O Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Comunidades do Baixo Parnaíba e Fórum Carajás)
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021
O pregoeiro do sururu
Uma noticia de curta abrangência espacial e de curta temporalidade pode ser uma noticia extraordinária. O Marcos, morador do Monte Castelo, revelou que em trechos do rio Anil se verifica a presença de mariscos e de cardumes de peixes de água salgada que sobem o leito do rio na hora da maré encher. Ele costuma catar sururu próximo ao bairro da Camboa. Tem uma canoa pequena que mal dá para si e para outra pessoa se sentarem e remarem. No dia seguinte ao dia em que passa pescando e catando, Marcos percorre as ruas do Monte Castelo perguntando quem quer sururu (no paletó ou sem paletó) ou quem quer peixe fresco. O sururu, ele carrega numa lata dessas de manteiga e que o comerciante vende a varejo. O Marcos é quase um pregoeiro. Dá para associar a figura do pregoeiro a figura do trapeiro. Este coletava os trapos que a sociedade capitalista desprezava. Walter Benjamin, filosofo judeu marxista, em seu textos sobre Charles Baudelaire, escritor francês do século XIX, apontava semelhanças entre o trapeiro e o poeta porque seus trabalhos privilegiavam os desprezados pela sociedade. O pregoeiro saia pela cidade a oferecer cantando peixe, mariscos, verduras, frutas, juçara e etc porque o ludovicense pouco saia de casa para comprar mantimentos. O Mercado das Tulhas era o único mercado construído no centro de São luis e não vendia determinados produtos de primeira necessidade. Então, o pregoeiro é aquele que vende produtos em geral menosprezados pela sociedade, mas que na hora do aperreio da cozinha recorre aos seus serviços.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021
Cultura e poder nas eleições de São Luis
Estabeleceu-se uma noção pela qual as pessoas se guiam de que a praça é o local ideal para comemorações cívicas. Em 1996, a vitória de Jackson lago sobre João Castelo na disputa pela prefeitura de São Luis foi comemorada na praça Deodoro que, costumeiramente, era palco para manifestações político-sociais. Tocou-se Oração latina de Cesar Teixeira, compositor maranhense, musica que compunha o repertorio de qualquer militante de esquerda dos anos 80 pra frente. No entanto, o prefeito eleito Jackson Lago do PDT, logo que a musica terminou, elogiou a musica e perguntou quem a compusera. Quem escutou a pergunta se surpreendeu pela falta de conhecimento expressa nessa pergunta. A esquerda teve poucos resultados significativos na forma de lidar com a cultura e a arte em toda a historia moderna. Os intelectuais ligados a esquerda escrevem sobre politica, economia, educação e etc, porem escrever temas que tratem especificamente de arte e cultura sob um ponto de vista de esquerda é bem mais difícil de ler. Os intelectuais vinculados a escola de Frankfurt na primeria metade do século XX foram os que mais escreveram artigos e livros voltados para análise da relação cultura, sistema capitalista e sociedade civil. Um tipo de análise que muitos atinavam como heterodoxa porque nela o pensamento marxista não se fechava como uma concha impermeável a outras formas de pensamento e de análise da realidade. Uma critica frequente feita tendo por base a relação esquerda e cultura é que a esquerda ve a cultura e suas expressões como um mero componente do processo revolucionário ou um mero componente da chegada ao poder. Tem sua dose de verdade essa critica. A cultura e suas formas de expressão, historicamente, de forma velada ou de forma explicita, negavam os poderes (social, econômico, religioso e estatal). Ao abrirem mão de suas autonomias para defenderem um projeto ou mais de um, cultura e formas de expressão correm riscos de negarem suas próprias historias e conduzirem seus pensamentos para estruturas mais conservadoras. O segundo turno da eleição de 2020 em São Luis, entre dois candidatos conservadores, corrobora essa análise, pois os setores que pensam a cultura, interpretam-na e a reelaboram perderam ou não tiveram espaço na administração Edivaldo Holanda o que levou a que esses setores embarcassem no conservadorismo latente dos candidatos sem nenhuma objeção e sem nenhuma critica
