O Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Comunidades do Baixo Parnaíba e Fórum Carajás)
quarta-feira, 31 de março de 2021
Politicas publicas e comunidades quilombolas
Na casa alheia não há muita escolha, ou come o que se tem ou fica com fome. Comia bem peixe de água salgada em São Luis, capital do Maranhão, que corresponde a peixes com bastante carne e com pouca espinha. Em 1998, a Fetaema (Federação de Trabalhadores em Agricultura do Estado do Maranhão) convidou a Associação Agroecologica Tijupá a participar de oficinas de politicas publicas no município de Matinha, Baixada Maranhense, que aconteceriam na sede do STTR. Politicas publicas são todas aquelas politicas de governo e da sociedade pensadas e criadas com vistas ao atendimento de parte da coletividade. A maioria da população exige grandes investimentos nas áreas de educação e saúde que são direitos assegurados pela constituição federal, contudo o pleno desenvolvimento de uma comunidade depende de investimentos em produção, abastecimento, segurança, transporte e etc. As comunidades rurais de Matinha, Viana e Penalva são em sua maioria comunidades quilombolas e que por muito tempo foram completamente esquecidas na discussão e implantação de politicas publicas especificas para esse setor. A região da Baixada maranhense é rica em peixe de água doce e por isso os quilombolas, os trabalhadores rurais e as populações urbanas consomem muito esse tipo de peixe. Ela é conhecida como a região dos lagos. Nas oficinas de 1998, o anfitrião era o Zé Foba, um dos diretores da Fetaema, que recepcionou um dos oficineiros, o qual nunca tinha andado por aquelas bandas e nem se lembrava se comera peixe de agua doce algum dia da vida. Não teve escapatória, comeu peixe de água doce, pela primeira vez ou pela segunda vez?!!!, e agradou-se tanto que peixe passou a constar mais vezes no seu cardápio pessoal.
terça-feira, 30 de março de 2021
O ato de xingar
Em toda sua existência, se xingara dez vezes fora muito. Nem os amigos que fazia xingavam. Quem xingava vivia a margem, pensava dessa forma. Vivia a margem como a família do Capitão Caverna, uma casa em um dos cantos da rua Luis Guimarães, bairro Liberdade, uma casa na qual ninguém entrava. Ele conversava amenidades e elogiava os vizinhos, mas bem no fundo sentia vontade de soltar um palavrão ou um xingamento. Divertia-se com essas expressões que violentavam os ouvidos e os bons modos. Associava essas expressões a figuras marginalizadas que não dispunham de um vocabulário rico. Uma injustiça linguística social porque xingar e praguejar independia de classe social e poder econômico. Mais do que qualquer outra coisa, essas expressões significavam se libertar daquilo que o segurava em seu intimo. Tinha essa percepção, percepção que adiantava nada, afinal fazer o que com a liberdade (fazendo um jogo de ideias com o nome do bairro)? Não soube o que fazer com a liberdade. Soube aprecia-la no devido tempo. Um amigo xingou de leproso um politico, um xingamento das antigas que os mais novos evitariam de ter contato. O ato de xingar se perdeu. Não para sempre, com certeza. Chamar um amigo de canalha faz bem pro coração e fortalece os laços de amizade.
sexta-feira, 26 de março de 2021
Batuque na cozinha
“Batuque na cozinha/ Sinhá não quer/ Por causa do Batuque/ queimei meu pé”. João da Baiana compôs “Batuque na cozinha” em 1917 e a gravou cinquenta anos depois numa parceria com Pixinguinha e Clementina de Jesus. Martinho da Vila a interpretaria em 1971. A distancia entre o ano da composição e o ano da gravação revela o quanto a produção artístico/intelectual de caráter popular demorava décadas até encontrar espaço na produção industrial voltada para a classe média urbano. Essa demora fez com que parte da produção cultural do Brasil ficasse escondida para o publico consumidor. Musicos tradicionais e publico consumidor dependiam da sorte de que um musico ou um produtor musical descobrisse por sorte aquela musica que todos sonham em compor e todos sonham cantar. Herminio Bello Carvalho produziu em 1968 o disco “Gente da Antiga” onde aparecia a musica “Batuque na cozinha”.
