que vinha transparecendo em várias passagens. O que se vê não e mais o desejo. É mercadoria pois quando não há mais desejo o que sobra? O ser humano mercantilizado.
amos oz
Ao ler os grandes romances de Amoz Oz, escritor israelense do século XX, chega se a conclusão que boa parte do que ele escreveu e dispensável. Dar se ia um conselho para cortar metade de amor e trevas um livro que tem muito de nacionalismo e romantismo. Contudo, deve se ter um respeito tremendo para com o alheio. Não se diga corte porque não és o diretor guiando o escritor pelo livro. Acima do escritor existe alguém? Em um livro, o leitor não é o conselheiro e nem o diretor. O que o leitor e? Tem um outro livro de Amos Oz, Judas, que debate a figura histórica daquele que traiu Jesus Cristo e matou se. Passou pela cabeça a mesma sensação de Amor e Trevas. Cortar a metade. E um romance histórico diferente dos romances de formação do indivíduo burguês. E como romance histórico qualquer história e indispensável. Qualquer história que tenha relação com a história de formação do estado israelense. Judas e um romance histórico mas também um romance filosófico e religioso. Para ver como é difícil lê ló em determinadas passagens. Só que outras passagens superam os deslizes filosóficos como na que Amos Oz cita Gogol, escritor russo do século XIX que escreveu Almas Mortas uma sátira da vida rural russa. A personagem mais interessante de Judas aconselha ao personagem principal que deve ler Tolstoi, romancista romântico e épico, e que não deve ler Gogol, humorista e satírico, Quem já leu os dois escritores russos sabe muito bem porque o personagem fez esse comentário.
urbano santos
No depender da classe política, Urbano Santos em pouco tempo pode vir a se tornar um grande produtor de soja na região do Baixo Parnaíba maranhense. O papel exato da administração publica no avanço dos plantios de soja e da destruição do Cerrado em Urbano Santos fica bem explícito nas autorizações de uso e ocupação do solo dadas pela prefeitura nos últimos anos. A prefeitura realmente tem aparato técnico para analisar os pedidos dos plantadores de soja ou as autorizações são assinadas sem o mínimo de precaução? O que passa pela cabeça do responsável pelas autorizações na hora de assinar ? Que está cumprindo o seu papel de funcionário público ou que está apenas cumprindo ordens dadas por alguém acima? Sabe se que políticos nomeiam funcionários públicos de acordo com compromissos políticos com seu grupo e não com a sociedade. Antes da avalanche de desmatamentos, entendia se que urbano Santos não teria o destino trágico que outros municípios maranhenses tiveram. Anos e anos de projetos que tornariam a cidade uma Meca do eucalipto por parte da Suzano e outras empresas se viram infrutíferos. As empresas desmataram o Cerrado e plantaram eucaliptos que envelheceram sem nenhuma utilidade. Esperava se um pouco de seriedade tanto da Suzano como do setor público de destinar as áreas da empresa que todos sabiam serem griladas para as comunidades tradicionais. Não foi o que se viu. A empresa vendeu terras públicas para plantadores de soja em cumplicidade com órgãos públicos. O público nesse caso é privado. O iterma foi sempre um bom gestor em referência ao agronegócio. Quantos pedidos de regularização fundiária em prol das comunidades foram atendidos pelo iterma no cerrado maranhense? O órgão promete regularizar áreas pequenas. Quanto as áreas maiores que 500 hectares nem espere sentado. A atitude do governo do estado do Maranhão de negar os direitos das comunidades aos seus territórios, e para negar não precisa dizer não basta fingir que o problema inexiste, desemboca em violências. Físicas e simbólicas. Os plantadores de soja soltam seus cães pit Bulls que atacam as criações dos agricultores familiares.
Campo de batalha ou campo de extermínio?