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021
Modernidade modernização e cultura na republica velha
É mais correto escrever que o Brasil viveu períodos de modernização social e econômica e que as elites postulam um projeto de modernidade alicerçado nesses períodos de modernização. Contudo, não seria estranho afirmar que o Brasil vive um eterno período de modernização econômico e social visto que o Estado brasileiro jamais cessa de implementar politicas de incentivo a (des)economia e a (des)integração social. Em alguns momentos, o desejo de retomada do crescimento econômico que perpassa a modernização implica em tentativas de controle social e ideológico de aspectos da modernidade por parte do Estado ou de setores ligados ao Estado. Um desses aspectos é a produção cultural. A produção cultural pode ser controlada (poder não quer dizer que seja); a cultura é incontrolável. Uma das referencias de modernidade ou pre modernidade brasileira é o maxixe, gênero musical que mistura estudos clássicos e ritmos africanos. A cantora Lysia Condé antes de cantar o maxixe Corta-Jaca (composta por Chiquinha Gonzaga e Machado Careca em 1895), num show de lançamento do seu cd, relembra o escândalo que essa musica causou em 1914. A então primeira dama Nair de Tefé oferece um jantar de despedida para seu marido o presidente Hermes da Fonseca que deixaria o cargo dias depois. Como forma de abrilhantar a despedida, a primeira dama canta o maxixe Corta Jaca com catulo da paixão Cearense. Rui Barbosa, senador da republica e inimigo politico de Hermes da Fonseca, discursa contra o maxixe afirmando que “ele era a dança mais rasteira mais chula e mais grosseira das danças selvagens e era irmã gêmea do cateretê, do batuque e do samba.” Esse acontecimento ficou conhecido como a noite do Corta Jaca. Afora a grosseria, um pedaço da fala de Rui Barbosa salta aos olhos. Ele coloca o maxixe num mesmo patamar de outras manifestações, entre elas o samba. O samba ainda não era a maior expressão cultural do Brasil o que só acontecerá nos anos 30 quando o governo Getulio Vargas valorizará o samba como símbolo nacional. Essa critica de Rui Barbosa aponta para uma dificuldade de entendimento do que era modernidade ainda mais num cenário de estabilidade (inercia, preguiça das elites ) econômico e social e essa critica se fará presente em vários momentos da republica até o golpe de estado de Getulio Vargas em 1930.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021
A graça da panelada
O bar do Deco, na feira da Praia Grande, destina os dias de sexta e sábado para o mocotó. Não é que nesse dia se coma apenas mocotó. O cardápio vai de assado de panela, cozidão, fígado, pescadinha, pescada e etc. O mocotó ultrapassou a rotina dos bares e restaurantes da cidade de São luis. Ficou difícil, quase impossível, para alguns comerciantes oferecer mocotó todos os dias da semana. O preço dos itens para o preparo de um mocotó saiu da faixa de segurança muito motivado pela demanda que não decresce. O mocotó virou iguaria, após décadas de exclusão gastronômica, e quem não come um prato deve ( e alguns enfatizam esse desgosto) parecer um extraterrestre aqueles que assumidamente comem em um dia, pelo menos, da semana. O dia no qual o mocotó se tornará símbolo nacional se aproxima. O calendário marcará a data para que as pessoas se lembrem no