O tempo era de abobora
O tempo era de muita abobora. Os quilombolas de Jaguarana, município de Colinas, transportavam sua produção em cima do lombo de jumentos e a jogavam a beira da estrada de piçarra que liga o quilombo ao asfalto. As aboboras se amontoavam em vários pontos o que podia transparecer que ninguém as queria. Na verdade, um caminhão as buscaria para leva-las aos mercados consumidores. Os preços pagos pelos comerciantes aos quilombolas variam para baixo. Isso decorre pelo excesso de produção e por não haver outros compradores interessados em comprar a abobora. Um desses montes de abobora pertencia a dona Regina, presidente da associação dos moradores de Jaguarana. Ela também é professora do município de Colinas, função que exerce desde 2002 ano em que prestou concurso e pelo qual foi selecionada. Na sua juventude, Dona Regina só foi duas vezes a cidade de Colinas. A distancia de Jaguarana a Colinas perfaz mais de trinta quilômetros. Se não era fácil sair de uma comunidade rural e ir estudar na cidade, imagina sair de uma comunidade negra e pobre. O Ironis, presidente do quilombo Peixes, explicou que uma das formas de endividar os mais pobres e os negros era oferecer transporte numa situação de extrema dificuldade. Uma forma de pagamento era entregar um pedaço do terreno ao motorista. Os quilombolas tiveram que sujeitar a esses termos de cobrança se não a pessoa adoecia e morria na comunidade sem assistência medica. De terreno em terreno, o grileiro/motorista ergueu uma fazenda de milhares de hectares em cima da comunidade quilombola de Peixe fazenda esta que seu filho vendeu partes para plantadores de soja. A Dona Regina enfrenta situações parecidas em seu território da Jaguarana e também envolve plantadores de soja. Jaguarana é um assentamento do Incra mas no final das contas é um quilombo onde é vedado a venda de terras para pessoas de fora do quilombo. O quilombo é um território tradicional onde se respeita as relações tradicionais de cultura produção e de família. A entrada de plantadores de soja no território Jaguarana e em outros territórios tradicionais implica na subversão dessas relações e na incorporação de valores alheios a comunidade.
segunda-feira, 22 de março de 2021
modernismo maranhense
O movimento começou cedo no hotel à beira da pista da cidade de Colinas, sertão maranhense. A dona do hotel abriu a cozinha e preparou o café dos hospedes porque as cozinheiras não compareceram. O hospede desejou bom dia a proprietária e vasculhou com as mãos os livros enfileirados sobre a mesa. Hospedara-se antes e não se lembrava de te-los vistos. O livro de cima o cativou pelo nome “A bagaceira”. Onde ele lera aquele titulo? Segurou-o e abriu enquanto tomava café. A apresentação do livro obedecia a velha tática de despertar o interesse por alguma característica especial, “um dos marcos do modernismo brasileiro junto com Macunaima”. A edição se gastara com o tempo. Ele viu nisso mais uma boa razão para convencer a proprietária a lhe dar o livro o que de fato aconteceu. Um dos seus assuntos preferidos: modernismo. Quantos estados nordestinos viram surgir expoentes do modernismo em seus quadros literários? Quantos maranhenses seriam classificados como modernistas? Uma vez indagou a uma bibliotecária se ela entendia Josue Montello como escritor modernista. Ferreira Gullar, sem tirar nem por, do qual lera “Poema sujo”, englobaria as características de um escritor/poeta modernista: subjetividade, fragmentação, a quebra no discurso e etc. Essas características não via em Josue Montello, porem essa é uma visão parcial do modernismo ou dos modernismos. Pode ser que alguém pense o contrario.
Os negros e o rio Itapecuru
No livro "Largo do desterro" de Josué Montello pode se ler vários trechos em que o personagem principal Major Taborda encontra se em deslocamento (ele não para em casa quieto) ora pela cidade de São Luís ora pelo rio Itapecuru principal via de acesso do interior do Maranhão para a capital. São Luís e o principal ponto de partida e de chegada das histórias vividas pelo major Taborda. A cidade de São Luís não seria nada sem os deslocamentos do Major para rezar uma missa na igreja de Santana procurar um antigo amor em Caxias ou ir morar em sua fazenda rodeado de escravos no município de Itapecuru. O rio Itapecuru deu nome ao município e pelo rio transportou se vários negros escravizados para morarem e trabalharem em fazendas de algodão e fazendas de gado. E bem possível que muitos negros jamais tenham visto a cidade pequena que fosse ou um lugarejo que fosse em sua totalidade ou se viram foi por pouco tempo afinal o propósito da vinda desses negros era trabalharem como escravos nas fazendas e nelas viveriam até morrerem. Essas fazendas que hoje plantam soja e cujos proprietários intimidam/ameaçam as comunidades Quilombolas de municípios como Colinas, Parnarama, Matões, Caxias, Codo e São João do Soter.
