O Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Comunidades do Baixo Parnaíba e Fórum Carajás)
sexta-feira, 31 de julho de 2020
Um angelim de outros tempos
O ambiente em que a pessoa vive diz muito sobre ela. Aspectos recônditos da vida social da pessoa, porem, são desvendados no ambiente de trabalho. Próximo aos campos de soja do André Introvini, o povoado Cacimba, município de Buriti, é ambiente de moradia para algumas pessoas e em tempos atuais e foi ambiente de trabalho para outras pessoas em tempos passados. O assunto aqui a ser tratado passeia pelas voltas que o mundo dá e que as pessoas nem sempre se dão conta disso. O Vicente de Paula, morador do povoado Carrancas, indicou o caminho que levaria ele e os amigos ao povoado Cacimba. Ele e sua filha Santana, uma das mais novas, roçaram a Chapada do povoado Cacimba em 2002; ela completara quinze anos. Vicente e Santana se mudavam de ambientes assim que eles se esgotavam para a agricultura familiar em direção a outros ambientes com pouca presença humana e pouca atividade econômica. Essa dinâmica exigia muito esforço físico da parte deles (caminhar, roçar, plantar e carregar a colheita sob sol bruto). Era pegar ou largar. Onde dava, eles pegavam a oportunidade de roçarem e, se possível, coletarem frutos. O quintal da casa de um dos proprietários da Cacimba se enchia de mangas de tantas mangueiras que se comprimiam por lá.
Vicente e os amigos queriam conversar com o Alberto, herdeiro de um dos antigos proprietários, e com o Deusdetih, genro de Manoel Carlos, amigo de Vicente. Alberto herdara 120 hectares da mãe e administrava a propriedade como aprendera com seus parentes. Os pequenos e médios proprietários concluíram que eles não precisavam inovar nem na administração da propriedade e nem no trato dos seus agregados. Agregado não é bicho que se conta a não ser na hora de pagar renda para o proprietário. O Deusdetih não é proprietário e não é agregado pois detem uma posse de 11 hectares. Então, não paga renda para o proprietário e não paga impostos para o Estado. Está por sua conta e risco. Os dois estranharam a presença do jornalista Mayron Régis e do engenheiro agrônomo Edmilson Pinheiro que, juntos com Vicente, explanariam sobre os projetos de criação de frango caipira que o Fórum Carajás oferecia a eles. O Alberto parecia pensar “o que esses caras vieram fazer aqui, eu não chamei eles”. Pensaria na proposta e daria resposta ao Vicente de Paula, foi sua resposta. O Deusdetih sofria de uma perna menor que a outra o que dificultava o seu movimento como se viu no momento em que se levantou da cadeira para falar com a esposa. Na sua posse de 11 hectares, moravam ele, a mulher, os filhos e o sogro Manoel Carlos, que se recuperava de um derrame cerebral. Os frangos que a família criava morriam de gogo e Deusetih achou melhor não receber o projeto devido a essas mortes.
A passividade era inerente ao ambiente e as pessoas. Essa passividade contribuiu com a entrada do agronegócio em Buriti. Os agregados faziam parte do mobiliário objetivo e do mobiliário subjetivo dos proprietários. Os proprietários mudavam a posição dos agregados conforme os seus projetos e conforme os seus humores. Inúmeras foram as famílias de agregados que os proprietários relegaram a menos de dez hectares, após venderem suas proprieddes para os plantadores de soja. O Alberto mantém duas famílias de agregados em sua propriedade. As familias de agregados, por enquanto, não correm riscos de sairem dos terrenos onde construiram suas casas porque o Alberto não pretende vender a propriedade que herdou para os "gaúchos". Os agregados de Alberto vivem do outro lado do rio Preto. De tanto ver o rio Preto baixo, consequência de uma década de invernos fracos, Vicente se impressionou ao ver como as águas do rio subiram. Vicente também se impressionou com uma arvore chamada Angelim, madeira nobre: “E um Angelim de outros tempos”.
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