exato instante em que acordarem. O horário preferido para comer é de manhã cedo e deve ser requentado para não perder as suas características historicas especificas e uma dessas características diz respeito ao fato de que quem o consumia eram pessoas que amanheciam, vindos da farra ou de atividades de trabalho. Para cada região ou estado haverá adaptações. Em Imperatriz, não se fala mocotó e sim panelada (panelada porque é feita em grande quantidade e numa panela de pressão) e aquele ou aquela que for experimentar a panelada imperatrizense pergunte onde fica as “quatro bocas”. Quem falar de mocotó em Imperatriz vai morrer esperando uma resposta. Difere se falar de panelada porque se pode ouvir uma defesa apaixonada do prato como se fosse a melhor comida da face da terra. Naquele espaço singular (as quatro bocas ou um box qualquer de mercado publico), certamente, a panelada (ops) o mocotó se equivale aos ou supera os melhores pratos gastronômicos, se bem que, mesmo nesse espaço singular, aparecerá alguma discordância vinda de alguém querendo “fazer graça” como foi o caso de Duarte Junior, então membro do governo Flavio Dino, que acompanhava a comitiva governamental na cerimonia de inauguração da reforma do mercado da Macauba, centro da cidade. Duarte Junior entrou na onda de provar o mocotó. Sem experiência, ele “fez graça” de quem parece gente do povo e não é.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2021
Brincar com as palavras
Os velhos caminhavam pela estrada do povoado Anajas dos Garces, município de Barreirinhas. Um carro parou ao lado deles e um ocupante perguntou: “Querem uma carona ? Vão para onde?”. Os dois velhos não tão velhos assim responderam a pergunta com ar juvenil: “Nós vamos as Tabocas.” Para responderem, eles acentuaram o s o que agradou ao ocupante do carro porque a forma que deram a resposta significava um frescor para a cultura daquele local. A fala diz respeito a cada um e diz respeito a como e com quem o individuo aprendeu a falar. O individuo as vezes não tem muito o que falar e para mostrar vivacidade enfatiza as poucas palavras que disponibiliza. O Divan Garcês, descendente de Divan Garcês 3, puxava uma prosa dentro do carro que os levavam de Barreirinhas ao povoado Anajas dos Garces. No mesmo carro, iam Mayron Régis, jornalista e presidente do Fórum Carajas, Edmilson Pinheiro, agrônomo e super secretario do município de Bequimão, e sua filha Ana Beatriz. Divan Garces foi ao fundo da memória com essas palavras; “Mayron Regis, aquele seu texto sobre as quitandas me recordou os comércios aqui da região. Um deles pertencia ao tio Binoca. O único comercio dos Anajas ao Gonçalo dos Moura.” Divan fala como se estivesse brincando com o som das letras que formam as palavras e as frases. Não é qualquer um que pronuncia Mayron Régis como ele o faz. O senhor Jose Emiliano, morador do povoado Buriti, brincou de outro jeito. Ele perguntou a uma jovem professora se lera a biografia de Santos dumont, brasileiro que inventou o avião. A professora respondeu que não. Dias depois, seu Emiliano retornou ao assunto e mostrou um livro com a historia do inventor brasileiro.
O deslocamento de Barreirinhas a comunidade dos Anajás dos Garcês demorou uma hora. Nesse intervalo de tempo Divan Garces presidente do Centro de Direitos humanos de Barreirinhas assoprou várias historietas de sua família e daquelas chapadas que interligam o seu município ao município de Urbano Santos. Uma das mais recentes dessas histórias foi a do bacurizeiro que joga seus frutos verdes sobre o chão da Chapada e quem passa pensa que foram derrubados por uma pessoa ou mais. Todos sabem que bacuri verde derrubado não presta. Nesse caso, contudo, como caíram naturalmente e só aguardar um pouco que os frutos amadurecem e podem ser comidos.