sexta-feira, 19 de março de 2021
O heroísmo da vida moderna
Com o tempo, você descobre que os heróis não existem de fato. Lia as revistas em quadrinho, Marvel e DC Comics, e contava os dias para ler a continuação da historia na edição do mês seguinte. O mês de julho de 1983 decepcionou os leitores jovens porque a revista de Vanth Dreadstar, personagem do quadrinista americano Jim Starlin, não chegou as poucas bancas de revista de São Luis. A banca que eles compravam ficava na Casa Inglesa que também servia de parada de ônibus para os moradores da Liberdade, Fé em Deus, Camboa e parte do Monte Castelo. A distribuição da revista Vanthh Dreadstar simplesmente parou de acontecer. O personagem Vanth Dreadstar era o protótipo de herói que agradava a jovens que se desinteressavam dos heróis clássicos das revistas em quadrinhos porque misturava tecnologia e magica, lutava contra uma Igreja e um imperio que dominavam quase todo o universo, fazia parte de um grupo de heróis heterógenos ( um mago meio ciborgue, um gato humanoide e uma jovem) e porque era o único sobrevivente da Via Lactea. Ler quadrinhos de heróis desenhados por americanos era o máximo de heroísmo moderno a que sua imaginação podia chegar. Pode parecer pouco, mas ler revista em quadrinhos ou um livro numa cidade que oferecia poucas oportunidades de acesso a leitura deve ser visto como um ato de heroísmo e que sem esse ato de heroísmo o leitor verdadeiro deixaria de existir para aparecer em seu lugar um tipo de leitor que fingiria ler como forma de agradar a sociedade inculta e iletrada;
quinta-feira, 18 de março de 2021
Construção, Chico Buarque
Dificilmente, um samba será lembrado na voz de seu compositor original. Um comentário malicioso nos anos 90 dava conta que a intepretação de Chico Buarque para suas próprias composições não se comparava a interpretes como Maria Bethania. Quem fez esse comentário queria mais se emocionar com Bethania do que discutir politica sob o ponto de vista buarquiano, se é que existe esse ponto de vista. Quem sabe, existe sim e é apegando-se a esse ponto de vista que várias parcelas do publico reivindicam um samba e uma musica popular brasileira mais politizada e menos alienada com referencia aos problemas enfrentados pela sociedade. Em geral, a análise musical literária no Brasil tende a se afastar de qualquer analise que busque relacionar samba e seus gêneros aparentados com uma visão critica da realidade. O samba se tornou símbolo nacional não por acaso e não por mero favor das elites. Ele passou por um processo de depuração e de adequação para que pudesse virar um símbolo de fácil aceitação a nível nacional. Um ritmo que se identificava com a cidade do Rio de Janeiro foi aos poucos ganhando os corações e as mentes de quase todos os brasileiros. Nesse processo depurativo, o samba foi sendo reconstruído por compositores, interpretes, sociedade e meios de comunicação. Alguns mais, outro menos. A bossa nova, nos anos 50, deu inicio a essa reconstrução estético social em plena consonância com as transformações econômicas pelas quais o Brasil passava. O samba precisava ser modernizado assim como o Brasil só que modernizar a cultura é bem mais fácil do que modernizar as estruturas de um pais arcaico e conservador. Será que é tão fácil modernizar a cultura, sem que os efeitos danosos dessa modernização sejam sentidos mais cedo ou mais tarde? Chico Buarque, na musica “Construção” de 1971, contempla do alto no que deu a modernização exercida pela bossa nova sobre o samba tradicional, sobre outras expressões artístico culturais e sobre a rotina do trabalhador em casa e no seu ambiente de trabalho. A letra de “Construção” é toda voltada para o passado num pais que se auto proclamava o “pais do futuro”. Amou, beijou, atravessou e etc. E “Construção” talvez seja a musica que Chico melhor interpreta em sua carreira.
Francisca do São Raimundo: mulher camponesa, militante social, agora Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores (as) Familiares de Urbano Santos-MA.