Os troncos os galhos e as raízes espalhados pela Chapada do seu Chapa agricultor familiar de Urbano Santos fazem pensar que houve uma recente batalha da qual ninguém fora informado. Então, o título do livro de Javier Marias "Amanhã na batalha pense em mim" apareceu de repente. Com toda certeza, espécies como bacurizeiros pequizeiros e outras tantas não tiveram tempo para nada. De arrumarem suas malas, de vestirem roupas e coisa e tal. Foram arrancados do chão e deixados para que outros viessem e quebrassem em vários pedaços. Não tiveram tempo para clemência para pedir que parassem e etc. Pensar num campo de batalha leva a imaginar em lutas por algum direito por alguma causa nobre. Melhor pensar num campo de extermínio em que não se podia fugir. A destruição do Cerrado em Urbano Santos e um grande campo de extermínio iniciado pela Suzano papel e celulose anos atrás e sendo concluído por produtores de soja nos dias atuais.
um livro
Se num livro uma pessoa e capaz de esconder tanto a si como um cem número de pessoas imagine o que esconderia numa biblioteca. O senhor Ivanildo, morador de Urbano Santos, enviou uma foto de bacuris colhidos na sua chapada no povoado Cajazeiras durante a safra de 2023. A destruição do Cerrado de Urbano Santos continuando como está a tendência e a foto virar uma relíquia. Os plantadores de soja desmataram quase trezentos hectares pertencentes ao Ivanildo e seu pai. O Ivanildo pediu para que parassem o desmatamento. Os caras da soja disse para que saísse da frente do trator se não passariam por cima dele. Daqui a algum tempo pode ser que a maior parte da população venha a ter contato com o bacuri por versões pálidas e débeis de sucos nas lanchonete ou venha a ter contato com bacuri através de relíquias como a foto do Ivanildo datada de 2023
quarta-feira, 10 de abril de 2024
nao nos despreze
"não nos despreze", esse pedido inédito de Vicente de Paulo o afligiu. Como assim, desprezar ele e a família? Ainda mais naquele momento de perda da sua esposa e das constantes ameaças de perder a terra por conta das pressões exercidas pela família Introvini. "Não nos despreze" fazia sentido no contexto geral em que a família de Vicente de Paulo sempre viveu distante do povoado Carrancas sobre a Chapada e sempre contou com poucos amigos que pudessem chamar em horas dificultosas. "Não nos despreze" quer dizer "não nos esqueça". Por que não esqueceriam ? Por que não desprezaram? Tantos esqueceram e desprezaram. Quem esquece e despreza não quer saber do outro e de seus problemas. Mais fácil passar ao largo. O fórum Carajás tem por objetivo prestar assessoria aos movimentos sociais e comunidades em conflito. Esquecer e desprezar não cabe nesse objetivo.
mais desmatamentos
Quanto mais desmatamentos nas chapadas do Maranhão, menos bacurizeiros a florarem e menos bacurizeiros a darem frutos. E menos imagens como essa que Chico da cohab explicitou em 2007 na Chapada entre Chapadinha e Afonso Cunha: "Aquele bacurizeiro lembra uma juba de leão porque sua vegetação de tão descaída parece uma barba e uma juba". Essa fala se deu no momento em que o agronegócio começava a entrar nesse território. O grupo João Santos tinha um projeto na região mas não foi pra frente e as famílias oligárquicas se enfraqueceram em seus projetos impraticáveis. Essas áreas de Chapadinha e Afonso Cunha postulavam a riqueza do bacuri, riqueza ainda em voga. Por quanto tempo? As comunidades de Vila Borges Vila Chapéu Vila Januário e Buriti dos Boi persistem na coleta do bacuri ano após ano. Eles desceram na chapada de Buriti dos boi para receberem polpa de bacuri e quiabo. Andaram pelo quintal da família do Gilmar, liderança da comunidade. Prezava a pronúncia de Buriti dos Boi mesmo incorreta porque soava estranho numa sociedade que o normal é desmatar e ameaçar comunidades. Tantas e tantas vezes escutara agricultores e sertanejos conversando entre si como numa conversa codificada que só eles entendiam. Não entendia nada mas agradava a sonoridade. Tipo a conversa de um dos moradores de Buriti dos Boi. Ele viu uma cobra sucuruju no meio da estrada. Saia da Vila Borges e dirigia se a Buriti dos boi. Com o sol a pino. Na parte baixa de Buriti dos boi, alardeava se uma sequência de brejos. Muito brejo. Muito peixe que a mulher de Gilmar reclamou por não terem ido provar o peixe preparado no leite de côco. Tudo bem. O problema do caminho da sucuruju era que havia um campo de soja e campo de soja e violentamente seco. Passaram da sucuruju para outras conversas, caroço de bacuri, café com pao e por aí vai. De repente, chuva, chuva e chuva. O morador de Buriti dos boi concluiu que a cobra pressentiu que vinha chuva e que ela podia rastejar na boa pela chapada.