sábado, 13 de fevereiro de 2021
Comida de “gente pobre” nos quilombos do Maranhão
Uma lembrança que permaneceu dos anos 80 em São Luis foi a das quitandas (pequenos comércios familiares) dos bairros que se formavam nos subúrbios da cidade a partir da chegada de maranhenses (não só) vindos da zona rural do Maranhão. O final da década de setenta e o começo da década de oitenta promoveram a saída de várias famílias das suas cidades de origem, onde viviam em situação de pobreza, em direção a capital, onde rezava a lenda de que havia mais trabalho, mais comida, mais empregos, mais circulação de dinheiro e melhores condições de vida. As quitandas, de um certo ponto de vista, agregavam todos esses elementos e mais alguns outros como uma boa conversa acompanhada de uma rodada de cervejas e um bom tira gosto que nesses anos pouco variava. Na verdade, “bom tira gosto” era o que tinha na quitanda ou então a solução era mandar um menino comprar torresmo numa “invasão” vizinha. Em termos de “bom tira gosto”, o bebedor de cerveja que contava com a sorte podia ser servido com um prato de curimatá, peixe de agua doce. Pode-se dizer que foi o tira gosto mais sofisticado em anos e anos de cerveja e de quitandas. Com o decorrer do tempo, a curimatá desapareceu das cozinhas e dos pratos de São Luis. As pessoas não deram e não se deram conta porque se consumia mais carne e produtos industrializados que empurrou o consumo de peixes nativos e outros produtos tradicionais para as comunidades rurais e comunidades quilombolas do interior do Maranhão. Comida de pobre, subtendia-se. A visita ao quilombo Peixe, município de Colinas, em novembro de 2020, propiciou rever e provar essa comida de “gente pobre”, no caso um pratada de Curimatá frito na casa do Ironis, presidente da associação. O quilombo Peixe foi encurralado por fazendas de soja e eucalipto que grilaram seu território em vários pontos o que acarretou a perda de áreas de roça e áreas de extrativismo. Os fazendeiros/grileiros (políticos locais) desdenham da historia dos quilombolas “Nunca ouvi falar dessa historia” e continuam desmatando babaçuais e o cerrado.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021
Rua Aluisio Azevedo
As ruas e praças de São Luis sofrem de dupla personalidade ou até de tripla personalidade dependendo do caso. A rua do Sol antes de levar esse nome levava o nome de Nina Rodrigues, médico legista e psiquiatra. A praça João Lisboa, cujo nome homenageia o jornalista e escritor João Francisco Lisboa que morava à rua da Paz, um dia recebera a designação de Largo do Carmo em função da igreja do Carmo que fora construída no século XVII. Não é o caso de retornar ao ponto de partida como querem alguns que pleiteiam a mudança de praça João Lisboa para Praça do Carmo. A cidade de São Luis por mais católica e conservadora que seja ganha mais com a manutenção da homenagem a João Lisboa do que com retomar o primeiro nome. O jornalista João Lisboa representou um papel no ambiente intelectual e social da cidade de São Luis e do estado do Maranhão a que nenhum outro escritor coube no século XIX: a de tornar a língua portuguesa falada e escrita pelos maranhenses mais vívida. Pode ser que para as elites maranhenses tornar a língua portuguesa mais vivida tenha sido um erro da parte do jornalista que, por certo, agiu livremente para cumprir seus objetivos e esse ponto é que pega para as elites. As elites esperam que os artistas/intelectuais construam obras com amarras: a amarra da língua, a amarra do patrocínio, a amarra da ideologia, a amarra da censura e etc. O jornalista/escritor é um sujeito que desamarra a sociedade dos seus fios que não conduzem a nada. Aluisio Azevedo ao escrever “O Mulato” desamarrou os fios que ligavam a sociedade ludovicense a escravidão e ao tráfico de negros escravizados. “O Mulato” é um livro de desamarras. Ele pagou um preço bastante alto pela sua independência e pela sua capacidade de desamarrar preconceitos sociais. Poucos sabem em que casa da rua do Sol viveram Aluisio e sua família. A cidade de São Luis faz uma questão de esquecer seus intelectuais, artistas e escritores, mas a forma como trata a memoria de Aluisio é bastante sintomática de quanto o livro “O Mulato” provocou má digestão literária em seus leitores. A rua do Sol, que vive às moscas, com várias lojas fechadas e movimento de pessoas quase zero, poderia servir de contraposição ao processo de esquecimento executado contra Aluisio Azevedo e sua obra. Uma rua que se chamasse rua Aluisio Azevedo seria um bom começo.