Uma jovem que primeiramente foi militante das CEBs, mais tarde líder de igreja e Associação Comunitária, depois militante dos Direitos Humanos, hoje presidente eleita do STTR, uma das maiores entidades sociais de Urbano Santos-MA. Francisca do São Raimundo é uma mulher simples, guerreira, agricultura, extrativista e militante dos direitos humanos. A luta estar em seu sangue e vem desde sua infância como jovem quebradeira de côco para o sustento da família, como extrativista e defensora do meio ambiente em sua comunidade, como líder da Associação dos Trabalhadores Rurais do Povoado São Raimundo em defesa das chapadas, da terra... da Reforma Agrária, como participante do Fórum em Defesa do Baixo Parnaíba, da Sociedade Maranhense dos Direitos Humanos - SMDH e do Fórum Carajás. Filha de Dona Mariota e Seu José, mãe de família... A menina Francisca começara sua história como militante dos direitos humanos na região do Baixo Parnaíba nos velhos encontros de comunidades da região, participando ativamente e incansavelmente. Lembramos que no Encontro de Comunidades do Baixo Parnaíba Maranhense de 2006, Francisca esteve lá, um dos mais importantes eventos - realizado na Comunidade Quilombola de Bom Sucesso dos Pretos. Francisca esteve também em tantos outros "Encontros no Baixo Parnaíba-MA" e em outras caravanas e marchas de trabalhadores rurais. E também no Encontro de Militantes em Defesa da Vida em Porto Alegre - Rio Grande do Sul, sendo desta vez, convidada para participar de uma experiência em Moçambique / África, mas não foi possível a viagem, por motivos de forças maiores. Francisca Maria dos Santos Araújo foi eleita a terceira mulher Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agriculturas Familiares de Urbano Santos na eleição sindical do dia 07/03/2021 com um número significativo de votos -, dos 1050 eleitores (as) listados (as) nos cadernos de votação, ela teve a maioria de 543 votos válidos depositados em sua pessoa. Sendo a sucessora natural da atual presidente do órgão - Maria Noemia Silva de Sousa, que também desenvolveu um grandioso trabalho durante sua gestão, na base e nos serviços sociais internos do Sindicato, ficando portanto um legado ímpar do trabalho coletivo. Com o empenho dos companheiros e companheiras, apoiadores e apoiadoras, pelo serviço prestado da atual diretoria, recebeu como reconhecimento a maioria dos votos dos associados áptos a votarem e também dos aposentados e pensionistas contribuintes da casa. Sua pasta que ainda representa, antes da posse, marcada para o início de abril é, a Secretaria de Finanças, Formação e Organização Sindical, onde com dedicação prestou um excelente trabalho para o desenvolvimento do Sindicato juntamente com a Presidente Maria Noemia e toda equipe da atual diretoria e conselho deliberativo. Como Presidente, pretende desenvolver a Agricultura Familiar, reorganizar as delegacias sindicais, trazer projetos para os homens e mulheres do campo através de parcerias, inclusive com a Secretaria de Agricultura do Município. Começa agora um árduo trabalho para avançar cada vez mais durante os próximos quatro anos. Deseja-se sucesso e êxitos, apostando no potencial de luta dessa nova administração Sindical que segue seu curso rumo à boas vitórias e conquistas. Sua palavra é gratidão aos que acreditaram em sua luta e história de vida.
José Antonio Basto
quarta-feira, 17 de março de 2021
As aparências enganam
Dizia para si mesmo que as suas ambições se resumiam a ambição do espirito. Se pudesse arriscar, diria que essa ambição espiritual se contrapunha ao estado de coisas em que a sociedade se encontrava no final dos anos 70. Para quem morava num bairro periférico da cidade de São Luis, o sentido da ambição, normalmente, colava-se ao não conformismo com a situação econômica e social que predominava na vida da maioria das pessoas. A situação econômico social do pais causava insatisfação no intimo de cada um sem que essa insatisfação se exteriorizasse. Externar sua opinião?!!! Escrever as coisas como elas realmente são?!!! A necessidade de ganhar o pão diário para a família e escolarizar os filhos restringiam ao máximo as ambições individuais. Eram poucas as profissões que pagavam bem numa cidade cujos recursos vinham do governo federal. Para quem pensa que ganhar dinheiro resolvia o problema da humanidade, enganou-se. Devia-se ganhar dinheiro e ser exemplar nem que fosse na aparência. Não tinha como ganhar muito dinheiro e ser “exemplar” na periferia de São luis que ninguém dava a mínima para o que rolava. Sentia-se na pele e na consciência essa dificuldade. Enfim, buscava-se ser “exemplar” sem perder o espirito e suas ambições indecifráveis a olho nu.
terça-feira, 16 de março de 2021
A biblioteca Agatha Christie
De tantos livros que lera em tantos anos qual o marcara? Possivelmente, nenhum. Lera por demais da conta e difícil que um livro se sobressaísse na fortaleza subjetiva que construira. Nem mesmo um autor tinha a capacidade de furar o bloqueio que instituira em seu consciente. Havia um autor que conseguira a sua atenção por vários anos, no entanto não lia nada dele fazia um bom tempo e só lia os comentários de outros a seu respeito. Poder-se-ia afirmar que nessa atitude se, ele carregava um certo demérito. Onde se viu abandonar o autor que despertou a sua consciência literária em plena adolescencia? Se fosse possível reveria sua atitude de ler tantos autores e privilegiar um autor ou um grupo seleto de autores? Queria aprender rápido o que o escritor argumentava para passar para outro e para outro. Esperar o quê? Inconsciente, procedia assim. No começo de sua carreira de leitor, a pre adolescência, a sua leitura favorita atendia pelo nome de Agatha Christie, escritora inglesa de suspense do começo do século XX. Caso soubesse que um amigo possuía um livro dela, pedia emprestado sem hesitar porque era simples pedir emprestado naquela altura da vida. Um desses “pobres coitados” era amigo de um amigo seu e morava numa casa pequena situada numa rua paralela a sua no birro da Liberdade. Ao entrar nessa casa, o tamanho da biblioteca, boa parte Agatha Christie, impressionou-o. Esqueceu de perguntar algo que o informasse da vida solitária daquele senhor. O leitor vê a sua próxima aquisição literária, nada mais. Com certeza, vendo-o de novo, depois de tanto tempo, perguntaria dele e de sua vida e providenciaria um conto do pouco que ele revelaria.