nabokov
Vladimir Nabokov escritor russo auto exilado nos estados unidos considerava Dom Quixote de Miguel Cervantes uma obra com vários defeitos no estilo. Por mais ácida que seja sua crítica, ele também ressalta a grandeza da obra em várias passagens e uma delas e aquela em que Dom Quixote faz um discurso exaltando o quanto havia de bom em décadas passadas e que esse bom ia se perdendo paulatinamente. Em seguida, Nabokov cita uma passagem de Rei lear, uma das obras máximas de Shakespeare, que trata da velhice e da perda da razão. Será que Cervantes em sua homenagem aos romances de cavalaria e Shakespeare em seus dramas teatrais trágicos nao queriam revelar que sim o mundo deles envelhecia e como consequência trazia e traria uma série de agravantes : perda da mobilidade da força física saúde mental do ambiente saudável dos amigos da família das histórias em comum da fartura das festas dos amores e das aventuras? Um mundo envelhecia e morreria e outro surgiria em seu lugar. Cervantes e Shakespeare não podiam prever que mundo surgiria no lugar no dos seus mundos até porque esse mundo está em renovação o tempo todo muito em função das forças liberadas pela burguesia. Vê se que no caso do Maranhão um mundo vem sendo posto abaixo diariamente pelas forças políticas e económicas que detém o poder. E um mundo quase feudal mítico e religioso que não se modernizou no devido tempo e que dá lugar a um mundo capitalista ou pós capitalista capitalizado e individualista sem que as estruturas sócio económicas realmente se alterem. Em recente reunião na comunidade de jucaral município de urbano Santos tratou se da tentativa de empresários da soja de grilagem 2500 hectares pertencentes a comunidade. Para desmatar fazer carvão vegetal e plantar soja com objetivo de exportar. Raimundo presidente da associação de Jucaral fez uma colocação interessante a um dos empresários: " vocês perguntam para que queremos tanta terra sendo que somos 500 pessoas. E vocês que são apenas quatro empresários e já possuem mais de quatro mil hectares e querem mais 2500 hectares. Para que vocês querem tanta terra?".
o suporte
O papel vem a ser o grande suporte da vida humana. Ele aceita tudo. Enverga qualquer peso, principalmente o peso da história. O arroz assim como o papel e um dos pilares da vida humana. O papel recebe a tinta, o arroz recebe o feijão a carne a farinha a farofa o ovo a banana o macarrão. A soja se tornou um suporte menos por sua historicidade e mais pelos investimentos pesados feitos pelo agronegócio pelos governos e pelos cientistas. Da para pensar que a soja veio de propósito para substituir o arroz. O açaí ou a juçara, como os maranhenses preferem falar como forma de se diferenciar do resto do mundo, suportou durante décadas a visão cheio de preconceitos de ser comida de pobre e ter gosto de terra. A verdade é que historicamente os pobres consumiam grandes quantidades durante parte do ano porque não havia outra coisa para comer e com relação ao gosto de terra: fazer o que? As raízes se alicerçam na terra. O açaí ou a juçara e um almoço como costumam dizer e como o arroz gosta de companhia. A farinha seca, a farinha dagua, o peixe, a carne, o camarão, cachaça, tudo comida e bebida que os pobres produziam e guardavam para consumir no ano ou em um dia no caso da cachaça. Tem gente que pergunta como é possível misturar cachaça com açaí ou juçara. Reza a lenda que para o açaí ou juçara não tem problema quando e consumido em primeiro lugar. Ocorrendo o contrário o negócio pega. E impressionante a capacidade do açaí ou juçara aceitar ser suporte de tantas culturas diversificadas de origem natural e industrial. O açaí ou a juçara absorve o leite ninho o leite condensado a granola o amendoim sem perder o gosto. Esse é um processo híbrido em que o açaí ou a juçara atua como espécie dominante. Também e um processo econômico com impactos significativos no social. A demanda cresceu violentamente nos últimos anos puxada pelo mercado interno brasileiro e pelo mercado internacional o que elevou os preços Pode esperar que futuramente o açaí ou a juçara faltem na mesa dos mais pobres.
