Há uma discussão urgente que
deve ser travada e é uma discussão adiada porque entra num terreno espinhoso da
cultura e das relações entre segmentos sociais que interpretam e elaboram a
cultura. Não escreveria interpretar e elaborar cultura no seu dia a dia porque
como qualquer construção ela depende de uma passagem de tempo para que possa se
consolidar perante a sociedade. Uma
construção cultural precisa de quanto tempo para que ela possa ser analisada
devidamente? Josué
Montello, escritor maranhense do século XX, precisou de dez anos para escrever
uma crônica em que o assunto principal era o São João (São João maranhense, Baú
da Juventude, 1997). Ele retornava do Rio de Janeiro em 1946 e revivia os
festejos juninos em São Luis. “Exatamente
dez anos depois de ter saído de São Luís, torno a encontrar, numa noite de
1946, a mesma alegria, a mesma animação, a mesma riqueza de ritmos, de cores e
de movimentos, nas festas que se realizam no João Paulo, nos arredores da
cidade”. Esse trecho faz pensar uma pergunta: antes de mudar-se para o Rio de
Janeiro como Josué Montello via os festejos juninos afinal o trecho aludido foi
escrito dentro de uma diferença de tempo, dez anos? Pelo discurso de Josue
Montello, ele reencontra “a mesma alegria, a mesma animação, a mesma riqueza de
ritmos...”. Seria quase uma retomada do ponto de onde ele deixou as festas. A
essência das brincadeiras e do São João é a imutabilidade. A essa
imutabilidade, ele acresce a sua, pois, passados dez anos, ele vê as
brincadeiras como as deixou. Em sua narrativa, nenhum brincante comparece,
nenhum brincante se sobressai. Acaso ele se detivesse em algum brincante ou
alguma brincadeira especifica, o caráter imutável das brincadeiras se
desmancharia, pois um boi não é igual ao outro assim como um brincante não é
igual ao outro. Entretanto nem tudo é imutável na crônica de Josue Montello. As
pessoas não se dirigem mais a zona rural para presenciar os bois “Antigamente
as festas de São João se faziam em arrebaldes distantes de cidade: Anil,
Maioba, Turu e São José. Ultimamente, a animação maior é nos arredores de São
Luis, no bairro proletário de João Paulo onde existem um ou outro dos velhos
sítios e das velhas chácaras, que nos vieram do tempo do Império e do começo da
República. O casario, que era quase todo de palha, mudou muito, de uns tempos
para cá.”. O João Paulo é a novidade no
cenário das festas juninas e essa novidade é avaliada num contexto de mudanças
sociais (bairro proletário) e mudanças no visual urbano (casario mudou muito). Josué
Montello reconhece essas mudanças no discurso mas não no conteúdo. “Mas a festa ainda é a mesma”. A cultura é a
festa em si ou todo processo de construção das brincadeiras e da festa? O porque
da mudança das festas dos arrebaldes para os arredores de São Luis deveria
motivar algum interesse a levantar hipóteses. E a constatação da animação maior
como provar? Não só a festa ainda é a mesma, o autor Josué Montello não mudou
nada em dez anos.
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