segunda-feira, 15 de março de 2021
o cachimbo faz a boca torta
A imagem do ócio se associa, em alguns casos, a imagem de uma pessoa sentada. Ela pode se sentar para ler, conversar, escutar uma música, pitar um fumo ou fumar um cachimbo. A senhora negra, em seus momentos de ócio, cachimbava. E ela cachimbava com os seus cabelos brancos seguros por um pano. Diferente de quem fuma um cigarro, que fuma olhando para frente, quem cachimba o faz olhando para o lado (o cachimbo faz a boca torta). O ato de fumar aparta o individuo. O ato de cachimbar aparta ainda mais a pessoa que pratica dos demais. O fumar se reveste de elegância para se justificar perante a sociedade (justificativa moral e estética). Quem cachimba se defronta com a velhice (sem elegância). É seu único passatempo.
A principal nascente do Preguiças
Os anos 2000 no Maranhão foram exemplares na promoção de alguns debates que serviram, no mínimo, para mostrar aos maranhenses uma realidade que muitos desconheciam ou fingiam desconhecer. Um desses debates, que acabou virando uma disputa, era determinar qual a nascente mais importante do rio Preguiças. Esse debate na sociedade civil e nos meios de comunicação acompanhava o interesse que o rio Preguiças despertava nas pessoas que visitavam a cidade de Barreirinhas, onde se localiza a foz do rio e onde se localiza o parque nacional dos lençóis maranhenses. As pessoas recebiam propaganda do parque dos lençóis maranhenses, viajavam para desbrava-lo e como bônus desciam e subiam o rio Preguiças com paradas em determinadas comunidades ribeirinhas onde almoçavam uma comida típica e apreciavam as belezas naturais da flora e da fauna. O turista não se contenta em consumir apenas a paisagem. Ele consome informações que ao voltar para seu habitat propagará com mais ou menos ardor dependendo da qualidade do material. “ Essa água toda vem da onde mesmo, hein?”. Os municípios ao longo da bacia do rio Preguiças foram tentando responder essa pergunta. Até determinado momento, todo mundo cria que a principal nascente do rio Preguiças ficava na Barra da Campineira, município de Anapurus. Não demorou muito, surgiu a conversa que a nascente mais alta do rio ficava nas Veredas, município de Barreirinhas. Esse debate se complicou porque não foi um debate cientifico e sim um debate social, politico e econômico. O turismo ganhava força e os municípios achavam que tinham direito a um pedaço do quinhão. Os municípios abriam os olhos para os possíveis ganhos do turismo mas fechavam os olhos para a destruição causada pelo agronegócio da soja e do eucalipto nas cabeceiras do rio Preguiças. O Divan Garcês, morador dos Anajás, povoado de Barreirinhas e bacia do rio Jacu, afluente do Preguiças, confirmou que a principal nascente é realmente a Barra da Campineira em Anapurus e de la o rio se enrola e desenrola-se por vários pequenos povoados em Anapurus, Urbano Santos e Barreriinhas, só que o município de Anapurus não faz mais questão de ser lembrado por esse fato afinal a Suzano Papel e Celulose desmatou a maior parte das Chapadas que sustentavam a nascente e plantou no lugar do Cerrado os seus eucaliptos. As pessoas que moram na Barra da Campineira não tem mais água para beber ou para qualquer outra coisa, pois a água do Preguiças dá de beber aos plantios de eucalipto da Suzano.