o centro
De tantas perguntas, aquela jamais lhe ocorrera embora ela se fizesse presente de maneira implícita em vários de seus textos. O que era o centro para ele? Durante muito tempo o centro significou estar num lugar e ser impedido de andar por seus ambientes porque não era pro seu bico. Fique na sua e fique satisfeito com o que tem. Não tinha como ter um discernimento desse fato. Esse discernimento só viria com o tempo. O tempo sempre esteve ao redor. Indescritível em sua mudez. Sentia se ligado a um tempo que não sabia dizer ou muito menos escrever o que era. Nao perturbe o tempo. Ele está de passagem pelo que sobrou do centro. Pelas ruas que se esqueceu os nomes. Pelas praças vazias que os cidadãos vêem de suas janelas. Pelos casais de mãos dadas que entram na igreja para assistirem a missa. O que era o centro, não saberia dizer e tampouco escrever.
o amigo filosofo fotografo
O amigo filosofo fotografo teve dois insights muito bons em todos anos das amizades dos dois. Saiu muito para almoçar no centro de São Luís e em um desses almoços sugeriu ao amigo que escrevesse artigos que pisassem o tema dos pratos típicos. Em todas as cidades do Maranhão, as pessoas cozinhavam um prato típico portanto havia material literário e gastronómico para um livro. A outra ideia foi a de ler vencidos e degenerados de nascimento Moraes o mulato de Aluísio Azevedo e tambores de São Luís de Josué de Montello como a trilogia da escravidão da literatura maranhense. Nenhuma das ideias foi adiante mas vira e mexe elas voltam a tona. Elas se afixaram no fundo da memória dos dois e esperam que um dia resolvam botar as mãos na massa. A ideia dos pratos típicos vem mais a sua feição pois intencionava escrever um livro com um pé na história. E o outro pé estaria na filosofia e no jornalismo. Todos os três campos de conhecimento derivam da linguagem. O ser humano não seria nada sem a linguagem. Bacuri significa fruta que cai. Esse é o nome dado pelos indígenas que circulavam pelas matas muito antes dos franceses e portugueses aportarem no litoral maranhense. Por que eles deram esse nome? Porque a polpa do bacuri tem o seu melhor sabor ao cair. Se for derrubada do pé pela ação humana, a polpa perde sabor e e capaz do bacurizeiro não botar frutos no ano seguinte. O município de santa Quitéria por muitas décadas era conhecido por Bacuri. Quase todas as chapadas se enriqueciam de bacuri. Essa noção de chapadas repletas cobertas infindáveis de bacurizeiros permaneceu por muito tempo no pensamento das pessoas de santa Quitéria mesmo as pessoas se mudando para longe onde era escasso o bacuri. Uma professora lembrou de uma viagem que fez pelas férias em sua infância e que uma das paradas fora nas cabeceiras do rio preguiças ( ou fora nas cabeceiras do rio Buriti?). Os únicos alimentos encontrados nesse povoado atendiam pelos nomes de bacuri e farinha. E que precisava quebrar a casca do fruto para ver, pegar e comer a polpa. Ainda não dava pra fazer suco pois a energia elétrica era uma quimera.
trinta anos
Trinta anos de lançamento dos discos/CD da lama ao caos de Chico Science e Nação zumbi e samba esquema noise do mundo livre, o primeiro pela sony music e o segundo pela banguela records. E possível repetir a experiência social estética e histórica que abriu espaço para uma geração de artistas e intelectuais anos mais com a mesma originalidade e mesma criatividade ? Repetir em um locus diferente? Os títulos dos discos/CDs podem dar inicio a várias respostas para essas perguntas. Normalmente, o comprador dava pouca importância aos títulos dos disco/CDs. Apenas uma fonte de informação para quando chegasse na loja saber o que perguntar. Os títulos dos discos/CDs das bandas pernambucanas querem por a prova o comportamento desse comprador. Da lama ao caos e uma referência irónica ao lema da bandeira brasileira ordem e progresso e samba esquema noise e uma homenagem ao samba esquema novo de Jorge Ben. Chico Science e Nação zumbi fazem referencia a um fato do começo da república e mundo livre faz referência a um disco lançado no começo dos anos 60. Eventos que não se restringiram aos seus determinados momentos históricos e se propagaram pelas décadas seguintes. Ordem e progresso lema positivista vira lama e caos lema do mangue beat. Samba esquema novo de Jorge Ben aposta numa visão inovadora do samba principal gênero musical brasileiro com influências do jazz rock jovem guarda bossa nova. Fred 04 lider do mundo livre não acredita muito numa visão inovadora. O samba dos anos 60 assume outra personalidade nos anos 80 mais pagodeira mais classe média. O esquema assumiu conotações de crime nos anos 80 e noise pode ser a barulheira do rock como pode ser a barulheira dos tiros na favela. Chico Science e Nação zumbi e mundo livre relem a história do Brasil com os olhos voltados para a lama de Recife como também com os olhos voltados para os discursos que dominaram o cenário estético e artístico por décadas.
