O Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Comunidades do Baixo Parnaíba e Fórum Carajás)
quarta-feira, 12 de agosto de 2020
Choque de linguagens
Enganara-se. O Foto Sombra não era mais na esquina da rua do Passeio com a praça Deodoro. Achara que ainda veria o letreiro Foto Sombra por sobre a entrada da loja. Que engano tosco. Em seu lugar, uma farmácia. Ou o Foto Sombra se mudara ou deixara de existir. Não perguntaria o que acontecera porque seria uma pergunta idiota para o seu interlocutor “ em que local de São Luis você mora?”. As lojas em que se revelavam fotos perderam espaço e vez com as novas técnicas de fotografia. Deixou saudades? Ele conduzia o olhar pelos frontais dos casarões modernizados pelo comercio local. Um foi suficiente para entretê-lo. “Memorial Cândido Riberio”. Quem fora Cândido Ribeiro? Deram o nome Cândido Riberio a uma rua, mas um memorial em sua homenagem lhe surpreendeu. Ele pensou em entrar por alguns minutos e analisar o ambiente como se fosse um pesquisador muito interessado na historicidade de São Luis. O papel de pesquisador não lhe cabia. Caber-lhe-ia mais o papel de observador das prateleiras de uma livraria católica onde cavucou o livro “Observações Filosóficas”, de Ludwig Wittgenstein, filosofo positivista austríaco do começo do século XX. Os trechos do livro que lera resvalavam na matemática. Não é por acaso esse resvalo, pois a prosa de Wittgenstein elimina a subjetividade em busca de uma pureza do enunciado. Quase cometeu a indiscrição de inquirir a vendedora “ que esse livro faz na prateleira de uma livraria católica?”. Manteve a politica de boa vizinhança e comprou dois livros católicos que a mãe pedira. A discussão em torno da linguagem sempre lhe cativou e, provavelmente, a leitura de Wittgenstein traria poucos dissabores. A linguagem que se ouve nas ruas, rapidamente, pegando no ar, talvez lhe trouxesse mais estática. Uma menina conversava com a mãe sobre um dinheiro ou algo parecido. Desentendeu tudinho. Esse choque de linguagens prevaleceu na chegada dos negros, no porto de São Luis, que vieram trabalhar como escravos nos engenhos de cana de açúcar instalados na zona rural do Maranhão.
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