sexta-feira, 12 de março de 2021
Um almoço de agradecimento
Na comunidade de Santa Vitoria, município de Timbiras, eles foram agraciados com um almoço preparado pela Cleo, agricultora familiar e quebradeira de coco babaçu. Atrasaram-se poucos minutos porque a corrida de São Luis a Timbiras levou quatro horas. No carro alugado em uma locadora, seguiam três pessoas, uma forrageira comprada em Santa Rita, mudas de muringa e livros. As pessoas presentes dentro do carro: Mayron Régis e Edmilson pinheiro, do Fórum Carajás, e Antonia Calixto, da CPT. O objetivo da viagem: doar a forrageira para as mulheres quebradeiras de coco babaçu do povoado Santa Vitoria. O jornalista Mayron Regis, em visita anterior, perguntara a dona Francinelia, moradora do povoado, o que ela fazia com os cocos babaçus em seu quintal. Uma pergunta meio obvia que ela respondeu “produzo azeite de babaçu”. “A senhora gostaria de ganhar uma forrageira?” ”Claro que sim. A forrageira que tira azeite para nós fica longe.” A dona Francinelia se ressente de problemas sérios de saúde que se agravaram nas ultimas semanas devido a intimidação que o delegado de Codo e também vereador exerceu sobre ela e seu marido. O delegado queria saber por que o marido de dona Francinelia e outros moradores do povoado não se apresentaram na delegacia de Codo depois de receberem intimação. Os moradores de Santa Vitoria disputam mais de três mil hectares com a família que se diz proprietária e com os pretensos compradores ( um deles é cearense) que iniciaram um desmatamento ilegal contando só com uma licença da secretaria municipal do meio ambiente. O desmatamento foi paralisado e receberam uma multa da secretaria de meio ambiente do estado do Maranhão. A intimação do delegado era para que os moradores explicassem o motivo de não aceitarem o acordo de receberem cinco hectares proposto pelos proprietários. O delegado chegou a casa de dona Francinelia e exigiu que o seu marido assinasse a intimação a qual ela disse para ele não assinar. Isso provocou no delegado um acesso de fúria que pressionou a dona da casa em vários momentos. Como ele não conseguiu o seu intento, teve que voltar para a cidade de Codo de mãos abanando. Essa intimidação do delegado fez com que a dona Francinelia desconfiasse de qualquer estranho que chegasse a sua porta, ainda mais porque o marido trabalhava em uma fazenda alguns quilômetros adiante. O jornalista Mayron Régis explicou o trabalho que pratica no Forum carajas e que esse trabalho representava o Fundo Socioambiental Casa que apoiava indivíduos e famílias em situação de conflito. Ela não gostou quando ele quis fotografa-la mas gostou da conversa da forrageira. Tendo noção da precisão dela e das demais mulheres da comunidade, a equipe do Fórum Carajas resolveu doar uma forrageira para as quebradeiras de coco de Santa Vitoria. O almoço feito pela Cleo, um almoço em que três pessoas mal deram conta e que dava para alimentar um batalhão, foi uma forma de agradecimento a essa iniciativa do Fórum Carajás.
domingo, 7 de março de 2021
O frango caipira
Esse texto é uma forma de prestar homenagem a alguém. Divan Garcês concentra em si tanto a obsessão pela aventura de Dom Quixote como a lealdade do seu servo Sancho Pança. Acaso a análise se prendesse a fisionomia, Divan passaria facilmente por Sancho Pança sem o Dom Quixote, pois ele anda sozinho pelas ruas e Chapadas de Barreirinhas. Sem dom Quixote não há Sancho Pança e vice-versa e por essa razão Divan Garcês é Sancho Pança e Dom Quixote na mesma pessoa. Havia um tempo que não se viam, Divan Garcês, do Centro de Direitos Humanos de Barreirinhas, Mayron Régis e Edmilson Pinheiro, do Forum carajás Muito pelos problemas de saúde do Divan que apareceram nos últimos anos, os quais mudaram sua rotina de vida, e também porque o Fórum Carajás dedicava sua atenção para outros municípios do Cerrado maranhense. Uma brincadeira que pode ser feita com relação a Divan Garces e que ele fala pelos cotovelo. Outra brincadeira é que não para quieto. Mesmo com problemas de saúde , ele assumiu a direção do Centro de Direitos Humanos de Barreirinhas e representa as comunidades de Anajás, Buritizinho e Moura, bacia do rio Jacu. O Fórum Carajás e o Centro de Direitos Humanos de Barrerinhas conseguiram levar em 2012 um projeto de criação de galinha caipira para essas comunidades com apoio do Fundo Socio Ambiental Casa. Ele articulou as comunidades para implantarem e desenvolverem o projeto que atenderia não só as comunidades citadas como também as comunidades de Bartolomeu e Onça. O projeto objetivava principalmente o incentivo à produção de galinhas caipiras como forma de geração de renda e como forma de segurança alimentar. Em termos cartesianos é bem isso ( O formulário do Casa é bem objetivo). Só que quando se trata de Divan Garcês vem sempre algo mais. Os frangos e as galinhas cresceram e os participantes do projeto no Anajas dividiram entre si. A família do Divan ficou com alguns e entre eles se sobressaia um galo que segundo Divan cantava magnificamente bem e que seu irmão segurava com os braços e acariciava. Divan, a mãe e o irmão abateriam todos menos esse porque ganhara seus corações. E num belo dia um carro atropelou o frango deixando seus donos consternados. Sim, essa historia é verídica e homenageia Divan Garces