por que ler os classicos
Por que ler os clássicos, livro do escritor italiano Italo Calvino, foi uma das primeiras grandes leituras que fizera na sua vida de leitor nos anos 90. Italo Calvino pergunta no plural porque há vários clássicos na história da literatura universal. Um leitor brasileiro deve achar um exagero a forma como Calvino se pronúncia porque no máximo leu um clássico a vida toda. Um romance de Machado de Assis como o que quase todos leram no segundo grau. O que dava a entender que um livro clássico era um livro com muitos anos de existência. Sobre livros clássicos acabara de ver "Um homem sem qualidades" do austríaco Robert Musil do começo do século XX. Não diria que e um clássico no sentido deletério que essa palavra assumiu o de ser incontestável. Machado de Assis acabou assumindo esse sentido. O de ser incontestável. Ser clássico significa assumir sentidos imprevistos. Muitas pessoas ficaram em Machado de Assis e lá ficaram falando mal do que e clássico. Leram pouco e o resultado foi que seu vocabulário ficou limitado e um vocabulário limitado tolhe o pensamento. Quem quer viver com seu pensamento tolhido a vida toda? Por que ler os clássicos de Calvino a sua maneira oferecia saídas para a sinuca de bico em que o pensamento intelectual da sua cidade havia se metido. Lia se pouco e quem quisesse ler mais leria o que numa cidade tão pouco afeita a leitura e a produção textual? E numa cidade vista como clássica e histórica. Mas clássica e histórica em que sentido ? Por que ler os clássicos de Calvino respondia a esse questionamento de maneira bem singela e prosaica. Melhor procurar outros sentidos para essa cidade que se diz clássica e histórica mas que e iletrada.
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024
ukisses
"A maior volta possível e o caminho mais curto para casa"(James Joyce). Eis um paradoxo. Paradoxos só se sustentam no papel. Normalmente o caminho mais curto e uma linha reta. No entanto não está a se falar de uma cidade qualquer. São Luís e uma cidade sinuosa e marcada pelo improviso em suas avenidas e ruas. Linha reta somente em prédios e casas. As vezes surge inesperada uma curva num prédio como e o caso de um vizinho ao estádio de futebol Nhozinho Santos cuja esquina não e um canto e sim um semi círculo. As linhas retas são funcionais mas as curvas são charmosas. O bairro da liberdade é a própria sinuosidade. Uma das ruas tradicionais gira e não encerra seu trajeto pois continua numa outra rua. Os nomes das ruas pressupõe um pensamento meio diversionista. Uma recebeu o nome Luís Guimarães, uma outra de Gregório de Matos e mais pra frente lê se Epitácio pessoa. Denominava se de Japão o bairro mais abaixo. As brincadeiras de crianças vinham carregadas de paradoxos. E como se escreveu paradoxos se sustentam no papel no asfalto ou na calçada. A amarelinha ou cancão ia do número um ao número nove em forma de quadrado e finalizava no céu sob uma forma de abóboda. Linhas retas conviviam muito bem com semi círculos. As ruas e calçadas amanheciam riscadas de giz pelas crianças que brincavam de pega bandeira cola descola cola ajuda e etc. As ruas dificilmente amanhecem riscadas nos dias atuais. Quem vive da pesca sabe que veleja se de acordo com o vento e a maré. Não há linha reta. O pescador obedece um mapa mental e sentimental construído há décadas ou séculos. Aí vem aquela dúvida será que a empresa contratada para fazer os questionários sócio económicos das comunidades impactadas pela possível implantação de um porto na ilha de Cajual município de Alcântara observará essas sinuosidades da pesca e do transporte marítimo ou os pesquisadores acham isso de menos?