O Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Comunidades do Baixo Parnaíba e Fórum Carajás)
sexta-feira, 10 de julho de 2020
a panela preta
Na hora da foto ela ficara com vergonha de sua famosa "panela preta" ser vista por outras pessoas, além da gente que é acostumada em sua casa. E ainda mais, quando se trata de postagens na internet que mais tarde pode virar domínio público. Explicava então que tomaria todos os cuidados necessários caso permitisse a publicação do texto e da imagem da panela, pois muita gente gosta de ler e apreciar as tradições e coisas da roça. Mas ela não sabia da importância de se possuir uma [panela preta] daquelas que tem seus mais de meio século de existência, pertencera sua avó, depois seus pais, ultrapassara as barreiras do tempo até a terceira geração. Panela de ferro no fogo de lenha, o tempo lhe deixara preta pelo excesso de fumaça das "trempes de pedras" - (três grandes pedras que servem de fogão). Pensara-se numa prosa, quando o Viajante voltasse de seu ofício. Há dias não caminhara por aquelas bandas. Resolveu então mudar o trajeto da viagem, saíra do leste e fora para o oeste. Regiões diferentes pelo clima e pelas vistas, matas e florestas... lagoas e alagadiços... opostos, com situações socioambientais incomuns. O objetivo da escrita não era aquele, os desafios fazem parte da vida humana desde a criação do homem; mas as vezes é preciso falar de novas esperanças para um mundo novo - mesmo que esse pensamento seja utópico ou venha cair num romantismo. A prosa se ensaia em direção às vivências dos povos tradicionais, sua cultura e tradições que alimentam a vida, seus problemas agrários, as belezas naturais numa dose de poetização sociocultural e socioambiental. O Viajante abancara ali naquela moradia, seus anfitriões o convidara para degustar um prato de "quibebe de abobora", feito na velha panela de ferro. [Quibebe é um prato de origem africana, típico da culinária brasileira preparado principalmente nos quilombos rurais e comunidades tradicionais da Região Nordeste. É um purê de abóbora que acompanha, geralmente, carne, frango, camarão ou peixe. A palavra "quibebe" é um termo originário da língua (“quimbundo kibêbe” -, que significa angu ou massa de tubérculos, mandioca, abóbora, batata...etc...). Esta língua ainda é falada em algumas regiões da África Oriental. Chegou ao Brasil com os negros que foram escravizados. Um dedo de prosa! Enquanto os pratos esfriavam na mesa. Falava-se nas roças de verão, na produção e preços da farinha de puba que teve suas elevações pelos fenômenos anteriores. A hora era chegada, ouvia-se o chamado, a carne e o peixe seco estavam na brasa... chiando... acompanhariam o quibebe, o cheiro era bom. Cedo da manhã, uma dose de energia certa após uma "pratada"- de mingau de abóbora com leite de coco babaçu e carne assada. Lembrava-se dos tempos antigos quando tudo era diferente nas comunidades rurais do interior; quando os mais velhos se alimentavam bem com produtos naturais e orgânicos; viviam longo tempo porque sabiam disso. Alguns modos de vida foram caindo no esquecimento ao longo das décadas, infelizmente, uma perda para a cultura. Deve-se manter o que ainda restou. E a panela preta? Uma foto apenas com o purê de abóbora que estava ao fundo. Ela não sabia da repercussão e valorização dos que visualizaram a imagem da panela e do quibebe! A famosa panela que também torra café de coco, esquenta a água para pelar leitão, cozinha peixe ao leite de coco e arroz na palha de banana. Incrível suas utilidades... orgulho de sua dona. Após a merenda extraordinária o Viajante seguira rumo aos campos arenosos em busca de novas aventuras e conteúdos para seus pedaços de prosa. Ele voltaria para mostrar aquela Senhora a curta, simples e modesta matéria, fruto do seu talento e manutenção dos modos de vida dos povos que moram, trabalham e vivem nas comunidades tradicionais.
José Antonio Basto
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