sexta-feira, 5 de março de 2021
Plantadores de soja ameaçam quilombolas em São João do Sóter
Luis Alves de Lima se credenciou como principal comandante do exercito brasileiro ao liderar as forças militares que reprimiram as revoltas populares no Brasil imperial da primeira metade do século XIX. Uma dessas revoltas, a qual ele comandou a repressão, foi a Balaiada revolta de negros e homens pobres que começou em 1838 e terminou em 1841 e que teve como um dos seus epicentros a cidade de Caxias, estado do Maranhão. A Balaiada não teve um centro nervoso como outras revoltas tiveram e seus efeitos foram sentidos em boa parte do leste maranhense e nos estados do Piaui e Ceará. Algumas das áreas remanescentes de quilombo do estado do Maranhão se originaram a partir da fuga dos negros escravizados durante a Balaiada. A repressão a Balaiada, que comandou de maneira vitoriosa, valeu a Luis Alves o titulo de Barão de Caxias e com a campanha bem sucedida contra o exercito paraguaio anos mais tarde ele receberá o titulo de Duque de Caxias. O exercito brasileiro se viu obrigado a se modernizar para combater o exercito de Solano Lopez e para isso recrutou toda sorte de brasileiros: brancos pobres, negros escravizados e gente da fronteira (gaúchos). Em nenhum outro momento, o Brasil vira tamanha reunião das mais diversas populações que formavam o pais em prol de uma causa, se bem que essa causa (derrotar Solano Lopez) será manchada pelas suspeitas que a campanha servia a interesses ingleses que desejavam a submissão dos paraguaios aos seus projetos capitalistas. Como bem escreveu Millor Fernandes “A Historia no Paraguaia não é a mesma da Historia no Brasil”. A Historia dá voltas e quando menos se espera paraguaios, gaúchos, brasileiros pobres e negros se reencontram no estado do Maranhão e na cidade de São João do Sóter, que antes fazia parte da cidade de Caxias. Um grupo de fazendeiros (dois paraguaios e um gaúcho) ameaçam a comunidade quilombola de Jacarezinho que retem mais de cinco mil hectares em seu território. Os fazendeiros saíram de suas terras de origem para desmatar o Cerrado Maranhense e plantar milho e soja. Eles detem as propriedades de várias fazendas no entorno do território quilombola mas desejam entrar nos terrenos dos quilombolas e para isso se valem de documentos falsos. A comunidade de Jacarezinho é uma comunidade quilombola reconhecida pela Fundação Palmares, cujo relatório antropológico, que comprova a sua ancestralidade, foi concluído pelo Incra do Maranhão. Os fazendeiros querem trazer para si as terras quilombolas de Jacarezinho na marra, na base de ameaças e na base de tratores o que configura crime. Antes o que mobilizava o estado brasileiro e a sociedade brasileira era a destruição do inimigo comum que podia ser negros fugidos pelo interior do maranhão ou que podia ser um “ditador” paraguaio; hoje o que mobiliza o estado brasileiro e a sociedade brasileira é a destruição de outro inimigo comum, as comunidades tradicionais que impedem a destruição do meio ambiente e dos recursos naturais para a implantação de projetos de monocultura.
quinta-feira, 4 de março de 2021
Musica é movimento
Musica é movimento
O nome “Fuzileiros da Fuzarca” não o deixava em paz. Queria por queria escrever algo que retratasse esse bloco tradicional do carnaval ludovicense. O oficio do escritor corresponde ao oficio do desenhista; nem sempre, quer dizer, porque algumas linhas, contornos e cores que são suficientes para o desenhista não o são para o escritor, pois escrever também é movimentar o texto, incorporar a dinâmica da cidade e de seus cidadãos, escutar as conversas alheias que saem das casas (sem pedir licença) e invadem as ruas. Um dia, ele conversava com uma amiga e tocaram no nome de “Fuzileiros da Fuzarca” que ela, imediatamente, relacionou com o ritmo do carnaval tradicional de São Luis. O ludovicense foi apegado a esse termo tradicional como poucos na face da terra brasilis. Deixou de ser na hora que a cultura se mercantilizou. O som dos blocos tradicionais, durante o carnaval, toma as ruas do centro da cidade (não é pouca coisa). Defende-se a tese de que o período de São João é o período que o ludovicense mais se identifica em termos de festejo, bem mais que o carnaval, só que o São joão traz a marca da zona rural para a cidade enquanto que o carnaval revela uma outra cidade em pleno centro. Os blocos tradicionais desfilam e tocam seus instrumentos musicais pelo centro em alguma praça ou em alguma rua pouco reverenciada. Esquece-se fácil das ruas e das praças de São Luis o ano todo. No carnaval, esse esquecimento desaparece porque quem gosta do som dos blocos tradicionais vai atrás deles por qualquer lugar que passem.