A decadencia bonita do samba
A música “Domingo no Parque” é uma das músicas modernistas da década de 60 que comunicará aos grandes centros urbanos e industriais os efeitos que a tradição, o trabalho artesanal e as manifestações culturais sentiam devido aos sucessivos processos de modernização. Os nomes João e José dos personagens masculinos que disputam Juliana referenciam-se no texto bíblico o que pressupõe uma releitura jornalistica da Bíblia na qual são encontrados diversos relatos casos de violência. A letra da musica começa o enredo com uma apresentação dos dois personagens masculinos. José, que trabalhava na feira, é o rei da brincadeira e João, que trabalhava na construção, é o rei da confusão. José e João personalizam sob formas diferentes como as manifestações folclóricas eram vistas pela imprensa, especialmente, o samba que tanto recebia elogios por ser uma brincadeira popular como recebia criticas por descambar por brigas entre grupos de sambas. Pela lógica presente na sociedade pre capitalista brasileira, brincadeiras populares e violência não se separavam. A letra também situa as origens arcaicas do samba na confluência rural (feira) e urbano (construção). Segundo Gilberto Gil, João não quis saber mais saber de brigar e nem de jogar capoeira (pratica associada a brigas) ”saiu apressado,...para namorar”. Ou seja, o samba para se modernizar (não ser mal visto pela imprensa e pela sociedade) teria que abandonar suas raízes históricas de conflito interno (grupos de samba) e externo (forças policiais). Um dos resultados mais flagrantes da modernização é a pressa; ele “saiu apressado...para namorar” Juliana. A letra discorre bem sobre Jose e João, mas quase nada se sabe de Juliana. O que se sabe: Juliana é o sonho e a ilusão de José. Foi José quem decifrou os sonhos do rei do Egito. Então, José não decifrou o seu próprio sonho que o iludia. A ilusão é a forma como a subjetividade dialoga com o mundo externo. A visão de João com Juliana na roda gigante faz com que o diálogo da subjetividade de José com o mundo externo se rompa. Sem o saber, João rompe esse equilíbrio interno da cultura brasileira a fim de atender o seu desejo de namorar Juliana (opinião publica), observadora do mundo capitalista, nem que seja no alto da roda gigante. Circunscrever-se-ia a proposta de Gilberto Gil e do Tropicalismo na “Modernização do Samba” e essa modernização passava pela dissociação do ritmo das suas origens histórico-sociais, atualização do discurso e a renovação da base rítmica. O jornalista Pedro Alexandre Sanches, no começo dos anos 2000, renomeou esse processo modernizador de “Decadência Bonita do Samba”.
sábado, 6 de fevereiro de 2021
A vendedora de pirulitos
Um grupo de jornalistas, escritores, profissionais liberais, ativistas ambientais e sociais quer escrever um mapa de afetividades da região metropolitana de São Luis. Um mapa não se desenha e nem se escreve simplesmente. Ele passa, antes de tudo, por um processo de compreensão e por um processo de composição. O que é um mapa de afetividades? Seria um mapa daquilo que lhe afeta bem todo santo dia ou lhe afetou bem em algum momento de sua vida. Também pode ser um mapa de lugares, situações e pessoas que deixaram boas lembranças na sua memória. Lendo essas descrições, como não lembrar de imediato o que escreveu Marcel Proust em “No caminho de Swann”:
“Ela então mandou buscar um desses biscoitos curtos e rechonchudos chamados madeleines, que parecem ter sido moldados na valva estriada de uma concha de São Tiago. E logo, maquinalmente, acabrunhado pelo dia tristonho e a perspectiva de um dia seguinte sombrio, levei à boca uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madeleine. Mas no mesmo instante em que esse gole, misturado com os farelos do biscoito, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem a noção de sua causa. Rapidamente se me tornaram indiferentes às vicissitudes da minha vida, inofensivos os seus desastres, ilusória a sua brevidade, da mesma forma como opera o amor, enchendo-me de uma essência preciosa; ou, antes, essa essência não estava em mim, ela era eu. Já não me sentia medíocre, contingente, mortal. De onde poderia ter vindo essa alegria poderosa? Sentia que estava ligada ao gosto do chá e do biscoito, mas ultrapassava-o infinitivamente, não deveria ser da mesma espécie.[…]E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedacinho de madeleine que minha tia Léonie me dava aos domingos pela manhã em Combray (porque nesse dia eu não saía antes da hora da missa), quando ia lhe dar bom-dia no seu quarto, depois de mergulhá-lo em sua infusão de chá ou de tília...”