segunda-feira, 1 de março de 2021
A mineração assombra Santa Quiteria
Um numero grandioso chega aos seus sentidos. Você não sabe o que fazer porque se assombrou e assombração, sabe como é, melhor não mexer ou melhor deixar escapar para o lugar de onde veio. As comunidades tradicionais de Santa Quiteria se assombraram com pedidos de autorização de uso e ocupação de solo para mineração em seus territórios. Um deles é da Suzano papel e Celuose, empresa de papel e ceulose, que entrou com um pedido de onze mil hectares na secretaria de meio ambiente do município de Santa Quiteria. O Ivanaldo, morador da comunidade Pau Serrado e membro do Centro de Direitos Humanos de Santa Quiteria, soube da historia por acaso. Sentou pra conversar com o secretario de meio ambiente que lhe perguntou de supetão: “Ivanaldo, desde quando a Suzano mexe com mineração? Que eu saiba ela mexe com eucalipto.” O Ivanaldo olhou a documentação e ficou muito assombrado porque havia além do pedido da Suzano papel e Celulose outros pedidos de uma empresária de Balsas, de uma pessoa da Boa Hora e de uma pessoa da Barra da Onça. Ao todo, o tamanho da encrenca chega a vinte e oito mil hectares de mineração que podem afetar agricultores familiares, extrativistas, quilombolas, ribeirinhos e outros segmentos da população de Santa Quiteria. O senhor Ruimar, ex-presidente da associação Barra da Onça, em conversa com o Centro de Direitos Humanos de Santa Quiteria e com o Forum Carajás acertou com precisão um dos porquês desse projeto da Suzano: “O STF proibiu a empresa de cortar os seus plantios de eucalipto no Baixo Parnaiba. Essa é uma forma dela ganhar dinheiro.” A Suzano Papel e Celulose é uma empresa do ramo de papel que mantem relações com empresas de mineração, caso da Vale. Essas empresas de mineração, com auxilio dos governos, pesquisaram o subsolo do Brasil e sabem onde tem minério. Não se sabe ainda qual minério, informação mantida em segredo. Em 2020, um morador da região pediu uma autorização para minerar em algum lugar do município. O funcionário quis saber qual era o lugar. O senhor segurou a informação. O que não é segredo para qualquer cidadão: caso esses pedidos de mineração sejam aceitos as bacias hidrográficas do rio Preguiças, rio Buriti, rio Preto e rio Parnaiba sucumbem porque a mineração impacta diretamente o lençol freático.
A cidade singular
Santa Quitéria, baixo Parnaíba maranhense, poderia se escrever, pertence ao reino do improvável. O mais provável seria que ela se comportasse como qualquer cidade interiorana. Nenhum atrativo extraordinário, somente os atrativos comuns para pessoas comuns. A cidade, entretanto, segue uma lógica bem própria. Existe uma cena de rock. O motorista que faz frete da sede do município a zona rural escuta pop dos anos 80, rock e MPB. O filho do dono da pousada liga o spotyfire e rola Skank e pop inglês numa noite em que as pessoas não saem de casa por causa da chuva. Há alguma coisa de singular nessa cidade que realmente leva as pessoas a não aceitarem o senso comum. O nome dessa cidade e Santa Quitéria mas ela também e conhecida por Bacuri. Os pés de bacuri (bacurizeiros) desenham boa parte das Chapadas com seus galhos tortos e secos. Eles vem e vão por toda parte e as comunidades tradicionais se usufruem de seus frutos. O bacuri não e um fruto qualquer e nem pode ser usufruído de qualquer jeito. Nos últimos anos, a Suzano papel e celulose trouxe o eucalipto para rivalizar com os bacurizeiros. Não conseguiu. Sem a espécie do bacurizeiro, as comunidades tradicionais se empobreceriam muito. Para frear o avanço do eucalipto sobre as áreas de bacurizeiro e de outras espécies importantes para as comunidades tradicionais, a câmera de vereadores de Santa Quitéria aprovou uma lei que proíbe desmatamentos. A cidade de Santa Quitéria e realmente uma cidade singular.
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