. As meninas que estão a frente do projeto de escrever o mapa das afetividades na região metropolitana de São Luis um dia foram atrás de uma senhora que vendia pirulitos no centro de São Luis. Um padre a ensinara na arte da fabricação de pirulitos e através da venda destes ela criou os filhos. Por conta da pandemia de Coronavirus, a senhora se mantinha trancada em sua casa com a filha na estrada de Ribamar. Ela não cogitava desistir do seu pequeno negócio de pirulitos. Vender pirulitos era sua vida e o que ela mais desejava para o seu futuro pós pandemia.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021
O mercado
Quanto mais entradas, mais fácil fica para a pessoa entrar e sair de um lugar. O mercado da Praia Grande forma um quadrilátero com quatro portais, um em cada lado. O portal principal do mercado se volta para o local onde desembarcavam passageiros vindos da Europa, da África e de partes do Maranhão. É bastante comum encontrar pessoas, antes de embarcarem em direção a Alcantara, dando um tempo no mercado e esse dar um tempo pode ir desde um almoço, um lanche ou uma cerveja. O mercado da Praia Grande, a partir dessa perspectiva, seria um mercado como outro qualquer. Ele, porem, não nasce como um mercado varejista e sim como mercado atacadista no começo do século XIX, onde se armazenavam grandes quantidades de mercadoria. O interesse maior era exportar as culturas produzidas em larga escala e não comercializar em pequenas quantidades no mercado interno. A produção de alimentos de interesse para a sociedade (arroz, azeite de babaçu, feijão, farinha e etc) nunca ocupou posição de destaque no cenário politico e econômico do estado do Maranhão. Por isso, visualizar pessoas comprando alimentos ou se alimentando nesse mercado é motivo de celebração porque a pessoa não só se alimenta ou se alimenta sozinha (com seus pensamentos). A pessoa pode ir sozinha, mas ela conversa com o dono do restaurante, pergunta o que tem pro almoço, intromete-se na conversa alheia, comenta a reforma executada pelo poder publico (comentários argutos), o cliente chama o garçom de Bolsonaro e o garçom devolve “ e ai Braide?” e etc. O mercado deixou de ser um mero espaço de compra e venda de mercadorias com características agropecuárias tipiico do século XIX e transformou=se no século XXI num mercado de convivência entre pessoas de diversas classes sociais e de diferentes matizes políticos.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2021
A realidade asfixiante
Em toda obra de Machado de Assis, não há uma grande referencia a festas. Pode ser que haja um ou outro passeio, um ou outro jantar e um ou outro evento de grande magnitude, mas eles não são essenciais para a narrativa. Machado de Assis, por assim dizer, evitava as festividades (quaisquer que fossem) e se as abordava via com um certo desconsolo, um certo fastio. Uma energia gasta a toa. Para que gastar tanta energia em três dias ( Carnaval)? Ele não pretendia responder essa e outras perguntas. Como escrito anteriormente, as festas se apagavam perante a narrativa Machadiana. A provável razão para isso é que Machado de Assis se resguardava de qualquer tentativa de assedio a si e a seus escritos por parte de outros escritores e da sociedade de maneira geral. Quem lê machado de Assis e a critica a sua obra sabe que uma das primcipais criticas feitas é que ele é muito serio, reservado, cético e desapaixonante. O que se quer saber a seu respeito está em seus livros. Ou melhor, o que não que se quer saber, pois a obra de Machado de Assis nega completamente a representação do eu burguês como se convencionou. Machado de Assis construiu a personalidade de Bras Cubas, Bentinho e outras personagens os espelhando em personagens da sociedade brasileira e seus hábitos característicos e costumeiros. Não como a sociedade os via (os grandes proprietários) e sim como eles se viam e como eles viam a sociedade em que se inseriam. Não há uma fofoca, uma maledicência e etc. Mesmo a suposta traição de Capitu se dá na subjetividade de Bentinho e demonstra o total descredito da possibilidade dela tê-lo traído. Esse era o projeto de Machado de Assis (provar que a realidade social asfixiava a subjetividade a tal ponto que ela criava uma sobre realidade) e caso ele o revelasse nas suas primeiras obras (fase romântica) talvez ele (o escritor, o comentarista, o contista e etc) não sobrevivesse as criticas que surgiriam para coloca lo a prova.